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- Colégio de São Gonçalo
                               - 12º ano
                               - Prof. António Costa




      MENSAGEM
(intertextualidade com Os Lusíadas)
         notas para o estudo


    Camões / F. Pessoa
MODERNISMO- contextualização

F. Pessoa
• apercebeu-se da crise (valores, fé) que marcava o
   pensamento europeu do séc. XX;
• Põe em causa a tradição cultural da civilização
   ocidental (religião, ciência, arte, política).
• Contesta a moral enraizada em princípios
   maniqueístas.
• vê na religião o factor que motiva o atraso
   civilizacional por ela atrofiar as capacidades
   intelectuais e críticas do indivíduo.
• Acredita que a ciência não é a solução, apesar do
   domínio da técnica, e que persiste a ansiedade
   metafísica.
MODERNISMO
    MODERNISMO: «a arte de ruptura»
•   Na arte, Pessoa defende a teoria do fingimento:
    o homem sente de uma forma convencional, condicionado por vários imperativos
    sociais. Assim…
                    “O poeta é um fingidor
                    Finge tão completamente
                    Que chega a fingir que é dor
                    A dor que deveras sente” Autopsicografia

•   A expressão do sentimento constitui-se como uma forma de mentira.

•   Em 1913, Pessoa implementa os «ismos» de vanguarda – primeira tentativa de
    salvar o estado de decrepitude das letras nacionais:
          - urgência em destruir as concepções tradicionais;
          - agitar a nação;
          - propor a literatura como forma de transformação social;
          - renovar a mentalidade saudosista da época;
          - chocar para mudar.
•   Em 1915, abandona atitude inicial; considera que a poesia deve dar conta do
    «doloroso enigma da vida».
MODERNISMO
• Acredita que um novo ciclo deveria ser inaugurado na
  história da literatura portuguesa.
• Os lusitanos teriam um papel de relevo nessa nova
  era civilizacional.
• Considera que a arte portuguesa deve ser…
  “maximamente desnacionalizada”, para ser moderna.
• Sonha com a criação de um novo mundo (como no
  séc. XVI), através de novas formas de percepção e
  análise da realidade.

• Mais do que combater o Saudosismo, Pessoa
  propunha a dissolução de Portugal…
  só das cinzas poderíamos renascer da catástrofe
  provocada pela derrota de Alcácer Quibir (perda da
  identidade nacional)
MODERNISMO
• O atraso de mentalidades e a estagnação chocante do país deprimia-o e
  motivava o seu isolamento.

• Procurou nessa decadência da pátria o ponto de partida para se produzir
  um renascimento, uma renovação e revolução culturais.

• A heteronímia e a consequente destruição da unidade do «eu» na escrita
  é o ponto de partida.

• O projecto realiza-se na Mensagem: canto de apelo à vontade os
  portugueses para se realizar a mudança radical (forma de ser e de estar).

• Pessoa anuncia-se como o profeta de uma nova era, preconizando o
  advento de um super-homem que promoveria o reencontro dos
  elementos integrantes da nossa personalidade colectiva.

• Assim, a «desnacionalização» é a forma de nos redescobrirmos.

• A regeneração do homem português e de Portugal seria o início de uma
  nova existência.
Poema sobre Salazar - Fernando Pessoa mostra-se avesso a políticas de autoritarismo totalitário.

António de Oliveira Salazar                      Bebe a verdade
Três nomes em sequência regular…                 E a Liberdade.
António é António.                               E com tal agrado
Oliveira é uma árvore.                           Que já começam
Salazar é só apelido.                            A escassear no mercado.
Até aí está bem.
O que não faz sentido                            Coitadinho
É o sentido que tudo isto tem.                   Do tiraninho!
                                                 O meu vizinho
Este senhor Salazar                              Está na Guiné
É feito de sal e azar.                           E o meu padrinho
Se um dia chove,                                 No Limoeiro
A água dissolve o sal,                           Aqui ao pé.
E sob o céu                                      Mas ninguém sabe porquê.
Fica só azar, é natural.
                                                 Mas enfim é
Oh, c’os diabos!                                 Certo e certeiro
Parece que já choveu…                            Que isto consola
                                                 E nos dá fé:
Coitadinho                                       Que o coitadinho
Do tiraninho!                                    Do tiraninho
Não bebe vinho.                                  Não bebe vinho,
Nem sequer sozinho…                              Nem até
                                                 Café
MENSAGEM
• A intenção do poeta:
  - não é cantar os feitos gloriosos dos antepassados portugueses
  (Camões);
  - é apresentar a ideia grandiosa que está subjacente à realização dos
  acontecimentos que engrandeceram a História nacional ;

