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ENTRE PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES: OS FOLHETINS NOS ANOS
SESSENTA
Carla Kaori Matsuno
André Luiz Joanilho (Orientador)

RESUMO
Este trabalho tem por objetivo estudar as representações sociais na
década de sessenta através dos folhetins publicados pela revista Capricho.
Estes contos eram dirigidos a um público feminino que se formava durante
a intensa urbanização que o Brasil sofreu na época. Pretendemos,
também, analisá-los sem os colocar de modo simplista ao lado de “cultura
popular” ou “cultura de massa”.
Palavras-chave: práticas de leitura, folhetins, anos sessenta.

325
A análise de tais folhetins é construída a partir da localização e
interpretação diacrônica e sincrônica do objeto, dimensões de trabalho
definidas por C. Schorske e sublinhadas por Chartier. Além disso,
baseamo-nos na discussão em torno das relações entre o letrado e o
popular, entre produção e consumo e a relação do real com a ficção,
baseado nas concepções de Roger Chartier, Michel de Certeau e Pierre
Bourdieu. Através destes autores, questionamos o aspecto clássico da
divisão da cultura

em pares/oposição: alta/baixa; superior/inferior;

erudita/popular.
Viajar pelo mundo dos folhetins é a possibilidade de encontrar a
mentalidade da década de 1960, principalmente feminina, e compreender
formas de leitura e criação cultural, discutindo os limites entre o popular e
o erudito, ou, o mais importante, captando de que forma ambos se
relacionam para, então, compreender melhor a posição cultural do objeto
folhetim.
1. Os folhetins na década de sessenta
A leitura pertence às práticas que levam a reconhecer certo
universo mental de uma época e um determinado local; é uma das
representações que marcam, de certa forma, a identidade social de um
grupo, de uma comunidade, de um gênero, de uma classe ou de uma
hierarquia, já que a construção destes é resultado da relação de força
entre as representações; na qual, existe uma rede em que uns obtêm o
poder de classificar e outros acatam (cada qual com seu próprio meio), ou
resistem a tal classificação. A abordagem, portanto, dos folhetins da
década de 1960, da revista Capricho, como representação social significa
a instrumentalização do objeto folhetim em um objeto fundamental na
análise cultural da sociedade dos anos sessenta.

326
No Brasil, os folhetins vieram junto com a onda de urbanização
do país. A década de sessenta apresenta a idéia da superioridade citadina,
quando o preconceito rural e a ilusão de melhores oportunidades surgem,
na cidade, difundidas pelo capitalismo.
(...) A vida da cidade atrai e fixa porque
oferece melhores oportunidades e acena um
futuro de progresso individual, mas, também,
porque é considerada uma forma superior de
existência. A vida do campo, ao contrário,
repele e expulsa.114
No período de 1950-1980, a migração da zona rural para a zona
urbana aproxima-se dos 39 milhões de pessoas, dado retirado da História
da Vida Privada no Brasil 4 – Contrastes da intimidade contemporânea115,
fato caracterizado, inclusive, pela industrialização e, conseqüentemente,
pela selvagem modernização da agricultura. Dentro dos instrumentos
conceptuais dos brasileiros na época, está uma moral individual e familiar,
quando se torna considerável o declínio da distância social entre a mulher
e o homem e a posição central dos filhos na vida doméstica, o romantismo
também se torna cada vez mais presente, com um acréscimo na
valorização da mulher e na sua liberalidade, e a atenção aos agentes
moralizantes, como a família e a escola. Com tal mudança na sociedade
brasileira, há também uma transformação nas condições de existência,
ou, como chama Bourdieu116, no estilo de vida. Estas condições refletem
nas práticas culturais, uma vez que, essas mudanças são resultantes do
jogo da relação de força entre as representações, além de considerar que
as práticas culturais formam uma distintiva expressão de certo grupo.
Nestes aspectos, o folhetim foi encaixado na cultura popular.

