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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – campus V
PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL
HELVÉCIA – homens, mulheres e eucaliptos (1980 – 2005)
LILIANE MARIA FERNANDES CORDEIRO GOMES
Santo Antônio de Jesus
JANEIRO / 2009
2
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – campus V
PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL
HELVÉCIA – homens, mulheres e eucaliptos (1980 – 2005)
LILIANE MARIA FERNANDES CORDEIRO GOMES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em História Regional e Local da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB),
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Ely Souza Estrela
Santo Antônio de Jesus
JANEIRO / 2009
3
HELVÉCIA - homens, mulheres e eucaliptos (1980-2005)
LILIANE MARIA FERNANDES CORDEIRO GOMES
Orientadora: Profa. Dra. Ely Souza Estrela
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
História Regional e Local, da Universidade do Estado da Bahia - UNEB,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre.
Aprovada por:
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________
Prof. Dr. (a) (orientador) Ely Souza Estrela
_______________________________________________
Prof. Dr. (a) Lídia Maria Pires Soares Cardel
________________________________________________
Prof. Dr. (a) Charles D’Almeida Santana
________________________________________________
Prof. Dr. (a) Suplente Alicia Ruiz Olalde
________________________________________________
Prof. Dr. (a) Suplente Wellington Castellucci Júnior
JANEIRO / 2009
4
Aos homens e mulheres de Helvécia, que, em
sua inteireza se (re)inventam cotidianamente
e, com os quais eu muito aprendi.
5
AGRADECIMENTO
Ao escrever este agradecimento várias pessoas me vêm à memória e dizem
de sua importância nesta caminhada, que foi possível de ser realizada em razão do
apoio e contribuição de cada uma delas. Entendo o ato de agradecer como uma
partilha e é com este sentimento que agradeço:
As pessoas de Helvécia que me acolheram com confiança e inteireza em
suas casas e se dispuseram a falar de suas vidas. De forma especial, agradeço a
Célia, Netinha, Jorge, João Vitor e Marília que intermediaram o meu contato com
muitos dos entrevistados.
Aos funcionários dos arquivos consultados, em especial os responsáveis pelo
arquivo da Associação Cultural Bahia Minas e pelo cartório de Helvécia.
Aos colegas do Departamento de Educação do campus X/ UNEB que
contribuíram de forma decisiva em minha caminhada com seus incentivos,
especialmente os colegas do colegiado de história. Neste sentido também os
discentes do colegiado de história tiveram um papel importante nesta etapa de
minha vida, e a eles do mesmo modo, eu agradeço.
Aos professores e funcionários do campus V - UNEB, que foram
responsáveis diretos pela minha formação: Charles D’Almeida Santana, Daniel
Francisco dos Santos, Ely Souza Estrela, Felipe Magalhães, Walter Fraga Filho,
Wilson Mattos e Suzana Severs.
Aos companheiros de turma que, ao me acolherem com carinho, contribuíram
para que as minhas longas viagens também significassem reencontros prazerosos,
durante o processo de construção desta pesquisa. De forma especial agradeço
Rosana, Philipe, Raul, Carlos, Edilma, Fabiana e Rose.
À minha orientadora, Ely Estrela, muito obrigada pela confiança, carinho,
profissionalismo, paciência, sabedoria e alegria.
Àquele que com sua sagacidade e bom humor contribuiu de forma definitiva
na história da minha vida, meu pai, seu Zeca, sempre presente na minha memória, e
a memória é viva.
A dona Tê, minha mãe, o agradecimento constante de quem reconhece e
sabe não só de sua torcida e carinho por mim como também dos poderes de sua
oração.
6
Aos irmãos Jorge, pelos dengos e Tarcísio pelos incentivos constantes,
contribuições e carinhos.
As irmãs Lúcia, pelas docilidades e Tânia pelos comentários sagazes,
indagações e carinhos.
Aos familiares: Beto, Denga, Karina, Bruno, Rafa, Gabriel, Camila, Talita,
João Vitor, Olívia, Pablo, Higor, e Vitor. É muito bom ter vocês sempre por perto, na
torcida.
Aos amigos Alzi, Rafael, Gean, Janete, Tata e Catiuscia, valeu o carinho.
Ao meu companheiro Osvaldo que soube tentar compreender minhas muitas
ausências e principalmente ouvir minhas angústias nos vários momentos em que a
vontade e necessidade de escrever não se transformavam em texto.
7
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Abecel – Associação das Empresas Brasileiras Exportadoras de Celulose
ABI – Associação Baiana de Imprensa
ACA – Associação e Comunidade Afro
AQH – Associação Quilombola de Helvécia
BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento
Bndes – Banco Nacional de Desenvolvimento Social
CAB – Centro Administrativo da Bahia
CAR – Coordenadoria de Ação Regional
Cedic – Centro de Documentação e Informação Cultural sobre a Bahia
Caema – Companhia de Ações Especiais Mata Atlântica.
Caerc – Companhia de Ações Especiais da Região Cacaueira.
Cepedes – Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul
da Bahia
Cerflor – Programa Nacional de Certificação Florestal
Coorpin – Coordenadoria Regional de Polícia do Interior
CVRD – Companhia do Vale do Rio Doce
Detaq – Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação
FASB – Faculdade do Sul da Bahia
Flonibra – Empreendimento Florestais S.A.
FSC – Forest Stewardship Council
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços
PDU – Plano de Desenvolvimento Urbano
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PNPC – Plano Nacional de Papel e Celulose
Proesp – Programa de Apoio à Educação Especial
PT – Partido dos Trabalhadores
Senai – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
Senar – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
Seplan – Secretária de Planejamento
UPM – Unidade de Produção de Mudas
UNEB – Universidade do Estado da Bahia
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Cemitério São Pedro ............................................................................ 50
Figura 2 – Cemitério São Pedro e eucaliptos ........................................................ 51
Figura 3 – Cemitério São Pedro: fragmentos......................................................... 53
Figura 4 – Cemitério São Pedro: Lápide................................................................ 54
Figura 5 – Estrada de ferro Bahia e Minas ............................................................ 77
Figura 6 – Barracão na propriedade do sr. Kemi Krull........................................... 148
Figura 7 – Prensa manual, propriedade do sr. Kemi Krull ..................................... 150
Figura 8 – Cocho, propriedade do sr. Kemi Krull ................................................... 150
Figura 9 – Forno, propriedade do sr. Kemi Krull.................................................... 151
Figura 10 – Residência do camponês Manoel Norberto Henrique de Sena........... 158
Figura 11 – Instrumentos de trabalho de um camponês........................................ 159
Figura 12 – Placa da reforma da escola João Martins Peixoto .............................. 199
Figura 13 – Cemitério do Sertão – marcas do tempo ............................................ 218
Figura 14 – Cemitério do Sertão – novas marcas do tempo.................................. 219
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 – Produção de café da Colônia Leopoldina 1836-1853......................... 41
Tabela 02 – População residente por sexo e situação .......................................... 125
10
RESUMO
Helvécia, distrito de Nova Viçosa, está localizado no extremo sul da Bahia e desde
2005 foi reconhecido pela Fundação Cultural Palmares, como área remanescente de
quilombo. O modo de organização econômica desta comunidade, associado às
dimensões sócio-culturais está imbricado à lida/propriedade/posse das terras que no
passado remoto fizeram parte da Colônia Leopoldina. A eucaliptocultura se encontra
em franca expansão no extremo sul baiano e esta atividade se faz presente em
Helvécia desde os anos de 1980. À época de sua implantação, houve por parte de
integrantes da comunidade, a esperança de que estaria se iniciando um tempo de
progresso e conquistas sócio-econômicas. Com o passar dos anos, as fraturas entre
o prometido e o realizado começaram a se fazer visíveis, implicando na experiência
de “desmantelamentos” da vida de muitos camponeses, e na tessitura de tensões,
resistências e negociações. A pesquisa indica a existência de diferentes projetos
coexistindo em Helvécia, sugerindo a complexidade das relações entre os próprios
membros da comunidade e entre estes e os representantes da eucaliptocultura.
Também fica perceptível a mudança na composição de forças entre os
representantes destes projetos após o reconhecimento do distrito como área
remanescente quilombola. O objetivo deste trabalho é discutir as condições sociais e
as relações simbólicas dos homens e das mulheres de Helvécia, após o
desenvolvimento do agronegócio no distrito. A partir da realização de entrevistas,
analisou-se narrativas e silêncios tecidos pela memória de habitantes do distrito a
respeito do que significava viver naquele lugar antes da implantação da
eucaliptocultura e como estes indivíduos foram obrigados a se (re)inventarem e a se
(re)organizarem, através de estratégias diversas, para viver com o eucalipto.
Palavras-chave: eucaliptocultura, resistência, remanescente de quilombo, memória e
cotidiano.
11
ABSTRACT
Helvécia, district of Nova Viçosa, is located in the extreme south of Bahia and since
2005 was recognized by Cultural Palmares Foundation, as a Quilombola remaining
area. The economic organization way of this community, coupled with socio-cultural
dimensions is imbricated to labor / property / possession of land which in a remote
past was part of Leopoldina colony. The eucalyptus culture is booming in the
extreme south of Bahia but this activity has been present in Helvécia since the
1980s. At the time of its deployment there was ,from members of the community, the
hope that it would bring a time of progress and socio-economic achievements. Over
the years, the fracture between the promised and the accomplished started to
become visible, implying in the experience of "dismantling" the lives of many
peasants, and the arising of tensions, resistance and negotiations. The research
indicates the existence of different projects coexisting in Helvécia, suggesting the
complexity of the relationship between the community members themselves as well
as between them and the representations of the eucalyptus culture.It is also
noticeable the change in the composition of forces between the representations of
these projects after the recognition of the district as a Quilombola remaining area.
The aim of this research is to discuss the social and symbolic relationship of men and
women of Helvécia, after the development of agribusiness in that district. From
interviews applied, both narratives and silences produced by the memory of
inhabitants of the district about what meant living in that place before the deployment
of the eucalyptus culture and how these individuals were forced to (re) invent and to
(re) organize themselves, through various strategies, to live with the eucalyptus.
Keywords : eucalyptus culture, resistence, Quilombola remaining area, memory and
daily.
12
SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................................. 13
1º Capítulo – Velhos Tempos de Helvécia............................................................. 36
1.1 Helvécia – uma aproximação em três tempos ................................................. 37
1.2.1 Colônia Leopoldina e Helvécia – Alinhavos.................................................. 39
1.2.1.1 Lugar de memória........................................................................... 48
1.2.2 Tempo do cativeiro – memórias indizíveis.................................................... 56
1.2.3 Tempo da fartura “Ah, mais aqui era muito bom”.......................................... 61
1.2.3.1 “Festa em Helvécia era superior” .................................................... 69
1.2.4 Tempo da estação – Estrada de ferro Bahia Minas ...................................... 72
2º Capítulo – “Pensou que não chegou a firma” .................................................... 84
2.1 “Porque eu me senti comprada” ...................................................................... 99
2.2 “Desmantelamentos” ....................................................................................... 115
2.3 “Se não ficasse rico”........................................................................................ 120
3º Capítulo – Viver com eucaliptos........................................................................ 137
3.1 Resistências miúdas........................................................................................ 146
3.1.1 “Pior de tudo é nada né?” .................................................................. 147
3.1.2 “Eu não vou viver de pau” .................................................................. 153
3.1.3 Entre facho e preguiça – viver do carvão ........................................... 161
3.2 “Assuma a sua identidade, seja orgulhoso de ser filho de Helvécia” ............... 174
3.2.1 Arranjos identitários. Ser quilombola, tornar-se quilombola................ 187
3.3 “A gente está em um jogo de cintura com a comunidade” ............................... 205
Considerações finais............................................................................................. 213
Referências........................................................................................................... 221
13
INTRODUÇÃO
Uma estrada “antiga”, de terra batida, estreita, ladeada por eucaliptos, que
estão enfileirados, organizados, vicejantes e prontos para serem cortados,
empilhados e enviados através de caminhões capazes de armazenar e transportar
toras e mais toras da branca madeira até diferentes portos, rumo a outros cantos do
mundo.
Uma estrada principal, “nova”, ladeada por eucaliptos que não se fazem de
rogados, e aparecem em diferentes tamanhos e portes como a dizer que aquele
caminho é, natural e definitivamente, deles.
Espaços de ausência nas beiras das estradas. Não mais tantos sítios, não
mais jaqueiras frondosas, não mais fartura de gado, não mais casas avarandadas.
Silêncios e eucaliptos, eucaliptos e máquinas coletoras, eucaliptos, homens e
máquinas. Não há mulheres.
Espaços de existência na beira da estrada. Um pequeno sítio, jaqueiras
tímidas e frondosas, algumas reses, algumas casas, uma varanda. Possibilidades de
confrontos e conflitos se insinuam no meio das estradas.
Homens e mulheres vivem nos povoados que se situam às margens das
estradas por onde circulam as carretas que transportam o eucalipto. Eles buscam
recolher, das mais variadas formas, algumas sobras que se desprendem da riqueza
do eucalipto, que passa, cada vez mais rápido, rumo aos seus destinos, seus
distantes portos de desembarque.
Espaço de vivência para além das estradas e seus eucaliptais. Lugares
plenos de histórias, histórias que sugerem outro jeito de viver e lidar com a terra,
com o ritmo do tempo, com as relações de sociabilidade. Homens e mulheres.
Também eles já estavam ali e ali permanecem. Permanecerão?
A composição desses elementos sugere a existência de tensões não só na
beira da pista, mas dentro das casas, das igrejas, das vendas, enfim dos lugares de
convívio.
É neste feixe de possibilidades, de leituras de lugar, que está situado o distrito
de Helvécia, pertencente ao município de Nova Viçosa-BA, a 958 km de Salvador
tendo a BR 418 e a BR 101 como rodovias de acesso. A princípio, o que chama a
atenção neste distrito, não é uma singularidade, mas sim o fato de o mesmo, como
14
tantos outros na região, ter sido, de certa forma, tomado pela plantação de eucalipto.
Entretanto, uma observação mais cuidadosa deste lugar nos faz ver suas
idiossincrasias, e nos revela a existência de uma comunidade predominantemente
afro-brasileira, reconhecida desde 19 de abril de 20051
como área remanescente de
quilombo, que, diante de desmantelamentos estruturais, busca se organizar a partir
de ações individuais e coletivas no sentido de continuar a existir.
Segundo dados preliminares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), referentes à elaboração do censo de 2006,2
a população total do distrito de
Helvécia é de 4.298 habitantes, divididos entre 1.690 na área urbana e 2.608 na
área rural.
A partir das falas de pessoas que residem naquele distrito é possível
identificar dimensões do cotidiano que revelam o significado do viver com o eucalipto
em Helvécia, suas expectativas e conflitos. Essas falas também apontam os
imbricamentos deste cultivo com os projetos governamentais que defendem o
agronegócio em detrimento dos outros modos de viver pautados nas atividades
agrícolas associadas a outras, não agrícolas, utilizadas para complementação da
renda, com o intuito de manter a condição de agricultor.3
Meu interesse de pesquisa sobre essa comunidade deu-se a partir de
contatos com ela estabelecidos, em razão de trabalhos orientados e desenvolvidos
por mim, juntamente com alunos dos cursos de turismo, pedagogia e letras,4
desde
o ano de 2003. Estes primeiros contatos foram feitos a partir de leituras sobre
Helvécia, nos raros materiais escritos existentes a que tive acesso à época, visitas à
comunidade e conversas informais com alguns de seus membros.
Neste período, já se concretizara no Brasil e na Bahia uma tendência de
valorização da cultura afro-brasileira, com uma espécie de exaltação de tudo aquilo
que se lia, se via e se dizia relacionado às tradições africanas. Em consonância com
este movimento, o debate a respeito da importância das comunidades quilombolas
suscitava estudos acadêmicos e ganhava espaço na mídia e na agenda política,
com repercussões sobre o fazer legislativo.
1
Reconhecimento através da Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, portaria nº 7 de
6 de abril de 2005, publicado no Diário Oficial da União, de 19 de abril de 2005.
2
Informações obtidas no escritório do IBGE em Teixeira de Freitas - Bahia.
3
Maria José Carneiro. Pluriatividade da agricultura no Brasil: uma reflexão crítica. CPDA/UFRRJ.
4
Integro o colegiado de Turismo da Faculdade do Sul da Bahia – FASB em Teixeira de Freitas e fui
convidada a ministrar aulas no curso de formação de professores em exercício – PROESP de
licenciatura em Letras da UNEB Campus XVII de Eunápolis.
15
Em conformidade com a Lei 10.639/2003, que, em seu artigo 26-A, trata da
obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nos
estabelecimentos de ensino fundamental e médio, tanto em escolas oficiais quanto
em escolas particulares, essa temática ganhou cada vez mais espaço nos
ambientes acadêmicos, principalmente nos cursos de pedagogia, em razão da
necessidade de que estes futuros profissionais tivessem conhecimento a respeito da
mesma. Nos debates passou a ser muito comum falas dos alunos sobre
comunidades negras. De forma específica – acredito que em razão da proximidade
espacial, na cidade em que vivo e trabalho, Teixeira de Freitas –, Helvécia passou a
ser apresentada em sala de aula pelos discentes, como um lugar de referência da
cultura afro-brasileira, falada como sendo um espaço de resistência, um lugar onde
as pessoas tinham suas tradições associadas aos tempos da escravidão,
vivenciados na antiga Colônia Leopoldina, fundada por colonos europeus ainda no
início do século XIX.
Concomitante à valorização anteriormente indicada, somavam-se os
problemas relativos ao crescimento da eucaliptocultura, que compunha a paisagem
da região do Extremo Sul baiano. Esta atividade ganhava terreno e ao fazê-lo
contribuía para o aumento do deslocamento de pessoas de seus lugares de origem,
de seus sítios, de suas terras. O debate a respeito do impacto ambiental do plantio
do eucalipto também ocupava os espaços acadêmicos e ganhava uma relativa
visibilidade na mídia local. A discussão se pautava, em linhas gerais, na dicotomia
progresso versus preservação do meio ambiente.
Uma série de discursos apresentados pelas empresas representantes da
eucaliptocultura, seus agentes e defensores, queriam fazer ver unicamente os
benefícios deste plantio e se negavam a discutir os problemas que lhes eram
atribuídos por grupos ligados às organizações ambientais e/ou sociais.
Foi exatamente no exercício dos debates em sala de aula e em outros
ambientes acadêmicos, que vislumbrei as relações e a complexidade existente entre
a eucaliptocultura e o distrito de Helvécia.
Cabe recordar, com um pouco mais de detalhes, os meus primeiros contatos
com Helvécia. Esses aconteceram, antes de iniciar o desenvolvimento desta
pesquisa, a partir de visitas feitas à comunidade. O debate sobre a importância da
cultura afro-brasileira ensejou os discentes a provocarem este movimento de ida até
aquela comunidade.
16
A primeira delas deu-se em razão de um grupo de estudantes do curso de
Turismo, no desenvolvimento de uma atividade acadêmica, ter convidado para vir à
faculdade um grupo de Helvécia que iria “apresentar” a dança do “bate-barriga”, bem
como “encenar” a luta dos mouros e cristãos.
Naquela oportunidade, um dos eixos de debates desenvolvidos, junto com a
turma, estava relacionado às discussões sobre a premissa, comum em um curso de
turismo, da valorização da cultura local. Atrelada a esta questão, discutíamos os
riscos existentes em folclorizar as pessoas, em tratar a produção cultural como um
espetáculo.
Foi assim que, após a “apresentação”, abrimos um espaço de conversa com
algumas das pessoas da comunidade e combinamos uma visita a Helvécia para
conhecermos um pouco mais sobre aquele jeito de ser. Saber, por exemplo, como
se dera a elaboração das letras das músicas cantadas por eles, conversar sobre a
linguagem corporal ali utilizada e seus possíveis significados, buscando, desta
forma, ir além da postura de meros espectadores de um show que se encerrara com
aplausos e comentários entusiasmados da platéia sobre a “riqueza da cultura afro-
brasileira”.
Passados alguns dias, nos organizamos e fomos até o distrito de Helvécia. A
paisagem que se apresentou durante o trajeto até a comunidade foi se mostrando
impactante pela sua homogeneidade. Para onde quer que se olhasse, o eucalipto se
fazia presente, verde, pronto para o corte ou ainda se insinuando em mudas
ordenadas, enfileiradas. Aquele fato chamou a atenção do grupo e a minha, de
modo particular.
Ao chegarmos, fomos recebidos com carinho e tivemos de fato aquilo que
havia sido planejado, qual seja a oportunidade de conhecer um pouco o jeito de ser
de alguns membros da comunidade. Alguns fatos nos chamaram a atenção, um
deles foi a existência de quintais que não se separavam por cercas, dando uma pista
de que havia, naquele espaço, um jeito diferente de lidar com a noção de
propriedade. Outro dado referia-se ao orgulho com que a população fazia menção
ao prédio da estação ferroviária Bahia e Minas, fazendo questão de mostrá-lo como
se ele fosse um exemplo concreto da importância do distrito em outros tempos
vividos. Falava-se muito do passado, talvez para não falar da vida presente e do que
a mesma implicava.
17
Foi nesta oportunidade que comecei a perceber a existência de um desejo por
parte de membros da comunidade em falar de suas Memórias, e ao fazê-lo percebi
que os tempos da estação eram lidos como tempos áureos e os tempos do eucalipto
como um tempo de tensões, suscitando emoções confusas e ambíguas. Era comum
a construção de frases que em linhas gerais expressavam a idéia de que o distrito
estava “cercado pelo eucalipto”, ao mesmo tempo em que se falava das “firmas”5
como se as mesmas desempenhassem um importante papel na história daquele
local.
Algum tempo depois, exatamente no dia 29 de janeiro de 2006, voltei à
Helvécia, desta vez com uma turma do colegiado de Letras da UNEB – Campus
XVIII, Eunápolis, onde ministrava a disciplina Cultura Afro-brasileira, no curso de
formação de professores em exercício, através do Programa de Apoio á Educação
Especial (Proesp). Naquele dia a comunidade realizava festejos em homenagem a
São Sebastião.
Além dos alunos regularmente matriculados na disciplina, algumas discentes
de outros cursos fizeram a viagem. Este fato acabou por requerer de mim uma
atenção especial a respeito dos comentários produzidos no caminho, e que
indicavam as expectativas daquele grupo no que dizia respeito a uma comunidade
quilombola.
Pude observar na fala de alguns estudantes, à medida que o ônibus se
aproximava do distrito, a manifestação de um imaginário segundo o qual estaríamos
chegando numa área intocada pelo tempo e que encontraríamos um modelo de
quilombo que teria se constituído de forma isolada do mundo, como se fora uma
área de negros fugidos do cativeiro que buscavam restabelecer em solo brasileiro
uma nova África.6
Aquele imaginário indicava uma leitura de cultura como algo
estático, que não estivesse sujeito a transformações engendradas nas relações
cotidianas.