• A essência da obra:
  “E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não
  existe no espaço, em naus que são construídas daquilo de que os sonhos
  são feitos.” (in, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação)

• Para actuar enquanto espécie (“Humanidade” F. P.), é necessário saber
  ser indivíduo. Assim, Pessoa propõe uma aliança entre:
        a concepção renascentista do Homem e
        a descoberta romântica do “eu”,
  isto é, a simbiose entre duas realidades materiais numa que não é
  material – a Nação.
MENSAGEM
   “Há três realidades sociais:
   o Indivíduo, a Nação, a Humanidade. Tudo o mais é fictício (…).”

   “O Indivíduo é a realidade suprema porque tem um contorno
   material e mental – é um corpo e uma alma vivas.”

   “O Indivíduo e a Humanidade são lugares, a Nação é o caminho
   entre eles.” F. Pessoa
   Nação = um caminho, um veículo para o futuro Super-Portugal:
        “A nação é a escola presente para a Super-Nação futura…”

• Para Pessoa, importa acreditar na força propulsora, cujo dinamismo
  é a própria natureza humana, que se projecta sempre que existe um
  ideal:
        “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.” (Mensagem, O Infante)
• Pessoa encontra essa força no grande mito nacional - o Sebastianismo
MENSAGEM – inquérito ao poeta
• Pergunta: “Que pensa da nossa crise, dos seus aspectos –
  político, moral e intelectual?”
•   Resposta: No seu sentido superior e profundo, a desvalorização internacional da
    nação portuguesa deriva de três factores conjugados (da acção conjugada de três
    factores) — a incultura, geral como profissional, do indivíduo português e
    sobretudo do indivíduo das classes médias; a deficiência de propaganda de
    Portugal no estrangeiro; e a ausência de consciência superior da nacionalidade.
    (…) A causa fundamental, não há dúvida, é a longa decadência em que entrámos
    desde o fim da dinastia de Avis. Por decairmos, decaíram paralelamente o
    indivíduo português e o Estado Português, administrado por esses indivíduos. E,
    decaindo o indivíduo e o Estado, deixou de haver uma consciência superior da
    nacionalidade e dos fins nacionais, (…) e deixou de haver a precisa propaganda de
    Portugal no estrangeiro, (…) falho o orgulho nacional, havia quem,
    individualmente, se ocupasse em o erguer ante o estrangeiro. (…)
    O nosso homem das classes médias — e as classes médias são o esteio de um país
    — é mal culto, ignorante, profissionalmente instintivo ou atado (profissionalmente
    no comércio); a propaganda da nossa terra é descurada pelo estado, absorvido por
    políticos, pelos indivíduos, desnacionalizados e inertes, para tudo quanto não seja
    os seus baixos interesses ou os interesses superiores da sua política inferior; e a
    invasão das ideias estrangeiras, (…) privou-nos de podermos criar, não já um
    orgulho nacional, mas uma simples consciência superior da nossa nacionalidade .
MENSAGEM – inquérito ao poeta

• Pergunta: “Sim ou não o moral da Nação pode ser levantado por uma
  intensa propaganda, pelo jornal, pela revista e pelo livro, de forma a
  criar uma mentalidade colectiva capaz de impor aos políticos uma
  política de grandeza nacional? (…)”


•   Resposta: “Há só uma espécie de propaganda com que se pode levantar o
    moral de uma nação — a construção ou renovação e a difusão consequente e
    multímoda de um grande mito nacional. (…) O mundo conduz-se por mentiras;
    quem quiser despertá-lo ou conduzi-lo terá que mentir-lhe delirantemente, e
    fá-lo-á com tanto mais êxito quanto mais mentir a si mesmo e se compenetrar
    da verdade da mentira que criou.
    Temos, felizmente, o mito sebastianista, com raízes profundas no passado e na
    alma portuguesa. Nosso trabalho é pois mais fácil; não temos que criar um
    mito, senão que renová-lo. Comecemos por nos embebedar desse sonho, por o
    integrar em nós, por o encarnar. (…) Então se dará na alma da Nação o
    fenómeno imprevisível de onde nascerão as Novas Descobertas, a Criação do
    Mundo Novo, o Quinto Império. Terá regressado El-Rei D. Sebastião.”
MENSAGEM                         – teorização do poeta