114

SCHWARCZ, L. M. História da Vida Privada no Brasil. v. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
Cf. Idem, ibid.
116
Cf. BOURDIEU, Pierre. Gostos de Classe, Estilos de Vida. In: ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu. São
Paulo: Ática, 1983.
115

327
Tais folhetins nasceram nos jornais franceses em torno de 1830
com o intuito de atrair leitores. Feuilleton, designação francesa, era a
localização do jornal onde se recheava de recriações – como curiosidades
e ficções – para a atração do público. Com o sucesso do espaço, o qual se
limitava ao lugar do rodapé, o feuilleton passa a ser um lugar de destaque
em alguns jornais que somado, também, ao sucesso da ficção em pedaços
resulta

nos

romances-folhetins,

ou,

no

que

entendemos

aqui,

basicamente, como folhetim. O folhetim, no início do século XX, expandiuse dos jornais às revistas e, mais tarde, à televisão. A telenovela, segundo
alguns autores (como Marlyse Meyer), é a tradução atualizada do romance
folhetinesco.
(...) Um produto novo, de refinada tecnologia,
nem mais teatro, nem mais romance, nem
mais cinema, ao qual reencontramos o de
sempre: a série, o fragmento, o tempo
suspenso que reengata o tempo linear de uma
narrativa estilhaçada em tramas múltiplas,
enganchadas no tronco principal, compondo
uma “urdidura aliciante”, aberta às mudanças
segundo o gosto do “freguês”, tão aberta que
o próprio intérprete, tal como na vida, nada
sabe do destino de seu personagem. (...) E
sempre, no produto novo, os antigos temas:
gêmeos, trocas, usurpações de fortuna ou
identidade,
enfim,
tudo
que
fomos
encontrando nesta longa trajetória se haverá
de reencontrar nas mais atuais, modernas e
nacionalizadas
telenovelas.
Até
sua
distribuição
em
horários
diversos,
correspondendo a modalidades folhetinescas
diferentes: aventura, comicidade, seriedade,
realismo. Sempre de modo a satisfazer o
patrocinador.117

117

MEYER, Marlyse. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 387.

328
2. Para o conceito de cultura
Com

a

aproximação

da

História

com

a

Antropologia,

especificamente da História Cultural entre as décadas de 1960 e 1990, há
uma ascensão dos debates acerca da concepção de cultura e, assim, da
presença desta nos estudos históricos. É necessário, portanto, definir o
seu conceito que servirá como base para a elaboração da pesquisa, pois
sua construção é um campo frágil, sempre revisitada e discutida nos
meios acadêmicos. O conceito norteador da pesquisa fundamenta-se na
concepção de Clifford Geertz em ruptura, segundo o próprio antropólogo,
com o pensamento iluminista do homem que influenciou fortemente a
antropologia clássica.
O Iluminismo buscava as características comuns e imutáveis em
relação ao tempo e ao espaço para a definição do homem. Para tanto, o
pensamento

iluminista

desconsiderava

a

diversidade

de

condições

temporais e locais (costumes e hábitos entre outros), tratando-as como
apenas uma indumentária.
[...] A enorme e ampla variedade de
diferenças entre os homens, em crenças e
valores, em costumes e instituições, tanto no
tempo como de lugar para lugar, é
essencialmente sem significado ao definir sua
natureza. Consiste em meros acréscimos, até
mesmo
distorções,
sobrepondo
e
obscurecendo o que é verdadeiramente
humano – o constante, o geral, o universal –
no homem.118
A antropologia do final do século XIX e início do século XX, na
tentativa de justificar o homem no seu contexto com influências do
pensamento iluminista, adota o conceito estratigráfico; nele, o homem é

118

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Tradução Fanny Wrobel. Rio de Janeiro: Editora Zahar,
1978. p. 47.

329
composto por níveis: biológico, psicológico, social e cultural, existindo
uma hierarquia entre as camadas. Dessa forma, os estudos antropológicos
eram voltados para as universais culturais que coincidissem com as
dimensões fornecidas por outros níveis, superiores na rede hierárquica.
Daí, a busca pelo consensus gentium (consenso de toda a humanidade)119
ou padrões os quais toda a humanidade concordava.
Em contraposição a essa visão, Geertz afirma que as revelações
do que é genericamente humano são encontradas nas particularidades
culturais dos povos, ou seja, é a partir de análises das diferenças
difundidas pela variedade de condições regionais e temporais que se pode
construir a definição do homem.
A antropologia moderna, então, volta os olhos para a importância
da configuração social no qual o homem se insere e entende que este
vínculo não pode ser quebrado, uma vez que o mesmo pode estar tão
envolvido com onde ele está e com as circunstâncias de seu tempo que é
inseparável deles. É através das discussões sobre a relevância das
determinações mutáveis com o declínio da natureza humana constante
que surge, de acordo com o autor, o conceito de cultura ou pelo menos o
espaço para o seu debate.
Ao romper com a concepção estratigráfica, o autor lança duas
idéias fundamentais para o debate:
[...] A primeira delas é que a cultura é melhor
vista não como complexos de padrões
concretos de comportamento – costumes,
tradições, feixes de hábitos –, como tem sido
o caso até agora, mas como um conjunto de
mecanismos de controle – planos, receitas,
regras, instruções (o que os engenheiros de
119

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Tradução Fanny Wrobel. Rio de Janeiro: Editora Zahar,
1978. p. 50.