Os estudantes diziam de suas expectativas e me faziam pensar que, para
eles, aquela era uma viagem no tempo, como se fosse possível restaurar naquele
5
É comum os habitantes de Helvécia se referirem às empresas responsáveis pelo plantio de
eucalipto no distrito, quais sejam Aracruz e Bahia Sul Suzano e Celulose, como “as firmas”.
6
Arthur Ramos apud Flávio dos Santos Gomes. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades
de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX. Ed. rev. e ampl. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
18
lugar as “sociedades africanas” dos nagô, cabinda, congo, hauçá, benim, calabar,
moçambique, rebola e gêge,7
que para ali foram trazidos à época da Colônia
Leopoldina.
Muitas das falas foram no sentido de essencializar aquela comunidade. Era
como se no momento em que descêssemos do ônibus todo um repertório “afro”
fosse se descortinar para nós através de ritmos, pratos “típicos” e uma plasticidade
associada àquele mundo, traduzida na beleza de homens e mulheres que estariam
com seus cabelos trançados e enfeitados com contas coloridas.
Falava-se de Helvécia como se aquela comunidade tivesse sido formada por
escravos fugitivos que lutaram para reconstruir Estados Africanos no Brasil. Assim,
entre os alunos havia a idéia de que naquele lugar eles iriam encontrar
“sobrevivências africanas”8
ainda intocadas. Neste sentido, havia, por exemplo, uma
curiosidade em relação a como seria a caracterização lingüística da comunidade de
Helvécia, associada, no imaginário de muitos dos alunos, ao “falar crioulo”.9
Observei que um tema era recorrente nas conversas, a religiosidade afro.
Havia ali, naquele grupo, uma expectativa velada e/ou revelada de que
encontraríamos vários membros da comunidade adeptos dos cultos afros e que
estes estariam dispostos a falar sobre suas crenças e rituais.
Todas essas observações convidaram-me a fazer uma pequena intervenção
no sentido de alertar para o fato de que aquele era um espaço historicizado e,
portanto, não se tratava de um lugar morto, parado no tempo como se fosse um
cenário de filme ou novela de época. Havia ali indivíduos vivendo o seu tempo,
aquele tempo em que nós também estávamos. Ainda assim, qual foi o choque
destas pessoas ao descerem do ônibus e se depararem com carros de som tocando
axé music e arrocha.
Ficamos ali por todo o dia e comecei a reparar a existência de outros ônibus,
além do nosso, com placas que indicavam lugares os mais diversos: Belo Horizonte,
Vitória, entre outros. Percebi, através de conversas informais, que havia, além de
turistas que vieram conhecer uma área remanescente quilombola, também pessoas
7
Guia para formação de processo. Fundação Cultural Palmares – Reconhecimento da Comunidade
Negra Rural de Helvécia – Nova Viçosa – Bahia, fls 41.
8
Flávio dos Santos Gomes. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio
de Janeiro, século XIX. Ed.rev. e ampl. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 11.
9
Antes da viagem a Helvécia, havíamos lido em sala de aula o texto produzido por Dante Lucchesi e
Alan Baxter, Projeto Vertentes do Português Rural do Estado da Bahia, disponível em
http://www.vertentes.ufba.br/helvecia.htm.
19
naturais de Helvécia que não mais moravam no distrito e estavam ali a passeio para
visitar amigos e parentes. Elas faziam questão de dizer que eram de Helvécia e
acentuavam, nas suas falas, um sentimento de orgulho.
Curioso observar que quando uma das alunas perguntou onde era que se
localizava o terreiro de candomblé obteve como resposta um taxativo: “Isso não
existe aqui”, indicando que este era um terreno interdito que não se deixaria ver ou
ao menos não se deixaria ver de pronto. Ainda não entendendo o que estava
acontecendo, a estudante resolveu buscar mais informações sobre essa temática e
passou o dia fazendo a pergunta para qual obtinha sempre a mesma resposta. Até
que ao se aproximar de algumas jovens que não eram de Helvécia encontrou uma
resposta diferente, qual seja, havia sim um terreiro e este se localizava em uma
determinada saída de Helvécia, a “estrada velha”. Para satisfazer a curiosidade, que
a essa altura já havia sido despertada em todo o grupo, resolvemos fazer o caminho
de volta através da tal estrada passando pelo vilarejo denominado “Espora Gato”,
pertencente ao município vizinho, Caravelas.
O novo trajeto, de fato, deixou ver a existência de um terreiro. Este foi
identificado a partir de elementos que compuseram a descrição feita para a
estudante que integrava o nosso grupo. Após a constatação e conversas tecidas a
partir daí, continuamos a viagem pela “estrada velha”.
A estrada era bem mais estreita que a via principal e ladeada por eucalipto. À
medida que o ônibus andava, mais e mais plantios de eucalipto apareciam e
tínhamos a impressão de estar dentro de uma cerca viva. Este sentimento de estar
enredado por eucaliptos começou a me fazer pensar nas falas das pessoas que
moravam naquele distrito, principalmente como era para elas viver com tal cultivo.
Naquele momento começava a se desenhar algumas das indagações que
pretendo abordar nesta pesquisa, como: em que medida as relações entre os
membros da comunidade e as empresas que plantam eucalipto foram tecidas a
partir de expectativas e conflitos? Como os habitantes de Helvécia se organizavam
para viver com o eucalipto? Como lidaram com as tensões envolvendo as questões
da propriedade da terra? Até que ponto a eucaliptocultura influenciou a comunidade
no processo de busca de reconhecimento de uma identidade quilombola? Em que
medida eles utilizaram, frente à eucaliptocultura, mecanismos de resistência no seu
fazer cotidiano? De quais formas a memória da comunidade se compõe e
estabelece relações com seus elementos identitários? A existência dos
20
deslocamentos, que percebi através de falas de membros da comunidade, teria
relação com a implantação do agronegócio do eucalipto?
Mais tarde, em julho de 2006, ao assumir o cargo de professora substituta no
colegiado de História da UNEB campus X, em Teixeira de Freitas, deparei-me em
uma reunião de departamento com a leitura de uma carta enviada por pessoas da
comunidade de “Espora Gato”. Motivadas pelo reconhecimento de Helvécia como
área remanescente quilombola, solicitavam da academia um estudo sobre a sua
origem, que, ainda segundo a referida carta, era predominantemente afro.
Essa demanda do povoado instigou ainda mais a minha vontade por
desenvolver uma pesquisa. Foi quando tomei conhecimento do programa de
Mestrado em História Regional e Local da Universidade do Estado da Bahia,
campus V. Em seguida, decidi participar do processo de seleção com o projeto
então denominado: Helvécia: homens, mulheres e eucaliptos – histórias de sonhos,
conflitos e dores.
Do ponto de vista conceitual, para não ficar presa à dualidade expressa no
binômio natureza/cultura, e buscando compreender as relações, por vezes
contraditórias, existentes dentro da comunidade de Helvécia, farei uso de categorias
de análise como cotidiano e experiência, memória, resistência e identidade.
Aqui é preciso que se esclareça em que sentido e a partir de quais leituras
compreendo a dimensão do cotidiano. Em primeiro lugar, devo elucidar que não o
entendo como associado à idéia de rotina, previsibilidade e repetição. Se assim o
fosse é provável que tal pesquisa estivesse fadada a se limitar a uma análise
descritiva do modo de viver em Helvécia.
Diferentemente desta concepção, do cotidiano como algo fixo e já dado,
compreendo este conceito associado à idéia de movimento e imprevisibilidade,
dando margens para novos arranjos sociais. Isso implica dizer que o cotidiano será
aqui trabalhado em sua dimensão relacional, nos espaços econômicos, políticos e
socioculturais. Possibilitando, assim, a problematização do mesmo, bem como a
desconstrução de estereótipos que servem a uma visão rígida dos papéis e
espaços, mas que não compreendem a complexidade exigida pela historicidade.
Naquilo que concerne aos estudos voltados para a dimensão do cotidiano,
Maria Odila Leite da Silva Dias, comentando as diferentes formas de se trabalhar tal
conceito, expressa sua crítica à idéia do mesmo como instrumento de mera
descrição e assinala a importância que este adquire à medida que
21
[...] estuda o cotidiano problematizando conceitos herdados do
pensamento tradicional e mostrando o impasse em que se
encontram. Nesse sentido vem trabalhando tensões e conflitos que
clamam por uma hermenêutica radical: a politização do privado, das
relações de gênero, de uma pluralidade de sujeitos e de diferentes
processos históricos de construção das subjetividades. É esse um
caminho bastante fecundo, que tornou visível a historicidade de
valores considerados estanques como natureza e cultura, público e
privado, sujeito e objeto, razão, emoções, paixões, dualidades que
têm por certo sua historicidade, a qual, porém, o pensamento
contemporâneo vem procurando transcender.10
Ao romper com a dualidade natureza e cultura, público e privado, sujeito e
objeto, razão e emoção, estes universos passam a transitar e se comunicar de tal
forma que nos surpreendem com amálgamas que se expressam nos arranjos, nas
invenções, nas construções de alternativas, no jeito de ser. Assim, nesta pesquisa
se buscou conhecer indivíduos que transitavam nestes diferentes espaços. Pessoas
que, através de suas falas, indicavam uma defesa do jeito de viver pautado na
pluriatividade,11
cujos integrantes da família exerciam mais de uma atividade
econômica, com especial destaque para as agropastoris, e associavam a estas suas
memórias dos “bons tempos”. Por outro lado, porém, perguntavam-se: “Como fazer
outro cultivo, como investir em outra produção se o que dá dinheiro hoje é o
eucalipto?”
Compreende-se, pelo exposto, que é necessário levar em consideração o
contexto simbólico das pessoas de Helvécia para se conhecer, minimamente, aquilo
que é vivenciado por elas, afinal, a análise da eucaliptocultura vista “a partir de cima”
pode encobrir fissuras, desalentos não quantificados, distante de uma perspectiva “a
partir de baixo”12
, vivenciada e traduzida nas falas daqueles que moram em Helvécia
e que muito têm a nos narrar do lugar que ocupam. Como nos indica Roseli Ricardo
Constantino, integrante da Associação Quilombola de Helvécia (AQH), pedagoga e
professora da comunidade, ao dizer: “é muito fácil falar sobre uma realidade quando
10
Maria Odila Leite da Silva Dias. Hermenêutica do cotidiano na historiografia contemporânea.
Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de
História da Pontifícia Universidade Católica da São Paulo, São Paulo, EDUC, nº 17, p. 231, 1998.
11
José Graziano da Silva, Mauro Eduardo Del Grossi. O novo rural brasileiro. Este texto é parte de
uma pesquisa mais ampla denominada “Projeto Urbano” (www.eco.unicamp.br).
12
Edward P Thompson. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: UNICAMP, 2001,
p. 245.
22
não se mora e não se está vivendo o dia-a-dia do lugar. Mostrar isso por intermédio
de gráficos bonitos e enfeitados é muito fácil.”13
Exatamente por não acreditar que as mudanças econômicas analisadas de
forma pontual e descoladas da realidade sociocultural, através, por exemplo, de
“gráficos bonitos e enfeitados”, possam dar conta da complexidade existente nas
relações sociais, bem como por entender, a partir das leituras de Maria Odila Leite
da Silva Dias,14
que o estudo do cotidiano seja de fundamental importância para que
se compreendam as tensões sociais, é que se pretende, nesta pesquisa, ir além da
descrição do impacto econômico da eucaliptocultura no distrito de Helvécia. De
modo a buscar, dentro dos limites possíveis, conhecer um pouco das experiências
destas mulheres e homens que têm um sentimento de pertencimento em relação à
Helvécia, analisando de que forma a implantação de uma atividade econômica
monocultora e agroexportadora se relaciona e/ou se fricciona com os costumes
existentes naquilo que diz respeito não só ao universo do trabalho, mas também no
que é experienciado por essas pessoas nos seus mais variados espaços de
atuação. E que no dinamismo histórico faz ver suas transformações quando se
pensa no aqui-ontem e no aqui-hoje.
Convém dizer que a problematização do cotidiano de Helvécia, que ora se
pretende fazer, não tem a pretensão de, através das memórias e entrevistas
realizadas, dar conta de reconstruir o passado. Estou ciente de que esta é uma
tarefa inexeqüível, por outro lado, acredito que através das entrevistas realizadas,
bem como de sua análise, seja possível conhecer, por assim dizer, uma “nesga”
deste passado, visto que estou entendendo aqui a memória como uma construção.
Assim, o depoimento individual não é “solto”, sua memória está impregnada de
dimensões da vida coletiva.
Pierre Nora, ao escrever a respeito da memória, traduz suas potencialidades
e limitações dentro de uma atividade de pesquisa ao afirmar:
A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, neste
sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da
lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações
13
Roseli Ricardo Constantino, Depoimento n. 1595/05 de 18/10/2005, na Comissão de Meio
Ambiente Sustentável da Câmara dos Deputados – DETAQ.
14
Maria Odila Leite da Silva Dias. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. 2. ed. rev. São
Paulo: Brasiliense, 1995.
23
sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível
de longas latências e de repentinas revitalizações.15
Sendo assim, cabe ao historiador, ao trabalhar com pessoas e suas
memórias, ter clareza de que está lidando com leituras/interpretações sobre o real,
pois como nos diz Nora, ao tratar das diferenças entre história e memória, “a história
é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais”,16
o que
significa dizer que ao trabalhar a partir das memórias construídas, uma limitação se
faz presente, visto que muito daquilo que foi vivenciado no passado não será
utilizado na composição da história daquele lugar e daquelas pessoas. Além disso, o
trabalho com memórias exige uma análise criteriosa e responsável daquilo que foi
apresentado pelos entrevistados à pesquisadora, constituindo-se um constante
desafio nem sempre aqui enfrentado em sua complexidade.
A importância que o estudo do cotidiano ganha nesta pesquisa está também
associada à idéia de conhecer um pouco das experiências sociais tecidas em
Helvécia, entendendo que aquelas pessoas atuam como agentes históricos dentro
daquela realidade, na medida em que nas relações engendradas se vive não só a
concretude do vivido, como também aquilo que se dá no campo da imaginação.
O uso da categoria “experiência” foi feito a partir de leituras de Edward P.
Thompson, que afirma o quanto esta é de fundamental importância para o
historiador, tendo em vista que “[...] compreende a resposta mental e emocional,
seja de um indivíduo ou de um grupo social, a muitos acontecimentos inter-
relacionados ou a muitas repetições do mesmo tipo de acontecimento”.17
Desta
maneira, os entrevistados compuseram suas memórias a partir daquilo que havia
sido sentido por eles, integrantes da comunidade de Helvécia, em seu convívio com
a atividade da eucaliptocultura.
O fato de entender essas pessoas como agentes históricos não significa
identificá-las como se pudessem escrever seus scripts de maneira idílica, segundo
suas vontades, como se a realidade não lhes apresentasse uma série de limites. Por
outro lado, tais sujeitos não são seres sem vez nem voz, vítimas de uma história que
se apresenta como um rolo compressor. Estes agentes constroem a sua história a
15
Pierre Nora. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Revistas do Programa de
Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História. PUC-SP, n°10, p. 9, dez./ 1993.
16
Idem.
17
E. P. Thompson. A miséria da teoria ou um planetário de erros – uma crítica ao pensamento de
Althusser. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1981, p. 15.
24
partir de condições determinadas, conforme salientou Karl Marx, em um processo
contínuo em que há espaço para avanços e recuos, para ações marcadas por
consonâncias e contradições.18
Os limites de ação da história também são
construções humanas, e por isso são cambiáveis.
Ainda no que diz respeito às experiências, sabemos que elas são plurais e no
fazer-se de uma comunidade há espaços para fissuras, convergências e
divergências. As experiências humanas devem ser entendidas, como nos alerta
Thompson, dentro de seus contextos históricos específicos, sob o risco de, ao se
optar por generalizações, abraçar modelos universais esvaziados que não darão
conta da historicidade destes indivíduos. É, pois, a esta historicidade que o estudo
em questão dará ênfase, entendendo estas pessoas não como simples fontes de
pesquisa, não como modelos de uma comunidade quilombola que vivencia a
atividade do agronegócio, mas sim como pessoas que têm algo a dizer a respeito de
suas experiências, sobretudo de seu modo de viver.
No diálogo com esses sujeitos pretende-se uma aproximação de possíveis
interpretações das experiências dos habitantes de Helvécia. Não se tem aqui a
aspiração de se chegar a um modelo explicativo, nem muito menos conclusivo do
modo de viver desses indivíduos. Ao contrário, já se pode desde agora afirmar que
nenhum modelo dará conta das possibilidades existentes. O que se pretende é uma
aproximação de algumas dessas possibilidades, através da análise de conceitos
como, por exemplo, aqueles ligados à idéia de trabalho, em diferentes unidades de
tempo. É sempre bom lembrar que, como nos fala Maria Odila Leite da Silva Dias,
“[...] projetos hegemônicos de uma sociedade dificilmente coincidiam com as
experiências concretas de setores oprimidos da população”.19
Em relação ao método de pesquisa utilizado, vale dizer que os conflitos e as
violências simbólicas impetradas pelo modelo agroexportador serão analisados a
partir de dados qualitativos, uma vez que se compreende que não existe uma
implicação direta entre a importância simbólica da violência e a quantidade de
existência da mesma. Neste sentido, recorremos à defesa feita por Thompson, de
que o contexto simbólico deva ser levado em consideração na análise de episódios
18
Maria Aparecida de Moraes Silva. A luta pela terra: experiência e memória. São Paulo: UNESP,
2004.
19
Maria Odila Leite da Silva Dias. Hermenêutica do cotidiano na historiografia contemporânea.
Projeto História, op. cit., p. 233.
25
de violência, pois a esses episódios são atribuídos valores que variam em razão do
referido contexto e que não aparecem numa análise puramente quantitativa.20
Não se trata, por exemplo, de fornecer dados sobre a quantidade de terra que
pertencia aos habitantes de Helvécia e que hoje pertencem às empresas produtoras
de eucalipto. O que nos preocupa é conhecer em que medida tais aquisições foram
pautadas em ações que constituem atos lidos e tidos pela comunidade local como
agressivos e/ou violentos.
Interessa-nos saber, por exemplo, como as pessoas se sentiram ao terem
seus espaços, antes conhecidos e individualizados, agora homogeneizados pelo
plantio do eucalipto. A fala a seguir dá uma pista dessa, por assim dizer, sensação,
Eucalipi tá pertinho assim do Comércio [Helvécia], tomando mermo.
Isso aí que eu não me senti bem [...] eucalipi tá dentro do
Comércio.[...] e a maioria desse pessoal lá perto venderam a terra
toda, então a terra que eles venderam foi tudo pra Aracruz, aí virou
eucalipi.21
na qual a proximidade do plantio é denunciada nas entrelinhas como algo agressivo,
e a venda das terras para a Aracruz é interpretada como uma imediata
transformação destas em eucalipto, traduzida na expressão: “aí virou eucalipi”.
Outra ressalva que se acredita pertinente diz respeito ao seguinte fato: não se
pode imaginar que o distrito de Helvécia, independente da eucaliptocultura, pudesse
viver de forma a não entrar em contato com mudanças e transformações ocorridas
no Brasil no período da denominada modernização conservadora. Não se trata aqui
de entender uma comunidade camponesa, hoje reconhecida como área
remanescente quilombola, como se fosse uma comunidade parada no tempo,
vivendo de forma anacrônica.
A modernização da agricultura, iniciada no Brasil na década de 1950, estava
relacionada à tomada do campo, condição para a expansão capitalista. Segundo
José Graziano da Silva, “uma das características marcantes da modernização
conservadora da nossa agricultura nos últimos 25 anos foi a ‘territorialização da
burguesia’“,22
que expropriou uma parcela dos trabalhadores rurais.
20
Edward P. Thompson. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas, UNICAMP,
2001.
21
Entrevista concedida à autora pela Sra. Célia Maria Silva Zacarias, em 15 de março de 2007.
22
José Graziano da Silva. Terra para quem nela não trabalha. Portal da Fundação Perseu Abramo.
Debate Programa para o Campo nº 7, 1989. www2.fpa.org.br. Acesso em novembro 2008.
26
A estrutura do campo, à época, contava com a presença de uma oligarquia
latifundiária, dividida entre latifundiários capitalistas e latifundiários “tradicionais”,
estes últimos quase sempre associados à atividade da pecuária. Abaixo destes
estavam os médios proprietários de terra que também faziam uso em suas
propriedades do trabalho assalariado. Na base desta estrutura havia a pequena
propriedade familiar, que conseguia produzir o suficiente para suprir suas
necessidades, e também existia outra parte integrante desta base que se destacava,
como afirmam Mello e Novais: “[...] no conjunto do país, a esmagadora maioria,
cerca de 85%, é formada por posseiros, pequenos proprietários, parceiros,
assalariados temporários ou permanentes extremamente pobres ou miseráveis.”23
A
produção feita por essas pessoas era normalmente rudimentar e quase sempre
suficiente apenas para prover a alimentação da família. Quando havia sobra, esta
era comercializada nas feiras próximas aos lugares de produção, e o dinheiro
adquirido nesta atividade era utilizado na aquisição de roupas, sapatos ou utensílios
de casa que não eram produzidos pela própria família.
Os intelectuais e políticos, defensores do projeto modernizador, viam neste
cenário características associadas ao atraso e típicas de um remoto passado
colonial. Este precisava ser apagado, para que o Brasil, que desde o início do século
XX iniciara um processo de aproximação com o capitalismo industrial, entrasse,
definitivamente, na era da modernização. Estamos falando aqui da modernização
selvagem da agricultura, iniciada na década de 1960 e que deveria ser feita a
qualquer custo. Na verdade, um custo um tanto quanto alto para os pequenos
proprietários e posseiros, que engrossavam os 85% da população rural do Brasil e
que também se faziam presentes em Helvécia.
Em conformidade com este projeto de modernização, foi criado, em 1964,
através da Lei nº 4.504, o Estatuto da Terra.24
Este incentivou o aumento da
produção e produtividade e transformou a paisagem rural à medida que ampliou e
consolidou a expansão capitalista através da industrialização do campo.
Tal industrialização se fez sentir com a chegada ao campo de maquinários
pesados, como o trator, o uso de inseticidas e implementos agrícolas sofisticados,
23
João Manuel Cardoso de Mello e Fernando A. Novais. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna.
In: História da vida privada no Brasil: Contrastes da intimidade contemporânea. Volume 4, São Paulo,
Companhia das Letras, 1998, p. 575.
