O documento discute a variação linguística no ensino de português como língua materna no Brasil. Em três frases:
1) Linguistas defendem que o ensino de português deve dar acesso aos alunos às diferentes variedades cultas da língua, em vez de se concentrar apenas na norma-padrão.
2) No entanto, há equívocos sobre a posição dos linguistas em relação ao ensino das variedades cultas, já que eles distinguem entre variedades cultas e norma-padrão.
3)
3. “Talvez se voltássemos a pensar o ensino do português como
uma área de convergência pedagógica de muitos parceiros (e
não monopólio dos linguistas), pudéssemos trazer nova vida
para o ensino de português no Brasil.”
(Faraco, 2008)
4. Rodrigues trás ao debate um conjunto de conceitos
provindos das grandes coordenadas que formam a
singularização da linguística frente, por exemplo, à tradição
gramatical e à filologia.
Sendo assim, o autor mostra o contraste entre a língua
falada e a língua escrita e o reconhecimento das diferentes
modalidades de escrita.
6. Para Aryon Rodrigues cabe ao ensino ampliar a
mobilidade sociolinguística do falante, ou seja garantir-lhe
um trânsito amplo e autônomo pela heterogeneidade
linguística em que vive e não concentrar-se apenas no
estudo de um objeto autônomo despregado das práticas
socioverbais (o estrutural em si).
7. “Propriedade” x Correção
Existe um padrão absoluto de correção?
Tudo vale na língua?
“os fenômenos linguísticos não são
relativos, mas relativos às circunstâncias”
8. “Numa cultura com um viés arraigadamente
normativo como a nossa, o senso de adequação
se vê, constantemente, perturbado (em especial
entre os segmentos altamente escolarizados) por
um senso de correção exacerbadamente purista.
Inverte-se, portanto, a equação empírica: a
correção (tomada ilusoriamente em sentido
absoluto) secundariza a adequação, quando não a
condena.”
(Faraco, 2008)
10. O primado da “propriedade” frente à correção faz Rodrigues abrir um
conjunto de tópicos sobre a variação linguística, todo ele
atravessado pelo tema das variedades cultas da língua.
Não está explícito no texto, que o autor atribui ao ensino de
português, dentre outras, a tarefa de dar aos alunos acesso a essas
variedades. E esse tem sido um posicionamento comum entre os
linguistas.
Como se supõem que para os linguistas “tudo vale na
língua”, supõe-se também que eles são contrários ao ensino das
variedades ditas cultas. Não há, em seus textos, nenhuma afirmação
nesse sentido.
11.
12. Houve um tempo, em especial na década de 1980, em que a questão foi tratada
pelos linguistas na perspectiva de uma pedagogia do bidialetismo (v., por exemplo,
Soares, 1986).
Consideravam-se as variedades cultas como
um dialeto social e se propunha que o ensino
fornecesse aos falantes de outras variedades
a possibilidade de incorporar esse novo
dialeto, tornando-se “bidialetais”.
A compreensão do fenômeno estava,
portanto, centrada nas formas linguisticas em
si (as variedades cultas vistas apenas como
um conjunto de características
lexicogramaticais) e o ensino, na transmissão
e domínio dessas formas.
13. Visão em continuum das variantes:
Melhor apreensão e distribuição
social das variedades, o que permite
uma maior interrelação.
O letramento implica, como destaca
Britto (2004:134), “muito mais que
dispor de um conhecimento sobre
uma variedade linguística”.
Escola letradora: Acesso às
variedades cultas da língua por meio
de uma pedagogia articulada –
Educação transdisciplinar (Britto,
2004).
14. Letramento “é um processo de aprendizagem social e histórica da leitura e da
escrita em contextos informais e para usos utilitários, por isso é um conjunto de
práticas, ou seja, ‘letramentos’ [...] Distribui-se em graus de domínios que vão de
um patamar mínimo a um máximo” (MARCUSCHI, 2001).