330
computação chamam de “programas”) – para
governar o comportamento. A segunda idéia é
que o homem é precisamente o animal mais
desesperadamente
dependente
de
tais
mecanismos de controle, extragenéticos, fora
da pele, de tais programas culturais para
ordenar seu comportamento.120
A

perspectiva

da

cultura

como

mecanismo

de

controle

desemboca em uma outra idéia cara às nossas pesquisas: a idéia de que a
cultura, entendida de tal forma, é uma condição essencial para a
existência humana – a principal base de sua especificidade.121
No curso da História Cultural, as idéias de Geertz, em conjunto
com outros autores pertencentes ao debate – como T.S. Eliot, Turner e
Ervin Goffman –, colaboraram para a análise da relação entre a cultura e
a sociedade, em uma tentativa de não reduzir a primeira como reflexo da
segunda. Essas influências deslocaram o foco de interesses entre os
historiadores culturais, assim, seguindo a explicação de Peter Burke,
surge um novo paradigma para a História Cultural. É deste paradigma que
vem a possibilidade de elaborar o nosso projeto.
Com a abordagem de Mikhail Bakhtin, em Cultura popular na
Idade Média e no Renascimento, a análise de Norbert Elias da cultura no
período de corte, em Sociedade de Corte e O processo civilizador, os
estudos do controle sobre o eu de Michel Foucault e o conceito de campo
de Pierre Boudieu, houve uma maior preocupação com as práticas e
representações nas análises históricas, liderada por Roger Chartier. Estes
dois aspectos tornaram-se característicos da História Cultural ou, como
alguns historiadores denominam, Nova História Cultural. (NHC).

120

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Tradução Fanny Wrobel. Rio de Janeiro: Editora Zahar,
1978. p. 56.
121
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Tradução Fanny Wrobel. Rio de Janeiro: Editora Zahar,
1978. p. 58.

331
Baseado nos estudos antropológicos sobre a cultura, as práticas
tomam espaço em decorrência do declínio dos estudos sobre os clássicos
da “alta cultura”. “Práticas é um dos paradigmas da NHC: a história das
práticas religiosas e não da teologia, a história da fala e não da lingüística,
a história do experimento e não da teoria científica. [...]” 122 Juntamente
com a ascensão das práticas, as representações (imaginário social) de
certa sociedade, por sua vez, é abordada em uma via de mão dupla, no
qual ela não é mera representação da sociedade em questão, mas é
construída ao mesmo tempo em que constrói o seu contexto.
3. Entre práticas e representações: os folhetins na década de
sessenta
A compreensão da representação, trabalhada nessa pesquisa, é
tomada como a imagem daquilo que está ausente levando à reflexão de
uma

existente

lacuna

entre

o

representado

e

a

representação

propriamente dita. Nessas condições, a análise dos folhetins como
representações sociais supõe duas problemáticas essenciais: o que eles
representavam para os leitores e o que eles representam da mentalidade
dos mesmos na década de sessenta. Para tanto, é necessário entender a
leitura como um processo de construção de sentido e é através das
práticas de leitura do público que é viável chegar à percepção de tal
processo.
Nessa perspectiva, Roger Chartier salienta:
[...] Todo o trabalho que se propõe identificar
o modo como as configurações inscritas nos
textos, que dão lugar a séries, construíram
representações aceitas ou impostas do mundo
social, não pode deixar de subscrever o

122

BURKE, Peter. O que é história cultural?. Tradução Sérgio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2008. p. 78.