24
Maria Aparecida de Moraes Silva. A luta pela terra – experiência e memória. São Paulo: UNESP,
2004. Coleção paradidáticos.
27
processo denominado revolução verde,25
que alterou a maneira usual de produção
de muitos dos pequenos camponeses. Essas transformações estavam atreladas à
presença de grandes empresas internacionais e nacionais que contavam com o
apoio dos governos federal e estaduais, no sentido de ocuparem propriedades,
inclusive pequenas, familiares ou de posseiros.
A grilagem compôs este cenário de transformação do campo e implicou a
expulsão de pequenos proprietários, posseiros, agregados e arrendatários,
contribuindo de forma decisiva para a concentração.
Warren Dean,26
ao discutir o “imperativo do desenvolvimento”, destacou, entre
outros aspectos, o apoio dado pelos governos militares à plantação do eucalipto no
Brasil. Em relação ao papel do Estado na concessão de exploração da terra, Dean
afirma:
A troca do patrimônio estatal pelo ganho de curto prazo dos
interesses privados é um tema constantemente repetido na história
brasileira, tão habilidosa e diversificadamente adotada e tão inerente
que se mostrava como a razão mesma da existência do Estado.27
Outra ação governamental, significativa neste período, foi a construção de
estradas de rodagem incentivando o deslocamento permanente da fronteira
agrícola28
bem como possibilitando o escoamento dos produtos provenientes das
ações das empresas que estavam à frente deste projeto de industrialização do
campo. Foi desta época, 1972, a construção da BR-101, que contribuiu com o
processo de reorganização dos papéis comerciais desempenhados pelos municípios
e distritos que eram, ou não, como Helvécia, perpassados por ela.
Entre 1950 e 1980, intensificou-se o processo de deslocamento populacional
do campo para as cidades.
Foi dentro deste contexto que a história de Helvécia foi sendo construída
diariamente, de maneira a conviver com a existência do novo, o que implicou o
desfecho de novas necessidades, organizações sociais, diferentes jeitos de ser,
diante de uma realidade que se mostrou ela própria diferente. Tal realidade não mais
25
José Graziano da Silva. A globalização da agricultura. Palestra proferida no Centro Nacional de
Pesquisa de Monitoramento e Avaliação de Impacto Ambiental da Embrapa. Jaguariúna, 24/04/97.
Publicado em Silveira, M. e S. Vilela, eds. Globalização e a sustentabilidade da agricultura.
Jaguariúna, Embrapa Meio Ambiente – 1998. Série Documentos, p. 29 a 38.
26
Warren Dean. A ferro e fogo: a história e a devastação da mata atlântica brasileira. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
27
Idem, p. 291.
28
João Manuel Cardoso de Mello e Fernando A. Novais. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna,
op. cit., p. 580.
28
aceita, ou ao menos não aceita somente os mesmos ritmos de trabalho, as mesmas
organizações de lazer, os mesmos sonhos e expectativas.
Interessa-me saber como nas relações do cotidiano são feitas
intermediações, pelos moradores de Helvécia, com o intuito de lidar com a realidade
de forma criativa, fazendo uso de um repertório de atitudes que não estavam
prescritas, mas que foram (re) inventadas frente à situação dada. O fazer-se deste
cotidiano é, pois, ditado pelo vir a ser, eivado de imprevisibilidade. Mesmo quando
este passa a ser regulado por uma série de normas disciplinares, como por exemplo
aquelas ligadas ao ritmo do trabalho, é importante não se perder de vista uma
indagação proposta por Michel de Certeau a respeito das relações sociais: “que
procedimentos populares (minúsculos e cotidianos) jogam com os mecanismos da
disciplina e não se conformam com ela a não ser para alterá-los?”29
É este agir,
minúsculo e cotidiano, que nos interessa estudar.
Acerca dessas ações, ou melhor, do desprezo dado às mesmas, James C.
Scott, em artigo intitulado “Formas cotidianas da resistência camponesa”, nos
provoca quando afirma que, de certa forma, muitas das pesquisas que tratam das
insurreições camponesas acabam por privilegiar aquelas que são lidas por
representantes do Estado como sendo significativas em razão de terem provocado
algum tipo de alteração visível, para as classes dominantes, na relação destes
camponeses no jogo das classes sociais.
Assim, o registro de ações camponesas comumente é mais rico nos
momentos em que essas representaram alguma ameaça à ordem vigente. Tais
registros, normalmente, constituem as fontes consultadas pelos pesquisadores a
respeito das insurreições camponesas. Este procedimento acaba quase sempre por
desvalorizar as resistências que acontecem no viver diário e que, neste sentido, por
vezes, dizem mais aos seus agentes, visto que eles as experienciam nas suas
relações diárias. Assim, no dizer de Scott:
Para os camponeses, pulverizados ao longo da zona rural e
enfrentando ainda mais obstáculos para a ação coletiva e
organizada, as formas cotidianas de resistência parecem
particularmente importantes.30
29
Michel de Certeau. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Trad. Ephraim Ferreira Alves.
Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1994, p. 41.
30
James C. Scott. Formas cotidianas da resistência camponesa. Revista de Ciências Sociais e
Econômicas, Universidade Federal de Campina Grande, Programa de Pós-graduação em Sociologia,
vol. 1, n°1, p. 11, jul./dez. 1982 .
29
São essas as formas de resistência que serão analisadas nesta pesquisa.
Elas se constituem em ações que na comunidade são memoradas e ditas, por
exemplo, quando seus membros mencionam o fato de que alguns “pegam, pegam
mesmo o facho”, referindo-se aos pedaços de eucalipto que recolhem daquilo que
restou nas plantações após as empresas efetuarem o corte da madeira que lhes
interessava. Este facho, por vezes retirado sem autorização das empresas, é
utilizado, por integrantes da comunidade, para produzirem carvão. Isso implica a
existência de tensões envolvendo os membros da comunidade e os representantes
das “firmas”.
Outra situação de resistência que aparece nas entrevistas como significativa
para os camponeses locais diz respeito às falas de pessoas mais idosas que se
orgulham de não terem vendido suas terras ou, ainda, de não se deixarem seduzir
pelas propostas de fomento. Este mecanismo consiste numa espécie de contrato
feito por proprietários31
de terra e empresas de eucalipto. Por meio dele, os
proprietários plantam eucalipto em suas terras, com auxílio técnico e financeiro das
empresas. Dentro da lógica do agronegócio, esta produção depois é comprada pelas
empresas que descontam o valor investido anteriormente.
Ocorre que os habitantes de Helvécia possuem sua própria lógica e esta foi
construída a partir de suas experiências diárias, com base em um repertório próprio
que lhes permitiu agir no contato com o estranho, com o novo. A execução das
práticas sugeridas por esse repertório mostrou-se, como veremos no decorrer deste
trabalho, complexa e com possibilidades de diferentes arranjos.
Naquilo que diz respeito ao uso do conceito de identidade, importante na
discussão sobre o sentimento de pertencimento da comunidade de Helvécia como
quilombolas, fiz uso do referencial teórico construído por Stuart Hall em razão do
mesmo evidenciar seu processo de formação, quando afirma que
[...] a identidade é algo realmente formado, ao longo do tempo,
através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na
consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo
“imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece
sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo
formada”.32
31
Nesta dissertação estou usando o termo proprietário de terra no sentido dado pela comunidade de
Helvécia, tendo eles, ou não, titulação da terra.
32
Stuart Hall. A identidade cultural na pós-modernidade. 8. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 38.
30
Na elaboração desta pesquisa, faz-se uso, entre outras, de fontes orais, não
por creditar ineditismo às mesmas, mas por compreendê-las como de vital
importância no processo de conhecimento das experiências vivenciadas em uma
comunidade em que o uso da oralidade é relevante como maneira de expressão.
Pressupõe-se que a partir das falas e silêncios, lembranças e esquecimentos dar-se-
á dizibilidade e visibilidade àquilo que os entrevistados compuseram como
significativo para sua história e do seu lugar, podendo traduzir ou indicar tensões
nas relações cotidianas dessa comunidade com os diversos segmentos
responsáveis pelo desenvolvimento da eucaliptocultura.
Tal opção traz em si a indicação de que não se espera coletar a partir das
entrevistas apenas meras informações ou dados quantitativos a respeito da
atividade produtora de eucalipto no distrito de Helvécia. Acredita-se na existência de
uma ligação enriquecedora entre oralidade, tradição e experiência, traduzida na
construção de narrativas, nas quais, “o narrador retira da experiência o que ele
conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas
narradas à experiência dos seus ouvintes”.33
Esta tessitura, existente na troca de
experiência de pessoa para pessoa, possibilita o relato de saberes construídos em
um tempo passado, nem sempre passíveis de uma comprovação no tempo
presente. Talvez resida aí a riqueza de se ouvir o outro falar sobre o seu viver,
comunicando aquilo que se encontra para além do relato, aquilo que está no
universo do sentido, vivido, experienciado.
No trabalho com fontes orais os textos são produzidos a partir do diálogo
entre entrevistador e entrevistado, sendo sempre uma relação dialógica, em que se
deve predominar a delicadeza e a sensibilidade de ouvir.34
Esta tarefa foi por vezes
árdua, no sentido de exigir uma escuta ao mesmo tempo participativa e de algum
modo solitária. Entretanto, a verdadeira aridez no trato com este tipo de fonte eu
pude sentir quando, após as inúmeras escutas e transcrições, comecei a selecionar
o que seria incluído no meu texto. Neste momento, por várias vezes, me senti
deixando de levar em consideração exatamente aquilo que havia me proposto desde
o início, ou seja, conhecer o que aquelas pessoas tinham a dizer de suas
33
Walter Benjamin. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7.
ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 201.
34
Paul Thompson. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
31
experiências de vida dentro da problemática que elegi como objeto de estudo. São,
pois, as minhas escutas e os meus olhares que aqui serão apresentados.
A partir das conversas com os entrevistados é que pude aprender algo sobre
aquele lugar e sobre o significado de se viver ali com todas as questões e limitações
que estão postas, pela implantação da eucaliptocultura numa área remanescente
quilombola. Nisto consiste meu problema de pesquisa. Aquele lugar passou então a
ser para mim um espaço de aprendizagem, de conhecimento. Eu estive ali sempre
para aprender com aquelas pessoas, porque de fato só elas expressam em suas
memórias aquilo que eu precisava conhecer para, minimamente, tentar responder às
perguntas que havia formulado.
Ao fazer, anteriormente, menção à idéia de dizibilidade e visibilidade daquilo
que foi composto pela memória dos entrevistados não estou pensando em fazê-lo
partindo da premissa de que serei eu a estar dizendo ou fazendo vê-los; ao
contrário, foi exatamente a partir daquilo que os entrevistados disseram e/ou
silenciaram e daquilo que eu pude ver nas oportunidades em que estive em Helvécia
que fui construindo tal texto, o que implica reconhecer que não há ninguém melhor
do que os habitantes de Helvécia para falar sobre o significado de viver a realidade
da eucaliptocultura naquele distrito. Aquelas pessoas têm suas vozes, por vezes
dissonantes, seus rostos e jeito de viver, da sua forma narram suas histórias, e,
certamente, não reúno condições de atuar em nome daquela comunidade, pela
razão óbvia de que eles próprios se nomeiam e se dizem de forma clara, não
precisam de alguém alheio para falar por eles. Então, a que me refiro quando falo
em dizibilidade e visibilidade? Penso na possibilidade de, tendo acesso ao meio
acadêmico e aos mecanismos de divulgação, que este meio enseja fazer uso destes
com o intuito, aí sim, de que aquilo que está sendo (re)construído em Helvécia,
pelos seus habitantes, possa ser conhecido por outras pessoas.
Na realização desta pesquisa entrevistei vinte e três pessoas, destas, duas
residem em Teixeira de Freitas (BA), duas em Teófilo Otoni (MG) e dezenove em
Helvécia. Os entrevistados, em sua maioria, eram ou tinham sido pequenos
proprietários e/ou posseiros naquele distrito. Destes, alguns tinham vendido suas
glebas para as empresas de eucalipto ou para atravessadores.
Foi de fundamental importância para a realização das entrevistas o fato de,
antes do desenvolvimento da pesquisa, ter conhecido pessoas de Helvécia. Em
razão deste meu conhecimento prévio fui acolhida na comunidade e apresentada a
32
outras pessoas que se dispuseram a falar a respeito de suas vidas, de suas
experiências no convívio com a eucaliptocultura.
À medida que fui fazendo as entrevistas, surgiram informações que indicavam
a necessidade de buscar ouvir uma ou outra pessoa da comunidade. Também foi
imperativo entrevistar integrantes da Associação Cultural Ferroviários da Bahia e
Minas, na cidade de Teófilo Otoni (MG).
A partir da fala de um entrevistado, fui compreendendo também a fala de
outro. De forma que por vezes aquilo que se insinuara em uma reminiscência
aparecia com destaque em outra.
A respeito do número de pessoas entrevistadas, algumas questões de
natureza prática foram consideradas. Havia um tempo para realizar as pesquisas de
campo. Depois era preciso fazer a análise e cruzamento das fontes e então construir
o texto. As tarefas demandavam também uma organização temporal e por isso
quando percebi que já possuía dados suficientes para trabalhar na construção da
dissertação, tomei a decisão de parar.
Na prática, no momento em que comecei a construir o texto senti necessidade
de fazer algumas novas entrevistas, o que me fez sair de novo a campo, desta fez,
porém, com o objetivo de buscar informações mais pontuais a respeito de um ou
outro tema que se mostraram relevantes no momento da análise dos dados
coletados.
Além das fontes orais, ou melhor, dos diálogos que tive com pessoas de
Helvécia, para a realização desta pesquisa foi feito o uso de documentos existentes
no Arquivo Público do Estado da Bahia, em Salvador. Na capital baiana também
pude consultar a hemeroteca do Instituto Geográfico Histórico da Bahia, o Acervo do
jornal A Tarde e os arquivos da Seplan – CAB (Centro Administrativo da Bahia).
Também consultei monografias que tratam de temas afins, desenvolvidas na
Universidade Estadual de Santa Cruz, na Universidade Federal da Bahia e na
Universidade Federal de Minas Gerais. Recorri também às empresas Aracruz
Celulose e Bahia Sul Suzano Celulose, à Fundação Cultural Palmares e aos acervos
de Organizações não governamentais que atuam na região.
O projeto inicial desta pesquisa contemplava a possibilidade de entrevistar
pessoas que representassem a Aracruz Celulose e a Suzano Bahia Sul Celulose.
Iniciei os contatos com estas empresas por telefone e em seguida por e-mail. A
Aracruz Celulose não respondeu a nenhum dos e-mails enviados por mim. A Suzano
33
Bahia Sul Celulose respondeu a todos eles, enviou artigos produzidos por
pesquisadores sobre a atuação da empresa na região e dados a respeito das ações
de responsabilidade social desenvolvidas no Extremo Sul Baiano. Entretanto, em
relação às perguntas a respeito da atuação especifica da empresa em Helvécia,
alegou não ter as informações discriminada por distrito, mas sim pelo município.
Mesmo estas, quando solicitadas, não foram enviadas pela empresa.
Estabeleci contatos, através de carta enviada pela minha orientadora, com o
Centro de Documentação e Memória da Suzano Bahia Sul e Celulose, localizado em
São Paulo. Em resposta, tive as minhas questões encaminhadas novamente para
um representante da empresa que atua diretamente no Extremo Sul da Bahia. Este
funcionário sinalizou com a possibilidade de uma conversa futura, que não
aconteceu. Como o tempo para desenvolver a dissertação era exíguo, busquei
conhecer as vozes dessas empresas através das informações que as mesmas
divulgam em seus sites oficiais e através de jornais. Se por um lado a não realização
destas entrevistas, pelos motivos apresentados, constitui um hiato nesta pesquisa,
por outro, os silêncios podem sugerir algum tipo de dificuldade destas empresas em
falarem de suas atuações no distrito de Helvécia.
As fotografias, produzidas nas atividades de campo foram utilizadas não
como dados objetivos, uma reprodução fiel da realidade. Elas são construídas.
Como afirma Mauro Guilherme Pinheiro Koury, citado por Ariosvaldo da Silva Diniz:
a imagem significa, ao mesmo tempo, o olhar do criador e o olhar do
espectador, e a interpretação é a resultante desta interdependência,
ou desta ambigüidade de olhares, associada ou não a um terceiro
olhar que busca compreender os mecanismos sociais que
desconstroem e reconstroem as informações transmitidas pelo
intercruzamento dos diversos olhares.35
Tendo essa clareza, a análise do material visual adquiriu um valor indiciário
significativo no processo de elaboração desta dissertação.
Acredito ser importante fazer algumas considerações a respeito do recorte
temporal utilizado, qual seja 1980-2005. Tal opção se justifica em razão deste
espaço de tempo contemplar duas balizas do tema que pretendo abordar: a
expansão da eucaliptocultura em Helvécia, que se deu a partir de 1980, bem como
35
Ariosvaldo da Silva Diniz. A iconografia do medo. In: Mauro Guilherme Pinheiro Koury (Org.).
Imagem e memória: ensaios em Antropologia visual. Rio de Janeiro: Garamond, 2001, p. 114.
34
as mudanças e permanências ali engendradas no bojo dessa expansão, que
suponho ocorreram simultaneamente ao processo de reconhecimento daquele lugar
como uma comunidade remanescente quilombola, formalizado em 2005 pela
Fundação Cultural Palmares.
Este período será referido aqui através da memória dos entrevistados.
Convém lembrar que estes, ao longo de suas falas, por vezes visitaram outros
tempos, que não aquele estabelecido no referido recorte temporal, para poderem
falar de si, das transformações e permanências tão importantes na construção da
memória e da história.
Por vezes usarei algumas expressões e construções dos entrevistados como
título e subtítulo dos capítulos. Justifico tal procedimento a partir do significado que
muitas das frases trazem consigo e que por si indicam sentimentos e leituras feitas a
partir das experiências daquelas pessoas sendo, portanto, de importância
fundamental para a construção desta dissertação.
No primeiro capítulo, intitulado Velhos tempos de Helvécia, abordarei o tempo
anterior à implantação da eucaliptocultura. O eixo deste será a Memória de seus
habitantes. Através das construções da memória, Helvécia se apresentará em
diferentes tempos e ritmos. Haverá assim espaço para que se possa conhecer um
pouco da Colônia Leopoldina, o tempo do cativeiro, o deslizar do trem nos trilhos da
estrada de ferro Bahia e Minas, o comércio incrementado na praça da estação, as
produções agrícolas diversificadas, as festas e os lugares de memória.
O interesse por elementos dos velhos tempos de Helvécia, de forma não
linear e pleno de hiatos, esteve associado à busca de aproximações que
esclarecessem o presente e contribuíssem para a compreensão do passado pelo
presente.36
No capítulo seguinte, “Pensou que não, chegou a firma”, irei discutir o cultivo
de eucalipto em Helvécia. Falarei a respeito das expectativas vivenciadas à época
da implantação da eucaliptocultura no distrito, enfocando como essas foram tecidas
a partir de movimentos engendrados pela composição formada pela mídia, pelas
falas e ações dos representantes governamentais e por integrantes da comunidade
local. Nesta oportunidade, estarei discutindo questões como oferta de empregos,
buscando fazer o cruzamento e análise de dados fornecidos pelos diferentes
36
Marc Bloch. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
35
segmentos apontados, de maneira a enfatizar os encontros/desencontros entre as
expectativas geradas e o vivido. As experiências dos habitantes de Helvécia, através
de suas ações cotidianas, nortearam a construção do texto.
No terceiro e último capitulo, Viver com eucaliptos, tratarei dos compassos e
descompassos entre as perspectivas existentes em relação à atuação das empresas
de eucalipto e as experiências engendradas em Helvécia. Neste sentido, abordarei
um repertório de resistências cotidianas construídas por membros da comunidade,
seja de forma individual e/ou coletiva, com enfoque para o debate sobre a questão
da identidade quilombola daquele local.
36
1º Capítulo – VELHOS TEMPOS DE HELVÉCIA
Conversar com as pessoas de Helvécia sobre o significado daquele lugar
poderia ser descrito como uma espécie de viagem a outros tempos. Nas falas,
gestos e silêncios aparecem elementos que indicam como seus moradores
retornaram a diferentes períodos para falar de si, de suas maneiras de organização
social e econômica, de suas crenças e valores, de seus hábitos, de suas relações
sociais, da lida com a terra, de suas alegrias, de aflições e de tristezas. O passado,
os velhos tempos de Helvécia, ocupa um lugar37
na fala dos integrantes da
comunidade. Por esta razão, fragmentos de tempo que não estavam contemplados
na periodização estabelecida, mas que apareceram nos diálogos presente/passado,
foram utilizados como indícios no processo de inteligibilidade das mudanças
significativas vivenciadas pelas pessoas daquele distrito.
Foi a memória que desempenhou o papel de fio condutor das entrevistas a
respeito do significado de viver em Helvécia. Sendo assim, é preciso que se diga
algo a respeito da complexidade que há em se buscar conhecer a história de um
lugar a partir da memória de seus habitantes.
Entendo que a memória implique uma construção elaborada a partir de
sensações que mudam com o passar do tempo, e assim é bem provável que as
pessoas que foram entrevistadas por mim no decorrer desta pesquisa possam ter
tecido, elas mesmas, outras construções ao longo de suas vidas, ou então pode
acontecer de virem a fazê-lo no futuro. Neste sentido, Alistair Thomson diz que
Experiências novas ampliam constantemente as imagens antigas e
no final exigem e geram novas formas de compreensão. A memória
“gira em torno da relação passado-presente, e envolve um processo
contínuo de reconstrução e transformação das experiências
relembradas”, em função das mudanças nos relatos públicos sobre o
passado. Que memórias escolhemos para recordar e relatar (e,
portanto, relembrar), e como damos sentido a elas são coisas que
mudam com o passar do tempo.38
37
Jacques Le Goff. História e memória. 5. ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003, p. 47.
38
Alistair Thomson. Recompondo a Memória: questões sobre a relação entre a História Oral e as
memórias., Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do
Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, p. 57, 1981.
37
Essa flexibilização, por assim dizer, daquilo que se rememora não implica em
si um problema para a presente pesquisa, ao contrário, para este estudo ela é parte
intrínseca do objeto analisado. Essa característica contribuiu para o entendimento de
situações como, por exemplo, a venda de uma terra realizada num tempo passado
ter sido interpretada como um negócio vantajoso e justo, para depois passar a ser
entendida e sentida como um equívoco, uma vez que a pessoa se sentia lograda.
Buscar compreender quais ponderações foram levadas em consideração para uma
e outra sensação, pela mesma pessoa, pode significar uma riqueza de
interpretações das experiências que a composição da memória oferta aos
pesquisadores.
