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O DEBATE IDENTITÁRIO NA LITERATURA PÓS-COLONIAL:
John Maxwell Coetzee e Mia Couto
Viegas Fernandes da Costa1

RESUMO:

O presente artigo discute o debate identitário na literatura pós-colonial a partir da
análise de dois romances produzidos a partir do continente africano: “À espera dos bárbaros”,
de John Maxwell Coetzee, e “Venenos de Deus, remédios do Diabo”, de Mia Couto. A
abordagem e análise dos romances ocorre na perspectiva dos estudos pós-coloniais. O
primeiro romance analisado, “À espera dos bárbaros”, dialoga teoricamente com Albert
Memmi, que entende as identidades como espaços estanques. Já “Venenos de Deus, remédios
do Diabo”, do moçambicano Mia Couto, dialoga com as metáforas desenvolvidas por José
Endoença Martins, que entende as identidades enquanto espaços relacionais.

Palavras-chave: Identidade, Literatura pós-colonial, John Maxwell Coetzee, Mia Couto

Identidade: o lugar da mobilidade.
Segundo Jane Tutikian2, estudar literatura é pensar a questão da identidade; e a
premissa verificia-se ainda com mais força quando nos detemos na literatura pós-colonial.
Recentemente os estudos culturais vêm discutindo com maior vigor e complexidade a
problemática das identidades, e não sem motivos. A sociedade pós-industrial (e seu
correspondente estético, a pós-modernidade), inseriu no cenário novos sujeitos, como aponta
Stuart Hall em seu artigo “Que negro é esse na cultura negra?”3. A descolonização africana e
asiática na segunda metade do século XX, a ascensão dos Estados Unidos como pólo
1

Viegas Fernandes da Costa. Historiador e professor do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Contato:
viegasfernandesdacosta@gmail.com
2
In. Velhas identidades novas, 2006.
3
In. Hall, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais, 2003, p. 335-349.
2

econômico e cultural, os avanços tecnológicos e dos meios de comunicação, bem como a
necessidade de se ampliar o mercado de consumo, são alguns elementos que contribuem para
explicar o crescente interesse pelas “diferenças”. No entanto, o próprio Stuart Hall alerta para
o fato desta abertura cultural ser ambígua:
“Se o pós-moderno representa uma abertura ambígua
para a diferença e para as margens e faz com que um
certo tipo de descentramento da narrativa ocidental se
torne provável, ele é acompanhado por uma reação que
vem do âmago das políticas culturais: a resistência
agressiva à diferença; a tentativa de restaurar o cânone
da civilização ocidental; o ataque direto e indireto ao
multiculturalismo; o retorno às grandes narrativas da
história, da língua e da literatura (...)”.4
Se pensar as relações interculturais nesta pós-modernidade movediça é tarefa
complexa, porque conflituosas (como nunca o deixaram de ser), delimitar identidades e
compreender suas construções tampouco é tarefa das mais fáceis.
Em 1957 o escritor tunisiano Albert Memmi publicou um pequeno livro chamado
“Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador”. Nesta obra Memmi reflete a
respeito do processo de colonização européia na África, e da construção de duas identidades
antagônicas – a do colonizador e a do colonizado – enquanto sua conseqüência. O primeiro
aspecto que chama a atenção na reflexão de Albert Memmi é a impossibilidade do
colonizador assumir o lugar do colonizado. Segundo ele, o colonizador será sempre
colonizador, pensará sempre como tal, ainda que incomodado com a realidade da exploração
colonial, ainda que colaborador dos colonizados na luta pelo fim da colonização (no livro
chamados de “colonizador de boa vontade” e “colonizador de esquerda”). Ocorre que os
valores inerentes ao colonizador, sua organização social, seus princípios, não são nativos; o
colonizador será sempre um alienígena. No entanto, sua condição é complexa, pois deve se
impor junto aos povos que explora e junto aos seus pares da metrópole, que também não o
reconhecem como igual. Das mesma forma, o colonizado será sempre o colonizado, ainda que
bem-sucedido financeiramente, ainda que detentor de algumas prerrogativas, será sempre o
nativo, ou o filho do nativo, um sujeito inferior aos olhos do colonizador. Alguns tentarão se
assimilar à cultura do “homem ocidental”, sem nunca pertencerem totalmente a esta; outros se
revoltarão, buscarão a libertação do regime colonial, serão os nacionalistas. Para Albert

4

Ibidem, p. 340.
3

Memmi, não há diálogo possível que liberte o colonizado senão a ruptura; ou seja, as duas
identidades, colonizador e colonizado, são antagônicas. No entanto, justifica-se a reação
nacionalista do colonizado, resultado que é da exploração colonial: “esperar do colonizado,
que tanto sofreu por não existir por si mesmo, que seja aberto ao mundo, humanista e
internacionalista, parece de uma leviandade cômica”5 – afirma o autor.
A mesma impossibilidade de diálogo intercultural encontraremos em Malcom X,
conforme nos mostra Cornel West em seu livro “Questão de raça”: “na perspectiva
nacionalista de Malcom X, a única resposta legítima à ideologia e prática hegemônicas dos
brancos é o amor-próprio e a autodeterminação dos negros, isentos da tensão gerada pela
‘dupla consciência’”6. Por “dupla consciência” Malcom X entendia a condição dos negros
que procuravam ser aceitos tanto no mundo do negro quanto no mundo do branco sem, no
entanto, ser efetivamente aprovado em nenhum deles: “entretanto, persistem em se enxergar
segundo a ótica da sociedade branca dominante”7. Também aqui, como em Albert Memmi,
as identidades são compreendidas enquanto espaços absolutos e se constroem a partir da
necessidade de anulação do outro. Nesta geografia das identidades de “raiz única” as
fronteiras são de grande importância, diferentemente daquilo que irá propor o escritor
Édouard Glissant quando desenvolve a idéia de identidade rizomática e defende a crioulização
como possibilidade de novas identidades:
“(...) é disso que se trata: de uma concepção sublime e
mortal que os povos da Europa e as culturas ocidentais
veicularam no mundo; ou seja, toda identidade é uma
identidade de raiz única e exclui o outro. Essa visão da
identidade se opõe à noção hoje ‘real’, nas culturas
compósitas, da identidade como fator e como resultado
de uma crioulização, ou seja, da identidade como
rizoma, da identidade não mais como raiz única mas
como raiz indo ao encontro de outras raízes”.8
O problema que se coloca nesta nova concepção de identidade, compreendida por
Édouard Glissant, é o de “como ser a si mesmo sem fechar-se ao outro, e como abrir-se ao
outro sem perder-se a si mesmo”9. Questão que só se responde se entendermos a identidade
enquanto algo relacional e não idealizada. O próprio Albert Memmi, no livro que citamos, já
5

Memmi, Albert. Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador, 1967, p. 117.
West, Cornel. Questão de raça, 1994, p. 116.
7
Ibidem, p. 115.
8
Glissant, Édouard. Introdução a uma poética da diversidade, 1996, p. 27.
9
Ibidem, p. 28.
6
4

chamava a atenção para a mistificação que o branco fazia do negro, e que o negro fazia do
branco, na África colonizada. De como esta mistificação distorcia a realidade do outro,
idealizando-a e fantasiando-a. É neste mesmo sentido que caminham as reflexões de Jane
Tutikian, quando afirma que
“(...) o impacto global reflete sobre a tradição,
relegando-a a um outro plano diante da quantidade de
informação, do dinamismo, da alteridade, obrigando a
uma espécie de identidade relacional, onde o ‘mesmo’
define a própria historicidade e o ‘outro’ representa o
código de diferenciação.”10
Stuart Hall, em seu artigo “Quem precisa de identidade?”11 compreenderá a
identidade como o “ponto de encontro” das práticas de construção de sujeitos sociais e dos
processos de subjetivação. Para Stuart Hall toda identidade é sempre uma representação sobre
si mesmo, é a posição que assumimos na sociedade e para nós mesmos a partir da relação que
estabelecemos com o “outro”12. Assim como Glissant, também Stuart Hall insere-se nesta
pós-modernidade que compreende a identidade enquanto algo fragmentado e construída no
discurso. Em seu livro “Identidade e diferença”, Hall desenvolve uma certa arqueologia do
conceito de identidade, ou melhor, dos dispositivos de subjetivação, a partir do diálogo entre a
psicanálise, os aparelhos ideológicos de Althusser e as reflexões foucaultianas, buscando
compreender principalmente como se dá o processo de identificação do sujeito com uma
origem e o compartilhamento em um grupo e/ou ideologia na busca de uma nova
representação de si mesmo. Diferentemente de Glissant, que se assume enquanto propositivo
de uma nova posição identitária (crioulização), Hall deseja a compreensão daquilo que chama
de “interpelação” – citando P. Hirst - , ponto de contato entre o sujeito e o discurso que deverá
assumir para si. Ou seja, o que há e o que move o sujeito que “ainda não está” para “onde
estará”. É aqui que consegue, ele mesmo, “crioulizar” concepções a respeito da constituição
de identidades tão díspares como a psicanálise de Lacan e a genealogia de Foucault. Segundo
Stuart Hall, “nunca foi suficiente – em Marx, em Althusser, em Foucault – ter simplesmente
uma teoria de como os indivíduos são convocados a ocupar seus lugares por meio de

10

Tutikian, Jane. Op. cit., p. 13.
In. Silva, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais, 2004, p. 103-133.
12
Conforme exposto na página 112 e seguintes.
11
5

estruturas discursivas. Foi sempre necessário ter também uma teorização de como os sujeitos
são constituídos”13. A pergunta, no entanto, permanece.
Este deslocamento das identidades que passa do maniqueísmo de “raiz pura”
(colonizador/colonizado) para um pluralismo de “crioulização” (a identidade compósita,
constituída a partir da combinação de elementos heterogêneos, conforme explicita Édouard
Glissant em seu livro “Introdução a uma poética da diversidade”) é também observada na
literatura de afro-descendentes e euro-descendentes por José Endoença Martins. Este autor
retira da peça “A Tempestade”, de Shakespeare, e da religiosidade afro-descendente, as
metáforas que representam as três posturas identitárias possíveis: a) assimilacionista
(metáfora: Ariel / conceito: Negrice); b) nacionalista (metáfora: Calibã / conceito: Negritude);
c) interacionista (metáfora: Exu / conceito: Negritice)14.
Na peça “A tempestade” (de 1611 ?), William Shakespeare conta a história de do
Duque de Milão, Próspero, exilado em uma ilha perdida depois de ver seu ducado usurpado
pelo próprio irmão. A despeito de toda riqueza dramática da peça, interessa-nos aqui saber
que Próspero contava com os serviços de dois servos: Ariel e Caliban. Enquanto Caliban era
um escravo revoltado com a sua condição, já que considerava-se, por direito, proprietário da
ilha; Ariel era o servo alado que se submetia às ordens de Próspero em troca de uma
prometida liberdade. Próspero, na visão de Caliban, é um usurpador, não só da sua ilha, mas
também da sua liberdade e cultura. A revolta de Caliban é verbalizada quando este responde a
seu senhor: “Agora eu sei falar, e o meu proveito é poder praguejar. Que a peste o pegue, por
me ensinar sua língua!”15 Segundo Roberto Fernández Retamar, em seu artigo intitulado
“Caliban”, Shakespeare teve acesso a uma tradução do ensaio “Dos canibais”, escrito por
Montaigne, e “A tempestade” teria sido escrita sob sua influência. Para Retamar, “o caraíba
(...) dará o canibal, o antropófago, o homem bestial, situado irremediavelmente à margem da
civilização e que é preciso combater a sangue e fogo”16. Assim, Caliban seria um anagrama
de Canibal e a metáfora do colonizado que não se submete ao “processo civilizador” imposto
pelo europeu. Civilização esta que torna o colonizado um exilado em seu próprio território e
um expropriado da sua herança cultural, a fim de que se possa mantê-lo útil para as
necessidades do empreendimento colonial.