332
projecto e colocar a questão, essencial, das
modalidades da sua recepção.123
O debate proposto por Chartier dentro da história da leitura
segue como orientação para qualquer trabalho que se proponha na área.
Portanto,

faz-se

importante

apresentar

algumas

considerações

das

discussões do autor que orientam o tratamento do objeto folhetim como
uma representação social. A primeira delas é o rompimento que Chartier
propõe da visão de oposição sobre o letrado e o popular, uma vez que a
definição de alta cultura e da cultura popular é um ato construído na
referência ao outro. Ou seja, Roger Chartier traz a problemática da
delimitação dos campos literários para a reflexão das relações de forças
que se encontram nele, pois é a partir da dinâmica de tais relações que se
formam as definições de ambos.
[...] torna-se claro que a própria cultura de
elite é constituída, em larga medida, por um
trabalho operado sobre materiais que não lhe
são próprios. [...] Estes cruzamentos não
devem ser entendidos como relações de
exterioridade
entre
dois
conjuntos
estabelecidos de antemãoe sobrepostos (um
letrado, o outro popular) mas como produtores
de “ligas” culturais ou intelectuais cujos
elementos
se
encontram
solidamente
incorporados uns nos outros como nas ligas
metálicas. [...]124
Outra consideração importante para a análise reside no fato de
compreender a leitura como um ato criativo e não passivo; não somente a
prática da leitura, mas é preciso quebrar com a idéia da alienação do
consumo e da universalidade do sujeito. A ruptura com a separação
extrema da produção com o consumo condiz com a concepção de que as
interpretações não estão intrínsecas no texto, elas são produtos das

123
124

CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Lisboa:DIFEL, 1990. p. 24.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Lisboa:DIFEL, 1990. p. 56-57.

333
tensões entre os sentidos ofertados no texto (intencionalidade da escrita)
e das apropriações feitas pelos leitores. É na percepção da diversidade de
práticas do público que se encontra a possibilidade de trabalhar a questão
das representações.
A última deferência de Chartier se constrói em ruptura com a
oposição entre realidade e representação. Segundo o autor, um texto
literário é um sistema de categorias, percepção, regras de funcionamento
os quais remetem a suas condições de produção ou à historicidade de sua
criação e apropriação.
4. Conclusão
Partindo do conceito de cultura como os mecanismos de controle
os quais regem o comportamento humano (condições essenciais para a
existência do homem), a compreensão dos folhetins como representações
sociais abrange a análise das relações de forças do campo literário, assim
como da sua constituição como representação para e do seu público.
Portanto, orientado pelo pensamento de Roger Chartier, o objeto
deve ser tomado segundo o seu contexto histórico no processo de
produção, incluindo o ato de ler o qual se conceitua em um processo
secundário de produção – usando os termos de Michel de Certeau.
A presença e circulação de uma representação
(...) não indica somente o que ela é para os
que dela se utilizam. É necessário ainda
analisar a sua manipulação pelos que a
praticam e que não são os fabricantes dessas
representações.
Então
pode-se
apenas
apreciar o desvio ou a semelhança entre a
produção da imagem e a produção secundária
que se esconde nos processos de sua
utilização.125
125

CERTEAU, Michel. L’Invention du Quotidien – L’Arts de faire. Folio Gallimard, 1990.

334
Tendo em vista os discutidos pontos teóricos, os folhetins da
revista Capricho nos anos sessenta são documentos que, de certa
maneira, nos levam à compreensão da década tratada. Para tanto, é
essencial a percepção das variadas formas de apropriação de tais revistas
pelos leitores.
A viagem pelo mundo folhetinesco da revista Capricho, nos anos
sessenta, tende a alcançar, de maneira mais próxima, a mentalidade da
época. Entender o motivo da expansão do objeto folhetim, a causa de seu
sucesso, a razão pela qual tantas pessoas o liam e buscar a resposta de
tantas outras perguntas futuramente geradas no decorrer da pesquisa,
iluminado pelas considerações do debate proposto, possibilitarão a
compreensão das identidades sociais definidas pelas práticas culturais, os
grupos sociais, em geral, a estrutura do mundo social dos anos sessenta.

335
Referências
BAKHTIN, M.M. A cultura popular na Idade Média e no
Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec,
2002.
BOURDIEU, Pierre. Gostos de Classe, Estilos de Vida. In: ORTIZ,
Renato (org.). Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983.
BURKE, Peter. O que é história cultural?. Tradução Sérgio Goes de
Paula.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008
CERTEAU, Michel. L’Invention du Quotidien – L’Arts de faire. Paris:
Folio Gallimard, 1990.
CHARTIER,
Roger.
A
História
Cultural:
Representações. Lisboa:DIFEL, 1990.