A proposta deste capítulo é apresentar, através da memória dos
entrevistados, entendida aqui como um dos objetos da história,39
como era viver em
Helvécia antes da implantação da eucaliptocultura. Desde já esclareço que não
entendo este tempo anterior como desconectado daquilo que se processou em
Helvécia na década de 1980. Interessa-me aqui ver como os habitantes daquele
distrito conjugaram em suas práticas diárias e em seu sentir as mudanças e
permanências que ali se processaram.
1.1 HELVÉCIA – UMA APROXIMAÇÃO EM TRÊS TEMPOS.
O senhor Manoel Peixoto, morador, proprietário de terra e comerciante em
Helvécia, ao falar sobre o distrito iniciou sua narrativa da seguinte maneira:
Eu cheguei, mais ou menos, deixa eu ver se lembro..., na década de
quarenta, no inicio de quarenta. Então, aqui era bem diferente, o
comércio40
aqui sabe? O aspecto do comércio era um aspecto ainda,
do tipo assim, talvez colonial, europeu. Porque aqui tinha poucas
casas, mas as casas aqui eram uns prédios, eram uns prédios assim,
prédios tipo alto, tinha um porão embaixo, certo? Era erguido de
madeira, naquele tempo naturalmente era difícil cimento essas
coisas. Era de madeira, aqui tinha, eu lembro de três prédios, mas
tem umas casas grandes com aspecto mais ou menos de um prédio,
então, parece que o porão ali embaixo era para secagem de café,
cultivava aqui na região toda, café. Porque aqui fazia parte da
Colônia Leopoldina, né? Colônia Leopoldina era dividida em glebas,
em sesmarias, que cada uma delas pertencia a europeus, entendeu?
39
Jacques Le Goff. História e memória, op. cit., p. 49.
40
A expressão comércio está sendo utilizada nesta fala para significar o lugar de Helvécia.
38
Europeus de nacionalidade diferente e aqui parecia, eu não tenho
muita certeza, que era parte de onde cabia aos suíços, aos suíços.41
É pouco provável que essa fala possa ser entendida sem que se tenha
acesso a outras informações, afinal o senhor Manoel Peixoto começou sua narrativa
sobre Helvécia nos anos 1940, para, através de elementos da arquitetura que ele
buscou na memória, retroceder ao século XIX, aos tempos da Colônia Leopoldina.
Talvez seja, então, o caso de nos aproximarmos da Helvécia desses tempos,
a partir de alguns dados que, ao dialogarem com aquilo que foi falado pelo senhor
Manoel Peixoto, possam contribuir para o entendimento deste lugar, afinal, como
afirma Jacques Le Goff, “a dialética da história parece resumir-se numa oposição –
ou num diálogo – passado/presente (e/ou presente/passado)”.42
Esta aproximação com os tempos da Colônia Leopoldina foi feita com o intuito
de conhecer um pouco do universo trazido pela memória das pessoas entrevistadas.
Estes tempos foram apresentados de forma não linear. O entrevistado buscava
naquilo que ouviu dizer algo significativo em sua construção de memória. Na fala de
alguns, os tempos do cativeiro apareciam, às vezes inclusive como uma negação –
“não tinha vivido nele e não lembrava dele” –, entretanto aquele tempo havia
existido, um tempo passado integrante da história presente daquele lugar. Por
vezes, ele surgia na construção do imbricamento passado/presente, na expressão
“cativeiro remunerado” utilizada para dizer de como muitos moradores de Helvécia
se sentiram em relação ao tratamento que lhes foi dispensado pelas empreiteiras
acionadas pelas empresas produtoras de eucalipto, no processo de terceirização,
comum na atualidade. Os recortes feitos sobre estes velhos tempos colaboraram
para que eu pudesse indagar/compreender algumas dessas construções, que se
compuseram, não de forma neutra, em razão do diálogo passado/presente estar
associado a pares de valores,43
entre eles, por exemplo, atraso/progresso,
tranqüilidade/insegurança.
Os hiatos entre os tempos da Colônia Leopoldina e o distrito de Helvécia
estão sendo entendidos aqui não como uma falta, mas como algo intrínseco à
própria dinâmica da pesquisa no campo da história que tem como matéria
fundamental o tempo. Este tempo histórico, segundo Le Goff, não se encerra no
41
Entrevista concedida à autora pelo sr. Manoel Peixoto em 14 ago. 2007.
42
Jacques Le Goff. História e Memória, op. cit., p. 8.
43
Idem.
39
tempo cronológico, “o tempo histórico encontra, num nível muito sofisticado, o velho
tempo da memória, que atravessa a história e a alimenta”.44
1.2.1 COLÔNIA LEOPOLDINA E HELVÉCIA – ALINHAVOS.
Brasil, século XIX, período colonial, ano 1808. É neste contexto que D. João
VI assina um decreto permitindo a concessão de sesmarias a estrangeiros que
estivessem dispostos a vir residir no Brasil. Até então a doação de sesmarias estava
restrita a portugueses e colonos brasileiros.
Decreto de 25 de Novembro de 1808
Permite a concessão de sesmarias aos estrangeiros residentes no
Brasil.
Sendo conveniente ao meu real serviço e ao bem público, aumentar
a lavoura e a população, que se acha muito diminuta neste Estado; e
por outros motivos que me foram presentes: hei por bem, que aos
estrangeiros residentes no Brasil se possam conceder datas de
terras por sesmarias pela mesma forma, com que segundo as
minhas reais ordens se concedem aos meus vassalos, sem embargo
de quaisquer leis ou disposições em contrário. A Mesa do
Desembargo do Paço o tenha assim entendido e o faça executar.
Palácio do Rio de Janeiro em 25 de Novembro de 1808. Com a
rubrica do Príncipe Regente Nosso Senhor.45
Foi assim que em 1818 se deu a implantação de colônias estrangeiras no
Brasil, para atender aos interesses da Coroa portuguesa no sentido de garantir o
povoamento46
de áreas consideradas desocupadas e aumentar a produção de
dividendos, a partir do incremento da lavoura. Interessa-me aqui a gênese de uma
em particular, a Colônia Leopoldina, criada neste mesmo ano e tendo em sua
formação a presença de suíços e indivíduos que compunham reinos que
posteriormente deram origem a atual Alemanha. A sua fundação foi, segundo
Henrique Lyra, obra do cônsul hamburguês Peyckr juntamente com os naturalistas
George Eilhem Freyreiss e Morhartdt e os suíços Abrão Laughan e David Pache.47
44
Idem, p. 13.
45
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_48/dim251808.htm, in Brasil Leis etc. Coleção das
Leis do Brasil de 1808. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p. 166.
46
Não se levava em consideração, em razão de uma postura etnocêntrica, que essas terras já
estavam povoadas pelos nativos que aqui viviam antes da chegada dos portugueses.
47
Henrique Jorge Buckingham Lyra. Colonos e colônias – uma avaliação das experiências de
colonização agrícola na Bahia na segunda metade do século XIX. Dissertação de mestrado em
Ciências Sociais, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1982, p. 25.
40
Foi ao longo das margens do rio Peruípe, doze léguas acima de Nova Viçosa,
na então comarca de Caravelas, no Extremo Sul da Província da Bahia, que a
Colônia Leopoldina se localizou, a partir da doação de cinco sesmarias de mata
virgem, e cada uma das sesmarias correspondia a meia légua quadrada.48
Além dos suíços e alemães, outros estrangeiros se faziam ver no espaço da
Colônia Leopoldina. Tratava-se de africanos que foram utilizados como mão-de-obra
escrava. Segundo Henrique Lyra, essa foi a única colônia estrangeira instalada na
Bahia no século XIX a fazer uso deste tipo de mão-de-obra.49
Lyra esclarece que
havia, neste período, uma proibição quanto à utilização do trabalho escravo nas
colônias agrícolas em razão das pressões que estavam sendo feitas, neste sentido,
pela Inglaterra.
Em contraposição a esta proibição, a Colônia Leopoldina, ao invés de ter
desempenhado, unicamente, a função agrícola de subsistência, utilizando mão-de-
obra familiar e livre, acabou por se destacar no cenário regional como colônia de
produção cafeeira para exportação.
A historiadora Albene Menezes em reportagem veiculada pelo Correio da
Bahia, intitulada “Pioneiros agrícolas”, destacou o uso da mão-de-obra escrava
como tendo sido de fato um diferencial da Colônia Leopoldina, posto que as demais
colônias teuto-brasileiras à época sobrevivessem fazendo uso do trabalho familiar,
enquanto que na Colônia Leopoldina, segundo dados da referida reportagem, “além
dos europeus, se ocupavam do trabalho agrícola naquelas fazendas cerca de dois
mil escravos”. Na mesma matéria, Menezes afirma textualmente que a Colônia
Leopoldina era “Subvencionada, em parte, pelo governo do Reino Unido de
Portugal, Brasil e Algarves, [e que] a iniciativa pioneira se caracterizou como um
empreendimento agrícola privado que em 1858 somava 40 fazendas de café, com o
mérito de exportar da Bahia as primeiras levas do produto”.50
Os dados relativos à produção de café (cf. tabela 1) corroboram esta
informação e podem nos ajudar a entender por que os estrangeiros, que eram agora
proprietários daquela terra e moradores daquele lugar, ao erguerem suas casas no
século XIX, fizeram-no de tal maneira que a arquitetura refletisse e se harmonizasse
com a produção econômica de café em larga escala que ali se realizava.
48
Idem.
49
Idem, p. 25-26.
50
http://www.correiodabahia.com.br/reporter/noticia_impressao.asp?codigo=99634, Jornal Correio da
Bahia, Pioneiros agrícolas, 8 de fevereiro de 2004. Acesso em 29 de abril de 2008.
41
Tabela 1
PRODUÇÃO DE CAFÉ DA COLÔNIA LEOPOLDINA 1836-185351
ANOS SACAS DE 60 kg.
1836 6.610
1842 8.570
1848 Entre 16.158 e 17.138
1851 17.138
1853 24.483
Esses dados ganham maior relevância quando se leva em consideração o
percentual de produção da Colônia Leopoldina em relação à Província da Bahia.
Lyra afirma que esta respondia no ano de 1842 por 60% da produção cafeeira, tendo
aumentado essa porcentagem para a casa dos 90% no ano de 1853.52
Por outro lado, outras fontes sugerem a necessidade de se relativizar essa
importância, ao menos naquilo que concerne aos seus dados quantitativos, pois ao
compararmos a quantidade de café produzida em Helvécia com a produção da
Província de São Paulo, verificamos que a mesma era mínima. Senão vejamos:
aquilo que correspondia a 90% da produção da província da Bahia, 24.483 sacas de
60 K, passa a equivaler, quando realizada a conversão de unidade, a 97.932
arrobas, número infinitamente menor do que a quantidade de arrobas de café
produzida na Província de São Paulo no ano de 1854, que foi de 3.534.256
arrobas.53
Entretanto, ao que parece, tais comparações quantitativas não ressoaram na
composição da realidade vivenciada em meados do século XIX pelos moradores da
Colônia Leopoldina, até porque é pouco provável que estes tivessem acesso a
dados a respeito da produção cafeeira paulista. Não tendo um parâmetro nacional
de comparação, estes habitantes, provavelmente, mediam a importância comercial
de sua produção econômica a partir de dados relativos às suas experiências locais e
aos números advindos da produção cafeeira oriundos de outros sítios da província
baiana.
51
Henrique Jorge Buckingham Lyra , op. cit., p. 26.
52
Henrique Jorge Buckingham Lyra , op. cit., p. 26.
53
Sérgio Milliet. Roteiro do café e outros ensaios: contribuição para o estudo da história econômica e
social do Brasil. 4 ed. rev. e ampl. São Paulo: HUCITEC; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1982, p.
21.
42
Além disso, as ponderações comparativas indicadas anteriormente com
certeza não foram levadas em consideração quando do momento de construção, por
parte dos habitantes de Helvécia, daquilo que seria, no seu imaginário, o papel da
Colônia Leopoldina, qual seja, uma área que tivesse cumprido, à época do século
XIX, um papel de relevância nacional, naquilo que concernia à produção cafeeira.
Foi possível perceber que, na composição da memória daqueles tempos da Colônia
Leopoldina, os moradores de Helvécia maximizaram a importância da cultura
cafeeira, assim como o fez Robert Ave-Lallemant, em seu livro Viagem pelo norte do
Brasil, ao falar da importância comercial da Colônia Leopoldina.
[...] Quase não se poderia compreender, como uma localidade
costeira tão isolada [o autor referia-se à Caravelas], possa alimentar
tão grande atividade comercial, se duas empresas coloniais, se
sobretudo e muito especialmente a Colônia Leopoldina, [...] não
operassem aí. [...] A algumas milhas Peruípe acima, fica a já citada
Colônia Leopoldina, se é que merece o nome de colônia uma rica
zona agrícola que produz grande quantidade de café, até 80.000
arrobas por ano.54
Ora, um lugar que assume para si a função de pujante produtor de café
externaliza este papel na organização de suas relações sociais, de seus espaços, na
construção de suas casas, “[...] O aspecto do comércio era um aspecto ainda, do
tipo assim, talvez colonial, europeu. Porque aqui tinha poucas casas, mas as casas
aqui eram uns prédios, eram uns prédios assim, prédios tipo alto, tinha um porão
embaixo, certo?”55
Quando o senhor Manoel Peixoto chegou a Helvécia, ele encontrou na
arquitetura daquele lugar a memória da produção cafeeira e dos colonos
estrangeiros que ali viveram. As casas cumpriam não só o papel de abrigo, eram
também usadas para a estocagem de café, “[...] aqui tinha, eu lembro de três
prédios, mas tem umas casas grandes com aspecto mais ou menos de um prédio,
então, parece que o porão ali embaixo era para secagem de café, cultivava aqui na
região toda, café”.56
54
Robert Avé-Lallemant. Viagem pelo norte do Brasil no ano de 1859. 1º volume. Trad. Eduardo de
Lima Castro Rio de Janeiro: Instituto Nacional do livro, Ministério da Educação e Cultura, 1961, p.150-
151. Coleção de obras raras VII.
55
Entrevista concedida à autora pelo sr. Manoel Peixoto em 14 ago. 2007.
56
Entrevista concedida à autora pelo sr. Manoel Peixoto em 14 ago. 2007.
43
Na adequação do Plano de Desenvolvimento Urbano (PDU) 2004, faz-se
menção à existência de um prédio associado à função de estocagem de produtos.
Este imóvel é apresentado como se fosse um antigo armazém,
Imóvel localizado à rua Caravelas, hoje utilizado como Clube Social,
tem grande probabilidade de ter sido o principal armazém para
estocagem de produtos agrícolas a serem embarcados para o litoral,
em virtude de suas dimensões e de sua localização. Este é o edifício
mais próximo do início do declive do caminho que leva ao porto.57
Podemos observar nesta informação a indicação de que já no período da
Colônia Leopoldina as riquezas produzidas naquele lugar também escoavam,
através do porto Santa Luzia, localizado a 23 km de Helvécia,58
para outros lugares,
outros terras, outras pessoas.
Além de lembrar a arquitetura e os aspectos econômicos do distrito de
Helvécia, o senhor Manoel Peixoto fez algumas afirmações e indagações a respeito
do passado daquele lugar. Assim, ao falar de Helvécia, nos convidou a ver a
formação da Colônia Leopoldina.59
Na formação desta colônia estiveram presentes pessoas de nacionalidades
hamburguesa e suíça. Além desses povos, segundo o documento apresentado a
seguir, indivíduos de outras nacionalidades também vieram viver naquelas terras.
Ilmo. Senhor Doutor Juiz de Direito
As plantações, que existem no lugar chamado Colônia Leopoldina e
que pertencem a estrangeiros, nas quais se cultiva o café em braços
de escravos, são as que enumero abaixo:
Banda do Norte do Rio Peruípe
Fernando Krunde, prussiano
Gustavo e Constancio Jattaros, suissos
Defunto Abrão Vouga, suisso
Henrique Borrel, suisso
[...]
Madame Jeoffroi, franceza
Felippe Moers, hanoverano
Ernesto e Francisco Krull, hanovereanos
Banda do Sul do Rio Peruípe
[...]
57
Adequação do PDU 2004 Nova Viçosa, p. 67. Acervo SEPLAN – CAR, CAB, Salvador.
58
Adequação do PDU 2004 Nova Viçosa, p. 79. Acervo SEPLAN – CAR, CAB, Salvador.
59
Este nome foi dado, pelos colonos, em homenagem à imperatriz D. Leopoldina.
44
João Martinho Flach, suisso
Defunto Augusto Coffrane, suisso
Defunto Alfredo Coffrane, suisso
Lambert, alemão
Fora destas fazendas nomeadas tem vários sítios lavrados por índios
e outras pessoas com suas próprias famílias, mas que são tão
pequenos que não merecem nem podem ser lembrados aqui, como o
dono muda de instante em instante, e as propriedades brasileiras já
por fim não entram nesta enumeração.
João Conrado Lang
Doutor em Philos e Medicina60
Acredito que agora seja possível alcançar o sentido relativo a uma das
declarações do senhor Manoel Peixoto:
Porque aqui fazia parte da Colônia Leopoldina, né? Colônia
Leopoldina era dividida em glebas, em sesmarias, que cada uma
delas pertencia a europeus, entendeu?61
Em relação ao documento assinado por João Conrado Lang, apresento o
nome de João Martinho Flach em negrito porque a ele pertencia a fazenda
denominada Helvetia, em razão da origem suíça de seu proprietário. A respeito dos
nomes dados às fazendas, Avé-Lallemant disse
O número dessas fazendas, pequenas e grandes, que prosperam
com o trabalho escravo, pode montar a 40 ou 50. Seus nomes são
na maioria ecos da pátria ou recordações de família do seu
proprietário; encontramos entre esses nomes uma Germânia,
Melusina, Helvetia, Wilhelmsee, Karlsruhe, Grutls etc., e, entre os
proprietários, nomes alemães, franceses e brasileiros, que têm
sobretudo ainda a peculiaridade de dividir seus proprietários em
grupos dissidentes, tendo-se, em Leopoldina, de ser ou Flach ou
Maulas, se não se quiser ser atenazado por ambos os partidos.62
A fazenda Helvetia, segundo falas de membros da comunidade de Helvécia,
era produtora de café e uma das maiores e mais organizadas da região. Essa
importância também se deixou ver na afirmação de Avé-Lallemant a respeito do
poder exercido na Colônia Leopoldina pelos Flach. Talvez o senhor Manoel Peixoto
estivesse se referindo a este saber quando, mesmo proferindo não ter certeza, disse
ser a Colônia Leopoldina ocupada por “[...] Europeus de nacionalidade diferente e
aqui parecia, eu não tenho muita certeza, que era parte de onde cabia aos suíços,
60
Arquivo Público do Estado da Bahia, Colonos e Colônias, maço 4607, Salvador (grifo da autora).
61
Entrevista concedida à autora pelo sr. Manoel Peixoto em 14 ago. 2007.
62
Robert Avé-Lallemant, op. cit., p. 151.
45
aos suíços”.63
Leio essa repetição final como uma espécie de comprovação daquilo
que o narrador, a princípio, apresentou como incerteza.
Interessa-me agora ressaltar algumas pistas fornecidas pelo documento
direcionado ao Ilmo. Senhor Doutor Juiz de Direito. Fica visível, nesta fonte, a
existência de pessoas vindas de diferentes lugares da Europa, o que nos sugere,
por um lado, uma composição social na Colônia Leopoldina um tanto quanto
matizada, diversificada e européia; por outro, o documento esclarece que nessas
propriedades a mão-de-obra utilizada era escrava, o que estrangeiriza ainda mais
aquele espaço.
Tal interpretação fica mais fortalecida se fizermos o cruzamento dessas
informações com os dados apresentados anteriormente (cf. tabela 1), em que se
pode notar que a Colônia Leopoldina cumpriria, em meados do século XIX, a função
de produtora de café voltada para a exportação.
O documento, ao se referir à vocação da Colônia Leopoldina como uma área
de produção que fazia uso da mão-de-obra escrava, mostrou-a em consonância com
o modelo econômico escravista típico do Brasil no período.64
Havia ali, então, o
desenvolvimento de uma atividade que atendia aos interesses da política de
exportação imperial, qual seja a produção cafeeira.
Entendendo-se que tal produção ficava a cargo dos escravos, é curioso
observar seu significativo aumento no ano de 1853. Este crescimento foi da ordem
de 7.345 sacas, entre os anos de 1851 a 1853, ou seja, um incremento de
aproximadamente 43% na produção. A curiosidade a qual me refiro diz respeito ao
fato de que em 1853 já se haviam passado três anos da implantação da lei que
proibia o tráfico de escravos para o Brasil, estabelecida em 1850, e ainda assim
tivemos na Colônia Leopoldina o crescimento da produção de café, que a princípio
estaria associada à utilização da mão-de-obra escrava. O dado pode indicar que
além do tráfico inter-regional e do contrabando de escravos que passaram a existir
após a proibição estabelecida pela lei Euzébio de Queiróz, a mão-de-obra de outras
pessoas, livres e/ou libertos, pode ter sido utilizada pelos proprietários estrangeiros
da Colônia Leopoldina para tocar seus empreendimentos.
Ainda neste sentido, gostaria de chamar a atenção para a informação que se
encontra no último parágrafo do documento assinado por João Lang, que oferece
63
Entrevista concedida à autora pelo sr. Manoel Peixoto em 14 ago. 2007.
64
Apesar da existência de pressões inglesas em sentido contrário.
46
informações a respeito de outros personagens que também tinham seu lugar nesta
história, mesmo que, segundo o seu redator, não fossem “dignos” de ser nomeados.
Fora destas fazendas nomeadas tem vários sítios lavrados por índios
e outras pessoas com suas próprias famílias, mas que são tão
pequenos que não merecem nem podem ser lembrados aqui, como o
dono muda de instante em instante, e as propriedades brasileiras já
por fim não entram nesta enumeração.
João Conrado Lang
Doutor em Philos e Medicina65
A alusão à existência de vários sítios que não utilizavam a mão-de-obra
escrava, e que são lavrados por índios e outras pessoas com suas próprias famílias,
pode a meu ver indicar a coexistência de outras formas de mão-de-obra naquele
lugar. Ao dizer que estes não merecem, nem podem ser relacionados em razão de
serem pequenos, vários e de proprietários que mudam constantemente,
invizibilizando, portanto, sua identidade nominal, Lang acaba por nos dar uma pista
de que, para além da cafeicultura, havia ali, entre as bandas Norte e Sul do rio
Peruípe, diversos sítios que não engrossavam a produção de café e diversas
pessoas que não se adequavam ao perfil de estrangeiros “grandes e médios
proprietários” de terra.
