2. Introdução
Este episódio localiza-se no canto IX dos dez que constituem Os
Lusíadas. Os Lusíadas dividem-se em quatro partes: a
preposição, a invocação, a dedicatória e a narração onde se situa
este episódio.
Para além destas quatro partes, a obra está dividida em quatro
planos: a viagem de Vasco da Gama, a história de Portugal, o
mitológico e as reflexões do poeta, sendo que este episódio
pertence ao plano do maravilhoso.
3. Simbologia da Ilha dos Amores
A Ilha dos Amores simboliza o
reconhecimento dos feitos do povo
português através de
uma recompensa – a celebração de
um casamento entre as ninfas e os
portugueses, em que Camões os
eleva a um estatuto divino, é como se
dissesse que quem pratica feitos de
tal magnitude, merece a
imortalidade ”Por feitos imortais e
soberanos/O mundo cos varões que
esforço e arte/Divinos os fizeram,
sendo humanos”.
4. Estrutura externa e interna
Quanto à estrutura externa, o episódio de “Tétis e da Ilha dos
Amores” está localizado no canto IX, compreendido entre as
estancias 52-53,66-70,88 a 95.
Quanto à estrutura interna, é predominante o plano mitológico.
5. Análise das estancias(52-53)
De longe a Ilha viram fresca e bela,
Que Vênus pelas ondas lha levava
(Bem como o vento leva branca vela)
Para onde a forte armada se enxergava;
Que, por que não passassem, sem que nela
Tomassem porto, como desejava,
Para onde as naus navegam a movia
A Acidália, que tudo enfim podia.
Mas firme a fez e imóvel, como viu
Que era dos Nautas vista e demandada;
Qual ficou Delos, tanto que pariu
Latona Febo e a Deusa à caça usada.
Para lá logo a proa o mar abriu,
Onde a costa fazia uma enseada
Curva e quieta, cuja branca areia,
Pintou de ruivas conchas Citereia.
Anástrofe – alteração da ordem comum das
palavras na frase – realça a distância com que
a ilha foi observada pelos portugueses.
É Vénus quem coloca esta ilha no caminho dos
portugueses
A ilha apresenta-se numa “enseada/curva”.
6. Estancias(66-67)
Mas os fortes mancebos, que na praia
Punham os pés, de terra cobiçosos,
Que não há nenhum deles que não saia
De acharem caça agreste desejosos,
Não cuidam que, sem laço ou redes, caia
Caça naqueles montes deleitosos,
Tão suave, doméstica e benigna,
Qual ferida lha tinha já Ericina.
Alguns, que em espingardas e nas bestas,
Para ferir os cervos se fiavam,
Pelos sombrios matos e florestas
Determinadamente se lançavam:
Outros, nas sombras, que de as altas sestas
Defendem a verdura, passeavam
Ao longo da água que, suave e queda,
Por alvas pedras corre à praia leda.
Descrição da reação dos navegadores ao
chegarem à ilha e dos seus intentos –
descansar e caçar.
7. Estancias(68-69)
Começam de enxergar subitamente
Por entre verdes ramos várias cores,
Cores de quem a vista julga e sente
Que não eram das rosas ou das flores,
Mas da lã fina e seda diferente,
Que mais incita a força dos amores,
De que se vestem as humanas rosas,
Fazendo-se por arte mais formosas.
Dá Veloso espantado um grande grito:
"Senhores, caça estranha, disse, é esta!
Se ainda dura o Gentio antigo rito,
A Deusas é sagrada esta floresta.
Mais descobrimos do que humano espírito
Desejou nunca; e bem se manifesta
Que são grandes as coisas e excelentes,
Que o mundo encobre aos homens imprudentes.
“Subitamente” percebem que aquela não é uma
ilha qualquer.
Discurso de Veloso: - Apercebe-
se de que se trata de uma ilha de
deusas e sugere que as sigam.
8. Estancia 70
"Sigamos estas Deusas, e vejamos
Se fantásticas são, se verdadeiras."
Isto dito, velozes mais que gamos,
Se lançam a correr pelas ribeiras.
Fugindo as Ninfas vão por entre os ramos,
Mas, mais industriosas que ligeiras,
Pouco e pouco sorrindo e gritos dando,
Se deixam ir dos galgos alcançando.
Continuação do
discurso de Veloso
Comparação
Metáfora
Realçam a velocidade com que
os navegadores tentaram
alcançar as Ninfas.
9. Estancias(88-89)
Assim a formosa e a forte companhia
O dia quase todo estão passando,
Numa alma, doce, incógnita alegria,
Os trabalhos tão longos compensando.
Porque dos feitos grandes, da ousadia
Forte e famosa, o mundo está guardando
O prêmio lá no fim, bem merecido,
Com fama grande e nome alto e subido.
Que as Ninfas do Oceano tão formosas,
Tethys, e a ilha angélica pintada,
Outra coisa não é que as deleitosas
Honras que a vida fazem sublimada.
Aquelas proeminências gloriosas,
Os triunfos, a fronte coroada
De palma e louro, a glória e maravilha:
Estes são os deleites desta ilha.