13

Ibidem, p. 126.
Martins, José Endoença. Negritice: interculturalidades e identidades na literatura afro-descendente. In. Costa,
Hilton & Silva, Paulo Vinícius Baptista da. Notas de história e cultura afro-brasileiras, 2007.
15
Shakespeare, William. A tempestade, 1999, p. 36.
16
In. Caliban e outros ensaios, 1988, p. 18.
14
6

“É necessário apresentar o homem concreto como um
animal, roubar-lhe a terra, escravizá-lo para viver de
seu trabalho e, conforme o caso, exterminá-lo: este ato
último, é claro, só quando se conta com alguém para
realizar, em seu lugar, as duras tarefas. Numa
passagem reveladora, Próspero adverte a sua filha
Miranda que não poderiam prescindir de Caliban: ‘ele
acende o lume, racha a lenha, e seus serviços nos são
úteis”17
Também Ariel constitui-se enquanto símbolo. Para José Enrique Rodó, Ariel , o
gênio do ar, representa a parte nobre e alada do espírito.
“Ariel é o império da razão e do sentimento sobre os
baixos estímulos da irracionalidade; é o entusiasmo
generoso, o móvel elevado e desinteressado na ação, a
espiritualidade da cultura; a vivacidade e a graça da
inteligência – o término ideal a que ascende a seleção
humana, corrigindo no homem superior os vestígios
tenazes de Caliban, símbolo de sensualidade e torpeza;
com o cinzel perseverante da vida”18
Ao observarmos a análise de Rodó, podemos afirmá-la arielista, na medida em que
reconhece na cultura do colonizador o espírito elevado, em detrimeto de Caliban. Ariel não é
desinteressado na ação, como dá a entender Rodó. Sua submissão gentil se dá na perspectiva
de, assim agindo, alcançar a liberdade. Por outro lado, Retamar, ao definir Ariel como um
“servidor medroso”19, posiciona-se claramente ao lado de Caliban, pretendendo-o inclusive –
e em oposição a Rodó – como símbolo para o povo latinoamericano.
É a partir desse debate promovido a partir da referida peça de Shakespeare, que José
Endoença Martins cria as três metáforas identitárias e define seu instrumental teórico para
analisar a literatura pós-colonial e a de afro-descendentes e euro-descendentes . Na negrice
(Ariel) há o abandono da cultura autóctone para a incorporação da cultura do outro; já a
negritude (Caliban) se caracteriza pela negação do outro e pelo retorno a sua cultura original;
a negritice deseja derrubar as fronteiras, promover a solidariedade e integrar mundos
heterogêneos20. É nesta última metáfora identitária, representada por Exu, que Endoença
avança nas proposições de Rodó, Retamar e, por que não, Memmi, aproximando-se das
17

Ibidem, p. 21.
Rodó, José Enrique. Ariel, 1991, p. 14.
19
Retamar, Roberto Fernández. Op. cit. p. 65.
20
Martins, José Endoença. Negritice: interculturalidades e identidades na literatura afro-descendente, Op. cit.,
p. 259.
18
7

posturas que entendem a identidade como um espaço de fronteiras móveis. Até mesmo
Retamar reconhece que “ao propor Caliban como nosso símbolo, percebo que ele tampouco é
completamente nosso; é também uma elaboração estranha, ainda que, dessa vez, inspirada
em nossas realidades concretas. Mas como evitar totalmente o estranhamento?”21
Analisando as obras de autores como Chinua Achebe, Toni Morison, Maryse Conde,
Benjamin Zephaniah, entre outros, inclusive sua própria peça de teatro “O olho da cor”, José
Endoença Martins se depara com personagens que representam posturas arielistas,
calibanistas e exuístas, mostrando assim as possibilidades de trânsito e diálogo entre
diferentes posições e demonstrando a mobilidade cultural que re-significa posições. E é
justamente esta mobilidade cultural que mais nos chama a atenção. Segundo os personagens
analisados por Endoença, não é possível que o sujeito permaneça estanque na posição que
optou, há sempre uma circularidade, um trânsito entre ser assimilacionista, nacionalista e
interacionista. É o que afirma Édouard Glissant em seu livro aqui já citado. Ao falar do
processo de crioulização, exemplifica-o com as línguas caribenhas nascidas da pluralidade
lingüística dos negros expatriados da África em contato (e conflito) com as línguas faladas
pelos euro-descendentes: “a palavra ‘crioulização’, obviamente, vem do termo crioulo(a) e da
realidade das línguas crioulas. E o que é uma língua crioula? É uma língua compósita,
nascida do contato entre elementos lingüísticos absolutamente heterogêneos uns aos
outros”22. E Glissant afirma além. Entende que nossa sociedade contemporânea vive o que
denomina de “poética da relação”, onde culturas compósitas, exuísticas – como diz José
Endoença Martins - , são cada vez mais comuns. É este momento de encontros/desencontros,
que promovem um novo híbrido, que Endoença busca na literatura escrita por afrodescendentes e por euro-descendentes que trataram da identidade negra, explicitando o
diálogo que estes textos promovem entre si. É o encontro da superação da dicotomia que
Albert Memmi apresentou nas suas reflexões sobre a colonização e descolonização africana e
que Malcom X defendeu para os negros dos Estados Unidos. Para José Endoença Martins a
“consciência dupla”, que assumia um caráter negativo para os nacionalistas negros dos
Estados Unidos, como já dissemos, é a solução que deve ser encontrada na construção da
“negritice”. Endoença entende que tanto a assimilação arielista quanto o nacionalismo calibã
visam uma liberdade futura para os personagens que as assumem, mas que a solução do
problema se dá por meio da catalisação exuística.

21
22

Retamar, Roberto Fernández. Op. cit. p. 32.
Glissant, Édouard. Op. cit. p. 24.
8

Em posição análoga a de Endoença, está a de Daniel-Henri Pageaux23. Segundo Jane
Tutikian, para Pageaux as relações entre diferentes culturas podem se dar a partir de três
categorias:
“(...) a philia, quando a cultura nacional de origem e a
estrangeira colocam-se num mesmo plano, de
colaboração mútua; a fobia, quando a cultura nacional
de origem considera-se superior à estrangeira e tende à
refratá-la; a mania, quando a cultura nacional de
origem considera-se inferior à estrangeira e busca
absorvê-la”.24
Relacionando as metáforas de Endoença com as categorias de Pageaux, é possível
estabelecer a seguinte associação: Ariel = mania; Caliban = fobia; Exu = philia.
Assim, podemos afirmar que a literatura pós-colonial reflete esta complexidade que
os conceitos de identidade manifestam. Que não é mais possível defendermos a identidade
enquanto espaço estanque, mas como espaço que se ocupa na mobilidade. E que a literatura,
com

suas

metáforas

arielistas,

calibanistas

e

exuísticas,

contribui

para

melhor

compreendermos os diálogos interculturais que se manifestam na pós-modernidade.

Retratos do Colonizado e do Colonizador em À Espera dos Bárbaros de Coetzee.
Queremos agora olhar para o romance “À Espera dos Bárbaros”, do sul-africano
John Maxwell Coetzee, a partir das possibilidades de debate que este oferece naquilo que diz
respeito à dicotomia colonizador/colonizado, e cotejá-lo com o já citado texto de Albert
Memmi, “Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador”. Justifico o
cotejamento destes textos distanciados no tempo e no gênero, na proximidade que
estabelecem com a visão de colonizador e de colonizado enquanto espaços estanques, ainda
que complexos.
O romance de Coetzee é de 1980, já o ensaio de Memmi é de 1957, entretanto
ambos estão inseridos na lógica pós-colonialista, o que não significa que partem das mesmas
premissas para estabelecerem suas verdades. Kwame Anthony Appiah, ao analisar a produção

23
24

Citado por Jane Tutikian, op. cit.
Ibidem, p. 13.
9

literária pós-colonial25, estabelece duas periodizações para os romances africanos escritos na
perspectiva pós-colonialista. Na primeira fase, ocorrida durante e logo após os processos de
independência nacional, estes romances apresentavam uma dupla dependência (ao meio
universitário africano – ocidentalizado – e aos editores euro-americanos), e se caracterizavam
pelo discurso anticolonial e nacionalista. A segunda fase começa a se delinear a partir de
1960, com o fracasso de muitos projetos nacionalistas, convertidos em governos autoritários e
corruptos. Segundo Appiah, “longe de ser uma celebração da nação, portanto, os romances
da segunda fase – a fase pós-colonial – são romances de deslegitimação, rejeitando o projeto
nacionalista da burguesia nacional pós-colonial”26. Ciente do caráter ensaístico do texto de
Memmi, quero ainda assim inseri-lo na primeira fase, dado seu anticolonialismo e sua defesa
do colonizado em sua luta pela descolonização. Já “À Espera dos Bárbaros” pode ser inserido
na segunda fase. Neste, Coetzee critica o imperialismo ocidental e seu caráter civilizatório,
que se confunde com o bárbaro, apesar daquele se perceber enquanto antagônico deste, sem
chegar a defender o nacionalismo ou a auto-afirmação dos povos nativos. Ainda citando
Appiah, o discurso pós-colonialista “contesta as narrativas legitimadoras anteriores. E as
contesta em nome das vítimas sofredoras de mais de trinta repúblicas. Mas contesta-as em
nome do universal ético, em nome do humanismo (...)”27. “À Espera dos Bárbaros” apresenta
este caráter contestatório, universalista e humanista. No entanto, a experiência colonial que
tenta apresentar e discutir não está datada e geograficamente localizada. Não trata da
espoliação específica de um povo por outro, mas da experiência da espoliação no contexto do
imperialismo e da “polaridade civilizado/bárbaro”28.
Quanto à obra de Albert Memmi, esta reflete a respeito do processo de colonização
européia na África e a construção das identidades antagônicas colonizador / colonizado, como
já apontamos anteriormente. Não há possibilidade de diálogo interidentitário na concepção de
Memmi, o que o aproxima do conceito de “dupla consciência” de Malcom X.
Em “À Espera dos Bárbaros”, Coetzee não coloca a questão no plano da identidade
“racial”, ou seja, não há negros ou brancos, há civilizados e bárbaros. Assim, a discussão
permanece no plano cultural e sugerindo que, na visão do colonialista, segundo leitura de
Denise Almeida Silva a respeito do personagem Magistrado, “que os bárbaros são caça e

25

Em seu livro Na Casa de Meu Pai, 1997, p. 209-216.
Ibidem, p. 213.
27
Ibidem, p. 216.
28
Conforme apresentado e discutido no artigo A construção eu/outro em Terras de Sombras e À espera dos
bárbaro de J. M. Coetzee, de Denise Almeida Silva.
26
10

pestilência que cabe ao Império destruir”29. É na mistificação do outro que se constrói a
própria identidade no romance de Coetzee. O civilizado, aquele que come com talheres,
sedentário, que fala a língua do colonizador e nesta sabe ler e escrever, que comunga das leis
e da “justiça” do colonizador, estabelece suas fronteiras na oposição a um outro que quer
invadi-lo, destruí-lo, usurpá-lo, mas quem ninguém vê, que ninguém nunca viu. Porque o
mote do romance é justamente a espera de uma vila que acredita na proximidade de uma
invasão dos povos nativos. Coetzee cria uma atmosfera beckettiana para retratar esta condição
de esperar uma invasão, que nunca ocorre, mas que se reforça no medo; um medo que inventa
e mistifica uma identidade bárbara, mas que barbariza também os agentes da “civilização” e
que nesta justificam seus atos. Esta mistificação e a relativização da verdade da civilização
aparecem na boca e nas reflexões do protagonista do romance, um magistrado responsável
pela administração colonial em uma vila nos confins do império:
“Há uma época do ano, sabe, em que os nômades nos
visitam para comerciar. Pois bem: visite o mercado
então e verifique quem costuma ser roubado no peso
das mercadorias, quem costuma ser enganado e
maltratado, quem sofre ameaças. Verifique quem é
obrigado a deixar suas mulheres no campo, por temor a
que sejam insultadas pelos soldados. Veja quem são os
bêbados jogados nas sarjetas, e veja quem os trata a
pontapés. Contra esse desprezo pelos bárbaros, esse
desprezo que é capaz o mais humilde estalajadeiro, o
mais pobre camponês, é que me venho debatendo, como
juiz, há vinte anos. Como erradicar os conflitos,
particularmente se se trata de conflitos fundados em
nada mais substancial que a diferença de
comportamento à mesa ou a forma particular de suas
pálpebras?”30
É este Magistrado, personagem central no romance de Coetzee, que quero observar
com mais atenção, dada a sua complexidade e a possibilidade de relacioná-lo com uma das
categorias desenvolvidas por Albert Memmi: o “colonizador de boa vontade”. Como
Magistrado, representa a administração da lei e da justiça colonial e constitui-se como um
bastião da civilização. A vila que administra está estabelecida em algum ponto remoto do
império, em região fronteiriça. Uma fronteira que vai muito além da territorialização
geográfica, já que permeia as relações dos habitantes da vila com os nômades (bárbaros) e
29
30