É provável que nestes sítios se desse uma produção de alimentos voltada
para a subsistência daqueles que viviam naquele lugar. Também é possível que esta
produção fosse construída em outro ritmo, bem diferente do da cafeeira, pois além
de essas propriedades serem pequenas, a mão-de-obra utilizada não era escrava,
sugerindo a existência de diferentes normas e ritmos de trabalho.
Lyra66
registra que além do café havia na Colônia Leopoldina o cultivo de uma
série de produtos voltados para atender às necessidades do consumo interno, com
destaque para frutas, entre as quais o abacaxi, a jaca, a laranja, a manga e a
banana. Praticava-se também o cultivo de fruta-pão, cana-de-açúcar, algodão, fumo,
milho, mandioca e legumes diversos. O autor não esclarece se esta produção
variada se dava nas propriedades dos estrangeiros e/ou nos pequenos sítios que
João Lang faz referência.
Outra fala oficial se recusa a ver a existência de diferentes formas de
propriedade na Colônia Leopoldina. É como se a “pujança” do café não deixasse ver
65
Arquivo Público do Estado da Bahia, Colonos e Colônias, maço 4607, Salvador (grifo da autora).
66
Henrique Jorge Buckingham Lyra, op. cit., p. 27.
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  • 1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – campus V PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL HELVÉCIA – homens, mulheres e eucaliptos (1980 – 2005) LILIANE MARIA FERNANDES CORDEIRO GOMES Santo Antônio de Jesus JANEIRO / 2009
  • 2. 2 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – campus V PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL HELVÉCIA – homens, mulheres e eucaliptos (1980 – 2005) LILIANE MARIA FERNANDES CORDEIRO GOMES Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em História Regional e Local da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profa. Dra. Ely Souza Estrela Santo Antônio de Jesus JANEIRO / 2009
  • 3. 3 HELVÉCIA - homens, mulheres e eucaliptos (1980-2005) LILIANE MARIA FERNANDES CORDEIRO GOMES Orientadora: Profa. Dra. Ely Souza Estrela Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Regional e Local, da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre. Aprovada por: BANCA EXAMINADORA: _______________________________________________ Prof. Dr. (a) (orientador) Ely Souza Estrela _______________________________________________ Prof. Dr. (a) Lídia Maria Pires Soares Cardel ________________________________________________ Prof. Dr. (a) Charles D’Almeida Santana ________________________________________________ Prof. Dr. (a) Suplente Alicia Ruiz Olalde ________________________________________________ Prof. Dr. (a) Suplente Wellington Castellucci Júnior JANEIRO / 2009
  • 4. 4 Aos homens e mulheres de Helvécia, que, em sua inteireza se (re)inventam cotidianamente e, com os quais eu muito aprendi.
  • 5. 5 AGRADECIMENTO Ao escrever este agradecimento várias pessoas me vêm à memória e dizem de sua importância nesta caminhada, que foi possível de ser realizada em razão do apoio e contribuição de cada uma delas. Entendo o ato de agradecer como uma partilha e é com este sentimento que agradeço: As pessoas de Helvécia que me acolheram com confiança e inteireza em suas casas e se dispuseram a falar de suas vidas. De forma especial, agradeço a Célia, Netinha, Jorge, João Vitor e Marília que intermediaram o meu contato com muitos dos entrevistados. Aos funcionários dos arquivos consultados, em especial os responsáveis pelo arquivo da Associação Cultural Bahia Minas e pelo cartório de Helvécia. Aos colegas do Departamento de Educação do campus X/ UNEB que contribuíram de forma decisiva em minha caminhada com seus incentivos, especialmente os colegas do colegiado de história. Neste sentido também os discentes do colegiado de história tiveram um papel importante nesta etapa de minha vida, e a eles do mesmo modo, eu agradeço. Aos professores e funcionários do campus V - UNEB, que foram responsáveis diretos pela minha formação: Charles D’Almeida Santana, Daniel Francisco dos Santos, Ely Souza Estrela, Felipe Magalhães, Walter Fraga Filho, Wilson Mattos e Suzana Severs. Aos companheiros de turma que, ao me acolherem com carinho, contribuíram para que as minhas longas viagens também significassem reencontros prazerosos, durante o processo de construção desta pesquisa. De forma especial agradeço Rosana, Philipe, Raul, Carlos, Edilma, Fabiana e Rose. À minha orientadora, Ely Estrela, muito obrigada pela confiança, carinho, profissionalismo, paciência, sabedoria e alegria. Àquele que com sua sagacidade e bom humor contribuiu de forma definitiva na história da minha vida, meu pai, seu Zeca, sempre presente na minha memória, e a memória é viva. A dona Tê, minha mãe, o agradecimento constante de quem reconhece e sabe não só de sua torcida e carinho por mim como também dos poderes de sua oração.
  • 6. 6 Aos irmãos Jorge, pelos dengos e Tarcísio pelos incentivos constantes, contribuições e carinhos. As irmãs Lúcia, pelas docilidades e Tânia pelos comentários sagazes, indagações e carinhos. Aos familiares: Beto, Denga, Karina, Bruno, Rafa, Gabriel, Camila, Talita, João Vitor, Olívia, Pablo, Higor, e Vitor. É muito bom ter vocês sempre por perto, na torcida. Aos amigos Alzi, Rafael, Gean, Janete, Tata e Catiuscia, valeu o carinho. Ao meu companheiro Osvaldo que soube tentar compreender minhas muitas ausências e principalmente ouvir minhas angústias nos vários momentos em que a vontade e necessidade de escrever não se transformavam em texto.
  • 7. 7 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Abecel – Associação das Empresas Brasileiras Exportadoras de Celulose ABI – Associação Baiana de Imprensa ACA – Associação e Comunidade Afro AQH – Associação Quilombola de Helvécia BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento Bndes – Banco Nacional de Desenvolvimento Social CAB – Centro Administrativo da Bahia CAR – Coordenadoria de Ação Regional Cedic – Centro de Documentação e Informação Cultural sobre a Bahia Caema – Companhia de Ações Especiais Mata Atlântica. Caerc – Companhia de Ações Especiais da Região Cacaueira. Cepedes – Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia Cerflor – Programa Nacional de Certificação Florestal Coorpin – Coordenadoria Regional de Polícia do Interior CVRD – Companhia do Vale do Rio Doce Detaq – Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação FASB – Faculdade do Sul da Bahia Flonibra – Empreendimento Florestais S.A. FSC – Forest Stewardship Council IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços PDU – Plano de Desenvolvimento Urbano PND – Plano Nacional de Desenvolvimento PNPC – Plano Nacional de Papel e Celulose Proesp – Programa de Apoio à Educação Especial PT – Partido dos Trabalhadores Senai – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial Senar – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural Seplan – Secretária de Planejamento UPM – Unidade de Produção de Mudas UNEB – Universidade do Estado da Bahia
  • 8. 8 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Cemitério São Pedro ............................................................................ 50 Figura 2 – Cemitério São Pedro e eucaliptos ........................................................ 51 Figura 3 – Cemitério São Pedro: fragmentos......................................................... 53 Figura 4 – Cemitério São Pedro: Lápide................................................................ 54 Figura 5 – Estrada de ferro Bahia e Minas ............................................................ 77 Figura 6 – Barracão na propriedade do sr. Kemi Krull........................................... 148 Figura 7 – Prensa manual, propriedade do sr. Kemi Krull ..................................... 150 Figura 8 – Cocho, propriedade do sr. Kemi Krull ................................................... 150 Figura 9 – Forno, propriedade do sr. Kemi Krull.................................................... 151 Figura 10 – Residência do camponês Manoel Norberto Henrique de Sena........... 158 Figura 11 – Instrumentos de trabalho de um camponês........................................ 159 Figura 12 – Placa da reforma da escola João Martins Peixoto .............................. 199 Figura 13 – Cemitério do Sertão – marcas do tempo ............................................ 218 Figura 14 – Cemitério do Sertão – novas marcas do tempo.................................. 219
  • 9. 9 LISTA DE TABELAS Tabela 01 – Produção de café da Colônia Leopoldina 1836-1853......................... 41 Tabela 02 – População residente por sexo e situação .......................................... 125
  • 10. 10 RESUMO Helvécia, distrito de Nova Viçosa, está localizado no extremo sul da Bahia e desde 2005 foi reconhecido pela Fundação Cultural Palmares, como área remanescente de quilombo. O modo de organização econômica desta comunidade, associado às dimensões sócio-culturais está imbricado à lida/propriedade/posse das terras que no passado remoto fizeram parte da Colônia Leopoldina. A eucaliptocultura se encontra em franca expansão no extremo sul baiano e esta atividade se faz presente em Helvécia desde os anos de 1980. À época de sua implantação, houve por parte de integrantes da comunidade, a esperança de que estaria se iniciando um tempo de progresso e conquistas sócio-econômicas. Com o passar dos anos, as fraturas entre o prometido e o realizado começaram a se fazer visíveis, implicando na experiência de “desmantelamentos” da vida de muitos camponeses, e na tessitura de tensões, resistências e negociações. A pesquisa indica a existência de diferentes projetos coexistindo em Helvécia, sugerindo a complexidade das relações entre os próprios membros da comunidade e entre estes e os representantes da eucaliptocultura. Também fica perceptível a mudança na composição de forças entre os representantes destes projetos após o reconhecimento do distrito como área remanescente quilombola. O objetivo deste trabalho é discutir as condições sociais e as relações simbólicas dos homens e das mulheres de Helvécia, após o desenvolvimento do agronegócio no distrito. A partir da realização de entrevistas, analisou-se narrativas e silêncios tecidos pela memória de habitantes do distrito a respeito do que significava viver naquele lugar antes da implantação da eucaliptocultura e como estes indivíduos foram obrigados a se (re)inventarem e a se (re)organizarem, através de estratégias diversas, para viver com o eucalipto. Palavras-chave: eucaliptocultura, resistência, remanescente de quilombo, memória e cotidiano.
  • 11. 11 ABSTRACT Helvécia, district of Nova Viçosa, is located in the extreme south of Bahia and since 2005 was recognized by Cultural Palmares Foundation, as a Quilombola remaining area. The economic organization way of this community, coupled with socio-cultural dimensions is imbricated to labor / property / possession of land which in a remote past was part of Leopoldina colony. The eucalyptus culture is booming in the extreme south of Bahia but this activity has been present in Helvécia since the 1980s. At the time of its deployment there was ,from members of the community, the hope that it would bring a time of progress and socio-economic achievements. Over the years, the fracture between the promised and the accomplished started to become visible, implying in the experience of "dismantling" the lives of many peasants, and the arising of tensions, resistance and negotiations. The research indicates the existence of different projects coexisting in Helvécia, suggesting the complexity of the relationship between the community members themselves as well as between them and the representations of the eucalyptus culture.It is also noticeable the change in the composition of forces between the representations of these projects after the recognition of the district as a Quilombola remaining area. The aim of this research is to discuss the social and symbolic relationship of men and women of Helvécia, after the development of agribusiness in that district. From interviews applied, both narratives and silences produced by the memory of inhabitants of the district about what meant living in that place before the deployment of the eucalyptus culture and how these individuals were forced to (re) invent and to (re) organize themselves, through various strategies, to live with the eucalyptus. Keywords : eucalyptus culture, resistence, Quilombola remaining area, memory and daily.
  • 12. 12 SUMÁRIO Introdução ............................................................................................................. 13 1º Capítulo – Velhos Tempos de Helvécia............................................................. 36 1.1 Helvécia – uma aproximação em três tempos ................................................. 37 1.2.1 Colônia Leopoldina e Helvécia – Alinhavos.................................................. 39 1.2.1.1 Lugar de memória........................................................................... 48 1.2.2 Tempo do cativeiro – memórias indizíveis.................................................... 56 1.2.3 Tempo da fartura “Ah, mais aqui era muito bom”.......................................... 61 1.2.3.1 “Festa em Helvécia era superior” .................................................... 69 1.2.4 Tempo da estação – Estrada de ferro Bahia Minas ...................................... 72 2º Capítulo – “Pensou que não chegou a firma” .................................................... 84 2.1 “Porque eu me senti comprada” ...................................................................... 99 2.2 “Desmantelamentos” ....................................................................................... 115 2.3 “Se não ficasse rico”........................................................................................ 120 3º Capítulo – Viver com eucaliptos........................................................................ 137 3.1 Resistências miúdas........................................................................................ 146 3.1.1 “Pior de tudo é nada né?” .................................................................. 147 3.1.2 “Eu não vou viver de pau” .................................................................. 153 3.1.3 Entre facho e preguiça – viver do carvão ........................................... 161 3.2 “Assuma a sua identidade, seja orgulhoso de ser filho de Helvécia” ............... 174 3.2.1 Arranjos identitários. Ser quilombola, tornar-se quilombola................ 187 3.3 “A gente está em um jogo de cintura com a comunidade” ............................... 205 Considerações finais............................................................................................. 213 Referências........................................................................................................... 221
  • 13. 13 INTRODUÇÃO Uma estrada “antiga”, de terra batida, estreita, ladeada por eucaliptos, que estão enfileirados, organizados, vicejantes e prontos para serem cortados, empilhados e enviados através de caminhões capazes de armazenar e transportar toras e mais toras da branca madeira até diferentes portos, rumo a outros cantos do mundo. Uma estrada principal, “nova”, ladeada por eucaliptos que não se fazem de rogados, e aparecem em diferentes tamanhos e portes como a dizer que aquele caminho é, natural e definitivamente, deles. Espaços de ausência nas beiras das estradas. Não mais tantos sítios, não mais jaqueiras frondosas, não mais fartura de gado, não mais casas avarandadas. Silêncios e eucaliptos, eucaliptos e máquinas coletoras, eucaliptos, homens e máquinas. Não há mulheres. Espaços de existência na beira da estrada. Um pequeno sítio, jaqueiras tímidas e frondosas, algumas reses, algumas casas, uma varanda. Possibilidades de confrontos e conflitos se insinuam no meio das estradas. Homens e mulheres vivem nos povoados que se situam às margens das estradas por onde circulam as carretas que transportam o eucalipto. Eles buscam recolher, das mais variadas formas, algumas sobras que se desprendem da riqueza do eucalipto, que passa, cada vez mais rápido, rumo aos seus destinos, seus distantes portos de desembarque. Espaço de vivência para além das estradas e seus eucaliptais. Lugares plenos de histórias, histórias que sugerem outro jeito de viver e lidar com a terra, com o ritmo do tempo, com as relações de sociabilidade. Homens e mulheres. Também eles já estavam ali e ali permanecem. Permanecerão? A composição desses elementos sugere a existência de tensões não só na beira da pista, mas dentro das casas, das igrejas, das vendas, enfim dos lugares de convívio. É neste feixe de possibilidades, de leituras de lugar, que está situado o distrito de Helvécia, pertencente ao município de Nova Viçosa-BA, a 958 km de Salvador tendo a BR 418 e a BR 101 como rodovias de acesso. A princípio, o que chama a atenção neste distrito, não é uma singularidade, mas sim o fato de o mesmo, como
  • 14. 14 tantos outros na região, ter sido, de certa forma, tomado pela plantação de eucalipto. Entretanto, uma observação mais cuidadosa deste lugar nos faz ver suas idiossincrasias, e nos revela a existência de uma comunidade predominantemente afro-brasileira, reconhecida desde 19 de abril de 20051 como área remanescente de quilombo, que, diante de desmantelamentos estruturais, busca se organizar a partir de ações individuais e coletivas no sentido de continuar a existir. Segundo dados preliminares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes à elaboração do censo de 2006,2 a população total do distrito de Helvécia é de 4.298 habitantes, divididos entre 1.690 na área urbana e 2.608 na área rural. A partir das falas de pessoas que residem naquele distrito é possível identificar dimensões do cotidiano que revelam o significado do viver com o eucalipto em Helvécia, suas expectativas e conflitos. Essas falas também apontam os imbricamentos deste cultivo com os projetos governamentais que defendem o agronegócio em detrimento dos outros modos de viver pautados nas atividades agrícolas associadas a outras, não agrícolas, utilizadas para complementação da renda, com o intuito de manter a condição de agricultor.3 Meu interesse de pesquisa sobre essa comunidade deu-se a partir de contatos com ela estabelecidos, em razão de trabalhos orientados e desenvolvidos por mim, juntamente com alunos dos cursos de turismo, pedagogia e letras,4 desde o ano de 2003. Estes primeiros contatos foram feitos a partir de leituras sobre Helvécia, nos raros materiais escritos existentes a que tive acesso à época, visitas à comunidade e conversas informais com alguns de seus membros. Neste período, já se concretizara no Brasil e na Bahia uma tendência de valorização da cultura afro-brasileira, com uma espécie de exaltação de tudo aquilo que se lia, se via e se dizia relacionado às tradições africanas. Em consonância com este movimento, o debate a respeito da importância das comunidades quilombolas suscitava estudos acadêmicos e ganhava espaço na mídia e na agenda política, com repercussões sobre o fazer legislativo. 1 Reconhecimento através da Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, portaria nº 7 de 6 de abril de 2005, publicado no Diário Oficial da União, de 19 de abril de 2005. 2 Informações obtidas no escritório do IBGE em Teixeira de Freitas - Bahia. 3 Maria José Carneiro. Pluriatividade da agricultura no Brasil: uma reflexão crítica. CPDA/UFRRJ. 4 Integro o colegiado de Turismo da Faculdade do Sul da Bahia – FASB em Teixeira de Freitas e fui convidada a ministrar aulas no curso de formação de professores em exercício – PROESP de licenciatura em Letras da UNEB Campus XVII de Eunápolis.
  • 15. 15 Em conformidade com a Lei 10.639/2003, que, em seu artigo 26-A, trata da obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, tanto em escolas oficiais quanto em escolas particulares, essa temática ganhou cada vez mais espaço nos ambientes acadêmicos, principalmente nos cursos de pedagogia, em razão da necessidade de que estes futuros profissionais tivessem conhecimento a respeito da mesma. Nos debates passou a ser muito comum falas dos alunos sobre comunidades negras. De forma específica – acredito que em razão da proximidade espacial, na cidade em que vivo e trabalho, Teixeira de Freitas –, Helvécia passou a ser apresentada em sala de aula pelos discentes, como um lugar de referência da cultura afro-brasileira, falada como sendo um espaço de resistência, um lugar onde as pessoas tinham suas tradições associadas aos tempos da escravidão, vivenciados na antiga Colônia Leopoldina, fundada por colonos europeus ainda no início do século XIX. Concomitante à valorização anteriormente indicada, somavam-se os problemas relativos ao crescimento da eucaliptocultura, que compunha a paisagem da região do Extremo Sul baiano. Esta atividade ganhava terreno e ao fazê-lo contribuía para o aumento do deslocamento de pessoas de seus lugares de origem, de seus sítios, de suas terras. O debate a respeito do impacto ambiental do plantio do eucalipto também ocupava os espaços acadêmicos e ganhava uma relativa visibilidade na mídia local. A discussão se pautava, em linhas gerais, na dicotomia progresso versus preservação do meio ambiente. Uma série de discursos apresentados pelas empresas representantes da eucaliptocultura, seus agentes e defensores, queriam fazer ver unicamente os benefícios deste plantio e se negavam a discutir os problemas que lhes eram atribuídos por grupos ligados às organizações ambientais e/ou sociais. Foi exatamente no exercício dos debates em sala de aula e em outros ambientes acadêmicos, que vislumbrei as relações e a complexidade existente entre a eucaliptocultura e o distrito de Helvécia. Cabe recordar, com um pouco mais de detalhes, os meus primeiros contatos com Helvécia. Esses aconteceram, antes de iniciar o desenvolvimento desta pesquisa, a partir de visitas feitas à comunidade. O debate sobre a importância da cultura afro-brasileira ensejou os discentes a provocarem este movimento de ida até aquela comunidade.
  • 16. 16 A primeira delas deu-se em razão de um grupo de estudantes do curso de Turismo, no desenvolvimento de uma atividade acadêmica, ter convidado para vir à faculdade um grupo de Helvécia que iria “apresentar” a dança do “bate-barriga”, bem como “encenar” a luta dos mouros e cristãos. Naquela oportunidade, um dos eixos de debates desenvolvidos, junto com a turma, estava relacionado às discussões sobre a premissa, comum em um curso de turismo, da valorização da cultura local. Atrelada a esta questão, discutíamos os riscos existentes em folclorizar as pessoas, em tratar a produção cultural como um espetáculo. Foi assim que, após a “apresentação”, abrimos um espaço de conversa com algumas das pessoas da comunidade e combinamos uma visita a Helvécia para conhecermos um pouco mais sobre aquele jeito de ser. Saber, por exemplo, como se dera a elaboração das letras das músicas cantadas por eles, conversar sobre a linguagem corporal ali utilizada e seus possíveis significados, buscando, desta forma, ir além da postura de meros espectadores de um show que se encerrara com aplausos e comentários entusiasmados da platéia sobre a “riqueza da cultura afro- brasileira”. Passados alguns dias, nos organizamos e fomos até o distrito de Helvécia. A paisagem que se apresentou durante o trajeto até a comunidade foi se mostrando impactante pela sua homogeneidade. Para onde quer que se olhasse, o eucalipto se fazia presente, verde, pronto para o corte ou ainda se insinuando em mudas ordenadas, enfileiradas. Aquele fato chamou a atenção do grupo e a minha, de modo particular. Ao chegarmos, fomos recebidos com carinho e tivemos de fato aquilo que havia sido planejado, qual seja a oportunidade de conhecer um pouco o jeito de ser de alguns membros da comunidade. Alguns fatos nos chamaram a atenção, um deles foi a existência de quintais que não se separavam por cercas, dando uma pista de que havia, naquele espaço, um jeito diferente de lidar com a noção de propriedade. Outro dado referia-se ao orgulho com que a população fazia menção ao prédio da estação ferroviária Bahia e Minas, fazendo questão de mostrá-lo como se ele fosse um exemplo concreto da importância do distrito em outros tempos vividos. Falava-se muito do passado, talvez para não falar da vida presente e do que a mesma implicava.