Após a realização de feitos
grandiosos há a recompensa do
herói:
-Mitificação do herói.
-Excecionalidade dos portugueses
Dupla
adjetivação
10. Estancias(90-91)
Que as imortalidades que fingia
A antigüidade, que os ilustres ama,
Lá no estelante Olimpo, a quem subia
Sobre as asas ínclitas da Fama,
Por obras valorosas que fazia,
Pelo trabalho imenso que se chama
Caminho da virtude alto e fragoso,
Mas no fim doce, alegre e deleitoso:
Não eram senão prêmios que reparte
Por feitos imortais e soberanos
O mundo com os varões, que esforço e arte
Divinos os fizeram, sendo humanos.
Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte,
Eneias e Quirino, e os dois Tebanos,
Ceres, Palas e Juno, com Diana,
Todos foram de fraca carne humana.
Após a realização de feitos grandiosos há
a recompensa do herói.
-Mitificação do herói.
-Excecionalidade dos portugueses
Dupla adjetivação
Enumeração dos deuses que antes de o
serem eram humanos – confirma que a
imortalidade é o prémio dos que praticam
grandes ações.
11. Estancias(92-93)
Mas a Fama, trombeta de obras tais,
Lhe deu no mundo nomes tão estranhos
De Deuses, Semideuses imortais,
Indígetes, Heróicos e de Magnos.
Por isso, ó vós que as famas estimais,
Se quiserdes no mundo ser tamanhos,
Despertai já do sono do ócio ignavo,
Que o ânimo de livre faz escravo.
E ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro
Verdadeiro valor não dão à gente:
Melhor é, merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.
Apóstrofe – dirigida àqueles que
procuram a fama – incita-os à ação.
Para atingir a fama/glória/recompensa
merecida é necessário trabalho, esforço e
nunca cair no ócio.
Para atingir a fama/glória/recompensa merecida é
necessário negar a cobiça e a ambição, pois estas
levam à tiraria
É perferível/mais digno merecer ser reconhecido
e não o ser, do que ter reconhecimento sem o
merecer.
Quíasmo– sublinha a importância de merecer o
que se possui.
12. Estancias(94-95) Ou dai na paz as leis iguais, constantes,
Que aos grandes não dêem o dos pequenos;
Ou vos vesti nas armas rutilantes,
Contra a lei dos inimigos Sarracenos:
Fareis os Reinos grandes e possantes,
E todos tereis mais, o nenhum menos;
Possuireis riquezas merecidas,
Com as honras, que ilustram tanto as vidas.
E fareis claro o Rei, que tanto amais,
Agora com os conselhos bem cuidados,
Agora com as espadas, que imortais
Vos farão, como os vossos já passados;
Impossibilidades não façais,
Que quem quis sempre pôde; e numerados
Sereis entre os Heróis esclarecidos,
E nesta Ilha de Vênus recebidos.
Antitese – enfatiza a exploração dos mais fracos
pelos mais poderosos.
A justiça e a honra existem quando há uma
igualdade social.
Anáfora – realça o que deve ser feito para
atingir a glória de uma forma honesta.
Quando as ações são corretas é possível
atingir a glória e o reconhecimento.
13. Resumo do excerto
Neste excerto, os portugueses chegam à ilha dos amores, através
de Vénus que a moveu na direção deles, como recompensa pela
persistência e bravura demonstrada.
14. Resumo(continuação)
As Ninfas deixam-se ver, iniciando-se uma perseguição de
modo a aumentar o desejo dos portugueses, elas
ofereceram uma certa resistência, apenas se deixando
apanhar ao fim de algum tempo, dando-se, o «casamento»
entre elas e os marinheiros(estancias 68 e 70).
15. Resumo(conclusão)
Tétis, a maior, e a quem todo o coro das Ninfas obedecia,
apresentou-se a Vasco da Gama, recebendo-o com uma honesta
cerimonia. Depois de se ter apresentado e dado a entender que ali
viera por alta influição do Destino, tomando o Gama pela mão,
levou-o para o seu palácio, onde lhe explicou o significado da
«Ilha dos Amores» (estâncias 89 a 91) .
O Canto IX termina com uma exortação dirigida aos que aspiram
a imortalizar o seu nome(estancias 92 a 95).
16. Importância do episódio na
estrutura da obra
Em relação à importância deste episódio, pode-se dizer que, Camões teve como
objetivo imortalizar os portugueses que se aventuraram por mares nunca dantes
navegados.
Este é um episódio de cariz simbólico, na medida em que representa a recompensa e
os prémios entregues e merecidos por todos os que buscaram fama e glória, em nome
da pátria, passando por perigos e sacrifícios para alcançar o seu sonho. Porém este
não é o único motivo, também o poeta pretende esclarecer acerca do verdadeiro
caminho para atingir a fama, alertar para o dominio do ócio e o refreio da cobiça e da
ambição, fomentar a imparcialidade da justiça e relembrar a luta contra os mouros,
na defesa da fé cristã e do império.