Silva, Denise Almeida. Op. cit.
Coetzee, J. M. À Espera dos Bárbaros, 1980, p. 67.
11

com os pescadores (selvagens). Sob a suposta ameaça de uma invasão de bárbaros que
desejam destruir o império, uma força militar é enviada para a região e altera o cotidiano da
vila. A perseguição, prisão e tortura de pescadores, que habitam uma região intermediária, já
que estão fora dos muros da vila e dentro do campo de visão e controle dos “civilizados”, o
que não lhes confere identidade alguma pois não são bárbaros e tampouco coloniais (estariam
naquilo que Glissant chama de “entre-lugar”), incitam no Magistrado um sentimento de culpa
e revolta em relação ao império e sua condição pessoal de colonial. Porém Albert Memmi
alerta: “o romantismo humanitarista é considerado na colônia uma doença grave, o pior dos
perigos: trata-se, nada mais nada menos, que da passagem para o campo do inimigo”31. E é
seu humanitarismo, sua crença na civilização, que o movem a determinar “que os prisioneiros
sejam alimentados, que seja chamado o médico e que este faça o que puder, que o quartel
volte a ser um quartel, que se tomem providências para que os prisioneiros retornem a sua
vida anterior o mais depressa possível, o mais longe possível daqui”32, depois que se retira da
vila a primeira força militar. Esta revolta e culpa materializam-se, primeiramente, na relação
de amor e posse que o personagem vai estabelecer com uma das prisioneiras, que teve os pés
quebrados e os olhos semicegados. Andando com muita dificuldade, com a ajuda de bengalas,
e enxergando apenas com as bordas dos olhos, a Bárbara desperta no magistrado, além da
culpa e do desejo de posse, a pena. Sentimentos que o fazem levá-la para seu quarto e sua
cama, que o impelem a lavar-lhe o corpo. E neste ato do Magistrado que banha o corpo nú da
Bárbara, Coetzee constrói com muita força uma alegoria que pode, talvez, retratar o ocaso do
colonialismo e a ascensão do nacionalismo nas colônias:
“Depois dos pés, começo a lhe lavar as pernas. Para
tanto, ela tem de ficar de pé na bacia, apoiando-se em
meu ombro. De alto a baixo, corro as mãos por suas
pernas, do tornozelo até os joelhos, atrás e na frente,
apertando-as, acariciando-as, modelando-as. São
curtas e robustas, a barriga da perna é forte.”33
Apesar dos pés atrofiados e das pernas curtas, apesar de ter que se apoiar sobre os ombros do
colonizador, tem as pernas robustas e fortes, o que lhe permite caminhar e se sustentar, ainda
que com o apoio de bengalas e enxergando pouco. Quanto ao colonizador, representado no
Magistrado, escreve Coetzee:
31
32

33

Memmi, Albert. Op. cit. p. 35.
Coetzee, J. M. Op. cit. p. 35.
Ibidem, p. 42.
12

“Quanto a mim, ante seus olhos cegos, no íntimo calor
do quarto, posso me despir sem embaraço, desnudando
minhas pernas finas, meu sexo flácido, minha barriga,
meu débil peito de velho, a pele avermelhada de minha
garganta.”34

A questão é que não há cegueira na moça. Ela enxerga e vê toda a fragilidade do Magistrado,
sua falta de virilidade, sua intensa sonolência. O próprio Magistrado reconhece sua condição
ambígua, de “colonizador de boa vontade”, como diz Memmi, mas ainda e sempre
colonizador. É o caso de quando ele a devolve ao seu povo e diz “[sou] um lobo do Império
vestindo pele de cordeiro”35; ou ainda: “eu era a mentira que o Império conta para si mesmo
quando os tempos são favoráveis, e Joll [oficial da força militar que ocupa a vila] a verdade
que se impõe quando sopram ventos contrários”36. Porque “o mecanismo é quase fatal: a
situação colonial fabrica colonialistas, como fabrica colonizados”37. O Magistrado passa a
viver atormentado por uma “dupla consciência” que, ao mesmo tempo em que o faz defender
a civilização em que acredita, move-o ao encontro do outro, procurando conhecê-lo através
dos seus vestígios arqueológicos ou tomando o corpo de uma das suas fêmeas. Movimento
que o destitui de identidades, porque será rejeitado pelos seus pares (será torturado, preso,
destituído do cargo e, por fim, ignorado e abandonado) e preterido pela Bárbara, que opta por
retornar aos seus, no deserto. Assim, em “À Espera dos Bárbaros” não há possibilidade para a
“crioulização” de Édouard Glissant., tampouco à salvação fechando-se em uma identidade,
em uma “raiz única”. “Como tantas outras vezes atualmente, deixo-os, sentindo-me tolo,
como um homem que há muito se extraviou, mas que ainda insiste em seguir pela estrada que
não o levará a parte alguma”38 – melancolicamente conclui o protagonista na última frase do
romance. Qual estrada? A do diálogo interétnico? Do projeto civilizador eurocêntrico? Da
instituição de uma nação sobre as pernas curtas e robustas, porém de pés quebrados e
atrofiados, do colonizado?
A opção de Coetzee em “À Espera dos Bárbaros” é a de denúncia das
arbitrariedades e da hipocrisia do imperialismo e colonialismo ocidental, claro está. No
34

Ibidem, p. 43.
Ibidem, p. 94.
36
Ibidem, p. 169.
37
Memmi, Albert. Op. cit. p. 59.
38
Coetzee, J. M. Op. cit. p. 191.
35
13

entanto, o cotejamento desta ficção com o ensaio de Memmi, inseridos no debate do póscolonialismo, e respeitados os contextos em que estes discursos foram produzidos, permitenos perceber como foram compreendidos os diálogos identitários nestas duas obras, e de
como estas refletiram o processo de colonização, suas conseqüências e as chagas, ainda vivas
e purulentas, que legaram.

As metáforas identitárias em “Venenos de Deus, remédios do Diabo”.
O escritor moçambicano Mia Couto39 galgou a condição de autor reconhecido pela
inventividade e bricolagem vocabular dos seus textos. Das páginas dos seus livros brotam
palavras e expressões que mesclam o português de Portugal com o português moçambicano e
com as línguas nativas do seu país, bem como neologismos próprios da literatura oral. Este
aspecto, recorrente em sua obra, somado aos usos do folclore, dos mitos e das lendas
moçambicanos, permite situar a proposta literária de Mia Couto nas proximidades das
propostas empreendidas por Guimarães Rosa e Mário de Andrade (o Mário de Macunaíma).
Sob o aspecto ideológico, sua obra quer pensar e problematizar a construção da identidade
nacional no Moçambique – país recentemente saído da guerra civil e, tal qual a maior parte
dos antigos territórios coloniais em continente africano, culturalmente multifacetado – ,
inserindo-se naquilo que Kwame Anthony Appiah chama de segunda fase da literatura póscolonial: textos que deslegitimizam o projeto nacionalista da burguesia nacional pós-colonial.
Segundo Jane Tutikian,
“misturando vida e arte, recriando admiravelmente a
linguagem, onde se casam os falares com as línguas, e a
estrutura, que Mia Couto desenvolve o seu projeto de
moçambicanidade, dentro da perspectiva de resgate e
reafirmação da cultura tradicional, mas também com o
reconhecimento da presença do outro no processo
identitário”.40
Em seu romance “Venenos de Deus, remédios do Diabo” publicado em 2008, Mia
Couto dá continuidade a este seu projeto literário, onde a relativização das verdades (e das
mentiras) engendra a trama deste livro que conta a história de Bartolomeu Sozinho (ex39
40

Pseudônimo de António Emílio Leite Couto.
Op. cit., p. 28-29.
14

mecânico naval da Companhia de Navegação Colonial), sua esposa Dona Munda, o
administrador Suacelência, o médico Sidónio Rosa e a mulher que este ama e busca
reencontrar em Vila Cacimba, cenário da história, Deolinda.
O primeiro aspecto a chamar nossa atenção em “Venenos de Deus, remédios do
Diabo” é seu aspecto fantástico. Ao chegar em Vila Cacimba, o médico Sidónio Rosa se vê na
obrigação de tratar os habitantes do lugarejo de uma estranha epidemia (supostamente de
meningite) que os transforma, segundo o narrador, em “tresandarilhos”. A despeito da
epidemia, Sidónio dedica especial atenção a Bartolomeu Sozinho, que vive enclausurado em
seu quarto e padece de misteriosa e mortal debilidade, visitando-o diariamente. Bartolomeu é
casado com Munda, mulher que vive a hostilizar e que acredita infiél. Esta, por sua vez,
mantém uma relação incerta com seu marido: ao mesmo tempo em que o hostiliza e pede por
sua morte, é capaz de dormir à porta de seu quarto para estar atenta se for solicitada. A
atenção especial do médico ao casal justifica-se em seu interesse por Deolinda, mulher que
conhecera em Portugal e pela qual se apaixonara, supostamente filha de Bartolomeu e Munda,
e ausente de Vila Cacimba para realizar cursos de aperfeiçoamento. Seu destino e data de
retorno são ignorados, porém comunica-se com Sidónio através de cartas que lhe chegam às
mãos por intermédio de Munda, que por sua vez as recebe de “familiares”, pois “aqui em
África, todos são familiares”41 – argumenta a personagem em arroubo pan-africano. Nestas
cartas, Deolinda pede a Sidónio que vele por seus pais, e que lhes dê alguns presentes a fim de
lhes atenuar as dores e propiciar um pouco de conforto, como um televisor para a mãe, por
exemplo. O leitor tem aqui a impressão do caráter de escambo apresentado pelo conteúdo dos
pedidos das cartas; escambo tão próprio dos tempos coloniais. Na relação do nativo com o
europeu, estabelece-se um interesse mercantil onde ambos procuram obter vantagens da
condição que ocupam: o europeu, que detém o capital, crê que pode comprar a confiança e o
respeito do casal de nativos através dos presentes e da atenção que dispensa; os nativos se
aproveitam de uma suposta situação de vitimização para alcançarem aos artefatos da
modernidade que desejam possuir.
Este caráter mercantil das relações interétnicas é elemento recorrente na obra de Mia
Couto e aparece, também e com muita força, em “O Outro Pé da Sereia” 42, quando o
personagem Benjamin Southman – um historiador estadunidense e afrodescendente que visita
Vila Longe para se reencontrar com suas raízes identitárias e investir verbas na terra dos seus
antepassados – é ludibriado pelos moradores do vilarejo, que lhe falsificam uma tradição e um
41
42