  • 17. 17 Foi nesta oportunidade que comecei a perceber a existência de um desejo por parte de membros da comunidade em falar de suas Memórias, e ao fazê-lo percebi que os tempos da estação eram lidos como tempos áureos e os tempos do eucalipto como um tempo de tensões, suscitando emoções confusas e ambíguas. Era comum a construção de frases que em linhas gerais expressavam a idéia de que o distrito estava “cercado pelo eucalipto”, ao mesmo tempo em que se falava das “firmas”5 como se as mesmas desempenhassem um importante papel na história daquele local. Algum tempo depois, exatamente no dia 29 de janeiro de 2006, voltei à Helvécia, desta vez com uma turma do colegiado de Letras da UNEB – Campus XVIII, Eunápolis, onde ministrava a disciplina Cultura Afro-brasileira, no curso de formação de professores em exercício, através do Programa de Apoio á Educação Especial (Proesp). Naquele dia a comunidade realizava festejos em homenagem a São Sebastião. Além dos alunos regularmente matriculados na disciplina, algumas discentes de outros cursos fizeram a viagem. Este fato acabou por requerer de mim uma atenção especial a respeito dos comentários produzidos no caminho, e que indicavam as expectativas daquele grupo no que dizia respeito a uma comunidade quilombola. Pude observar na fala de alguns estudantes, à medida que o ônibus se aproximava do distrito, a manifestação de um imaginário segundo o qual estaríamos chegando numa área intocada pelo tempo e que encontraríamos um modelo de quilombo que teria se constituído de forma isolada do mundo, como se fora uma área de negros fugidos do cativeiro que buscavam restabelecer em solo brasileiro uma nova África.6 Aquele imaginário indicava uma leitura de cultura como algo estático, que não estivesse sujeito a transformações engendradas nas relações cotidianas. Os estudantes diziam de suas expectativas e me faziam pensar que, para eles, aquela era uma viagem no tempo, como se fosse possível restaurar naquele 5 É comum os habitantes de Helvécia se referirem às empresas responsáveis pelo plantio de eucalipto no distrito, quais sejam Aracruz e Bahia Sul Suzano e Celulose, como “as firmas”. 6 Arthur Ramos apud Flávio dos Santos Gomes. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX. Ed. rev. e ampl. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
  • 18. 18 lugar as “sociedades africanas” dos nagô, cabinda, congo, hauçá, benim, calabar, moçambique, rebola e gêge,7 que para ali foram trazidos à época da Colônia Leopoldina. Muitas das falas foram no sentido de essencializar aquela comunidade. Era como se no momento em que descêssemos do ônibus todo um repertório “afro” fosse se descortinar para nós através de ritmos, pratos “típicos” e uma plasticidade associada àquele mundo, traduzida na beleza de homens e mulheres que estariam com seus cabelos trançados e enfeitados com contas coloridas. Falava-se de Helvécia como se aquela comunidade tivesse sido formada por escravos fugitivos que lutaram para reconstruir Estados Africanos no Brasil. Assim, entre os alunos havia a idéia de que naquele lugar eles iriam encontrar “sobrevivências africanas”8 ainda intocadas. Neste sentido, havia, por exemplo, uma curiosidade em relação a como seria a caracterização lingüística da comunidade de Helvécia, associada, no imaginário de muitos dos alunos, ao “falar crioulo”.9 Observei que um tema era recorrente nas conversas, a religiosidade afro. Havia ali, naquele grupo, uma expectativa velada e/ou revelada de que encontraríamos vários membros da comunidade adeptos dos cultos afros e que estes estariam dispostos a falar sobre suas crenças e rituais. Todas essas observações convidaram-me a fazer uma pequena intervenção no sentido de alertar para o fato de que aquele era um espaço historicizado e, portanto, não se tratava de um lugar morto, parado no tempo como se fosse um cenário de filme ou novela de época. Havia ali indivíduos vivendo o seu tempo, aquele tempo em que nós também estávamos. Ainda assim, qual foi o choque destas pessoas ao descerem do ônibus e se depararem com carros de som tocando axé music e arrocha. Ficamos ali por todo o dia e comecei a reparar a existência de outros ônibus, além do nosso, com placas que indicavam lugares os mais diversos: Belo Horizonte, Vitória, entre outros. Percebi, através de conversas informais, que havia, além de turistas que vieram conhecer uma área remanescente quilombola, também pessoas 7 Guia para formação de processo. Fundação Cultural Palmares – Reconhecimento da Comunidade Negra Rural de Helvécia – Nova Viçosa – Bahia, fls 41. 8 Flávio dos Santos Gomes. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX. Ed.rev. e ampl. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 11. 9 Antes da viagem a Helvécia, havíamos lido em sala de aula o texto produzido por Dante Lucchesi e Alan Baxter, Projeto Vertentes do Português Rural do Estado da Bahia, disponível em http://www.vertentes.ufba.br/helvecia.htm.
  • 19. 19 naturais de Helvécia que não mais moravam no distrito e estavam ali a passeio para visitar amigos e parentes. Elas faziam questão de dizer que eram de Helvécia e acentuavam, nas suas falas, um sentimento de orgulho. Curioso observar que quando uma das alunas perguntou onde era que se localizava o terreiro de candomblé obteve como resposta um taxativo: “Isso não existe aqui”, indicando que este era um terreno interdito que não se deixaria ver ou ao menos não se deixaria ver de pronto. Ainda não entendendo o que estava acontecendo, a estudante resolveu buscar mais informações sobre essa temática e passou o dia fazendo a pergunta para qual obtinha sempre a mesma resposta. Até que ao se aproximar de algumas jovens que não eram de Helvécia encontrou uma resposta diferente, qual seja, havia sim um terreiro e este se localizava em uma determinada saída de Helvécia, a “estrada velha”. Para satisfazer a curiosidade, que a essa altura já havia sido despertada em todo o grupo, resolvemos fazer o caminho de volta através da tal estrada passando pelo vilarejo denominado “Espora Gato”, pertencente ao município vizinho, Caravelas. O novo trajeto, de fato, deixou ver a existência de um terreiro. Este foi identificado a partir de elementos que compuseram a descrição feita para a estudante que integrava o nosso grupo. Após a constatação e conversas tecidas a partir daí, continuamos a viagem pela “estrada velha”. A estrada era bem mais estreita que a via principal e ladeada por eucalipto. À medida que o ônibus andava, mais e mais plantios de eucalipto apareciam e tínhamos a impressão de estar dentro de uma cerca viva. Este sentimento de estar enredado por eucaliptos começou a me fazer pensar nas falas das pessoas que moravam naquele distrito, principalmente como era para elas viver com tal cultivo. Naquele momento começava a se desenhar algumas das indagações que pretendo abordar nesta pesquisa, como: em que medida as relações entre os membros da comunidade e as empresas que plantam eucalipto foram tecidas a partir de expectativas e conflitos? Como os habitantes de Helvécia se organizavam para viver com o eucalipto? Como lidaram com as tensões envolvendo as questões da propriedade da terra? Até que ponto a eucaliptocultura influenciou a comunidade no processo de busca de reconhecimento de uma identidade quilombola? Em que medida eles utilizaram, frente à eucaliptocultura, mecanismos de resistência no seu fazer cotidiano? De quais formas a memória da comunidade se compõe e estabelece relações com seus elementos identitários? A existência dos
  • 20. 20 deslocamentos, que percebi através de falas de membros da comunidade, teria relação com a implantação do agronegócio do eucalipto? Mais tarde, em julho de 2006, ao assumir o cargo de professora substituta no colegiado de História da UNEB campus X, em Teixeira de Freitas, deparei-me em uma reunião de departamento com a leitura de uma carta enviada por pessoas da comunidade de “Espora Gato”. Motivadas pelo reconhecimento de Helvécia como área remanescente quilombola, solicitavam da academia um estudo sobre a sua origem, que, ainda segundo a referida carta, era predominantemente afro. Essa demanda do povoado instigou ainda mais a minha vontade por desenvolver uma pesquisa. Foi quando tomei conhecimento do programa de Mestrado em História Regional e Local da Universidade do Estado da Bahia, campus V. Em seguida, decidi participar do processo de seleção com o projeto então denominado: Helvécia: homens, mulheres e eucaliptos – histórias de sonhos, conflitos e dores. Do ponto de vista conceitual, para não ficar presa à dualidade expressa no binômio natureza/cultura, e buscando compreender as relações, por vezes contraditórias, existentes dentro da comunidade de Helvécia, farei uso de categorias de análise como cotidiano e experiência, memória, resistência e identidade. Aqui é preciso que se esclareça em que sentido e a partir de quais leituras compreendo a dimensão do cotidiano. Em primeiro lugar, devo elucidar que não o entendo como associado à idéia de rotina, previsibilidade e repetição. Se assim o fosse é provável que tal pesquisa estivesse fadada a se limitar a uma análise descritiva do modo de viver em Helvécia. Diferentemente desta concepção, do cotidiano como algo fixo e já dado, compreendo este conceito associado à idéia de movimento e imprevisibilidade, dando margens para novos arranjos sociais. Isso implica dizer que o cotidiano será aqui trabalhado em sua dimensão relacional, nos espaços econômicos, políticos e socioculturais. Possibilitando, assim, a problematização do mesmo, bem como a desconstrução de estereótipos que servem a uma visão rígida dos papéis e espaços, mas que não compreendem a complexidade exigida pela historicidade. Naquilo que concerne aos estudos voltados para a dimensão do cotidiano, Maria Odila Leite da Silva Dias, comentando as diferentes formas de se trabalhar tal conceito, expressa sua crítica à idéia do mesmo como instrumento de mera descrição e assinala a importância que este adquire à medida que
  • 21. 21 [...] estuda o cotidiano problematizando conceitos herdados do pensamento tradicional e mostrando o impasse em que se encontram. Nesse sentido vem trabalhando tensões e conflitos que clamam por uma hermenêutica radical: a politização do privado, das relações de gênero, de uma pluralidade de sujeitos e de diferentes processos históricos de construção das subjetividades. É esse um caminho bastante fecundo, que tornou visível a historicidade de valores considerados estanques como natureza e cultura, público e privado, sujeito e objeto, razão, emoções, paixões, dualidades que têm por certo sua historicidade, a qual, porém, o pensamento contemporâneo vem procurando transcender.10 Ao romper com a dualidade natureza e cultura, público e privado, sujeito e objeto, razão e emoção, estes universos passam a transitar e se comunicar de tal forma que nos surpreendem com amálgamas que se expressam nos arranjos, nas invenções, nas construções de alternativas, no jeito de ser. Assim, nesta pesquisa se buscou conhecer indivíduos que transitavam nestes diferentes espaços. Pessoas que, através de suas falas, indicavam uma defesa do jeito de viver pautado na pluriatividade,11 cujos integrantes da família exerciam mais de uma atividade econômica, com especial destaque para as agropastoris, e associavam a estas suas memórias dos “bons tempos”. Por outro lado, porém, perguntavam-se: “Como fazer outro cultivo, como investir em outra produção se o que dá dinheiro hoje é o eucalipto?” Compreende-se, pelo exposto, que é necessário levar em consideração o contexto simbólico das pessoas de Helvécia para se conhecer, minimamente, aquilo que é vivenciado por elas, afinal, a análise da eucaliptocultura vista “a partir de cima” pode encobrir fissuras, desalentos não quantificados, distante de uma perspectiva “a partir de baixo”12 , vivenciada e traduzida nas falas daqueles que moram em Helvécia e que muito têm a nos narrar do lugar que ocupam. Como nos indica Roseli Ricardo Constantino, integrante da Associação Quilombola de Helvécia (AQH), pedagoga e professora da comunidade, ao dizer: “é muito fácil falar sobre uma realidade quando 10 Maria Odila Leite da Silva Dias. Hermenêutica do cotidiano na historiografia contemporânea. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica da São Paulo, São Paulo, EDUC, nº 17, p. 231, 1998. 11 José Graziano da Silva, Mauro Eduardo Del Grossi. O novo rural brasileiro. Este texto é parte de uma pesquisa mais ampla denominada “Projeto Urbano” (www.eco.unicamp.br). 12 Edward P Thompson. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: UNICAMP, 2001, p. 245.
  • 22. 22 não se mora e não se está vivendo o dia-a-dia do lugar. Mostrar isso por intermédio de gráficos bonitos e enfeitados é muito fácil.”13 Exatamente por não acreditar que as mudanças econômicas analisadas de forma pontual e descoladas da realidade sociocultural, através, por exemplo, de “gráficos bonitos e enfeitados”, possam dar conta da complexidade existente nas relações sociais, bem como por entender, a partir das leituras de Maria Odila Leite da Silva Dias,14 que o estudo do cotidiano seja de fundamental importância para que se compreendam as tensões sociais, é que se pretende, nesta pesquisa, ir além da descrição do impacto econômico da eucaliptocultura no distrito de Helvécia. De modo a buscar, dentro dos limites possíveis, conhecer um pouco das experiências destas mulheres e homens que têm um sentimento de pertencimento em relação à Helvécia, analisando de que forma a implantação de uma atividade econômica monocultora e agroexportadora se relaciona e/ou se fricciona com os costumes existentes naquilo que diz respeito não só ao universo do trabalho, mas também no que é experienciado por essas pessoas nos seus mais variados espaços de atuação. E que no dinamismo histórico faz ver suas transformações quando se pensa no aqui-ontem e no aqui-hoje. Convém dizer que a problematização do cotidiano de Helvécia, que ora se pretende fazer, não tem a pretensão de, através das memórias e entrevistas realizadas, dar conta de reconstruir o passado. Estou ciente de que esta é uma tarefa inexeqüível, por outro lado, acredito que através das entrevistas realizadas, bem como de sua análise, seja possível conhecer, por assim dizer, uma “nesga” deste passado, visto que estou entendendo aqui a memória como uma construção. Assim, o depoimento individual não é “solto”, sua memória está impregnada de dimensões da vida coletiva. Pierre Nora, ao escrever a respeito da memória, traduz suas potencialidades e limitações dentro de uma atividade de pesquisa ao afirmar: A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, neste sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações 13 Roseli Ricardo Constantino, Depoimento n. 1595/05 de 18/10/2005, na Comissão de Meio Ambiente Sustentável da Câmara dos Deputados – DETAQ. 14 Maria Odila Leite da Silva Dias. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. 2. ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 1995.
  • 23. 23 sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações.15 Sendo assim, cabe ao historiador, ao trabalhar com pessoas e suas memórias, ter clareza de que está lidando com leituras/interpretações sobre o real, pois como nos diz Nora, ao tratar das diferenças entre história e memória, “a história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais”,16 o que significa dizer que ao trabalhar a partir das memórias construídas, uma limitação se faz presente, visto que muito daquilo que foi vivenciado no passado não será utilizado na composição da história daquele lugar e daquelas pessoas. Além disso, o trabalho com memórias exige uma análise criteriosa e responsável daquilo que foi apresentado pelos entrevistados à pesquisadora, constituindo-se um constante desafio nem sempre aqui enfrentado em sua complexidade. A importância que o estudo do cotidiano ganha nesta pesquisa está também associada à idéia de conhecer um pouco das experiências sociais tecidas em Helvécia, entendendo que aquelas pessoas atuam como agentes históricos dentro daquela realidade, na medida em que nas relações engendradas se vive não só a concretude do vivido, como também aquilo que se dá no campo da imaginação. O uso da categoria “experiência” foi feito a partir de leituras de Edward P. Thompson, que afirma o quanto esta é de fundamental importância para o historiador, tendo em vista que “[...] compreende a resposta mental e emocional, seja de um indivíduo ou de um grupo social, a muitos acontecimentos inter- relacionados ou a muitas repetições do mesmo tipo de acontecimento”.17 Desta maneira, os entrevistados compuseram suas memórias a partir daquilo que havia sido sentido por eles, integrantes da comunidade de Helvécia, em seu convívio com a atividade da eucaliptocultura. O fato de entender essas pessoas como agentes históricos não significa identificá-las como se pudessem escrever seus scripts de maneira idílica, segundo suas vontades, como se a realidade não lhes apresentasse uma série de limites. Por outro lado, tais sujeitos não são seres sem vez nem voz, vítimas de uma história que se apresenta como um rolo compressor. Estes agentes constroem a sua história a 15 Pierre Nora. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Revistas do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História. PUC-SP, n°10, p. 9, dez./ 1993. 16 Idem. 17 E. P. Thompson. A miséria da teoria ou um planetário de erros – uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1981, p. 15.
  • 24. 24 partir de condições determinadas, conforme salientou Karl Marx, em um processo contínuo em que há espaço para avanços e recuos, para ações marcadas por consonâncias e contradições.18 Os limites de ação da história também são construções humanas, e por isso são cambiáveis. Ainda no que diz respeito às experiências, sabemos que elas são plurais e no fazer-se de uma comunidade há espaços para fissuras, convergências e divergências. As experiências humanas devem ser entendidas, como nos alerta Thompson, dentro de seus contextos históricos específicos, sob o risco de, ao se optar por generalizações, abraçar modelos universais esvaziados que não darão conta da historicidade destes indivíduos. É, pois, a esta historicidade que o estudo em questão dará ênfase, entendendo estas pessoas não como simples fontes de pesquisa, não como modelos de uma comunidade quilombola que vivencia a atividade do agronegócio, mas sim como pessoas que têm algo a dizer a respeito de suas experiências, sobretudo de seu modo de viver. No diálogo com esses sujeitos pretende-se uma aproximação de possíveis interpretações das experiências dos habitantes de Helvécia. Não se tem aqui a aspiração de se chegar a um modelo explicativo, nem muito menos conclusivo do modo de viver desses indivíduos. Ao contrário, já se pode desde agora afirmar que nenhum modelo dará conta das possibilidades existentes. O que se pretende é uma aproximação de algumas dessas possibilidades, através da análise de conceitos como, por exemplo, aqueles ligados à idéia de trabalho, em diferentes unidades de tempo. É sempre bom lembrar que, como nos fala Maria Odila Leite da Silva Dias, “[...] projetos hegemônicos de uma sociedade dificilmente coincidiam com as experiências concretas de setores oprimidos da população”.19 Em relação ao método de pesquisa utilizado, vale dizer que os conflitos e as violências simbólicas impetradas pelo modelo agroexportador serão analisados a partir de dados qualitativos, uma vez que se compreende que não existe uma implicação direta entre a importância simbólica da violência e a quantidade de existência da mesma. Neste sentido, recorremos à defesa feita por Thompson, de que o contexto simbólico deva ser levado em consideração na análise de episódios 18 Maria Aparecida de Moraes Silva. A luta pela terra: experiência e memória. São Paulo: UNESP, 2004. 19 Maria Odila Leite da Silva Dias. Hermenêutica do cotidiano na historiografia contemporânea. Projeto História, op. cit., p. 233.
  • 25. 25 de violência, pois a esses episódios são atribuídos valores que variam em razão do referido contexto e que não aparecem numa análise puramente quantitativa.20 Não se trata, por exemplo, de fornecer dados sobre a quantidade de terra que pertencia aos habitantes de Helvécia e que hoje pertencem às empresas produtoras de eucalipto. O que nos preocupa é conhecer em que medida tais aquisições foram pautadas em ações que constituem atos lidos e tidos pela comunidade local como agressivos e/ou violentos. Interessa-nos saber, por exemplo, como as pessoas se sentiram ao terem seus espaços, antes conhecidos e individualizados, agora homogeneizados pelo plantio do eucalipto. A fala a seguir dá uma pista dessa, por assim dizer, sensação, Eucalipi tá pertinho assim do Comércio [Helvécia], tomando mermo. Isso aí que eu não me senti bem [...] eucalipi tá dentro do Comércio.[...] e a maioria desse pessoal lá perto venderam a terra toda, então a terra que eles venderam foi tudo pra Aracruz, aí virou eucalipi.21 na qual a proximidade do plantio é denunciada nas entrelinhas como algo agressivo, e a venda das terras para a Aracruz é interpretada como uma imediata transformação destas em eucalipto, traduzida na expressão: “aí virou eucalipi”. Outra ressalva que se acredita pertinente diz respeito ao seguinte fato: não se pode imaginar que o distrito de Helvécia, independente da eucaliptocultura, pudesse viver de forma a não entrar em contato com mudanças e transformações ocorridas no Brasil no período da denominada modernização conservadora. Não se trata aqui de entender uma comunidade camponesa, hoje reconhecida como área remanescente quilombola, como se fosse uma comunidade parada no tempo, vivendo de forma anacrônica. A modernização da agricultura, iniciada no Brasil na década de 1950, estava relacionada à tomada do campo, condição para a expansão capitalista. Segundo José Graziano da Silva, “uma das características marcantes da modernização conservadora da nossa agricultura nos últimos 25 anos foi a ‘territorialização da burguesia’“,22 que expropriou uma parcela dos trabalhadores rurais. 20 Edward P. Thompson. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas, UNICAMP, 2001. 21 Entrevista concedida à autora pela Sra. Célia Maria Silva Zacarias, em 15 de março de 2007. 22 José Graziano da Silva. Terra para quem nela não trabalha. Portal da Fundação Perseu Abramo. Debate Programa para o Campo nº 7, 1989. www2.fpa.org.br. Acesso em novembro 2008.
  • 26. 26 A estrutura do campo, à época, contava com a presença de uma oligarquia latifundiária, dividida entre latifundiários capitalistas e latifundiários “tradicionais”, estes últimos quase sempre associados à atividade da pecuária. Abaixo destes estavam os médios proprietários de terra que também faziam uso em suas propriedades do trabalho assalariado. Na base desta estrutura havia a pequena propriedade familiar, que conseguia produzir o suficiente para suprir suas necessidades, e também existia outra parte integrante desta base que se destacava, como afirmam Mello e Novais: “[...] no conjunto do país, a esmagadora maioria, cerca de 85%, é formada por posseiros, pequenos proprietários, parceiros, assalariados temporários ou permanentes extremamente pobres ou miseráveis.”23 A produção feita por essas pessoas era normalmente rudimentar e quase sempre suficiente apenas para prover a alimentação da família. Quando havia sobra, esta era comercializada nas feiras próximas aos lugares de produção, e o dinheiro adquirido nesta atividade era utilizado na aquisição de roupas, sapatos ou utensílios de casa que não eram produzidos pela própria família. Os intelectuais e políticos, defensores do projeto modernizador, viam neste cenário características associadas ao atraso e típicas de um remoto passado colonial. Este precisava ser apagado, para que o Brasil, que desde o início do século XX iniciara um processo de aproximação com o capitalismo industrial, entrasse, definitivamente, na era da modernização. Estamos falando aqui da modernização selvagem da agricultura, iniciada na década de 1960 e que deveria ser feita a qualquer custo. Na verdade, um custo um tanto quanto alto para os pequenos proprietários e posseiros, que engrossavam os 85% da população rural do Brasil e que também se faziam presentes em Helvécia. Em conformidade com este projeto de modernização, foi criado, em 1964, através da Lei nº 4.504, o Estatuto da Terra.24 Este incentivou o aumento da produção e produtividade e transformou a paisagem rural à medida que ampliou e consolidou a expansão capitalista através da industrialização do campo. Tal industrialização se fez sentir com a chegada ao campo de maquinários pesados, como o trator, o uso de inseticidas e implementos agrícolas sofisticados, 23 João Manuel Cardoso de Mello e Fernando A. Novais. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In: História da vida privada no Brasil: Contrastes da intimidade contemporânea. Volume 4, São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 575. 24 Maria Aparecida de Moraes Silva. A luta pela terra – experiência e memória. São Paulo: UNESP, 2004. Coleção paradidáticos.