• “O meu intenso sofrimento patriótico, o meu intenso desejo de melhorar
  o estado de Portugal, provocam em mim — como exprimir com que ardor,
  com que intensidade, com que sinceridade !— mil projectos que mesmo
  se realizáveis por um só homem, exigiriam dele uma característica
  puramente negativa em mim — força de vontade. (…)
  E, depois, incompreendido. Ninguém suspeita do meu amor patriótico,
  mais intenso do que o de todos aqueles a quem encontro ou conheço. “
                                           Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação
• Intertextualidade Camões/Pessoa:
    “…As cousas árduas e lustrosas,
    Se alcançam com trabalho e com fadiga;
    Faz as pessoas altas e famosas
    A vida que se perde e que periga,
    Que, quando ao medo infame não se rende,
    Então, se menos dura, mais se estende.” (Camões, Os Lusíadas, IV, 78)

   “…Só aquilo que vale a pena custa e dói. Bendita a dor e a pena pelas
   quais o Mundo se transforma.”
                                          Fernando Pessoa, Ultimatum e Páginas de Socioogia Política
MENSAGEM – o sonho do poeta
• Mensagem é…
• O canto de um passado histórico que se transforma num
  mito, para que possamos reinventar o futuro
  - ultrapassar as várias fases de um percurso iniciático (a
  «escola»)
  - objectivo: atingir o renascimento do homem português
  enquanto ser espiritual.

• A conquista sonhada
  - a identidade perdida reencontrar-se-ia e traria consigo…
              - o Rei (arquétipo de Pai)
              - o Espaço (arquétipo de Mãe)


             a nova PÁTRIA.
MENSAGEM – a génese

• Único livro publicado em vida;
• Motivo: foi o único livro que ele conseguiu completar;
• Em carta de 1932, o poeta atesta a intenção de publicar
  primeiro Portugal (primeiro título de Mensagem) e só depois
  O Livro do Desassossego e a poesia dos heterónimos;
• A palavra Mensagem começa, desde logo, por explorar os
  domínios do simbólico e do mistério – divide-se em três Mens
  agitat Molem (a mente move a matéria); Pessoa acha-a mais
  apropriada do que Portugal (ver acetato);
• Um mês depois da sua publicação, o livro foi premiado pelo
  S. P. N., com um 2º prémio (com o mesmo valor pecuniário do
  1º);
• Mensagem é, para Pessoa, o primeiro passo, na direcção de
  um outro futuro.
MENSAGEM – a génese

• “o pequeno livro de poemas” é um livro de orações pagãs;
• Contém um plano cheio de heróis que abandonam a carne e o
  osso em favor do símbolo;
• É um livro fácil de ler, mas difícil de compreender;
• exige a análise e a reflexão;
• Não tem o lirismo inocente de Camões, nem o tom cristão e
  pacífico dos sermões de Vieira;
• É um mega poema de exaltação nacionalista;
• Se Pessoa fala de figuras, é para depois as tornar em símbolo;
• Se fala em eventos, é para depois os tirar do tempo,
  reduzindo-os a uma parte de um destino maior;
• Tudo em torno de uma Índia que não existe ainda,
  embarcando tudo o que o sonho humano permite.
MENSAGEM - ESTRUTURA




• Características gerais
• Estrutura: externa e interna

             (ver manual Plural, Lisboa Editora: páginas 141)
Mensagem - análise

• Abertura: “Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum”

         elocução em latim, com profundos significados herméticos1,
         nomeadamente Rosa-crucianos2.
•   Tradução: “Bendito sejas Deus nosso Senhor, que nos deu o verbo” ou
    “…deu o sinal”.
•   Assim, na abertura, FP diz ao leitor, de maneira velada, que Mensagem é
    uma obra de símbolos.
•   Para FP, Jesus Cristo (“nosso Senhor”) é o maior símbolo: Jesus é logos, o
    intermediário intelectual, entre a misteriosa vontade do Deus criador e o
    alcance humano da razão.
•   Este símbolo magno antecipa, pois, todos os outros símbolos (humanos)