Couto, Mia. Venenos de Deus, remédios do Diabo”, 2008, p. 47.
Couto, Mia. O outro pé da sereia. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
15

modo de viver, há muito desaparecidos (se é que alguma vez tais tradição e modo de vida
houvessem efetivamente existido), a fim de que o afortunado historiador possa encontrar o
que deseja e crê verdadeiro. É o desejo de se apoderarem do dinheiro do estrangeiro que leva
os moradores de Vila Longe, em “O Outro Pé da Sereia”, a inventarem um mundo que o
historiador supunha existir; é o desejo de usarem dos recursos e da atenção de Sidónio que
leva Bartolomeu e Munda, em “Venenos de Deus, remédios do Diabo”, a falsearem as cartas
de Deolinda. Sob esta lógica, justifica-se a irritação externada pelo médico quando reflete:
“Os que a mim se dirigem não me querem como pessoa. Uns chegam-se para vender, outros
para roubar. Ninguém me aborda sem interesse, meu Deus, como me custa ter raça!” (p. 75).
Cabe, entretanto, ressaltar a veracidade da recíproca, porque também ele, Sidónio, tem seus
interesses; também ele não é quem aparenta ser. E o que parece ser mentira, é tão somente
outra verdade; daí um certo caráter fantástico inerente a este romance: nunca sabemos qual o
relato que nos dá a verdade dos fatos, nunca sabemos quem falseia e quem revela, afinal, nada
há além do discurso, da literatura, responsável até mesmo pela construção da própria
identidade, da raça. Neste sentido o trecho abaixo, excerto de uma conversa entre Bartolomeu
e Sidónio, tem muito a nos dizer:
“ – A propósito da língua, sabe uma coisa, Doutor
Sidonho? Eu já estou a desmulatar.
E exibe a língua, olhos cerrados, boca escancarada. (...)
a mucosa está coberta de fungos, formando uma placa
esbranquiçada.
– Quais fungos? – reage Bartolomeu. Eu estou é a ficar
branco de língua, deve ser porque só falo português
(...)”43
Se nas páginas finais Deolinda afirma ao médico que “esta terra mente para
viver”44, podemos entender que ao falar de sua Vila Cacimba (extensão do Moçambique?),
Deolinda diz também de toda terra, dos territórios que, através do discurso, permanentemente
inventamos, sejam estes territórios geográficos ou identitários, e é nesta invenção que
existimos e habitamos. Talvez por isso, também, não há maniqueísmo em “Venenos de Deus,
remédios do Diabo”. O próprio título já indica este relativismo ao atribuir a cura ao Diabo e o
mal a Deus. Há, isto sim, posições, e por isso a relativização, seja do bem e do mal, seja do
nacional e do estrangeiro ou do branco e do negro, porque ser branco, segundo Bartolomeu no

43
44

Couto, Mia. Venenos de Deus, remédios do Diabo, 2008, p. 110-111
Ibidem, p. 181.
16

excerto que apresentamos acima, é uma questão de “língua”. Daí a complexidade psicológica
e identitária dos personagens deste romance.
Bartolomeu Sozinho, apesar de negro e nativo, ocupa uma posição arielista, segundo
conceito de José Endoença Martins45; ou seja, reconhece no branco, no europeu, qualidades e
superioridades que inveja e deseja para si. Tanto que, cansado da vida, pede ao médico que
lhe mate sob o argumento de que “ele tinha que valorizar a única riqueza que lhe restava: a
sua morte. – Tenho que ser morto por um branco!”46. Bartolomeu orgulha-se de um passado
que julga glorioso, a serviço da Companhia de Navegação Colonial, como único tripulante
negro do navio Infante D. Henrique, apesar de atravessar os mares no fundo de um porão
escuro. Sob este aspecto, o “ariel” Bartolomeu destoa do Ariel de “A tempestade” analisado
por Rodó. Neste seu romance, Mia Couto não desenha um personagem arielista alado, mas
submerso em um porão escuro de navio. Um “ariel” monstruoso, distante da liberdade e a
cada dia mais deformado pelas enfermidades que acometem seu corpo e espírito. E com o fim
do regime colonial, a constatação: “o navio encalhou, virou sucata e estava, um pouco como
ele mesmo, à espera de ser abatido”47. A multietnicidade pode ser observada também se
atentarmos para a miscigenação dos personagens. Bartolomeu é negro, mas afrontou sua
família ao se unir a Munda, uma mulata de ascendência alemã. Ambos geraram Deolinda que,
ao visitar Portugal, apaixonou-se por um português. Miscigenações que são vistas com muita
resistência. Os alemães, por exemplo, são alvo de preconceito, e os restos mortais dos seus
antepassados repousam em um cemitério evitado pelos nativos; assim como Bartolomeu teve
de enfrentar a resistência da família, que considerava sua união com uma mulata como um
pioramento genético.
Ao protagonismo de Bartolomeu, opõe-se o personagem Suacelência, administrador
de Vila Cacimba e seu principal rival. Suacelência é, também, personagem de complexidades.
Pelos juízos de Bartolomeu, somos levados a crer no caráter corrompido, vil e chauvinista do
administrador; mas no final do livro somos surpreendidos ao sabermos Suacelência demitida
do seu posto justamente por se opôr à derrubada ilegal de madeira na região. E se a rivalidade
entre ambos existe e é recíproca, esta se dá principalmente pela posição social que cada um
ocupa: um como administrador nacional, outro como saudosista da administração colonial.
Segundo o administrador, “esses colonos precisavam de um preto decorativo! Não era por
méritos próprios que o mecânico negro seguia no navio. Ele era tripulante apenas como

45

Negritice: interculturalidades e identidades na literatura afro-descendente, op. cit.
Couto, Mia. Venenos de Deus, remédios do Diabo, 2008, p. 54
47
Ibidem, p. 14.
46
17

instrumento de uma mentira: de que não havia racismo no império lusitano”48. Tão logo
destituído de seu cargo oficial, Suacelência aponta seu caráter humano, sensível até, ao
revelar o uso de seus últimos dinheiros para ofertar a Bartolomeu um enterro de pompa e
condizente com suas vontades finais. No romance de Mia Couto, Suacelência representa
Caliban, porém sem a desfiguração do personagem de Shakespeare. Aproximando-se da
opção de Retamar, Mia Couto redime seu Caliban, humaniza-o, em detrimento de seu Ariel,
que será penalizado pela história. Assim, ainda que reforcemos aqui o caráter multicultural da
obra de Mia Couto e sua defesa de uma moçambicanidade que reconhece a presença do outro
no processo identitário, enquanto intelectual moçambicano ciente do papel da literatura para a
construção de identidades nacionais, em “Venenos de Deus, remédios do Diabo” o autor faz
uma opção clara na medida em que o personagem Bartolomeu Sozinho é apresentado como
um personagem rancoroso, mesquinho e penalizado pelas vicissitudes da vida e pela realidade
pós-colonial.
Ainda que estabelecendo diálogos identitários complexos, é possível apontarmos na
personagem Deolinda o papel de “Exu”, segundo José Endoença Martins, ou a categoria de
“philia”, conforme Daniel-Henri Pageaux. Cabe a Deolinda o papel de catalisadora de
culturas. Primeiramente porque é ela que aproxima o médico português Sidónio Rosa de Vila
Cacimba. Interessante é apontar – e ainda não o fizemos – que Sidónio Rosa representa o
“colonizador de boa vontade”, definido por Albert Memmi, dado ser Sidónio o personagem
que mais verbaliza críticas ao processo colonial no Moçambiqque e que mais anseia por se
tornar um moçambicano. Também Deolinda, através da entrega do seu corpo tanto a
Bartolomeu, quanto a Suacelência, oferece a chave para a relação de ambos. Ainda que
conflituosa, há entre estes dois personagens um certo reconhecimento que, ao final da obra,
manifesta-se nos cuidados que Suacelência terá para com o sepultamento de Bartolomeu.
Todas as relações entre os personagens de “Venenos de Deus, remédios do Diabo”, acontecem
a partir de Deolinda. Relações que atingem seu término com a morte de Bartolomeu e o
retorno do médico Sidónio a Portugal. Vinga, por fim, a nação. Mas uma nação multifacetada,
de identidade compósita, como defende Glissant.
Interessante apontar ainda um último aspecto deste romance de Mia Couto que me
chama a atenção: a problematização do conflito entre a tradição e a modernidade no contexto
pós-colonial, fato não menos recorrente em sua literatura. A própria presença de um
personagem médico torna-se emblemática, haja visto este se opor ao curandeiro, personagem

48

Ibidem, p. 26.
18

a quem recorre Deolinda para se tratar do mal que a acometia. Interessante observar que o
curandeiro está situado no Zimbabwe, ou seja, fora das fronteiras do Moçambique. Também
Bartolomeu externa o desconforto entre o antigo e o novo, a tradição e a modernidade, quando
diz que a televisão o poupa dos sonhos, sonhando por si. A percepção que temos é a da
existência de um certo desconforto, como aquela expressão no rosto de um indígena brasileiro
quando lhe vestiram um chapéu na cabeça. A poeira das estradas contradiz com a tecnologia
capaz de produzir a camioneta que liga Vila Cacimba ao resto do país; assim como uma
epidemia de meningite (cuja proliferação se dá a partir de lugares fechados) não condiz com
os horizontes da savana africana.
Resta-nos assim a percepção de que em “Venenos de Deus, remédios do Diabo”,
Mia Couto engaja-se com este Moçambique contemporâneo, não se furtando à
problematização dos paradoxos do seu desenvolvimento e da sua ocidentalização. A AIDS, o
incesto, a crise familiar e o aborto – temas que o autor trabalha neste seu romance – são as
facetas deste desenvolvimento feito aos atropelos e sem qualquer planejamento, deste flerte
entre a África e o Hemisfério Norte, entre a tradição e a modernidade, destas múltiplas
identidades, invenções literárias, ainda prementes de diálogo.

Considerações finais.

Iniciamos este artigo citando Jane Tutikian, quando afirma que estudar literatura é
pensar a questão da identidade. De fato, a literatura historicamente constitui-se como
elemento fundamental tanto na construção de identidades, nacionais ou não, quanto na
consolidação ou na desconstrução de identidades já existentes. A assertiva incorpora ainda
maior legitimidade quando discutimos a literatura pós-colonial.
Neste breve artigo analisamos dois romances inseridos naquilo que Kwame Anthony
Appiah chamou de segunda fase da literatura pós-colonial africana. Seus autores são eurodescendentes, entretanto as duas obras apresentam perspectivas identitárias opostas. O
primeiro romance analisado, “À espera dos bárbaros”, do sulafricano John Maxwell Coetzee,
dialoga teoricamente com Albert Memmi, que entende as identidades como espaços
estanques. Já “Venenos de Deus, remédios do Diabo”, do moçambicano Mia Couto, dialoga
com as metáforas desenvolvidas por José Endoença Martins, que entende as identidades
enquanto espaços relacionais.
19

O intuito deste artigo foi aplicar as diferentes concepções teóricas que discutem o
conceito de identidade na análise de romances pós-coloniais. Procuramos assim contribuir
com a leitura crítica dessas obras, bem como aprofundar o debate a respeito das relações que a
literatura pós-colonial estabelece com a formação identitária das nações a partir das quais são
produzidas.

Referências Bibliográficas:

1. Appiah, Kwame Anthony. Na casa de meu pai: a África na filosofia da cultura.
Tradução por Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
2. Coetzee, J. M. À espera dos bárbaros. Tradução por Luiz Araújo. São Paulo: Best
Seller,1980.
3. Couto, Mia. Venenos de Deus, remédios do Diabo. São Paulo: Companhia das Letras,
2008.
4. Couto, Mia. O outro pé da sereia. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
5. Glissant, Édouard. Introdução a uma poética da diversidade. Juiz de Fora, MG: UFJF,
2005.
6. Hall, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG,
2003.
7. Hall, Stuart. Quem precisa da identidade? In. Silva, Tomaz Tadeu da. Identidade e
diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 3ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, p. 103133.
8. Martins, José Endoença. Literatura afro-brasileira: Exus promovendo encontros entre
Áfricas e Brasis. 8 p. (mimeo).
9. Martins, José Endoença. Narrativas, metáforas, identidades afro-descendentes e
pedagogia literária. 14 p. (mimeo).
10. Martins, José Endoença. Negritice: interculturalidades e identidades na literatura afrodescendente. In. Costa, Hilton & Silva, Paulo Vinícius Baptista da. Notas de história e
cultura afro-brasileiras. Ponta Grossa, PR: UEPG/ UFPR, 2007, p. 253-269.
11. Memmi, Albert. Retrato do colonizado precedido pelo do colonizador. Tradução por
Roland Corbisier e Mariza Pinto Coelho. São Paulo: Paz e Terra, 1967.
12. Retamar, Roberto Fernández. Caliban e outros ensaios. Tradução por Maria Elena
Matte Hiriart e Emir Sader. São Paulo: Busca Vida, 1988.
20

13. Rodó, José Enrique. Ariel. Tradução por Denise Bottmann. Campinas, SP: Unicamp,
1991.
14. Shakespeare, William. A Tempestade. Tradução por Barbara Heliodora. Rio de Janeiro:
Lacerda, 1999.
15. Silva, Denise Almeida. A construção eu/outro em Terras de Sombras e À espera dos
bárbaros,

de

J.