Graus de letramento: Como a escola é considerada uma das maiores agências
de letramento, quanto maior for a escolarização do indivíduo, maior também
poderá ser considerado seu grau de letramento. Todavia, o que vai ratificar seu
elevado grau de letramento, será sua capacidade de usar os conhecimentos que
envolvam a escrita de modo a facilitar sua vida na sociedade, de usufruir dos
benefícios que os resultados da escrita derrama em seu meio social.
Mito do letramento: Falseamento acerca do domínio do uso da escrita por um
grupo social, ou de seus reflexos pela sociedade.
15. ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA COMO LÍNGUA
MATERNA
EQUÍVOCOS E CONTRADIÇÕES
5.Oralidade x Escrita: Para Marchuschi (2000) o fim maior do ensino de
português “é o pleno domínio e uso de ambas as modalidades nos seus
diferentes níveis”;
7.Leitura x Gramática;
9.Língua Culta x Variedades Linguisticas;
11.Textos Didáticos x Textos Vivos.
VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
LÍNGUA CULTA COMO VARIEDADE DE PRESTÍGIO
16.
17. pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
19. Se os lingüistas não são contrários ao ensino das
variedades cultas e têm defendido uma prática
pedagógica centrada no letramento no sentido amplo e
não apenas nas formas lingüísticas, por que eles são
acusados de serem contrários ao ensino das
variedades cultas?
20. O equívoco parece nascer do fato de os acusadores não distinguirem,
como fazem os lingüistas, duas realidades distintas:
Variedades cultas x Norma-padrão
Esta instabilidade terminológica percorre os textos dos lingüistas e
acaba favorecendo as confusões e equívocos.
Importante: Distinção não meramente terminológica como também
indispensável para a compreensão mais adequada dos fenômenos
lingüísticos.
21. “Os lingüistas, ao estudar a variação sociolingüística, detectam a existência de
variedades sociais a que se atribui o qualificativo de “cultas”.”
Estas variedades sociais qualificadas como cultas são:
-Decorrentes de usos mais monitorados da língua
-Segmentos urbanos posicionados do meio para cima na hierarquia econômica
-Amplo acesso aos bens culturais, como educação formal e cultura escrita
Trata-se daquilo que é normal, recorrente, comum na expressão lingüística
desses segmentos sociais, em situações mais monitoradas.
Essas variedades não são homogêneas e, como destacado por Aryon Rodrigues em
seu texto, partilham traços comuns cuja a difusão e sedimentação são favorecidas pela
escolarização de longo alcance e, hoje, seguramente muito mais pela força centrípeta
exercida nacionalmente pela televisão e pelo rádio.
22. Claramente, há uma distinção entre a expressão língua culta escrita e
língua culta falada.
Variedades Cultas, em suas modalidades orais e escritas, são:
-manifestações do uso vivo (normal) da língua
Norma-padrão:
- É um construto idealizado, uma codificação taxonômica de formas
tomadas como um modelo lingüístico ideal
É importante observar que, essa norma, no entanto,
profundamente dissociada das variedades cultas
efetivamente praticadas no Brasil, nunca se tornou um
fato funcional. No entanto, tem servido, por mais de um
século, de instrumento de violência simbólica e
discriminação sociocultural.
23. Em contraposição ao quadro normativo
vigente, os linguistas, com base no estudo
empírico das variedades cultas faladas e
escritas, costumam postular uma
renovação da norma-padrão que resulte
numa atualização de nossos instrumentos
normativos (dicionários e gramáticas) com
a incorporação ao padrão de todos os
fenômenos característicos das variedades
cultas. Em outras palavras, os linguistas
postulam a fixação de uma norma-padrão
que seja o efetivo reflexo da norma culta
brasileira.
24. Há conveniência ou necessidade de se fixar uma norma-padrão brasileira? A natural
diversidade da linguística nacional está pondo em risco a relativa unidade das
variedades cultas faladas? Ou os traços comuns, aliados à força centrípeta dos meios
de comunicação social e das pressões niveladoras típicas do ambiente urbano, estão
suficientemente consolidados para garantir a relativa unidade linguística do país?
-Não há indícios de risco à relativa unidade das variedades cultas
-Circunstancias históricas como a intensa urbanização, novas redes de relações
estabelecidas no espaço urbano e a presença dos meios de comunicação social, em
boa medida favorecem.