• FP revela grande interesse de no ocultismo e na Cabala3 (episódio com
    Aleisteir Crowley)
Mensagem - análise

• A divisão do poema em 3 partes não é inocente: na tradição
  cabalística, o nº 3 representa a transformação e unificação de
  polaridades opostas, onde o espiritual governa o físico e a
  mente governa a matéria.
• (nº 3 na Bíblia: trindade; criação do mundo: 3 dias para criar o
  Céu e a Terra; + 3 dias para os povoar)
• “Brasão”:
       - representa em símbolo a nobreza do povo português,
       na sua essência primordial;
       - é críptico em si mesmo, uma representação em
       símbolos e cores, para identificar indivíduos, famílias,
       actos de nobreza e heroísmo (acetato);
       - FP quer, desde logo, fixar hermeticamente (falando da
       conquista do território), para depois dissolver e sublimar.
Brasão de Portugal
Mensagem - análise

• A 1ª parte de Mensagem

• “Bellum sine bello” = “guerra sem guerrear”

       a parte que se mantém sempre eterna, como nobreza e
       carácter.

• Tem 19 poemas (1+9=10=1+0=1, a unidade, o início)

• Dedicada ao tema da filosofia/religião cristã;
• Subtítulo “Os Campos” = os terrenos simbólicos onde a luta se
  inicia, pelas “Quinas”, título do poema segundo da primeira
  parte: “O Das Quinas”
Mensagem - análise

• “Os Castelos”: significado apenas heráldico ou tb simbólico?

  - em Castelos, são expostas as bases fundadoras da nação;
  - é a parte II de Campos (função dos castelos na IM…)
  - serão para FP as figuras fortes, maciças, em cujos feitos se
  baseiam todas as outras;
  - serão pois sinónimo de “Fortalezas”, “Bases Seguras”;
  - 7 Castelos: soma do ternário (Céu), como quaternário (Terra)
  = totalidade do universo criado;
  - Bíblia: Deus precisou de 7 dias para criar o mundo;
  - a importância do mito: FP inicia “Os Castelos” com Ulisses
  = as coisas morrem e em essência, em mito se renovam,
  renascem.
Mensagem – vocabulário
•   1Hermetismo    é o estudo e prática da filosofia oculta e da magia associados a
    escritos atribuídos a Hermes Trismegisto, "Hermes Três-Vezes-Grande", uma
    deidade sincrética que combina aspectos do deus grego Hermes e do deus
    egípcio Thoth. Estas crenças tiveram influência na sabedoria oculta europeia…
•   Leis herméticas
    São sete as principais leis herméticas, estas baseiam-se nos princípios incluídos no livro "O Caibalion" que
    reúne os ensinamentos básicos da Lei que rege todas as coisas manifestadas. A palavra Caibalion seria um
    derivado grego da mesma raíz da palavra Cabala, que em hebraico significa "recepção".

Lei do Mentalismo
     "O Todo é Mente; o Universo é mental."
Lei da Correspondência
     "O que está em cima é como o que está em baixo. E o que está em baixo é como o que está em cima"
Lei da Vibração
     "Nada está parado, tudo se move, tudo vibra".
Lei da Polaridade
     "Tudo é duplo, tudo tem dois pólos, tudo tem o seu oposto. O igual e o desigual são a mesma coisa. Os
     extremos tocam-se . Todas as verdades são meias-verdades. Todos os paradoxos podem ser reconciliados"
Lei do Ritmo
     "Tudo tem fluxo e refluxo, tudo tem as suas marés, tudo sobe e desce, o ritmo é a compensação".
Lei do Género
     "O Género está em tudo: tudo tem os seus princípios Masculino e Feminino, o género se manifesta em
     todos os planos da criação".
Lei de Causa e Efeito
     "Toda causa tem seu efeito, todo o efeito tem sua causa, existem muitos planos de causalidade mas
     nenhum escapa à Lei".
Mensagem - vocabulário


• 2Rosa-cruz (Rosacruz ou Rosacrucianismo)
  refere-se a diversas organizações místicas e esotéricas,
  normalmente denominadas fraternidades ou Ordens, que se
  reinvindicam herdeiras de tradições antigas e que usam
  rituais associados à Franco-maçonaria.