M.

Coetzee.

Artigo

disponível

em

http://www.unigranrio.br/unidades_acad/ihm/graduacao/letras/revista/numero1/textodenis
e.html . Acesso realizado em 04 de agosto de 2008.
16. Tutikian, Jane. Velhas identidades novas: o pós-colonialismo e a emergência das nações
de língua portuguesa. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2006.
17. West, Cornel. Questão de raça. Tradução por Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.

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O DEBATE IDENTITÁRIO NA LITERATURA PÓS-COLONIAL: John Maxwell Coetzee e Mia Couto

  • 1. O DEBATE IDENTITÁRIO NA LITERATURA PÓS-COLONIAL: John Maxwell Coetzee e Mia Couto Viegas Fernandes da Costa1 RESUMO: O presente artigo discute o debate identitário na literatura pós-colonial a partir da análise de dois romances produzidos a partir do continente africano: “À espera dos bárbaros”, de John Maxwell Coetzee, e “Venenos de Deus, remédios do Diabo”, de Mia Couto. A abordagem e análise dos romances ocorre na perspectiva dos estudos pós-coloniais. O primeiro romance analisado, “À espera dos bárbaros”, dialoga teoricamente com Albert Memmi, que entende as identidades como espaços estanques. Já “Venenos de Deus, remédios do Diabo”, do moçambicano Mia Couto, dialoga com as metáforas desenvolvidas por José Endoença Martins, que entende as identidades enquanto espaços relacionais. Palavras-chave: Identidade, Literatura pós-colonial, John Maxwell Coetzee, Mia Couto Identidade: o lugar da mobilidade. Segundo Jane Tutikian2, estudar literatura é pensar a questão da identidade; e a premissa verificia-se ainda com mais força quando nos detemos na literatura pós-colonial. Recentemente os estudos culturais vêm discutindo com maior vigor e complexidade a problemática das identidades, e não sem motivos. A sociedade pós-industrial (e seu correspondente estético, a pós-modernidade), inseriu no cenário novos sujeitos, como aponta Stuart Hall em seu artigo “Que negro é esse na cultura negra?”3. A descolonização africana e asiática na segunda metade do século XX, a ascensão dos Estados Unidos como pólo 1 Viegas Fernandes da Costa. Historiador e professor do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Contato: viegasfernandesdacosta@gmail.com 2 In. Velhas identidades novas, 2006. 3 In. Hall, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais, 2003, p. 335-349.
  • 2. 2 econômico e cultural, os avanços tecnológicos e dos meios de comunicação, bem como a necessidade de se ampliar o mercado de consumo, são alguns elementos que contribuem para explicar o crescente interesse pelas “diferenças”. No entanto, o próprio Stuart Hall alerta para o fato desta abertura cultural ser ambígua: “Se o pós-moderno representa uma abertura ambígua para a diferença e para as margens e faz com que um certo tipo de descentramento da narrativa ocidental se torne provável, ele é acompanhado por uma reação que vem do âmago das políticas culturais: a resistência agressiva à diferença; a tentativa de restaurar o cânone da civilização ocidental; o ataque direto e indireto ao multiculturalismo; o retorno às grandes narrativas da história, da língua e da literatura (...)”.4 Se pensar as relações interculturais nesta pós-modernidade movediça é tarefa complexa, porque conflituosas (como nunca o deixaram de ser), delimitar identidades e compreender suas construções tampouco é tarefa das mais fáceis. Em 1957 o escritor tunisiano Albert Memmi publicou um pequeno livro chamado “Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador”. Nesta obra Memmi reflete a respeito do processo de colonização européia na África, e da construção de duas identidades antagônicas – a do colonizador e a do colonizado – enquanto sua conseqüência. O primeiro aspecto que chama a atenção na reflexão de Albert Memmi é a impossibilidade do colonizador assumir o lugar do colonizado. Segundo ele, o colonizador será sempre colonizador, pensará sempre como tal, ainda que incomodado com a realidade da exploração colonial, ainda que colaborador dos colonizados na luta pelo fim da colonização (no livro chamados de “colonizador de boa vontade” e “colonizador de esquerda”). Ocorre que os valores inerentes ao colonizador, sua organização social, seus princípios, não são nativos; o colonizador será sempre um alienígena. No entanto, sua condição é complexa, pois deve se impor junto aos povos que explora e junto aos seus pares da metrópole, que também não o reconhecem como igual. Das mesma forma, o colonizado será sempre o colonizado, ainda que bem-sucedido financeiramente, ainda que detentor de algumas prerrogativas, será sempre o nativo, ou o filho do nativo, um sujeito inferior aos olhos do colonizador. Alguns tentarão se assimilar à cultura do “homem ocidental”, sem nunca pertencerem totalmente a esta; outros se revoltarão, buscarão a libertação do regime colonial, serão os nacionalistas. Para Albert 4 Ibidem, p. 340.
  • 3. 3 Memmi, não há diálogo possível que liberte o colonizado senão a ruptura; ou seja, as duas identidades, colonizador e colonizado, são antagônicas. No entanto, justifica-se a reação nacionalista do colonizado, resultado que é da exploração colonial: “esperar do colonizado, que tanto sofreu por não existir por si mesmo, que seja aberto ao mundo, humanista e internacionalista, parece de uma leviandade cômica”5 – afirma o autor. A mesma impossibilidade de diálogo intercultural encontraremos em Malcom X, conforme nos mostra Cornel West em seu livro “Questão de raça”: “na perspectiva nacionalista de Malcom X, a única resposta legítima à ideologia e prática hegemônicas dos brancos é o amor-próprio e a autodeterminação dos negros, isentos da tensão gerada pela ‘dupla consciência’”6. Por “dupla consciência” Malcom X entendia a condição dos negros que procuravam ser aceitos tanto no mundo do negro quanto no mundo do branco sem, no entanto, ser efetivamente aprovado em nenhum deles: “entretanto, persistem em se enxergar segundo a ótica da sociedade branca dominante”7. Também aqui, como em Albert Memmi, as identidades são compreendidas enquanto espaços absolutos e se constroem a partir da necessidade de anulação do outro. Nesta geografia das identidades de “raiz única” as fronteiras são de grande importância, diferentemente daquilo que irá propor o escritor Édouard Glissant quando desenvolve a idéia de identidade rizomática e defende a crioulização como possibilidade de novas identidades: “(...) é disso que se trata: de uma concepção sublime e mortal que os povos da Europa e as culturas ocidentais veicularam no mundo; ou seja, toda identidade é uma identidade de raiz única e exclui o outro. Essa visão da identidade se opõe à noção hoje ‘real’, nas culturas compósitas, da identidade como fator e como resultado de uma crioulização, ou seja, da identidade como rizoma, da identidade não mais como raiz única mas como raiz indo ao encontro de outras raízes”.8 O problema que se coloca nesta nova concepção de identidade, compreendida por Édouard Glissant, é o de “como ser a si mesmo sem fechar-se ao outro, e como abrir-se ao outro sem perder-se a si mesmo”9. Questão que só se responde se entendermos a identidade enquanto algo relacional e não idealizada. O próprio Albert Memmi, no livro que citamos, já 5 Memmi, Albert. Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador, 1967, p. 117. West, Cornel. Questão de raça, 1994, p. 116. 7 Ibidem, p. 115. 8 Glissant, Édouard. Introdução a uma poética da diversidade, 1996, p. 27. 9 Ibidem, p. 28. 6
  • 4. 4 chamava a atenção para a mistificação que o branco fazia do negro, e que o negro fazia do branco, na África colonizada. De como esta mistificação distorcia a realidade do outro, idealizando-a e fantasiando-a. É neste mesmo sentido que caminham as reflexões de Jane Tutikian, quando afirma que “(...) o impacto global reflete sobre a tradição, relegando-a a um outro plano diante da quantidade de informação, do dinamismo, da alteridade, obrigando a uma espécie de identidade relacional, onde o ‘mesmo’ define a própria historicidade e o ‘outro’ representa o código de diferenciação.”10 Stuart Hall, em seu artigo “Quem precisa de identidade?”11 compreenderá a identidade como o “ponto de encontro” das práticas de construção de sujeitos sociais e dos processos de subjetivação. Para Stuart Hall toda identidade é sempre uma representação sobre si mesmo, é a posição que assumimos na sociedade e para nós mesmos a partir da relação que estabelecemos com o “outro”12. Assim como Glissant, também Stuart Hall insere-se nesta pós-modernidade que compreende a identidade enquanto algo fragmentado e construída no discurso. Em seu livro “Identidade e diferença”, Hall desenvolve uma certa arqueologia do conceito de identidade, ou melhor, dos dispositivos de subjetivação, a partir do diálogo entre a psicanálise, os aparelhos ideológicos de Althusser e as reflexões foucaultianas, buscando compreender principalmente como se dá o processo de identificação do sujeito com uma origem e o compartilhamento em um grupo e/ou ideologia na busca de uma nova representação de si mesmo. Diferentemente de Glissant, que se assume enquanto propositivo de uma nova posição identitária (crioulização), Hall deseja a compreensão daquilo que chama de “interpelação” – citando P. Hirst - , ponto de contato entre o sujeito e o discurso que deverá assumir para si. Ou seja, o que há e o que move o sujeito que “ainda não está” para “onde estará”. É aqui que consegue, ele mesmo, “crioulizar” concepções a respeito da constituição de identidades tão díspares como a psicanálise de Lacan e a genealogia de Foucault. Segundo Stuart Hall, “nunca foi suficiente – em Marx, em Althusser, em Foucault – ter simplesmente uma teoria de como os indivíduos são convocados a ocupar seus lugares por meio de 10 Tutikian, Jane. Op. cit., p. 13. In. Silva, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais, 2004, p. 103-133. 12 Conforme exposto na página 112 e seguintes. 11
  • 5. 5 estruturas discursivas. Foi sempre necessário ter também uma teorização de como os sujeitos são constituídos”13. A pergunta, no entanto, permanece. Este deslocamento das identidades que passa do maniqueísmo de “raiz pura” (colonizador/colonizado) para um pluralismo de “crioulização” (a identidade compósita, constituída a partir da combinação de elementos heterogêneos, conforme explicita Édouard Glissant em seu livro “Introdução a uma poética da diversidade”) é também observada na literatura de afro-descendentes e euro-descendentes por José Endoença Martins. Este autor retira da peça “A Tempestade”, de Shakespeare, e da religiosidade afro-descendente, as metáforas que representam as três posturas identitárias possíveis: a) assimilacionista (metáfora: Ariel / conceito: Negrice); b) nacionalista (metáfora: Calibã / conceito: Negritude); c) interacionista (metáfora: Exu / conceito: Negritice)14. Na peça “A tempestade” (de 1611 ?), William Shakespeare conta a história de do Duque de Milão, Próspero, exilado em uma ilha perdida depois de ver seu ducado usurpado pelo próprio irmão. A despeito de toda riqueza dramática da peça, interessa-nos aqui saber que Próspero contava com os serviços de dois servos: Ariel e Caliban. Enquanto Caliban era um escravo revoltado com a sua condição, já que considerava-se, por direito, proprietário da ilha; Ariel era o servo alado que se submetia às ordens de Próspero em troca de uma prometida liberdade. Próspero, na visão de Caliban, é um usurpador, não só da sua ilha, mas também da sua liberdade e cultura. A revolta de Caliban é verbalizada quando este responde a seu senhor: “Agora eu sei falar, e o meu proveito é poder praguejar. Que a peste o pegue, por me ensinar sua língua!”15 Segundo Roberto Fernández Retamar, em seu artigo intitulado “Caliban”, Shakespeare teve acesso a uma tradução do ensaio “Dos canibais”, escrito por Montaigne, e “A tempestade” teria sido escrita sob sua influência. Para Retamar, “o caraíba (...) dará o canibal, o antropófago, o homem bestial, situado irremediavelmente à margem da civilização e que é preciso combater a sangue e fogo”16. Assim, Caliban seria um anagrama de Canibal e a metáfora do colonizado que não se submete ao “processo civilizador” imposto pelo europeu. Civilização esta que torna o colonizado um exilado em seu próprio território e um expropriado da sua herança cultural, a fim de que se possa mantê-lo útil para as necessidades do empreendimento colonial. 13 Ibidem, p. 126. Martins, José Endoença. Negritice: interculturalidades e identidades na literatura afro-descendente. In. Costa, Hilton & Silva, Paulo Vinícius Baptista da. Notas de história e cultura afro-brasileiras, 2007. 15 Shakespeare, William. A tempestade, 1999, p. 36. 16 In. Caliban e outros ensaios, 1988, p. 18. 14