  • 27. 27 processo denominado revolução verde,25 que alterou a maneira usual de produção de muitos dos pequenos camponeses. Essas transformações estavam atreladas à presença de grandes empresas internacionais e nacionais que contavam com o apoio dos governos federal e estaduais, no sentido de ocuparem propriedades, inclusive pequenas, familiares ou de posseiros. A grilagem compôs este cenário de transformação do campo e implicou a expulsão de pequenos proprietários, posseiros, agregados e arrendatários, contribuindo de forma decisiva para a concentração. Warren Dean,26 ao discutir o “imperativo do desenvolvimento”, destacou, entre outros aspectos, o apoio dado pelos governos militares à plantação do eucalipto no Brasil. Em relação ao papel do Estado na concessão de exploração da terra, Dean afirma: A troca do patrimônio estatal pelo ganho de curto prazo dos interesses privados é um tema constantemente repetido na história brasileira, tão habilidosa e diversificadamente adotada e tão inerente que se mostrava como a razão mesma da existência do Estado.27 Outra ação governamental, significativa neste período, foi a construção de estradas de rodagem incentivando o deslocamento permanente da fronteira agrícola28 bem como possibilitando o escoamento dos produtos provenientes das ações das empresas que estavam à frente deste projeto de industrialização do campo. Foi desta época, 1972, a construção da BR-101, que contribuiu com o processo de reorganização dos papéis comerciais desempenhados pelos municípios e distritos que eram, ou não, como Helvécia, perpassados por ela. Entre 1950 e 1980, intensificou-se o processo de deslocamento populacional do campo para as cidades. Foi dentro deste contexto que a história de Helvécia foi sendo construída diariamente, de maneira a conviver com a existência do novo, o que implicou o desfecho de novas necessidades, organizações sociais, diferentes jeitos de ser, diante de uma realidade que se mostrou ela própria diferente. Tal realidade não mais 25 José Graziano da Silva. A globalização da agricultura. Palestra proferida no Centro Nacional de Pesquisa de Monitoramento e Avaliação de Impacto Ambiental da Embrapa. Jaguariúna, 24/04/97. Publicado em Silveira, M. e S. Vilela, eds. Globalização e a sustentabilidade da agricultura. Jaguariúna, Embrapa Meio Ambiente – 1998. Série Documentos, p. 29 a 38. 26 Warren Dean. A ferro e fogo: a história e a devastação da mata atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 27 Idem, p. 291. 28 João Manuel Cardoso de Mello e Fernando A. Novais. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna, op. cit., p. 580.
  • 28. 28 aceita, ou ao menos não aceita somente os mesmos ritmos de trabalho, as mesmas organizações de lazer, os mesmos sonhos e expectativas. Interessa-me saber como nas relações do cotidiano são feitas intermediações, pelos moradores de Helvécia, com o intuito de lidar com a realidade de forma criativa, fazendo uso de um repertório de atitudes que não estavam prescritas, mas que foram (re) inventadas frente à situação dada. O fazer-se deste cotidiano é, pois, ditado pelo vir a ser, eivado de imprevisibilidade. Mesmo quando este passa a ser regulado por uma série de normas disciplinares, como por exemplo aquelas ligadas ao ritmo do trabalho, é importante não se perder de vista uma indagação proposta por Michel de Certeau a respeito das relações sociais: “que procedimentos populares (minúsculos e cotidianos) jogam com os mecanismos da disciplina e não se conformam com ela a não ser para alterá-los?”29 É este agir, minúsculo e cotidiano, que nos interessa estudar. Acerca dessas ações, ou melhor, do desprezo dado às mesmas, James C. Scott, em artigo intitulado “Formas cotidianas da resistência camponesa”, nos provoca quando afirma que, de certa forma, muitas das pesquisas que tratam das insurreições camponesas acabam por privilegiar aquelas que são lidas por representantes do Estado como sendo significativas em razão de terem provocado algum tipo de alteração visível, para as classes dominantes, na relação destes camponeses no jogo das classes sociais. Assim, o registro de ações camponesas comumente é mais rico nos momentos em que essas representaram alguma ameaça à ordem vigente. Tais registros, normalmente, constituem as fontes consultadas pelos pesquisadores a respeito das insurreições camponesas. Este procedimento acaba quase sempre por desvalorizar as resistências que acontecem no viver diário e que, neste sentido, por vezes, dizem mais aos seus agentes, visto que eles as experienciam nas suas relações diárias. Assim, no dizer de Scott: Para os camponeses, pulverizados ao longo da zona rural e enfrentando ainda mais obstáculos para a ação coletiva e organizada, as formas cotidianas de resistência parecem particularmente importantes.30 29 Michel de Certeau. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1994, p. 41. 30 James C. Scott. Formas cotidianas da resistência camponesa. Revista de Ciências Sociais e Econômicas, Universidade Federal de Campina Grande, Programa de Pós-graduação em Sociologia, vol. 1, n°1, p. 11, jul./dez. 1982 .
  • 29. 29 São essas as formas de resistência que serão analisadas nesta pesquisa. Elas se constituem em ações que na comunidade são memoradas e ditas, por exemplo, quando seus membros mencionam o fato de que alguns “pegam, pegam mesmo o facho”, referindo-se aos pedaços de eucalipto que recolhem daquilo que restou nas plantações após as empresas efetuarem o corte da madeira que lhes interessava. Este facho, por vezes retirado sem autorização das empresas, é utilizado, por integrantes da comunidade, para produzirem carvão. Isso implica a existência de tensões envolvendo os membros da comunidade e os representantes das “firmas”. Outra situação de resistência que aparece nas entrevistas como significativa para os camponeses locais diz respeito às falas de pessoas mais idosas que se orgulham de não terem vendido suas terras ou, ainda, de não se deixarem seduzir pelas propostas de fomento. Este mecanismo consiste numa espécie de contrato feito por proprietários31 de terra e empresas de eucalipto. Por meio dele, os proprietários plantam eucalipto em suas terras, com auxílio técnico e financeiro das empresas. Dentro da lógica do agronegócio, esta produção depois é comprada pelas empresas que descontam o valor investido anteriormente. Ocorre que os habitantes de Helvécia possuem sua própria lógica e esta foi construída a partir de suas experiências diárias, com base em um repertório próprio que lhes permitiu agir no contato com o estranho, com o novo. A execução das práticas sugeridas por esse repertório mostrou-se, como veremos no decorrer deste trabalho, complexa e com possibilidades de diferentes arranjos. Naquilo que diz respeito ao uso do conceito de identidade, importante na discussão sobre o sentimento de pertencimento da comunidade de Helvécia como quilombolas, fiz uso do referencial teórico construído por Stuart Hall em razão do mesmo evidenciar seu processo de formação, quando afirma que [...] a identidade é algo realmente formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”.32 31 Nesta dissertação estou usando o termo proprietário de terra no sentido dado pela comunidade de Helvécia, tendo eles, ou não, titulação da terra. 32 Stuart Hall. A identidade cultural na pós-modernidade. 8. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 38.
  • 30. 30 Na elaboração desta pesquisa, faz-se uso, entre outras, de fontes orais, não por creditar ineditismo às mesmas, mas por compreendê-las como de vital importância no processo de conhecimento das experiências vivenciadas em uma comunidade em que o uso da oralidade é relevante como maneira de expressão. Pressupõe-se que a partir das falas e silêncios, lembranças e esquecimentos dar-se- á dizibilidade e visibilidade àquilo que os entrevistados compuseram como significativo para sua história e do seu lugar, podendo traduzir ou indicar tensões nas relações cotidianas dessa comunidade com os diversos segmentos responsáveis pelo desenvolvimento da eucaliptocultura. Tal opção traz em si a indicação de que não se espera coletar a partir das entrevistas apenas meras informações ou dados quantitativos a respeito da atividade produtora de eucalipto no distrito de Helvécia. Acredita-se na existência de uma ligação enriquecedora entre oralidade, tradição e experiência, traduzida na construção de narrativas, nas quais, “o narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes”.33 Esta tessitura, existente na troca de experiência de pessoa para pessoa, possibilita o relato de saberes construídos em um tempo passado, nem sempre passíveis de uma comprovação no tempo presente. Talvez resida aí a riqueza de se ouvir o outro falar sobre o seu viver, comunicando aquilo que se encontra para além do relato, aquilo que está no universo do sentido, vivido, experienciado. No trabalho com fontes orais os textos são produzidos a partir do diálogo entre entrevistador e entrevistado, sendo sempre uma relação dialógica, em que se deve predominar a delicadeza e a sensibilidade de ouvir.34 Esta tarefa foi por vezes árdua, no sentido de exigir uma escuta ao mesmo tempo participativa e de algum modo solitária. Entretanto, a verdadeira aridez no trato com este tipo de fonte eu pude sentir quando, após as inúmeras escutas e transcrições, comecei a selecionar o que seria incluído no meu texto. Neste momento, por várias vezes, me senti deixando de levar em consideração exatamente aquilo que havia me proposto desde o início, ou seja, conhecer o que aquelas pessoas tinham a dizer de suas 33 Walter Benjamin. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 201. 34 Paul Thompson. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
  • 31. 31 experiências de vida dentro da problemática que elegi como objeto de estudo. São, pois, as minhas escutas e os meus olhares que aqui serão apresentados. A partir das conversas com os entrevistados é que pude aprender algo sobre aquele lugar e sobre o significado de se viver ali com todas as questões e limitações que estão postas, pela implantação da eucaliptocultura numa área remanescente quilombola. Nisto consiste meu problema de pesquisa. Aquele lugar passou então a ser para mim um espaço de aprendizagem, de conhecimento. Eu estive ali sempre para aprender com aquelas pessoas, porque de fato só elas expressam em suas memórias aquilo que eu precisava conhecer para, minimamente, tentar responder às perguntas que havia formulado. Ao fazer, anteriormente, menção à idéia de dizibilidade e visibilidade daquilo que foi composto pela memória dos entrevistados não estou pensando em fazê-lo partindo da premissa de que serei eu a estar dizendo ou fazendo vê-los; ao contrário, foi exatamente a partir daquilo que os entrevistados disseram e/ou silenciaram e daquilo que eu pude ver nas oportunidades em que estive em Helvécia que fui construindo tal texto, o que implica reconhecer que não há ninguém melhor do que os habitantes de Helvécia para falar sobre o significado de viver a realidade da eucaliptocultura naquele distrito. Aquelas pessoas têm suas vozes, por vezes dissonantes, seus rostos e jeito de viver, da sua forma narram suas histórias, e, certamente, não reúno condições de atuar em nome daquela comunidade, pela razão óbvia de que eles próprios se nomeiam e se dizem de forma clara, não precisam de alguém alheio para falar por eles. Então, a que me refiro quando falo em dizibilidade e visibilidade? Penso na possibilidade de, tendo acesso ao meio acadêmico e aos mecanismos de divulgação, que este meio enseja fazer uso destes com o intuito, aí sim, de que aquilo que está sendo (re)construído em Helvécia, pelos seus habitantes, possa ser conhecido por outras pessoas. Na realização desta pesquisa entrevistei vinte e três pessoas, destas, duas residem em Teixeira de Freitas (BA), duas em Teófilo Otoni (MG) e dezenove em Helvécia. Os entrevistados, em sua maioria, eram ou tinham sido pequenos proprietários e/ou posseiros naquele distrito. Destes, alguns tinham vendido suas glebas para as empresas de eucalipto ou para atravessadores. Foi de fundamental importância para a realização das entrevistas o fato de, antes do desenvolvimento da pesquisa, ter conhecido pessoas de Helvécia. Em razão deste meu conhecimento prévio fui acolhida na comunidade e apresentada a
  • 32. 32 outras pessoas que se dispuseram a falar a respeito de suas vidas, de suas experiências no convívio com a eucaliptocultura. À medida que fui fazendo as entrevistas, surgiram informações que indicavam a necessidade de buscar ouvir uma ou outra pessoa da comunidade. Também foi imperativo entrevistar integrantes da Associação Cultural Ferroviários da Bahia e Minas, na cidade de Teófilo Otoni (MG). A partir da fala de um entrevistado, fui compreendendo também a fala de outro. De forma que por vezes aquilo que se insinuara em uma reminiscência aparecia com destaque em outra. A respeito do número de pessoas entrevistadas, algumas questões de natureza prática foram consideradas. Havia um tempo para realizar as pesquisas de campo. Depois era preciso fazer a análise e cruzamento das fontes e então construir o texto. As tarefas demandavam também uma organização temporal e por isso quando percebi que já possuía dados suficientes para trabalhar na construção da dissertação, tomei a decisão de parar. Na prática, no momento em que comecei a construir o texto senti necessidade de fazer algumas novas entrevistas, o que me fez sair de novo a campo, desta fez, porém, com o objetivo de buscar informações mais pontuais a respeito de um ou outro tema que se mostraram relevantes no momento da análise dos dados coletados. Além das fontes orais, ou melhor, dos diálogos que tive com pessoas de Helvécia, para a realização desta pesquisa foi feito o uso de documentos existentes no Arquivo Público do Estado da Bahia, em Salvador. Na capital baiana também pude consultar a hemeroteca do Instituto Geográfico Histórico da Bahia, o Acervo do jornal A Tarde e os arquivos da Seplan – CAB (Centro Administrativo da Bahia). Também consultei monografias que tratam de temas afins, desenvolvidas na Universidade Estadual de Santa Cruz, na Universidade Federal da Bahia e na Universidade Federal de Minas Gerais. Recorri também às empresas Aracruz Celulose e Bahia Sul Suzano Celulose, à Fundação Cultural Palmares e aos acervos de Organizações não governamentais que atuam na região. O projeto inicial desta pesquisa contemplava a possibilidade de entrevistar pessoas que representassem a Aracruz Celulose e a Suzano Bahia Sul Celulose. Iniciei os contatos com estas empresas por telefone e em seguida por e-mail. A Aracruz Celulose não respondeu a nenhum dos e-mails enviados por mim. A Suzano
  • 33. 33 Bahia Sul Celulose respondeu a todos eles, enviou artigos produzidos por pesquisadores sobre a atuação da empresa na região e dados a respeito das ações de responsabilidade social desenvolvidas no Extremo Sul Baiano. Entretanto, em relação às perguntas a respeito da atuação especifica da empresa em Helvécia, alegou não ter as informações discriminada por distrito, mas sim pelo município. Mesmo estas, quando solicitadas, não foram enviadas pela empresa. Estabeleci contatos, através de carta enviada pela minha orientadora, com o Centro de Documentação e Memória da Suzano Bahia Sul e Celulose, localizado em São Paulo. Em resposta, tive as minhas questões encaminhadas novamente para um representante da empresa que atua diretamente no Extremo Sul da Bahia. Este funcionário sinalizou com a possibilidade de uma conversa futura, que não aconteceu. Como o tempo para desenvolver a dissertação era exíguo, busquei conhecer as vozes dessas empresas através das informações que as mesmas divulgam em seus sites oficiais e através de jornais. Se por um lado a não realização destas entrevistas, pelos motivos apresentados, constitui um hiato nesta pesquisa, por outro, os silêncios podem sugerir algum tipo de dificuldade destas empresas em falarem de suas atuações no distrito de Helvécia. As fotografias, produzidas nas atividades de campo foram utilizadas não como dados objetivos, uma reprodução fiel da realidade. Elas são construídas. Como afirma Mauro Guilherme Pinheiro Koury, citado por Ariosvaldo da Silva Diniz: a imagem significa, ao mesmo tempo, o olhar do criador e o olhar do espectador, e a interpretação é a resultante desta interdependência, ou desta ambigüidade de olhares, associada ou não a um terceiro olhar que busca compreender os mecanismos sociais que desconstroem e reconstroem as informações transmitidas pelo intercruzamento dos diversos olhares.35 Tendo essa clareza, a análise do material visual adquiriu um valor indiciário significativo no processo de elaboração desta dissertação. Acredito ser importante fazer algumas considerações a respeito do recorte temporal utilizado, qual seja 1980-2005. Tal opção se justifica em razão deste espaço de tempo contemplar duas balizas do tema que pretendo abordar: a expansão da eucaliptocultura em Helvécia, que se deu a partir de 1980, bem como 35 Ariosvaldo da Silva Diniz. A iconografia do medo. In: Mauro Guilherme Pinheiro Koury (Org.). Imagem e memória: ensaios em Antropologia visual. Rio de Janeiro: Garamond, 2001, p. 114.
  • 34. 34 as mudanças e permanências ali engendradas no bojo dessa expansão, que suponho ocorreram simultaneamente ao processo de reconhecimento daquele lugar como uma comunidade remanescente quilombola, formalizado em 2005 pela Fundação Cultural Palmares. Este período será referido aqui através da memória dos entrevistados. Convém lembrar que estes, ao longo de suas falas, por vezes visitaram outros tempos, que não aquele estabelecido no referido recorte temporal, para poderem falar de si, das transformações e permanências tão importantes na construção da memória e da história. Por vezes usarei algumas expressões e construções dos entrevistados como título e subtítulo dos capítulos. Justifico tal procedimento a partir do significado que muitas das frases trazem consigo e que por si indicam sentimentos e leituras feitas a partir das experiências daquelas pessoas sendo, portanto, de importância fundamental para a construção desta dissertação. No primeiro capítulo, intitulado Velhos tempos de Helvécia, abordarei o tempo anterior à implantação da eucaliptocultura. O eixo deste será a Memória de seus habitantes. Através das construções da memória, Helvécia se apresentará em diferentes tempos e ritmos. Haverá assim espaço para que se possa conhecer um pouco da Colônia Leopoldina, o tempo do cativeiro, o deslizar do trem nos trilhos da estrada de ferro Bahia e Minas, o comércio incrementado na praça da estação, as produções agrícolas diversificadas, as festas e os lugares de memória. O interesse por elementos dos velhos tempos de Helvécia, de forma não linear e pleno de hiatos, esteve associado à busca de aproximações que esclarecessem o presente e contribuíssem para a compreensão do passado pelo presente.36 No capítulo seguinte, “Pensou que não, chegou a firma”, irei discutir o cultivo de eucalipto em Helvécia. Falarei a respeito das expectativas vivenciadas à época da implantação da eucaliptocultura no distrito, enfocando como essas foram tecidas a partir de movimentos engendrados pela composição formada pela mídia, pelas falas e ações dos representantes governamentais e por integrantes da comunidade local. Nesta oportunidade, estarei discutindo questões como oferta de empregos, buscando fazer o cruzamento e análise de dados fornecidos pelos diferentes 36 Marc Bloch. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
  • 35. 35 segmentos apontados, de maneira a enfatizar os encontros/desencontros entre as expectativas geradas e o vivido. As experiências dos habitantes de Helvécia, através de suas ações cotidianas, nortearam a construção do texto. No terceiro e último capitulo, Viver com eucaliptos, tratarei dos compassos e descompassos entre as perspectivas existentes em relação à atuação das empresas de eucalipto e as experiências engendradas em Helvécia. Neste sentido, abordarei um repertório de resistências cotidianas construídas por membros da comunidade, seja de forma individual e/ou coletiva, com enfoque para o debate sobre a questão da identidade quilombola daquele local.
  • 36. 36 1º Capítulo – VELHOS TEMPOS DE HELVÉCIA Conversar com as pessoas de Helvécia sobre o significado daquele lugar poderia ser descrito como uma espécie de viagem a outros tempos. Nas falas, gestos e silêncios aparecem elementos que indicam como seus moradores retornaram a diferentes períodos para falar de si, de suas maneiras de organização social e econômica, de suas crenças e valores, de seus hábitos, de suas relações sociais, da lida com a terra, de suas alegrias, de aflições e de tristezas. O passado, os velhos tempos de Helvécia, ocupa um lugar37 na fala dos integrantes da comunidade. Por esta razão, fragmentos de tempo que não estavam contemplados na periodização estabelecida, mas que apareceram nos diálogos presente/passado, foram utilizados como indícios no processo de inteligibilidade das mudanças significativas vivenciadas pelas pessoas daquele distrito. Foi a memória que desempenhou o papel de fio condutor das entrevistas a respeito do significado de viver em Helvécia. Sendo assim, é preciso que se diga algo a respeito da complexidade que há em se buscar conhecer a história de um lugar a partir da memória de seus habitantes. Entendo que a memória implique uma construção elaborada a partir de sensações que mudam com o passar do tempo, e assim é bem provável que as pessoas que foram entrevistadas por mim no decorrer desta pesquisa possam ter tecido, elas mesmas, outras construções ao longo de suas vidas, ou então pode acontecer de virem a fazê-lo no futuro. Neste sentido, Alistair Thomson diz que Experiências novas ampliam constantemente as imagens antigas e no final exigem e geram novas formas de compreensão. A memória “gira em torno da relação passado-presente, e envolve um processo contínuo de reconstrução e transformação das experiências relembradas”, em função das mudanças nos relatos públicos sobre o passado. Que memórias escolhemos para recordar e relatar (e, portanto, relembrar), e como damos sentido a elas são coisas que mudam com o passar do tempo.38 37 Jacques Le Goff. História e memória. 5. ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003, p. 47. 38 Alistair Thomson. Recompondo a Memória: questões sobre a relação entre a História Oral e as memórias., Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, p. 57, 1981.
  • 37. 37 Essa flexibilização, por assim dizer, daquilo que se rememora não implica em si um problema para a presente pesquisa, ao contrário, para este estudo ela é parte intrínseca do objeto analisado. Essa característica contribuiu para o entendimento de situações como, por exemplo, a venda de uma terra realizada num tempo passado ter sido interpretada como um negócio vantajoso e justo, para depois passar a ser entendida e sentida como um equívoco, uma vez que a pessoa se sentia lograda. Buscar compreender quais ponderações foram levadas em consideração para uma e outra sensação, pela mesma pessoa, pode significar uma riqueza de interpretações das experiências que a composição da memória oferta aos pesquisadores. A proposta deste capítulo é apresentar, através da memória dos entrevistados, entendida aqui como um dos objetos da história,39 como era viver em Helvécia antes da implantação da eucaliptocultura. Desde já esclareço que não entendo este tempo anterior como desconectado daquilo que se processou em Helvécia na década de 1980. Interessa-me aqui ver como os habitantes daquele distrito conjugaram em suas práticas diárias e em seu sentir as mudanças e permanências que ali se processaram. 1.1 HELVÉCIA – UMA APROXIMAÇÃO EM TRÊS TEMPOS. O senhor Manoel Peixoto, morador, proprietário de terra e comerciante em Helvécia, ao falar sobre o distrito iniciou sua narrativa da seguinte maneira: Eu cheguei, mais ou menos, deixa eu ver se lembro..., na década de quarenta, no inicio de quarenta. Então, aqui era bem diferente, o comércio40 aqui sabe? O aspecto do comércio era um aspecto ainda, do tipo assim, talvez colonial, europeu. Porque aqui tinha poucas casas, mas as casas aqui eram uns prédios, eram uns prédios assim, prédios tipo alto, tinha um porão embaixo, certo? Era erguido de madeira, naquele tempo naturalmente era difícil cimento essas coisas. Era de madeira, aqui tinha, eu lembro de três prédios, mas tem umas casas grandes com aspecto mais ou menos de um prédio, então, parece que o porão ali embaixo era para secagem de café, cultivava aqui na região toda, café. Porque aqui fazia parte da Colônia Leopoldina, né? Colônia Leopoldina era dividida em glebas, em sesmarias, que cada uma delas pertencia a europeus, entendeu? 39 Jacques Le Goff. História e memória, op. cit., p. 49. 40 A expressão comércio está sendo utilizada nesta fala para significar o lugar de Helvécia.