• A Ordem Rosacruz foi fundada, segundo certas lendas, por
  Christian Rosenkreuz, peregrino do século XV. Alguns
  historiadores apontam, contudo, a sua origem num grupo de
  protestantes alemães, em 1604 ou 1605.
Mensagem - vocabulário


•   3"Cabala“:é uma doutrina esotérica que visa conhecer a
    Deus e o Universo, sendo afirmado que nos chegou como
    uma revelação para eleger santos de um passado remoto, e
    reservada apenas a alguns privilegiados.

• Grande parte das formas de Cabala ensinam que cada letra,
  palavra, número, e acento da Escritura contêm um sentido
  escondido e ensina os métodos de interpretação para
  verificar esses significados ocultos.

• Desde o final do século XIX, com o crescimento do estudo
  da cultura dos Judeus, a Cabala também tem sido estudada
  como um elevado sistema racional de compreensão do
  mundo, mais que um sistema místico.
Os Lusíadas / Mensagem
• Relação Intertextual:

                Os Lusíadas                                Mensagem

   Canto I, est. 6, 7, 16. 17                  D. Sebastião, Rei de Portugal
   Canto III, est. 6,17, 20, 21                O dos Castelos
   Canto III, est. 96, 97, 98                  D. Dinis
   Canto V, est. 1-4; 12-14                    O Infante
   Canto V, est. 37; 39-43                     O Mostrengo
   Canto IX, est. 51, 52; 64, 65; 68, 70-72;   Horizonte
             83, 84; 91
   Canto X, est. 145                           Nevoeiro
INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem

6

"Entre a Zona que o Cancro senhoreia,
Meta setentrional do Sol luzente,
E aquela que por fria se arreceia                           O DOS CASTELOS
Tanto, como a do meio por ardente,
Jaz a soberba Europa, a quem rodeia,
Pela parte do Areturo, e do Ocidente,
Com suas salsas ondas o Oceano,                             A Europa jaz, posta nos cotovelos:
E pela Austral o mar Mediterrano.
17
                                                            De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
"Eis aqui se descobre a nobre Espanha,                      E toldam-lhe românticos cabelos
Como cabeça ali de Europa toda,
Em cujo senhorio o glória estranha
Muitas voltas tem dado a fatal roda;
                                                            Olhos gregos, lembrando.
Mas nunca poderá, com força ou manha,
A fortuna inquieta pôr-lhe noda,
Que lhe não tire o esforço e ousadia                        O cotovelo esquerdo é recuado;
Dos belicosos peitos que em si cria.
20                                                          O direito é em ângulo disposto.
"Eis aqui, quase cume da cabeça
De Europa toda, o Reino Lusitano,                           Aquele diz Itália onde é pousado;
Onde a terra se acaba e o mar começa,
E onde Febo repousa no Oceano.                              Este diz Inglaterra onde, afastado,
Este quis o Céu justo que floresça                          A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fora, e lá na ardente
África estar quieto o não consente.
21
                                                            Fita, com olhar sphyngico e fatal,
"Esta é a ditosa pátria minha amada,                        O Ocidente, futuro do passado.
A qual se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
Esta foi Lusitânia, derivada
De Luso, ou Lisa, que de Baco antigo
                                                            O rosto com que fita é Portugal.
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela então os Íncolas primeiros.                                                      F. Pessoa, Mensagem, I-I, 1
                                   Os Lusíadas, canto III
Comentário:

O poema é uma descrição do mapa da Europa que Pessoa
assemelha a uma mulher reclinada.
Compare-se com o trecho d' Os Lusíadas (canto III, est. 6-21).
O Campo dos castelos representa a materialidade (ver "O das Quinas").