-Estudos empíricos tem mostrado que, embora a realidade linguística brasileira seja
historicamente polarizada entre as variedades cultas e populares, há uma clara e forte
tendência ao nivelamento das duas grandes normas linguísticas brasileiras.
25. Diante desses fatos, talvez possamos mesmo abrir mão de projetos
padronizadores, direcionando nossas energias para o que efetivamente
interessa: de um lado, a descrição e a difusão das variedades cultas faladas e
escritas; e, de outro, o combate sistemático aos preceitos na norma curta [...].
“o estigma ainda recai pesadamente sobre as variantes mais características
da norma popular, fortalecendo-se a cada dia- inclusive com a força dos
meios de comunicação em massa- um preconceito que, sem fundamento
linguístico (cf, Bagno 1999), na mais é do que a crua manifestação da
discriminação econômica e da ideologia da exclusão social.”
Lucchesi (2002: 88)
26. Precisaria então de uma norma-padrão escrita?
Obviamente, necessitamos de uma grafia-padrão, mas precisamos ir além
dessa uniformização ortográfica, isto é, precisamos também regulamentar
fenômenos sintáticos, considerando o fracasso evidente das tentativas
padronizadas do século XIX? Ou, em outras palavras, não basta deixar que o
normal (variedades cultas) seja normativo para a fala e para a escrita?
Questões essas que talvez não sejam ainda de fácil assimilação porque
continuamos assombrados pela norma-padrão escrita fixada no século XIX,
pela violência simbólica que a acompanha e pelo temor histórico de uma
suposta ‘desagregação’ da língua e do país.
28. “É justamente frente aos fenômenos da variação (por estes
envolverem complexas questões identitárias e de valores
socioculturais) que os falantes parecem se mostrar mais
sensíveis, externando, muitas vezes, atitudes e juízos de
alta virulência” (FARACO, 2004, p. 1).
29. Segundo Faraco (2004) o que se tem feito em
prol de uma pedagogia da variação linguística
ainda é muito pouco. Parece que ainda não se
sabe ao certo como lidar com isso.
Sabendo que os PCNs (Parâmetros
Curriculares Nacionais) e outros documentos
oficiais de diretrizes de ensino já incluíram a
variação linguística no ensino da Língua
Materna, é imprescindível que busquemos
formas de tornar isso real, e não apenas
discurso teórico.
30. Faraco (2004) afirma, então, que nosso grande
desafio como estudiosos da Linguística e da
Sociolinguística é construir uma pedagogia que não
contrarie a realidade linguística do país (multilingue);
não dê tratamento estereotipado para a ideia de
variação; localize e explique adequadamente o que é
a norma-padrão diante dos fenômenos de variação
linguística; estimule a potencialidade estilística de
manipulação das diversas variedades linguísticas.
Só assim, combateremos as exclusões sociais e as
violências simbólicas que se realizam a partir do
preconceito linguístico.
31. Bortoni-Ricardo (2008) apresenta um trecho extremamente
interessante do livro Rememórias Dois de Carmo Bernardes:
“Entrei numa lida muito dificultosa. Martírio sem fim o não entender
nadinha do que vinha nos livros e do que Mestre Frederico falava.
Estranheza colosso me cegava e me punha tonto. Acho bem que foi
desse tempo o mal que me acompanha até hoje de ser recanteado e
meio mocorongo. Com os meus, em casa, conversava por trinta,
tinha ladineza e entendimento. Na rua e na escola – nada; era
completamente afrásico. As pessoas eram bichos do outro mundo
que temperavam um palavreado grego de tudo.
Os meninos que arrumei para meus companheiros eram todos filhos
de baiano. Conversavam muito diferente do que estava escrito nos
livros e mais diferente ainda da gente de minha parentalha. Custei a
danar a aprender a linguagem deles (...).
32. Um dia cheguei atrasado e dei a desculpa de que o relógio lá de casa
estava ‘azangado’. Aí o mestre entortou o canto da boca, enrugou o couro
da testa e derreou a cabeça e ficou muito tempo assim de esguelha,
fisgado em mim, depois estralou:
- O relógio está o quê?!!