Entre

Práticas

e

ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte. Lisboa: Editorial Estampa, 1987.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes.
Tradução de Ruy Jurgman. 2º ed., Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 1994.
FOUCAULT, Michel. Microfisica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1982.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Tradução Fanny
Wrobel. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1978.
MEYER, Marlyse. Folhetim: uma história. SP: Companhia das Letras,
1996.

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Entre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessenta

  • 1. ENTRE PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES: OS FOLHETINS NOS ANOS SESSENTA Carla Kaori Matsuno André Luiz Joanilho (Orientador) RESUMO Este trabalho tem por objetivo estudar as representações sociais na década de sessenta através dos folhetins publicados pela revista Capricho. Estes contos eram dirigidos a um público feminino que se formava durante a intensa urbanização que o Brasil sofreu na época. Pretendemos, também, analisá-los sem os colocar de modo simplista ao lado de “cultura popular” ou “cultura de massa”. Palavras-chave: práticas de leitura, folhetins, anos sessenta. 325
  • 2. A análise de tais folhetins é construída a partir da localização e interpretação diacrônica e sincrônica do objeto, dimensões de trabalho definidas por C. Schorske e sublinhadas por Chartier. Além disso, baseamo-nos na discussão em torno das relações entre o letrado e o popular, entre produção e consumo e a relação do real com a ficção, baseado nas concepções de Roger Chartier, Michel de Certeau e Pierre Bourdieu. Através destes autores, questionamos o aspecto clássico da divisão da cultura em pares/oposição: alta/baixa; superior/inferior; erudita/popular. Viajar pelo mundo dos folhetins é a possibilidade de encontrar a mentalidade da década de 1960, principalmente feminina, e compreender formas de leitura e criação cultural, discutindo os limites entre o popular e o erudito, ou, o mais importante, captando de que forma ambos se relacionam para, então, compreender melhor a posição cultural do objeto folhetim. 1. Os folhetins na década de sessenta A leitura pertence às práticas que levam a reconhecer certo universo mental de uma época e um determinado local; é uma das representações que marcam, de certa forma, a identidade social de um grupo, de uma comunidade, de um gênero, de uma classe ou de uma hierarquia, já que a construção destes é resultado da relação de força entre as representações; na qual, existe uma rede em que uns obtêm o poder de classificar e outros acatam (cada qual com seu próprio meio), ou resistem a tal classificação. A abordagem, portanto, dos folhetins da década de 1960, da revista Capricho, como representação social significa a instrumentalização do objeto folhetim em um objeto fundamental na análise cultural da sociedade dos anos sessenta. 326
  • 3. No Brasil, os folhetins vieram junto com a onda de urbanização do país. A década de sessenta apresenta a idéia da superioridade citadina, quando o preconceito rural e a ilusão de melhores oportunidades surgem, na cidade, difundidas pelo capitalismo. (...) A vida da cidade atrai e fixa porque oferece melhores oportunidades e acena um futuro de progresso individual, mas, também, porque é considerada uma forma superior de existência. A vida do campo, ao contrário, repele e expulsa.114 No período de 1950-1980, a migração da zona rural para a zona urbana aproxima-se dos 39 milhões de pessoas, dado retirado da História da Vida Privada no Brasil 4 – Contrastes da intimidade contemporânea115, fato caracterizado, inclusive, pela industrialização e, conseqüentemente, pela selvagem modernização da agricultura. Dentro dos instrumentos conceptuais dos brasileiros na época, está uma moral individual e familiar, quando se torna considerável o declínio da distância social entre a mulher e o homem e a posição central dos filhos na vida doméstica, o romantismo também se torna cada vez mais presente, com um acréscimo na valorização da mulher e na sua liberalidade, e a atenção aos agentes moralizantes, como a família e a escola. Com tal mudança na sociedade brasileira, há também uma transformação nas condições de existência, ou, como chama Bourdieu116, no estilo de vida. Estas condições refletem nas práticas culturais, uma vez que, essas mudanças são resultantes do jogo da relação de força entre as representações, além de considerar que as práticas culturais formam uma distintiva expressão de certo grupo. Nestes aspectos, o folhetim foi encaixado na cultura popular. 114 SCHWARCZ, L. M. História da Vida Privada no Brasil. v. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Cf. Idem, ibid. 116 Cf. BOURDIEU, Pierre. Gostos de Classe, Estilos de Vida. In: ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983. 115 327