  • 38. 38 Europeus de nacionalidade diferente e aqui parecia, eu não tenho muita certeza, que era parte de onde cabia aos suíços, aos suíços.41 É pouco provável que essa fala possa ser entendida sem que se tenha acesso a outras informações, afinal o senhor Manoel Peixoto começou sua narrativa sobre Helvécia nos anos 1940, para, através de elementos da arquitetura que ele buscou na memória, retroceder ao século XIX, aos tempos da Colônia Leopoldina. Talvez seja, então, o caso de nos aproximarmos da Helvécia desses tempos, a partir de alguns dados que, ao dialogarem com aquilo que foi falado pelo senhor Manoel Peixoto, possam contribuir para o entendimento deste lugar, afinal, como afirma Jacques Le Goff, “a dialética da história parece resumir-se numa oposição – ou num diálogo – passado/presente (e/ou presente/passado)”.42 Esta aproximação com os tempos da Colônia Leopoldina foi feita com o intuito de conhecer um pouco do universo trazido pela memória das pessoas entrevistadas. Estes tempos foram apresentados de forma não linear. O entrevistado buscava naquilo que ouviu dizer algo significativo em sua construção de memória. Na fala de alguns, os tempos do cativeiro apareciam, às vezes inclusive como uma negação – “não tinha vivido nele e não lembrava dele” –, entretanto aquele tempo havia existido, um tempo passado integrante da história presente daquele lugar. Por vezes, ele surgia na construção do imbricamento passado/presente, na expressão “cativeiro remunerado” utilizada para dizer de como muitos moradores de Helvécia se sentiram em relação ao tratamento que lhes foi dispensado pelas empreiteiras acionadas pelas empresas produtoras de eucalipto, no processo de terceirização, comum na atualidade. Os recortes feitos sobre estes velhos tempos colaboraram para que eu pudesse indagar/compreender algumas dessas construções, que se compuseram, não de forma neutra, em razão do diálogo passado/presente estar associado a pares de valores,43 entre eles, por exemplo, atraso/progresso, tranqüilidade/insegurança. Os hiatos entre os tempos da Colônia Leopoldina e o distrito de Helvécia estão sendo entendidos aqui não como uma falta, mas como algo intrínseco à própria dinâmica da pesquisa no campo da história que tem como matéria fundamental o tempo. Este tempo histórico, segundo Le Goff, não se encerra no 41 Entrevista concedida à autora pelo sr. Manoel Peixoto em 14 ago. 2007. 42 Jacques Le Goff. História e Memória, op. cit., p. 8. 43 Idem.
  • 39. 39 tempo cronológico, “o tempo histórico encontra, num nível muito sofisticado, o velho tempo da memória, que atravessa a história e a alimenta”.44 1.2.1 COLÔNIA LEOPOLDINA E HELVÉCIA – ALINHAVOS. Brasil, século XIX, período colonial, ano 1808. É neste contexto que D. João VI assina um decreto permitindo a concessão de sesmarias a estrangeiros que estivessem dispostos a vir residir no Brasil. Até então a doação de sesmarias estava restrita a portugueses e colonos brasileiros. Decreto de 25 de Novembro de 1808 Permite a concessão de sesmarias aos estrangeiros residentes no Brasil. Sendo conveniente ao meu real serviço e ao bem público, aumentar a lavoura e a população, que se acha muito diminuta neste Estado; e por outros motivos que me foram presentes: hei por bem, que aos estrangeiros residentes no Brasil se possam conceder datas de terras por sesmarias pela mesma forma, com que segundo as minhas reais ordens se concedem aos meus vassalos, sem embargo de quaisquer leis ou disposições em contrário. A Mesa do Desembargo do Paço o tenha assim entendido e o faça executar. Palácio do Rio de Janeiro em 25 de Novembro de 1808. Com a rubrica do Príncipe Regente Nosso Senhor.45 Foi assim que em 1818 se deu a implantação de colônias estrangeiras no Brasil, para atender aos interesses da Coroa portuguesa no sentido de garantir o povoamento46 de áreas consideradas desocupadas e aumentar a produção de dividendos, a partir do incremento da lavoura. Interessa-me aqui a gênese de uma em particular, a Colônia Leopoldina, criada neste mesmo ano e tendo em sua formação a presença de suíços e indivíduos que compunham reinos que posteriormente deram origem a atual Alemanha. A sua fundação foi, segundo Henrique Lyra, obra do cônsul hamburguês Peyckr juntamente com os naturalistas George Eilhem Freyreiss e Morhartdt e os suíços Abrão Laughan e David Pache.47 44 Idem, p. 13. 45 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_48/dim251808.htm, in Brasil Leis etc. Coleção das Leis do Brasil de 1808. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p. 166. 46 Não se levava em consideração, em razão de uma postura etnocêntrica, que essas terras já estavam povoadas pelos nativos que aqui viviam antes da chegada dos portugueses. 47 Henrique Jorge Buckingham Lyra. Colonos e colônias – uma avaliação das experiências de colonização agrícola na Bahia na segunda metade do século XIX. Dissertação de mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1982, p. 25.
  • 40. 40 Foi ao longo das margens do rio Peruípe, doze léguas acima de Nova Viçosa, na então comarca de Caravelas, no Extremo Sul da Província da Bahia, que a Colônia Leopoldina se localizou, a partir da doação de cinco sesmarias de mata virgem, e cada uma das sesmarias correspondia a meia légua quadrada.48 Além dos suíços e alemães, outros estrangeiros se faziam ver no espaço da Colônia Leopoldina. Tratava-se de africanos que foram utilizados como mão-de-obra escrava. Segundo Henrique Lyra, essa foi a única colônia estrangeira instalada na Bahia no século XIX a fazer uso deste tipo de mão-de-obra.49 Lyra esclarece que havia, neste período, uma proibição quanto à utilização do trabalho escravo nas colônias agrícolas em razão das pressões que estavam sendo feitas, neste sentido, pela Inglaterra. Em contraposição a esta proibição, a Colônia Leopoldina, ao invés de ter desempenhado, unicamente, a função agrícola de subsistência, utilizando mão-de- obra familiar e livre, acabou por se destacar no cenário regional como colônia de produção cafeeira para exportação. A historiadora Albene Menezes em reportagem veiculada pelo Correio da Bahia, intitulada “Pioneiros agrícolas”, destacou o uso da mão-de-obra escrava como tendo sido de fato um diferencial da Colônia Leopoldina, posto que as demais colônias teuto-brasileiras à época sobrevivessem fazendo uso do trabalho familiar, enquanto que na Colônia Leopoldina, segundo dados da referida reportagem, “além dos europeus, se ocupavam do trabalho agrícola naquelas fazendas cerca de dois mil escravos”. Na mesma matéria, Menezes afirma textualmente que a Colônia Leopoldina era “Subvencionada, em parte, pelo governo do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, [e que] a iniciativa pioneira se caracterizou como um empreendimento agrícola privado que em 1858 somava 40 fazendas de café, com o mérito de exportar da Bahia as primeiras levas do produto”.50 Os dados relativos à produção de café (cf. tabela 1) corroboram esta informação e podem nos ajudar a entender por que os estrangeiros, que eram agora proprietários daquela terra e moradores daquele lugar, ao erguerem suas casas no século XIX, fizeram-no de tal maneira que a arquitetura refletisse e se harmonizasse com a produção econômica de café em larga escala que ali se realizava. 48 Idem. 49 Idem, p. 25-26. 50 http://www.correiodabahia.com.br/reporter/noticia_impressao.asp?codigo=99634, Jornal Correio da Bahia, Pioneiros agrícolas, 8 de fevereiro de 2004. Acesso em 29 de abril de 2008.
  • 41. 41 Tabela 1 PRODUÇÃO DE CAFÉ DA COLÔNIA LEOPOLDINA 1836-185351 ANOS SACAS DE 60 kg. 1836 6.610 1842 8.570 1848 Entre 16.158 e 17.138 1851 17.138 1853 24.483 Esses dados ganham maior relevância quando se leva em consideração o percentual de produção da Colônia Leopoldina em relação à Província da Bahia. Lyra afirma que esta respondia no ano de 1842 por 60% da produção cafeeira, tendo aumentado essa porcentagem para a casa dos 90% no ano de 1853.52 Por outro lado, outras fontes sugerem a necessidade de se relativizar essa importância, ao menos naquilo que concerne aos seus dados quantitativos, pois ao compararmos a quantidade de café produzida em Helvécia com a produção da Província de São Paulo, verificamos que a mesma era mínima. Senão vejamos: aquilo que correspondia a 90% da produção da província da Bahia, 24.483 sacas de 60 K, passa a equivaler, quando realizada a conversão de unidade, a 97.932 arrobas, número infinitamente menor do que a quantidade de arrobas de café produzida na Província de São Paulo no ano de 1854, que foi de 3.534.256 arrobas.53 Entretanto, ao que parece, tais comparações quantitativas não ressoaram na composição da realidade vivenciada em meados do século XIX pelos moradores da Colônia Leopoldina, até porque é pouco provável que estes tivessem acesso a dados a respeito da produção cafeeira paulista. Não tendo um parâmetro nacional de comparação, estes habitantes, provavelmente, mediam a importância comercial de sua produção econômica a partir de dados relativos às suas experiências locais e aos números advindos da produção cafeeira oriundos de outros sítios da província baiana. 51 Henrique Jorge Buckingham Lyra , op. cit., p. 26. 52 Henrique Jorge Buckingham Lyra , op. cit., p. 26. 53 Sérgio Milliet. Roteiro do café e outros ensaios: contribuição para o estudo da história econômica e social do Brasil. 4 ed. rev. e ampl. São Paulo: HUCITEC; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1982, p. 21.
  • 42. 42 Além disso, as ponderações comparativas indicadas anteriormente com certeza não foram levadas em consideração quando do momento de construção, por parte dos habitantes de Helvécia, daquilo que seria, no seu imaginário, o papel da Colônia Leopoldina, qual seja, uma área que tivesse cumprido, à época do século XIX, um papel de relevância nacional, naquilo que concernia à produção cafeeira. Foi possível perceber que, na composição da memória daqueles tempos da Colônia Leopoldina, os moradores de Helvécia maximizaram a importância da cultura cafeeira, assim como o fez Robert Ave-Lallemant, em seu livro Viagem pelo norte do Brasil, ao falar da importância comercial da Colônia Leopoldina. [...] Quase não se poderia compreender, como uma localidade costeira tão isolada [o autor referia-se à Caravelas], possa alimentar tão grande atividade comercial, se duas empresas coloniais, se sobretudo e muito especialmente a Colônia Leopoldina, [...] não operassem aí. [...] A algumas milhas Peruípe acima, fica a já citada Colônia Leopoldina, se é que merece o nome de colônia uma rica zona agrícola que produz grande quantidade de café, até 80.000 arrobas por ano.54 Ora, um lugar que assume para si a função de pujante produtor de café externaliza este papel na organização de suas relações sociais, de seus espaços, na construção de suas casas, “[...] O aspecto do comércio era um aspecto ainda, do tipo assim, talvez colonial, europeu. Porque aqui tinha poucas casas, mas as casas aqui eram uns prédios, eram uns prédios assim, prédios tipo alto, tinha um porão embaixo, certo?”55 Quando o senhor Manoel Peixoto chegou a Helvécia, ele encontrou na arquitetura daquele lugar a memória da produção cafeeira e dos colonos estrangeiros que ali viveram. As casas cumpriam não só o papel de abrigo, eram também usadas para a estocagem de café, “[...] aqui tinha, eu lembro de três prédios, mas tem umas casas grandes com aspecto mais ou menos de um prédio, então, parece que o porão ali embaixo era para secagem de café, cultivava aqui na região toda, café”.56 54 Robert Avé-Lallemant. Viagem pelo norte do Brasil no ano de 1859. 1º volume. Trad. Eduardo de Lima Castro Rio de Janeiro: Instituto Nacional do livro, Ministério da Educação e Cultura, 1961, p.150- 151. Coleção de obras raras VII. 55 Entrevista concedida à autora pelo sr. Manoel Peixoto em 14 ago. 2007. 56 Entrevista concedida à autora pelo sr. Manoel Peixoto em 14 ago. 2007.
  • 43. 43 Na adequação do Plano de Desenvolvimento Urbano (PDU) 2004, faz-se menção à existência de um prédio associado à função de estocagem de produtos. Este imóvel é apresentado como se fosse um antigo armazém, Imóvel localizado à rua Caravelas, hoje utilizado como Clube Social, tem grande probabilidade de ter sido o principal armazém para estocagem de produtos agrícolas a serem embarcados para o litoral, em virtude de suas dimensões e de sua localização. Este é o edifício mais próximo do início do declive do caminho que leva ao porto.57 Podemos observar nesta informação a indicação de que já no período da Colônia Leopoldina as riquezas produzidas naquele lugar também escoavam, através do porto Santa Luzia, localizado a 23 km de Helvécia,58 para outros lugares, outros terras, outras pessoas. Além de lembrar a arquitetura e os aspectos econômicos do distrito de Helvécia, o senhor Manoel Peixoto fez algumas afirmações e indagações a respeito do passado daquele lugar. Assim, ao falar de Helvécia, nos convidou a ver a formação da Colônia Leopoldina.59 Na formação desta colônia estiveram presentes pessoas de nacionalidades hamburguesa e suíça. Além desses povos, segundo o documento apresentado a seguir, indivíduos de outras nacionalidades também vieram viver naquelas terras. Ilmo. Senhor Doutor Juiz de Direito As plantações, que existem no lugar chamado Colônia Leopoldina e que pertencem a estrangeiros, nas quais se cultiva o café em braços de escravos, são as que enumero abaixo: Banda do Norte do Rio Peruípe Fernando Krunde, prussiano Gustavo e Constancio Jattaros, suissos Defunto Abrão Vouga, suisso Henrique Borrel, suisso [...] Madame Jeoffroi, franceza Felippe Moers, hanoverano Ernesto e Francisco Krull, hanovereanos Banda do Sul do Rio Peruípe [...] 57 Adequação do PDU 2004 Nova Viçosa, p. 67. Acervo SEPLAN – CAR, CAB, Salvador. 58 Adequação do PDU 2004 Nova Viçosa, p. 79. Acervo SEPLAN – CAR, CAB, Salvador. 59 Este nome foi dado, pelos colonos, em homenagem à imperatriz D. Leopoldina.
  • 44. 44 João Martinho Flach, suisso Defunto Augusto Coffrane, suisso Defunto Alfredo Coffrane, suisso Lambert, alemão Fora destas fazendas nomeadas tem vários sítios lavrados por índios e outras pessoas com suas próprias famílias, mas que são tão pequenos que não merecem nem podem ser lembrados aqui, como o dono muda de instante em instante, e as propriedades brasileiras já por fim não entram nesta enumeração. João Conrado Lang Doutor em Philos e Medicina60 Acredito que agora seja possível alcançar o sentido relativo a uma das declarações do senhor Manoel Peixoto: Porque aqui fazia parte da Colônia Leopoldina, né? Colônia Leopoldina era dividida em glebas, em sesmarias, que cada uma delas pertencia a europeus, entendeu?61 Em relação ao documento assinado por João Conrado Lang, apresento o nome de João Martinho Flach em negrito porque a ele pertencia a fazenda denominada Helvetia, em razão da origem suíça de seu proprietário. A respeito dos nomes dados às fazendas, Avé-Lallemant disse O número dessas fazendas, pequenas e grandes, que prosperam com o trabalho escravo, pode montar a 40 ou 50. Seus nomes são na maioria ecos da pátria ou recordações de família do seu proprietário; encontramos entre esses nomes uma Germânia, Melusina, Helvetia, Wilhelmsee, Karlsruhe, Grutls etc., e, entre os proprietários, nomes alemães, franceses e brasileiros, que têm sobretudo ainda a peculiaridade de dividir seus proprietários em grupos dissidentes, tendo-se, em Leopoldina, de ser ou Flach ou Maulas, se não se quiser ser atenazado por ambos os partidos.62 A fazenda Helvetia, segundo falas de membros da comunidade de Helvécia, era produtora de café e uma das maiores e mais organizadas da região. Essa importância também se deixou ver na afirmação de Avé-Lallemant a respeito do poder exercido na Colônia Leopoldina pelos Flach. Talvez o senhor Manoel Peixoto estivesse se referindo a este saber quando, mesmo proferindo não ter certeza, disse ser a Colônia Leopoldina ocupada por “[...] Europeus de nacionalidade diferente e aqui parecia, eu não tenho muita certeza, que era parte de onde cabia aos suíços, 60 Arquivo Público do Estado da Bahia, Colonos e Colônias, maço 4607, Salvador (grifo da autora). 61 Entrevista concedida à autora pelo sr. Manoel Peixoto em 14 ago. 2007. 62 Robert Avé-Lallemant, op. cit., p. 151.
  • 45. 45 aos suíços”.63 Leio essa repetição final como uma espécie de comprovação daquilo que o narrador, a princípio, apresentou como incerteza. Interessa-me agora ressaltar algumas pistas fornecidas pelo documento direcionado ao Ilmo. Senhor Doutor Juiz de Direito. Fica visível, nesta fonte, a existência de pessoas vindas de diferentes lugares da Europa, o que nos sugere, por um lado, uma composição social na Colônia Leopoldina um tanto quanto matizada, diversificada e européia; por outro, o documento esclarece que nessas propriedades a mão-de-obra utilizada era escrava, o que estrangeiriza ainda mais aquele espaço. Tal interpretação fica mais fortalecida se fizermos o cruzamento dessas informações com os dados apresentados anteriormente (cf. tabela 1), em que se pode notar que a Colônia Leopoldina cumpriria, em meados do século XIX, a função de produtora de café voltada para a exportação. O documento, ao se referir à vocação da Colônia Leopoldina como uma área de produção que fazia uso da mão-de-obra escrava, mostrou-a em consonância com o modelo econômico escravista típico do Brasil no período.64 Havia ali, então, o desenvolvimento de uma atividade que atendia aos interesses da política de exportação imperial, qual seja a produção cafeeira. Entendendo-se que tal produção ficava a cargo dos escravos, é curioso observar seu significativo aumento no ano de 1853. Este crescimento foi da ordem de 7.345 sacas, entre os anos de 1851 a 1853, ou seja, um incremento de aproximadamente 43% na produção. A curiosidade a qual me refiro diz respeito ao fato de que em 1853 já se haviam passado três anos da implantação da lei que proibia o tráfico de escravos para o Brasil, estabelecida em 1850, e ainda assim tivemos na Colônia Leopoldina o crescimento da produção de café, que a princípio estaria associada à utilização da mão-de-obra escrava. O dado pode indicar que além do tráfico inter-regional e do contrabando de escravos que passaram a existir após a proibição estabelecida pela lei Euzébio de Queiróz, a mão-de-obra de outras pessoas, livres e/ou libertos, pode ter sido utilizada pelos proprietários estrangeiros da Colônia Leopoldina para tocar seus empreendimentos. Ainda neste sentido, gostaria de chamar a atenção para a informação que se encontra no último parágrafo do documento assinado por João Lang, que oferece 63 Entrevista concedida à autora pelo sr. Manoel Peixoto em 14 ago. 2007. 64 Apesar da existência de pressões inglesas em sentido contrário.
  • 46. 46 informações a respeito de outros personagens que também tinham seu lugar nesta história, mesmo que, segundo o seu redator, não fossem “dignos” de ser nomeados. Fora destas fazendas nomeadas tem vários sítios lavrados por índios e outras pessoas com suas próprias famílias, mas que são tão pequenos que não merecem nem podem ser lembrados aqui, como o dono muda de instante em instante, e as propriedades brasileiras já por fim não entram nesta enumeração. João Conrado Lang Doutor em Philos e Medicina65 A alusão à existência de vários sítios que não utilizavam a mão-de-obra escrava, e que são lavrados por índios e outras pessoas com suas próprias famílias, pode a meu ver indicar a coexistência de outras formas de mão-de-obra naquele lugar. Ao dizer que estes não merecem, nem podem ser relacionados em razão de serem pequenos, vários e de proprietários que mudam constantemente, invizibilizando, portanto, sua identidade nominal, Lang acaba por nos dar uma pista de que, para além da cafeicultura, havia ali, entre as bandas Norte e Sul do rio Peruípe, diversos sítios que não engrossavam a produção de café e diversas pessoas que não se adequavam ao perfil de estrangeiros “grandes e médios proprietários” de terra. É provável que nestes sítios se desse uma produção de alimentos voltada para a subsistência daqueles que viviam naquele lugar. Também é possível que esta produção fosse construída em outro ritmo, bem diferente do da cafeeira, pois além de essas propriedades serem pequenas, a mão-de-obra utilizada não era escrava, sugerindo a existência de diferentes normas e ritmos de trabalho. Lyra66 registra que além do café havia na Colônia Leopoldina o cultivo de uma série de produtos voltados para atender às necessidades do consumo interno, com destaque para frutas, entre as quais o abacaxi, a jaca, a laranja, a manga e a banana. Praticava-se também o cultivo de fruta-pão, cana-de-açúcar, algodão, fumo, milho, mandioca e legumes diversos. O autor não esclarece se esta produção variada se dava nas propriedades dos estrangeiros e/ou nos pequenos sítios que João Lang faz referência. Outra fala oficial se recusa a ver a existência de diferentes formas de propriedade na Colônia Leopoldina. É como se a “pujança” do café não deixasse ver 65 Arquivo Público do Estado da Bahia, Colonos e Colônias, maço 4607, Salvador (grifo da autora). 66 Henrique Jorge Buckingham Lyra, op. cit., p. 27.