  • 6. 6 “É necessário apresentar o homem concreto como um animal, roubar-lhe a terra, escravizá-lo para viver de seu trabalho e, conforme o caso, exterminá-lo: este ato último, é claro, só quando se conta com alguém para realizar, em seu lugar, as duras tarefas. Numa passagem reveladora, Próspero adverte a sua filha Miranda que não poderiam prescindir de Caliban: ‘ele acende o lume, racha a lenha, e seus serviços nos são úteis”17 Também Ariel constitui-se enquanto símbolo. Para José Enrique Rodó, Ariel , o gênio do ar, representa a parte nobre e alada do espírito. “Ariel é o império da razão e do sentimento sobre os baixos estímulos da irracionalidade; é o entusiasmo generoso, o móvel elevado e desinteressado na ação, a espiritualidade da cultura; a vivacidade e a graça da inteligência – o término ideal a que ascende a seleção humana, corrigindo no homem superior os vestígios tenazes de Caliban, símbolo de sensualidade e torpeza; com o cinzel perseverante da vida”18 Ao observarmos a análise de Rodó, podemos afirmá-la arielista, na medida em que reconhece na cultura do colonizador o espírito elevado, em detrimeto de Caliban. Ariel não é desinteressado na ação, como dá a entender Rodó. Sua submissão gentil se dá na perspectiva de, assim agindo, alcançar a liberdade. Por outro lado, Retamar, ao definir Ariel como um “servidor medroso”19, posiciona-se claramente ao lado de Caliban, pretendendo-o inclusive – e em oposição a Rodó – como símbolo para o povo latinoamericano. É a partir desse debate promovido a partir da referida peça de Shakespeare, que José Endoença Martins cria as três metáforas identitárias e define seu instrumental teórico para analisar a literatura pós-colonial e a de afro-descendentes e euro-descendentes . Na negrice (Ariel) há o abandono da cultura autóctone para a incorporação da cultura do outro; já a negritude (Caliban) se caracteriza pela negação do outro e pelo retorno a sua cultura original; a negritice deseja derrubar as fronteiras, promover a solidariedade e integrar mundos heterogêneos20. É nesta última metáfora identitária, representada por Exu, que Endoença avança nas proposições de Rodó, Retamar e, por que não, Memmi, aproximando-se das 17 Ibidem, p. 21. Rodó, José Enrique. Ariel, 1991, p. 14. 19 Retamar, Roberto Fernández. Op. cit. p. 65. 20 Martins, José Endoença. Negritice: interculturalidades e identidades na literatura afro-descendente, Op. cit., p. 259. 18
  • 7. 7 posturas que entendem a identidade como um espaço de fronteiras móveis. Até mesmo Retamar reconhece que “ao propor Caliban como nosso símbolo, percebo que ele tampouco é completamente nosso; é também uma elaboração estranha, ainda que, dessa vez, inspirada em nossas realidades concretas. Mas como evitar totalmente o estranhamento?”21 Analisando as obras de autores como Chinua Achebe, Toni Morison, Maryse Conde, Benjamin Zephaniah, entre outros, inclusive sua própria peça de teatro “O olho da cor”, José Endoença Martins se depara com personagens que representam posturas arielistas, calibanistas e exuístas, mostrando assim as possibilidades de trânsito e diálogo entre diferentes posições e demonstrando a mobilidade cultural que re-significa posições. E é justamente esta mobilidade cultural que mais nos chama a atenção. Segundo os personagens analisados por Endoença, não é possível que o sujeito permaneça estanque na posição que optou, há sempre uma circularidade, um trânsito entre ser assimilacionista, nacionalista e interacionista. É o que afirma Édouard Glissant em seu livro aqui já citado. Ao falar do processo de crioulização, exemplifica-o com as línguas caribenhas nascidas da pluralidade lingüística dos negros expatriados da África em contato (e conflito) com as línguas faladas pelos euro-descendentes: “a palavra ‘crioulização’, obviamente, vem do termo crioulo(a) e da realidade das línguas crioulas. E o que é uma língua crioula? É uma língua compósita, nascida do contato entre elementos lingüísticos absolutamente heterogêneos uns aos outros”22. E Glissant afirma além. Entende que nossa sociedade contemporânea vive o que denomina de “poética da relação”, onde culturas compósitas, exuísticas – como diz José Endoença Martins - , são cada vez mais comuns. É este momento de encontros/desencontros, que promovem um novo híbrido, que Endoença busca na literatura escrita por afrodescendentes e por euro-descendentes que trataram da identidade negra, explicitando o diálogo que estes textos promovem entre si. É o encontro da superação da dicotomia que Albert Memmi apresentou nas suas reflexões sobre a colonização e descolonização africana e que Malcom X defendeu para os negros dos Estados Unidos. Para José Endoença Martins a “consciência dupla”, que assumia um caráter negativo para os nacionalistas negros dos Estados Unidos, como já dissemos, é a solução que deve ser encontrada na construção da “negritice”. Endoença entende que tanto a assimilação arielista quanto o nacionalismo calibã visam uma liberdade futura para os personagens que as assumem, mas que a solução do problema se dá por meio da catalisação exuística. 21 22 Retamar, Roberto Fernández. Op. cit. p. 32. Glissant, Édouard. Op. cit. p. 24.
  • 8. 8 Em posição análoga a de Endoença, está a de Daniel-Henri Pageaux23. Segundo Jane Tutikian, para Pageaux as relações entre diferentes culturas podem se dar a partir de três categorias: “(...) a philia, quando a cultura nacional de origem e a estrangeira colocam-se num mesmo plano, de colaboração mútua; a fobia, quando a cultura nacional de origem considera-se superior à estrangeira e tende à refratá-la; a mania, quando a cultura nacional de origem considera-se inferior à estrangeira e busca absorvê-la”.24 Relacionando as metáforas de Endoença com as categorias de Pageaux, é possível estabelecer a seguinte associação: Ariel = mania; Caliban = fobia; Exu = philia. Assim, podemos afirmar que a literatura pós-colonial reflete esta complexidade que os conceitos de identidade manifestam. Que não é mais possível defendermos a identidade enquanto espaço estanque, mas como espaço que se ocupa na mobilidade. E que a literatura, com suas metáforas arielistas, calibanistas e exuísticas, contribui para melhor compreendermos os diálogos interculturais que se manifestam na pós-modernidade. Retratos do Colonizado e do Colonizador em À Espera dos Bárbaros de Coetzee. Queremos agora olhar para o romance “À Espera dos Bárbaros”, do sul-africano John Maxwell Coetzee, a partir das possibilidades de debate que este oferece naquilo que diz respeito à dicotomia colonizador/colonizado, e cotejá-lo com o já citado texto de Albert Memmi, “Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador”. Justifico o cotejamento destes textos distanciados no tempo e no gênero, na proximidade que estabelecem com a visão de colonizador e de colonizado enquanto espaços estanques, ainda que complexos. O romance de Coetzee é de 1980, já o ensaio de Memmi é de 1957, entretanto ambos estão inseridos na lógica pós-colonialista, o que não significa que partem das mesmas premissas para estabelecerem suas verdades. Kwame Anthony Appiah, ao analisar a produção 23 24 Citado por Jane Tutikian, op. cit. Ibidem, p. 13.
  • 9. 9 literária pós-colonial25, estabelece duas periodizações para os romances africanos escritos na perspectiva pós-colonialista. Na primeira fase, ocorrida durante e logo após os processos de independência nacional, estes romances apresentavam uma dupla dependência (ao meio universitário africano – ocidentalizado – e aos editores euro-americanos), e se caracterizavam pelo discurso anticolonial e nacionalista. A segunda fase começa a se delinear a partir de 1960, com o fracasso de muitos projetos nacionalistas, convertidos em governos autoritários e corruptos. Segundo Appiah, “longe de ser uma celebração da nação, portanto, os romances da segunda fase – a fase pós-colonial – são romances de deslegitimação, rejeitando o projeto nacionalista da burguesia nacional pós-colonial”26. Ciente do caráter ensaístico do texto de Memmi, quero ainda assim inseri-lo na primeira fase, dado seu anticolonialismo e sua defesa do colonizado em sua luta pela descolonização. Já “À Espera dos Bárbaros” pode ser inserido na segunda fase. Neste, Coetzee critica o imperialismo ocidental e seu caráter civilizatório, que se confunde com o bárbaro, apesar daquele se perceber enquanto antagônico deste, sem chegar a defender o nacionalismo ou a auto-afirmação dos povos nativos. Ainda citando Appiah, o discurso pós-colonialista “contesta as narrativas legitimadoras anteriores. E as contesta em nome das vítimas sofredoras de mais de trinta repúblicas. Mas contesta-as em nome do universal ético, em nome do humanismo (...)”27. “À Espera dos Bárbaros” apresenta este caráter contestatório, universalista e humanista. No entanto, a experiência colonial que tenta apresentar e discutir não está datada e geograficamente localizada. Não trata da espoliação específica de um povo por outro, mas da experiência da espoliação no contexto do imperialismo e da “polaridade civilizado/bárbaro”28. Quanto à obra de Albert Memmi, esta reflete a respeito do processo de colonização européia na África e a construção das identidades antagônicas colonizador / colonizado, como já apontamos anteriormente. Não há possibilidade de diálogo interidentitário na concepção de Memmi, o que o aproxima do conceito de “dupla consciência” de Malcom X. Em “À Espera dos Bárbaros”, Coetzee não coloca a questão no plano da identidade “racial”, ou seja, não há negros ou brancos, há civilizados e bárbaros. Assim, a discussão permanece no plano cultural e sugerindo que, na visão do colonialista, segundo leitura de Denise Almeida Silva a respeito do personagem Magistrado, “que os bárbaros são caça e 25 Em seu livro Na Casa de Meu Pai, 1997, p. 209-216. Ibidem, p. 213. 27 Ibidem, p. 216. 28 Conforme apresentado e discutido no artigo A construção eu/outro em Terras de Sombras e À espera dos bárbaro de J. M. Coetzee, de Denise Almeida Silva. 26
  • 10. 10 pestilência que cabe ao Império destruir”29. É na mistificação do outro que se constrói a própria identidade no romance de Coetzee. O civilizado, aquele que come com talheres, sedentário, que fala a língua do colonizador e nesta sabe ler e escrever, que comunga das leis e da “justiça” do colonizador, estabelece suas fronteiras na oposição a um outro que quer invadi-lo, destruí-lo, usurpá-lo, mas quem ninguém vê, que ninguém nunca viu. Porque o mote do romance é justamente a espera de uma vila que acredita na proximidade de uma invasão dos povos nativos. Coetzee cria uma atmosfera beckettiana para retratar esta condição de esperar uma invasão, que nunca ocorre, mas que se reforça no medo; um medo que inventa e mistifica uma identidade bárbara, mas que barbariza também os agentes da “civilização” e que nesta justificam seus atos. Esta mistificação e a relativização da verdade da civilização aparecem na boca e nas reflexões do protagonista do romance, um magistrado responsável pela administração colonial em uma vila nos confins do império: “Há uma época do ano, sabe, em que os nômades nos visitam para comerciar. Pois bem: visite o mercado então e verifique quem costuma ser roubado no peso das mercadorias, quem costuma ser enganado e maltratado, quem sofre ameaças. Verifique quem é obrigado a deixar suas mulheres no campo, por temor a que sejam insultadas pelos soldados. Veja quem são os bêbados jogados nas sarjetas, e veja quem os trata a pontapés. Contra esse desprezo pelos bárbaros, esse desprezo que é capaz o mais humilde estalajadeiro, o mais pobre camponês, é que me venho debatendo, como juiz, há vinte anos. Como erradicar os conflitos, particularmente se se trata de conflitos fundados em nada mais substancial que a diferença de comportamento à mesa ou a forma particular de suas pálpebras?”30 É este Magistrado, personagem central no romance de Coetzee, que quero observar com mais atenção, dada a sua complexidade e a possibilidade de relacioná-lo com uma das categorias desenvolvidas por Albert Memmi: o “colonizador de boa vontade”. Como Magistrado, representa a administração da lei e da justiça colonial e constitui-se como um bastião da civilização. A vila que administra está estabelecida em algum ponto remoto do império, em região fronteiriça. Uma fronteira que vai muito além da territorialização geográfica, já que permeia as relações dos habitantes da vila com os nômades (bárbaros) e 29 30 Silva, Denise Almeida. Op. cit. Coetzee, J. M. À Espera dos Bárbaros, 1980, p. 67.