  • 4. Tais folhetins nasceram nos jornais franceses em torno de 1830 com o intuito de atrair leitores. Feuilleton, designação francesa, era a localização do jornal onde se recheava de recriações – como curiosidades e ficções – para a atração do público. Com o sucesso do espaço, o qual se limitava ao lugar do rodapé, o feuilleton passa a ser um lugar de destaque em alguns jornais que somado, também, ao sucesso da ficção em pedaços resulta nos romances-folhetins, ou, no que entendemos aqui, basicamente, como folhetim. O folhetim, no início do século XX, expandiuse dos jornais às revistas e, mais tarde, à televisão. A telenovela, segundo alguns autores (como Marlyse Meyer), é a tradução atualizada do romance folhetinesco. (...) Um produto novo, de refinada tecnologia, nem mais teatro, nem mais romance, nem mais cinema, ao qual reencontramos o de sempre: a série, o fragmento, o tempo suspenso que reengata o tempo linear de uma narrativa estilhaçada em tramas múltiplas, enganchadas no tronco principal, compondo uma “urdidura aliciante”, aberta às mudanças segundo o gosto do “freguês”, tão aberta que o próprio intérprete, tal como na vida, nada sabe do destino de seu personagem. (...) E sempre, no produto novo, os antigos temas: gêmeos, trocas, usurpações de fortuna ou identidade, enfim, tudo que fomos encontrando nesta longa trajetória se haverá de reencontrar nas mais atuais, modernas e nacionalizadas telenovelas. Até sua distribuição em horários diversos, correspondendo a modalidades folhetinescas diferentes: aventura, comicidade, seriedade, realismo. Sempre de modo a satisfazer o patrocinador.117 117 MEYER, Marlyse. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 387. 328
  • 5. 2. Para o conceito de cultura Com a aproximação da História com a Antropologia, especificamente da História Cultural entre as décadas de 1960 e 1990, há uma ascensão dos debates acerca da concepção de cultura e, assim, da presença desta nos estudos históricos. É necessário, portanto, definir o seu conceito que servirá como base para a elaboração da pesquisa, pois sua construção é um campo frágil, sempre revisitada e discutida nos meios acadêmicos. O conceito norteador da pesquisa fundamenta-se na concepção de Clifford Geertz em ruptura, segundo o próprio antropólogo, com o pensamento iluminista do homem que influenciou fortemente a antropologia clássica. O Iluminismo buscava as características comuns e imutáveis em relação ao tempo e ao espaço para a definição do homem. Para tanto, o pensamento iluminista desconsiderava a diversidade de condições temporais e locais (costumes e hábitos entre outros), tratando-as como apenas uma indumentária. [...] A enorme e ampla variedade de diferenças entre os homens, em crenças e valores, em costumes e instituições, tanto no tempo como de lugar para lugar, é essencialmente sem significado ao definir sua natureza. Consiste em meros acréscimos, até mesmo distorções, sobrepondo e obscurecendo o que é verdadeiramente humano – o constante, o geral, o universal – no homem.118 A antropologia do final do século XIX e início do século XX, na tentativa de justificar o homem no seu contexto com influências do pensamento iluminista, adota o conceito estratigráfico; nele, o homem é 118 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Tradução Fanny Wrobel. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1978. p. 47. 329
  • 6. composto por níveis: biológico, psicológico, social e cultural, existindo uma hierarquia entre as camadas. Dessa forma, os estudos antropológicos eram voltados para as universais culturais que coincidissem com as dimensões fornecidas por outros níveis, superiores na rede hierárquica. Daí, a busca pelo consensus gentium (consenso de toda a humanidade)119 ou padrões os quais toda a humanidade concordava. Em contraposição a essa visão, Geertz afirma que as revelações do que é genericamente humano são encontradas nas particularidades culturais dos povos, ou seja, é a partir de análises das diferenças difundidas pela variedade de condições regionais e temporais que se pode construir a definição do homem. A antropologia moderna, então, volta os olhos para a importância da configuração social no qual o homem se insere e entende que este vínculo não pode ser quebrado, uma vez que o mesmo pode estar tão envolvido com onde ele está e com as circunstâncias de seu tempo que é inseparável deles. É através das discussões sobre a relevância das determinações mutáveis com o declínio da natureza humana constante que surge, de acordo com o autor, o conceito de cultura ou pelo menos o espaço para o seu debate. Ao romper com a concepção estratigráfica, o autor lança duas idéias fundamentais para o debate: [...] A primeira delas é que a cultura é melhor vista não como complexos de padrões concretos de comportamento – costumes, tradições, feixes de hábitos –, como tem sido o caso até agora, mas como um conjunto de mecanismos de controle – planos, receitas, regras, instruções (o que os engenheiros de 119 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Tradução Fanny Wrobel. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1978. p. 50. 330