"olhos gregos, lembrando"- lembrando a herança cultural da Europa
que Pessoa remontava à Grécia Antiga.
"olhar sphyngico e fatal"- olhar enigmático (imperscutável) e (mas)
pré-destinado. Note-se que, por fidelidade, foi mantida a ortografia
original o que permite, também, conservar a métrica que seria
alterada pela grafia "esfíngico" em vez de “sphyngico". Ao que
parece, Fernando Pessoa favorecia a ortografia clássica por razões
de estilo, mas também de elitismo.
"o Ocidente, futuro do passado"- o Mar, onde a Europa se lançou,
através de Portugal, na grande Idade das Descobertas com a qual
traçou o seu próprio futuro (o actual e, pensa Pessoa, também o
futuro a haver).
Em análise:

    Superficialmente, numa primeira leitura, trata-se de um poema “geográfico”, mero exercício comparativo
    do mapa físico da Europa com a figura de uma pessoa.
    “A Europa jaz, posta nos cotovelos: / De Oriente a Ocidente jaz, fitando, / E toldam-lhe românticos cabelos /
    Olhos gregos, lembrando .” . Nada de extraordinário até aqui. Os fiordes escandinavos realmente parecem
    uma cabeleira vasta.

    “O cotovelo esquerdo é recuado; / O direito é em ângulo disposto. / Aquele diz Itália onde é pousado; / Este
    diz Inglaterra onde, afastado, / A mão sustenta, em que se apoia o rosto”. Ainda sem maior interesse. Dir-
    se-ia — e aí precisamente mora o perigo — um poema vulgar. Se conferirmos no mapa da Europa — é
    assim mesmo: os acidentes Itália e Inglaterra são como que os cotovelos de uma jovem.
    “Fita, com olhar sphyngico e fatal, / Occidente, futuro do passado.” Aqui, as ideias já começam a
    “complexificar-se”.
    O poeta anuncia algo de grandioso: “Fita, com olhar sphyngico e fatal,/ O Occidente, futuro do passado.”

    Finalmente: “O rosto com que fita é Portugal.”

    “Feche o livro, caro leitor, respire fundo e contemple o Infante preparando as navegações daquela nesga
    minúscula, simplório enclave geográfico no mapa d’Espanha... — quanta glória!!! Ah, meu Deus, quanta
    glória em 7 (sete, misticamente sete — dizem que Mensagem é uma mensagem misticamente cifrada;
    parece que é!), sete palavras apenas para tamanha grandiosidade. Os lusos, Os Lusíadas (…) contidos nesta
    frase perfeita: “O rosto com que fita é Portugal.”! Disse Pessoa a frase perfeita. Veja o caro leitor se tenho
    razão em chamá-la perfeita. O rosto — de quem, o rosto? — do mapa anteriormente descrito, o rosto da
    Europa, símbolo então de toda a civilização ocidental, o rosto da Humanidade, o rosto de Deus? Quem,
    afinal, fita o mundo?! Agora percebemos que a estrofe anterior — o olhar sphyngico — era terreno
    preparatório (…) para o grande final (…), onde fitar não é simplesmente sinónimo de olhar. Portugal, no
    extremo (ou no início!) do mapa e no extremo do verso, FUNDA o mundo e o domina! E na ponta da lança
    dos seus guerreiros, o missal dos frades enlouquecidos, a esmagar os deuses das novas terras, em nome do
    Cristo! Quem olha, afinal? A Cruz-de-Malta?! Já não há mais tempo: eis o abismo, caia nele, de ponta!".

                                                                               Soares Feitosa, in Jornal de Poesia
INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem
96
"Eis depois vem Dinis, que bem parece
Do bravo Afonso estirpe nobre e dina,
Com quem a fama grande se escurece
Da liberalidade Alexandrina.
Com este o Reino próspero floresce
(Alcançada já a paz áurea divina)
Em constituições, leis e costumes,
Na terra já tranquila claros lumes.
97
"Fez primeiro em Coimbra exercitar-se
O valeroso ofício de Minerva;
E de Helicona as Musas fez passar-se
A pisar do Monde-o a fértil erva.                   D.DINIS
Quanto pode de Atenas desejar-se,
Tudo o soberbo Apolo aqui reserva.                  Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
Aqui as capelas dá tecidas de ouro,
Do bácaro e do sempre verde louro.                  o plantador de naus a haver,
                                                    e ouve um silêncio múrmuro consigo:
98                                                  é o rumor dos pinhais que, como um trigo
"Nobres vilas de novo edificou                      de Império, ondulam sem se poder ver.
Fortalezas, castelos mui seguros,
E quase o Reino todo reformou                       Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Com edifícios grandes, e altos muros.               busca o oceano por achar;
Mas depois que a dura Átropos cortou
O fio de seus dias já maduros,                      e a fala dos pinhais, marulho obscuro,
Ficou-lhe o filho pouco obediente,                  é o som presente desse mar futuro,
Quarto Afonso, mas forte e excelente.               é a voz da terra ansiando pelo mar.
                          Os Lusíadas, canto III                   Fernando Pessoa, Mensagem, I-II, 6
Comentário:

- No século XIII, a Europa estava desflorestada, após
  séculos de exploração selvagem das florestas primevas.
- D. Dinis levou a cabo um vasto plano de reflorestação
  através do plantio de matas reais de pinheiros bravos.
- A madeira foi depois utilizada na construção das
  caravelas das Descobertas; ela é o tema deste belo
  oitavo poema da Mensagem.