Ah, meu Deus... Tampei a cara com o livro, e uma coceira descomedida
nas popas me pôs a retocar e a esfregar no banco, como quem tinha
panhado bicho. (...)
E, peculiarmente, a palmatória surrou miúdo no tampo da mesa. Em tudo
mais era nesse teor. Era – não: é. Vivi até hoje empenhado na peleja mais
dura, com o viso de me acostumar a falar de acordo, e não sou capaz.
(...) Contar um caso bem contado, com cautela de não dar motivos a
enjoamento em quem vai ler, é que não sou capaz porque tolhido dentro
das regras que Mestre Frederico me ensinou, nunca pude armar uma
estória que prestasse’’.
33. “O problema está nas formas como lidamos com essa
diversidade. O problema está na forma como representamos
para nós essa diversidade. O problema está nas imagens
saturadas de valores que temos dessa diversidade e nas
imagens saturadas de valores que temos de nós como
falantes. Aí reside a fonte das imensas dificuldades que temos
para reconhecer nossa cara lingüística. Por conseqüência,
continuamos a ser uma sociedade atolada em pesados
equívocos e estigmas lingüísticos” (FARACO, 2004, p.10).
34. Qual deverá ser a linguagem do
professor? Mais formal e séria, ou mais
espontânea e familiar aos alunos?
É possível alternar entre as
variedades?
35. Erros ou fenômenos de variação?
Segundo Faraco (2004), a ordem da
metodologia de ensino que ainda persiste
majoritariamente no Brasil constitui-se na
ideia de priorizar a correção em detrimento
da ideia de adequação das diversas
variedades.
36. “(...) não há em língua um padrão absoluto de
correção (válido para todas as circunstâncias),
mas apenas padrões relativos às diferentes
circunstâncias (daí os linguistas afirmarem que a
“propriedade” é mais importante que a correção)”
(FARACO, 2004, p. 2).
37. •P- Reinaldo, mas por quê você num veio ontem?
•Num deu tempo.
•P- Num deu tempo por quê?
•A – Tava trabaianu.
•P- O Reinaldo estava trabalhando ontem e por isso não veio
à aula. Vejam esta palavra, “trabalhando”. Ela é uma
daquelas palavrinhas que podemos usar dos dois jeitos.
Quando falamos com nossos amigos, podemos dizer
“trabaianu”; quando falamos com pessoas que não
conhecemos bem, empregamos a palavra como a
escrevemos, assim: “trabalhando”. Peguem o seu caderno e
vamos escrever uma frase que começa assim: “Ontem eu
estava trabalhando...”
38. “Pelo menos, estamos convencidos de que os alunos
devem se familiarizar com diferentes gêneros discursivos e não
exclusivamente com o texto literário (...) e de que precisamos
combater e mesmo eliminar das práticas escolares o famigerado
gênero “redação escolar”, isto é, aquela produção de textos
artificiais, pré-moldados, que não participam de um circuito vivo de
comunicação, se esgotam na escola e atendem apenas a
burocracia escolar (cumprir tarefa, receber nota). (...) a produção
de texto deve ter funcionalidade, deve realizar efetivos eventos
comunicativos. Acreditamos, por isso, que o processo de produção
de texto e seu produto devem acontecer em ambiente cooperativo,
passando por etapas coletivas, seja na preparação do texto, seja
na análise do produto.” (FARACO, 2004, p. 8)
39. Pedagogia da variação linguística: Os alunos devem se
familiarizar com diferentes gêneros discursivos – ampla
circulação sociocultural.
Sinais evidentes da ausência de pedagogia da variação
linguística:
1. Livros didáticos
2. SAEB
3. ENEM
Construção de uma pedagogia da variação
linguística:
Não tratamento anedótico ou estereotipado aos
fenômenos da variação;
Localização adequada dos fatos da norma
culta/comum/standard;
Abandono do cultivo da norma-padrão;
Estímulo da percepção do potencial estilístico e
retórico dos fenômenos da variação.