  • 7. computação chamam de “programas”) – para governar o comportamento. A segunda idéia é que o homem é precisamente o animal mais desesperadamente dependente de tais mecanismos de controle, extragenéticos, fora da pele, de tais programas culturais para ordenar seu comportamento.120 A perspectiva da cultura como mecanismo de controle desemboca em uma outra idéia cara às nossas pesquisas: a idéia de que a cultura, entendida de tal forma, é uma condição essencial para a existência humana – a principal base de sua especificidade.121 No curso da História Cultural, as idéias de Geertz, em conjunto com outros autores pertencentes ao debate – como T.S. Eliot, Turner e Ervin Goffman –, colaboraram para a análise da relação entre a cultura e a sociedade, em uma tentativa de não reduzir a primeira como reflexo da segunda. Essas influências deslocaram o foco de interesses entre os historiadores culturais, assim, seguindo a explicação de Peter Burke, surge um novo paradigma para a História Cultural. É deste paradigma que vem a possibilidade de elaborar o nosso projeto. Com a abordagem de Mikhail Bakhtin, em Cultura popular na Idade Média e no Renascimento, a análise de Norbert Elias da cultura no período de corte, em Sociedade de Corte e O processo civilizador, os estudos do controle sobre o eu de Michel Foucault e o conceito de campo de Pierre Boudieu, houve uma maior preocupação com as práticas e representações nas análises históricas, liderada por Roger Chartier. Estes dois aspectos tornaram-se característicos da História Cultural ou, como alguns historiadores denominam, Nova História Cultural. (NHC). 120 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Tradução Fanny Wrobel. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1978. p. 56. 121 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Tradução Fanny Wrobel. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1978. p. 58. 331
  • 8. Baseado nos estudos antropológicos sobre a cultura, as práticas tomam espaço em decorrência do declínio dos estudos sobre os clássicos da “alta cultura”. “Práticas é um dos paradigmas da NHC: a história das práticas religiosas e não da teologia, a história da fala e não da lingüística, a história do experimento e não da teoria científica. [...]” 122 Juntamente com a ascensão das práticas, as representações (imaginário social) de certa sociedade, por sua vez, é abordada em uma via de mão dupla, no qual ela não é mera representação da sociedade em questão, mas é construída ao mesmo tempo em que constrói o seu contexto. 3. Entre práticas e representações: os folhetins na década de sessenta A compreensão da representação, trabalhada nessa pesquisa, é tomada como a imagem daquilo que está ausente levando à reflexão de uma existente lacuna entre o representado e a representação propriamente dita. Nessas condições, a análise dos folhetins como representações sociais supõe duas problemáticas essenciais: o que eles representavam para os leitores e o que eles representam da mentalidade dos mesmos na década de sessenta. Para tanto, é necessário entender a leitura como um processo de construção de sentido e é através das práticas de leitura do público que é viável chegar à percepção de tal processo. Nessa perspectiva, Roger Chartier salienta: [...] Todo o trabalho que se propõe identificar o modo como as configurações inscritas nos textos, que dão lugar a séries, construíram representações aceitas ou impostas do mundo social, não pode deixar de subscrever o 122 BURKE, Peter. O que é história cultural?. Tradução Sérgio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 78. 332