  • 11. 11 com os pescadores (selvagens). Sob a suposta ameaça de uma invasão de bárbaros que desejam destruir o império, uma força militar é enviada para a região e altera o cotidiano da vila. A perseguição, prisão e tortura de pescadores, que habitam uma região intermediária, já que estão fora dos muros da vila e dentro do campo de visão e controle dos “civilizados”, o que não lhes confere identidade alguma pois não são bárbaros e tampouco coloniais (estariam naquilo que Glissant chama de “entre-lugar”), incitam no Magistrado um sentimento de culpa e revolta em relação ao império e sua condição pessoal de colonial. Porém Albert Memmi alerta: “o romantismo humanitarista é considerado na colônia uma doença grave, o pior dos perigos: trata-se, nada mais nada menos, que da passagem para o campo do inimigo”31. E é seu humanitarismo, sua crença na civilização, que o movem a determinar “que os prisioneiros sejam alimentados, que seja chamado o médico e que este faça o que puder, que o quartel volte a ser um quartel, que se tomem providências para que os prisioneiros retornem a sua vida anterior o mais depressa possível, o mais longe possível daqui”32, depois que se retira da vila a primeira força militar. Esta revolta e culpa materializam-se, primeiramente, na relação de amor e posse que o personagem vai estabelecer com uma das prisioneiras, que teve os pés quebrados e os olhos semicegados. Andando com muita dificuldade, com a ajuda de bengalas, e enxergando apenas com as bordas dos olhos, a Bárbara desperta no magistrado, além da culpa e do desejo de posse, a pena. Sentimentos que o fazem levá-la para seu quarto e sua cama, que o impelem a lavar-lhe o corpo. E neste ato do Magistrado que banha o corpo nú da Bárbara, Coetzee constrói com muita força uma alegoria que pode, talvez, retratar o ocaso do colonialismo e a ascensão do nacionalismo nas colônias: “Depois dos pés, começo a lhe lavar as pernas. Para tanto, ela tem de ficar de pé na bacia, apoiando-se em meu ombro. De alto a baixo, corro as mãos por suas pernas, do tornozelo até os joelhos, atrás e na frente, apertando-as, acariciando-as, modelando-as. São curtas e robustas, a barriga da perna é forte.”33 Apesar dos pés atrofiados e das pernas curtas, apesar de ter que se apoiar sobre os ombros do colonizador, tem as pernas robustas e fortes, o que lhe permite caminhar e se sustentar, ainda que com o apoio de bengalas e enxergando pouco. Quanto ao colonizador, representado no Magistrado, escreve Coetzee: 31 32 33 Memmi, Albert. Op. cit. p. 35. Coetzee, J. M. Op. cit. p. 35. Ibidem, p. 42.
  • 12. 12 “Quanto a mim, ante seus olhos cegos, no íntimo calor do quarto, posso me despir sem embaraço, desnudando minhas pernas finas, meu sexo flácido, minha barriga, meu débil peito de velho, a pele avermelhada de minha garganta.”34 A questão é que não há cegueira na moça. Ela enxerga e vê toda a fragilidade do Magistrado, sua falta de virilidade, sua intensa sonolência. O próprio Magistrado reconhece sua condição ambígua, de “colonizador de boa vontade”, como diz Memmi, mas ainda e sempre colonizador. É o caso de quando ele a devolve ao seu povo e diz “[sou] um lobo do Império vestindo pele de cordeiro”35; ou ainda: “eu era a mentira que o Império conta para si mesmo quando os tempos são favoráveis, e Joll [oficial da força militar que ocupa a vila] a verdade que se impõe quando sopram ventos contrários”36. Porque “o mecanismo é quase fatal: a situação colonial fabrica colonialistas, como fabrica colonizados”37. O Magistrado passa a viver atormentado por uma “dupla consciência” que, ao mesmo tempo em que o faz defender a civilização em que acredita, move-o ao encontro do outro, procurando conhecê-lo através dos seus vestígios arqueológicos ou tomando o corpo de uma das suas fêmeas. Movimento que o destitui de identidades, porque será rejeitado pelos seus pares (será torturado, preso, destituído do cargo e, por fim, ignorado e abandonado) e preterido pela Bárbara, que opta por retornar aos seus, no deserto. Assim, em “À Espera dos Bárbaros” não há possibilidade para a “crioulização” de Édouard Glissant., tampouco à salvação fechando-se em uma identidade, em uma “raiz única”. “Como tantas outras vezes atualmente, deixo-os, sentindo-me tolo, como um homem que há muito se extraviou, mas que ainda insiste em seguir pela estrada que não o levará a parte alguma”38 – melancolicamente conclui o protagonista na última frase do romance. Qual estrada? A do diálogo interétnico? Do projeto civilizador eurocêntrico? Da instituição de uma nação sobre as pernas curtas e robustas, porém de pés quebrados e atrofiados, do colonizado? A opção de Coetzee em “À Espera dos Bárbaros” é a de denúncia das arbitrariedades e da hipocrisia do imperialismo e colonialismo ocidental, claro está. No 34 Ibidem, p. 43. Ibidem, p. 94. 36 Ibidem, p. 169. 37 Memmi, Albert. Op. cit. p. 59. 38 Coetzee, J. M. Op. cit. p. 191. 35
  • 13. 13 entanto, o cotejamento desta ficção com o ensaio de Memmi, inseridos no debate do póscolonialismo, e respeitados os contextos em que estes discursos foram produzidos, permitenos perceber como foram compreendidos os diálogos identitários nestas duas obras, e de como estas refletiram o processo de colonização, suas conseqüências e as chagas, ainda vivas e purulentas, que legaram. As metáforas identitárias em “Venenos de Deus, remédios do Diabo”. O escritor moçambicano Mia Couto39 galgou a condição de autor reconhecido pela inventividade e bricolagem vocabular dos seus textos. Das páginas dos seus livros brotam palavras e expressões que mesclam o português de Portugal com o português moçambicano e com as línguas nativas do seu país, bem como neologismos próprios da literatura oral. Este aspecto, recorrente em sua obra, somado aos usos do folclore, dos mitos e das lendas moçambicanos, permite situar a proposta literária de Mia Couto nas proximidades das propostas empreendidas por Guimarães Rosa e Mário de Andrade (o Mário de Macunaíma). Sob o aspecto ideológico, sua obra quer pensar e problematizar a construção da identidade nacional no Moçambique – país recentemente saído da guerra civil e, tal qual a maior parte dos antigos territórios coloniais em continente africano, culturalmente multifacetado – , inserindo-se naquilo que Kwame Anthony Appiah chama de segunda fase da literatura póscolonial: textos que deslegitimizam o projeto nacionalista da burguesia nacional pós-colonial. Segundo Jane Tutikian, “misturando vida e arte, recriando admiravelmente a linguagem, onde se casam os falares com as línguas, e a estrutura, que Mia Couto desenvolve o seu projeto de moçambicanidade, dentro da perspectiva de resgate e reafirmação da cultura tradicional, mas também com o reconhecimento da presença do outro no processo identitário”.40 Em seu romance “Venenos de Deus, remédios do Diabo” publicado em 2008, Mia Couto dá continuidade a este seu projeto literário, onde a relativização das verdades (e das mentiras) engendra a trama deste livro que conta a história de Bartolomeu Sozinho (ex39 40 Pseudônimo de António Emílio Leite Couto. Op. cit., p. 28-29.
  • 14. 14 mecânico naval da Companhia de Navegação Colonial), sua esposa Dona Munda, o administrador Suacelência, o médico Sidónio Rosa e a mulher que este ama e busca reencontrar em Vila Cacimba, cenário da história, Deolinda. O primeiro aspecto a chamar nossa atenção em “Venenos de Deus, remédios do Diabo” é seu aspecto fantástico. Ao chegar em Vila Cacimba, o médico Sidónio Rosa se vê na obrigação de tratar os habitantes do lugarejo de uma estranha epidemia (supostamente de meningite) que os transforma, segundo o narrador, em “tresandarilhos”. A despeito da epidemia, Sidónio dedica especial atenção a Bartolomeu Sozinho, que vive enclausurado em seu quarto e padece de misteriosa e mortal debilidade, visitando-o diariamente. Bartolomeu é casado com Munda, mulher que vive a hostilizar e que acredita infiél. Esta, por sua vez, mantém uma relação incerta com seu marido: ao mesmo tempo em que o hostiliza e pede por sua morte, é capaz de dormir à porta de seu quarto para estar atenta se for solicitada. A atenção especial do médico ao casal justifica-se em seu interesse por Deolinda, mulher que conhecera em Portugal e pela qual se apaixonara, supostamente filha de Bartolomeu e Munda, e ausente de Vila Cacimba para realizar cursos de aperfeiçoamento. Seu destino e data de retorno são ignorados, porém comunica-se com Sidónio através de cartas que lhe chegam às mãos por intermédio de Munda, que por sua vez as recebe de “familiares”, pois “aqui em África, todos são familiares”41 – argumenta a personagem em arroubo pan-africano. Nestas cartas, Deolinda pede a Sidónio que vele por seus pais, e que lhes dê alguns presentes a fim de lhes atenuar as dores e propiciar um pouco de conforto, como um televisor para a mãe, por exemplo. O leitor tem aqui a impressão do caráter de escambo apresentado pelo conteúdo dos pedidos das cartas; escambo tão próprio dos tempos coloniais. Na relação do nativo com o europeu, estabelece-se um interesse mercantil onde ambos procuram obter vantagens da condição que ocupam: o europeu, que detém o capital, crê que pode comprar a confiança e o respeito do casal de nativos através dos presentes e da atenção que dispensa; os nativos se aproveitam de uma suposta situação de vitimização para alcançarem aos artefatos da modernidade que desejam possuir. Este caráter mercantil das relações interétnicas é elemento recorrente na obra de Mia Couto e aparece, também e com muita força, em “O Outro Pé da Sereia” 42, quando o personagem Benjamin Southman – um historiador estadunidense e afrodescendente que visita Vila Longe para se reencontrar com suas raízes identitárias e investir verbas na terra dos seus antepassados – é ludibriado pelos moradores do vilarejo, que lhe falsificam uma tradição e um 41 42 Couto, Mia. Venenos de Deus, remédios do Diabo”, 2008, p. 47. Couto, Mia. O outro pé da sereia. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
  • 15. 15 modo de viver, há muito desaparecidos (se é que alguma vez tais tradição e modo de vida houvessem efetivamente existido), a fim de que o afortunado historiador possa encontrar o que deseja e crê verdadeiro. É o desejo de se apoderarem do dinheiro do estrangeiro que leva os moradores de Vila Longe, em “O Outro Pé da Sereia”, a inventarem um mundo que o historiador supunha existir; é o desejo de usarem dos recursos e da atenção de Sidónio que leva Bartolomeu e Munda, em “Venenos de Deus, remédios do Diabo”, a falsearem as cartas de Deolinda. Sob esta lógica, justifica-se a irritação externada pelo médico quando reflete: “Os que a mim se dirigem não me querem como pessoa. Uns chegam-se para vender, outros para roubar. Ninguém me aborda sem interesse, meu Deus, como me custa ter raça!” (p. 75). Cabe, entretanto, ressaltar a veracidade da recíproca, porque também ele, Sidónio, tem seus interesses; também ele não é quem aparenta ser. E o que parece ser mentira, é tão somente outra verdade; daí um certo caráter fantástico inerente a este romance: nunca sabemos qual o relato que nos dá a verdade dos fatos, nunca sabemos quem falseia e quem revela, afinal, nada há além do discurso, da literatura, responsável até mesmo pela construção da própria identidade, da raça. Neste sentido o trecho abaixo, excerto de uma conversa entre Bartolomeu e Sidónio, tem muito a nos dizer: “ – A propósito da língua, sabe uma coisa, Doutor Sidonho? Eu já estou a desmulatar. E exibe a língua, olhos cerrados, boca escancarada. (...) a mucosa está coberta de fungos, formando uma placa esbranquiçada. – Quais fungos? – reage Bartolomeu. Eu estou é a ficar branco de língua, deve ser porque só falo português (...)”43 Se nas páginas finais Deolinda afirma ao médico que “esta terra mente para viver”44, podemos entender que ao falar de sua Vila Cacimba (extensão do Moçambique?), Deolinda diz também de toda terra, dos territórios que, através do discurso, permanentemente inventamos, sejam estes territórios geográficos ou identitários, e é nesta invenção que existimos e habitamos. Talvez por isso, também, não há maniqueísmo em “Venenos de Deus, remédios do Diabo”. O próprio título já indica este relativismo ao atribuir a cura ao Diabo e o mal a Deus. Há, isto sim, posições, e por isso a relativização, seja do bem e do mal, seja do nacional e do estrangeiro ou do branco e do negro, porque ser branco, segundo Bartolomeu no 43 44 Couto, Mia. Venenos de Deus, remédios do Diabo, 2008, p. 110-111 Ibidem, p. 181.
  • 16. 16 excerto que apresentamos acima, é uma questão de “língua”. Daí a complexidade psicológica e identitária dos personagens deste romance. Bartolomeu Sozinho, apesar de negro e nativo, ocupa uma posição arielista, segundo conceito de José Endoença Martins45; ou seja, reconhece no branco, no europeu, qualidades e superioridades que inveja e deseja para si. Tanto que, cansado da vida, pede ao médico que lhe mate sob o argumento de que “ele tinha que valorizar a única riqueza que lhe restava: a sua morte. – Tenho que ser morto por um branco!”46. Bartolomeu orgulha-se de um passado que julga glorioso, a serviço da Companhia de Navegação Colonial, como único tripulante negro do navio Infante D. Henrique, apesar de atravessar os mares no fundo de um porão escuro. Sob este aspecto, o “ariel” Bartolomeu destoa do Ariel de “A tempestade” analisado por Rodó. Neste seu romance, Mia Couto não desenha um personagem arielista alado, mas submerso em um porão escuro de navio. Um “ariel” monstruoso, distante da liberdade e a cada dia mais deformado pelas enfermidades que acometem seu corpo e espírito. E com o fim do regime colonial, a constatação: “o navio encalhou, virou sucata e estava, um pouco como ele mesmo, à espera de ser abatido”47. A multietnicidade pode ser observada também se atentarmos para a miscigenação dos personagens. Bartolomeu é negro, mas afrontou sua família ao se unir a Munda, uma mulata de ascendência alemã. Ambos geraram Deolinda que, ao visitar Portugal, apaixonou-se por um português. Miscigenações que são vistas com muita resistência. Os alemães, por exemplo, são alvo de preconceito, e os restos mortais dos seus antepassados repousam em um cemitério evitado pelos nativos; assim como Bartolomeu teve de enfrentar a resistência da família, que considerava sua união com uma mulata como um pioramento genético. Ao protagonismo de Bartolomeu, opõe-se o personagem Suacelência, administrador de Vila Cacimba e seu principal rival. Suacelência é, também, personagem de complexidades. Pelos juízos de Bartolomeu, somos levados a crer no caráter corrompido, vil e chauvinista do administrador; mas no final do livro somos surpreendidos ao sabermos Suacelência demitida do seu posto justamente por se opôr à derrubada ilegal de madeira na região. E se a rivalidade entre ambos existe e é recíproca, esta se dá principalmente pela posição social que cada um ocupa: um como administrador nacional, outro como saudosista da administração colonial. Segundo o administrador, “esses colonos precisavam de um preto decorativo! Não era por méritos próprios que o mecânico negro seguia no navio. Ele era tripulante apenas como 45 Negritice: interculturalidades e identidades na literatura afro-descendente, op. cit. Couto, Mia. Venenos de Deus, remédios do Diabo, 2008, p. 54 47 Ibidem, p. 14. 46
  • 17. 17 instrumento de uma mentira: de que não havia racismo no império lusitano”48. Tão logo destituído de seu cargo oficial, Suacelência aponta seu caráter humano, sensível até, ao revelar o uso de seus últimos dinheiros para ofertar a Bartolomeu um enterro de pompa e condizente com suas vontades finais. No romance de Mia Couto, Suacelência representa Caliban, porém sem a desfiguração do personagem de Shakespeare. Aproximando-se da opção de Retamar, Mia Couto redime seu Caliban, humaniza-o, em detrimento de seu Ariel, que será penalizado pela história. Assim, ainda que reforcemos aqui o caráter multicultural da obra de Mia Couto e sua defesa de uma moçambicanidade que reconhece a presença do outro no processo identitário, enquanto intelectual moçambicano ciente do papel da literatura para a construção de identidades nacionais, em “Venenos de Deus, remédios do Diabo” o autor faz uma opção clara na medida em que o personagem Bartolomeu Sozinho é apresentado como um personagem rancoroso, mesquinho e penalizado pelas vicissitudes da vida e pela realidade pós-colonial. Ainda que estabelecendo diálogos identitários complexos, é possível apontarmos na personagem Deolinda o papel de “Exu”, segundo José Endoença Martins, ou a categoria de “philia”, conforme Daniel-Henri Pageaux. Cabe a Deolinda o papel de catalisadora de culturas. Primeiramente porque é ela que aproxima o médico português Sidónio Rosa de Vila Cacimba. Interessante é apontar – e ainda não o fizemos – que Sidónio Rosa representa o “colonizador de boa vontade”, definido por Albert Memmi, dado ser Sidónio o personagem que mais verbaliza críticas ao processo colonial no Moçambiqque e que mais anseia por se tornar um moçambicano. Também Deolinda, através da entrega do seu corpo tanto a Bartolomeu, quanto a Suacelência, oferece a chave para a relação de ambos. Ainda que conflituosa, há entre estes dois personagens um certo reconhecimento que, ao final da obra, manifesta-se nos cuidados que Suacelência terá para com o sepultamento de Bartolomeu. Todas as relações entre os personagens de “Venenos de Deus, remédios do Diabo”, acontecem a partir de Deolinda. Relações que atingem seu término com a morte de Bartolomeu e o retorno do médico Sidónio a Portugal. Vinga, por fim, a nação. Mas uma nação multifacetada, de identidade compósita, como defende Glissant. Interessante apontar ainda um último aspecto deste romance de Mia Couto que me chama a atenção: a problematização do conflito entre a tradição e a modernidade no contexto pós-colonial, fato não menos recorrente em sua literatura. A própria presença de um personagem médico torna-se emblemática, haja visto este se opor ao curandeiro, personagem 48 Ibidem, p. 26.
  • 18. 18 a quem recorre Deolinda para se tratar do mal que a acometia. Interessante observar que o curandeiro está situado no Zimbabwe, ou seja, fora das fronteiras do Moçambique. Também Bartolomeu externa o desconforto entre o antigo e o novo, a tradição e a modernidade, quando diz que a televisão o poupa dos sonhos, sonhando por si. A percepção que temos é a da existência de um certo desconforto, como aquela expressão no rosto de um indígena brasileiro quando lhe vestiram um chapéu na cabeça. A poeira das estradas contradiz com a tecnologia capaz de produzir a camioneta que liga Vila Cacimba ao resto do país; assim como uma epidemia de meningite (cuja proliferação se dá a partir de lugares fechados) não condiz com os horizontes da savana africana. Resta-nos assim a percepção de que em “Venenos de Deus, remédios do Diabo”, Mia Couto engaja-se com este Moçambique contemporâneo, não se furtando à problematização dos paradoxos do seu desenvolvimento e da sua ocidentalização. A AIDS, o incesto, a crise familiar e o aborto – temas que o autor trabalha neste seu romance – são as facetas deste desenvolvimento feito aos atropelos e sem qualquer planejamento, deste flerte entre a África e o Hemisfério Norte, entre a tradição e a modernidade, destas múltiplas identidades, invenções literárias, ainda prementes de diálogo. Considerações finais. Iniciamos este artigo citando Jane Tutikian, quando afirma que estudar literatura é pensar a questão da identidade. De fato, a literatura historicamente constitui-se como elemento fundamental tanto na construção de identidades, nacionais ou não, quanto na consolidação ou na desconstrução de identidades já existentes. A assertiva incorpora ainda maior legitimidade quando discutimos a literatura pós-colonial. Neste breve artigo analisamos dois romances inseridos naquilo que Kwame Anthony Appiah chamou de segunda fase da literatura pós-colonial africana. Seus autores são eurodescendentes, entretanto as duas obras apresentam perspectivas identitárias opostas. O primeiro romance analisado, “À espera dos bárbaros”, do sulafricano John Maxwell Coetzee, dialoga teoricamente com Albert Memmi, que entende as identidades como espaços estanques. Já “Venenos de Deus, remédios do Diabo”, do moçambicano Mia Couto, dialoga com as metáforas desenvolvidas por José Endoença Martins, que entende as identidades enquanto espaços relacionais.
  • 19. 19 O intuito deste artigo foi aplicar as diferentes concepções teóricas que discutem o conceito de identidade na análise de romances pós-coloniais. Procuramos assim contribuir com a leitura crítica dessas obras, bem como aprofundar o debate a respeito das relações que a literatura pós-colonial estabelece com a formação identitária das nações a partir das quais são produzidas. Referências Bibliográficas: 1. Appiah, Kwame Anthony. Na casa de meu pai: a África na filosofia da cultura. Tradução por Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. 2. Coetzee, J. M. À espera dos bárbaros. Tradução por Luiz Araújo. São Paulo: Best Seller,1980. 3. Couto, Mia. Venenos de Deus, remédios do Diabo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 4. Couto, Mia. O outro pé da sereia. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 5. Glissant, Édouard. Introdução a uma poética da diversidade. Juiz de Fora, MG: UFJF, 2005. 6. Hall, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003. 7. Hall, Stuart. Quem precisa da identidade? In. Silva, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 3ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, p. 103133. 8. Martins, José Endoença. Literatura afro-brasileira: Exus promovendo encontros entre Áfricas e Brasis. 8 p. (mimeo). 9. Martins, José Endoença. Narrativas, metáforas, identidades afro-descendentes e pedagogia literária. 14 p. (mimeo). 10. Martins, José Endoença. Negritice: interculturalidades e identidades na literatura afrodescendente. In. Costa, Hilton & Silva, Paulo Vinícius Baptista da. Notas de história e cultura afro-brasileiras. Ponta Grossa, PR: UEPG/ UFPR, 2007, p. 253-269. 11. Memmi, Albert. Retrato do colonizado precedido pelo do colonizador. Tradução por Roland Corbisier e Mariza Pinto Coelho. São Paulo: Paz e Terra, 1967. 12. Retamar, Roberto Fernández. Caliban e outros ensaios. Tradução por Maria Elena Matte Hiriart e Emir Sader. São Paulo: Busca Vida, 1988.
  • 20. 20 13. Rodó, José Enrique. Ariel. Tradução por Denise Bottmann. Campinas, SP: Unicamp, 1991. 14. Shakespeare, William. A Tempestade. Tradução por Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Lacerda, 1999. 15. Silva, Denise Almeida. A construção eu/outro em Terras de Sombras e À espera dos bárbaros, de J. M. Coetzee. Artigo disponível em http://www.unigranrio.br/unidades_acad/ihm/graduacao/letras/revista/numero1/textodenis e.html . Acesso realizado em 04 de agosto de 2008. 16. Tutikian, Jane. Velhas identidades novas: o pós-colonialismo e a emergência das nações de língua portuguesa. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2006. 17. West, Cornel. Questão de raça. Tradução por Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.