  • 9. projecto e colocar a questão, essencial, das modalidades da sua recepção.123 O debate proposto por Chartier dentro da história da leitura segue como orientação para qualquer trabalho que se proponha na área. Portanto, faz-se importante apresentar algumas considerações das discussões do autor que orientam o tratamento do objeto folhetim como uma representação social. A primeira delas é o rompimento que Chartier propõe da visão de oposição sobre o letrado e o popular, uma vez que a definição de alta cultura e da cultura popular é um ato construído na referência ao outro. Ou seja, Roger Chartier traz a problemática da delimitação dos campos literários para a reflexão das relações de forças que se encontram nele, pois é a partir da dinâmica de tais relações que se formam as definições de ambos. [...] torna-se claro que a própria cultura de elite é constituída, em larga medida, por um trabalho operado sobre materiais que não lhe são próprios. [...] Estes cruzamentos não devem ser entendidos como relações de exterioridade entre dois conjuntos estabelecidos de antemãoe sobrepostos (um letrado, o outro popular) mas como produtores de “ligas” culturais ou intelectuais cujos elementos se encontram solidamente incorporados uns nos outros como nas ligas metálicas. [...]124 Outra consideração importante para a análise reside no fato de compreender a leitura como um ato criativo e não passivo; não somente a prática da leitura, mas é preciso quebrar com a idéia da alienação do consumo e da universalidade do sujeito. A ruptura com a separação extrema da produção com o consumo condiz com a concepção de que as interpretações não estão intrínsecas no texto, elas são produtos das 123 124 CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Lisboa:DIFEL, 1990. p. 24. CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Lisboa:DIFEL, 1990. p. 56-57. 333
  • 10. tensões entre os sentidos ofertados no texto (intencionalidade da escrita) e das apropriações feitas pelos leitores. É na percepção da diversidade de práticas do público que se encontra a possibilidade de trabalhar a questão das representações. A última deferência de Chartier se constrói em ruptura com a oposição entre realidade e representação. Segundo o autor, um texto literário é um sistema de categorias, percepção, regras de funcionamento os quais remetem a suas condições de produção ou à historicidade de sua criação e apropriação. 4. Conclusão Partindo do conceito de cultura como os mecanismos de controle os quais regem o comportamento humano (condições essenciais para a existência do homem), a compreensão dos folhetins como representações sociais abrange a análise das relações de forças do campo literário, assim como da sua constituição como representação para e do seu público. Portanto, orientado pelo pensamento de Roger Chartier, o objeto deve ser tomado segundo o seu contexto histórico no processo de produção, incluindo o ato de ler o qual se conceitua em um processo secundário de produção – usando os termos de Michel de Certeau. A presença e circulação de uma representação (...) não indica somente o que ela é para os que dela se utilizam. É necessário ainda analisar a sua manipulação pelos que a praticam e que não são os fabricantes dessas representações. Então pode-se apenas apreciar o desvio ou a semelhança entre a produção da imagem e a produção secundária que se esconde nos processos de sua utilização.125 125 CERTEAU, Michel. L’Invention du Quotidien – L’Arts de faire. Folio Gallimard, 1990. 334
  • 11. Tendo em vista os discutidos pontos teóricos, os folhetins da revista Capricho nos anos sessenta são documentos que, de certa maneira, nos levam à compreensão da década tratada. Para tanto, é essencial a percepção das variadas formas de apropriação de tais revistas pelos leitores. A viagem pelo mundo folhetinesco da revista Capricho, nos anos sessenta, tende a alcançar, de maneira mais próxima, a mentalidade da época. Entender o motivo da expansão do objeto folhetim, a causa de seu sucesso, a razão pela qual tantas pessoas o liam e buscar a resposta de tantas outras perguntas futuramente geradas no decorrer da pesquisa, iluminado pelas considerações do debate proposto, possibilitarão a compreensão das identidades sociais definidas pelas práticas culturais, os grupos sociais, em geral, a estrutura do mundo social dos anos sessenta. 335
  • 12. Referências BAKHTIN, M.M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2002. BOURDIEU, Pierre. Gostos de Classe, Estilos de Vida. In: ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983. BURKE, Peter. O que é história cultural?. Tradução Sérgio Goes de Paula.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008 CERTEAU, Michel. L’Invention du Quotidien – L’Arts de faire. Paris: Folio Gallimard, 1990. CHARTIER, Roger. A História Cultural: Representações. Lisboa:DIFEL, 1990. Entre Práticas e ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte. Lisboa: Editorial Estampa, 1987. ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Tradução de Ruy Jurgman. 2º ed., Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 1994. FOUCAULT, Michel. Microfisica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1982. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Tradução Fanny Wrobel. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1978. MEYER, Marlyse. Folhetim: uma história. SP: Companhia das Letras, 1996. 336