  "Cantar de Amigo"- poema medieval, cantado pelos
  trovadores. D. Dinis escreveu vários destes cantares.
  "silêncio múrmuro"- silêncio murmurante.
  "arroio"- riacho; "marulho"- som do mar.
INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem

6                                              17
E vós, ó bem nascida segurança                 Em vós se vêm da olímpica morada
Da Lusitana antígua liberdade,                 Dos dois avós as almas cá famosas,
E não menos certíssima esperança               Uma na paz angélica dourada,
De aumento da pequena Cristandade;
Vós, ó novo temor da Maura lança,              Outra pelas batalhas sanguinosas;
Maravilha fatal da nossa idade,                Em vós esperam ver-se renovada
Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,      Sua memória e obras valerosas;
Para do mundo a Deus dar parte grande;         E lá vos tem lugar, no fim da idade,
                                               No templo da suprema Eternidade.
7                                                                                     Os Lusíadas, canto I
Vós, tenro e novo ramo florescente
De uma árvore de Cristo mais amada
Que nenhuma nascida no Ocidente,                    D.SEBASTIÃO REI DE PORTUGAL
Cesárea ou Cristianíssima chamada;
(Vede-o no vosso escudo, que presente               Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Vos amostra a vitória já passada,                   Qual a Sorte a não dá.
Na qual vos deu por armas, e deixou
As que Ele para si na Cruz tomou)                   Não coube em mim minha certeza;
16                                                  Por isso onde o areal está
Em vós os olhos tem o Mouro frio,                   Ficou meu ser que houve, não o que há.
Em quem vê seu exício afigurado;
Só com vos ver o bárbaro Gentio
Mostra o pescoço ao jugo já inclinado;              Minha loucura, outros que me a tomem
Tethys todo o cerúleo senhorio
Tem para vós por dote aparelhado;                   Com o que nela ia.
Que afeiçoada ao gesto belo e tenro,                Sem a loucura que é o homem
Deseja de comprar-vos para genro.
                                                    Mais que a besta sadia,
                                                    Cadáver adiado que procria?
                                                                                      F. Pessoa, Mensagem, I-III, 5
Os Lusíadas, canto I

• Na Dedicatória: Camões dedica a sua obra ao rei D. Sebastião.
• O tom é laudatório: Camões faz o enaltecimento do jovem rei.
  “Vós, poderoso Rei, cujo alto Império
  O Sol, logo em nascendo, vê primeiro”
• Para Camões:
       - o rei é garantia da independência do país;
       - é a quem cabe uma missão, no cumprimento da vontade de Deus:
       alargar a fé cristã.
          “E vós, (…)
          E não menos certíssima esperança
          De aumento da pequena Cristandade;
          (…)
          Maravilha fatal da nossa idade,
          Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,
          Para do mundo a Deus dar parte grande.”
• O mito sebastianista:
       - surge após a perda da independência em 4/8/1578;
       - tem um fundo messiânico, expressão da tentativa desesperada de
       reconquista da identidade perdida e da restauração da
       nacionalidade.
D.SEBASTIÃO REI DE PORTUGAL, Mensagem

•   Localização do poema “D. Sebastião, Rei de Portugal”: I, III - Quinas, 5ª

•   Fernando Pessoa, na “Mensagem”:
         - evoca o mito sebastianista, apresentando o rei como “O Desejado”;
         - cumpre a aglutinação mítica que se encontra na origem do mito português,
         como “O Encoberto”.

•   D. Sebastião: surge como a figura arquetipal do esforço e da grandeza do herói
    português.

•   “loucura”: adquire uma conotação positiva e associa-se à capacidade de sonhar e à
    esperança que caracterizam o herói – aquele que é capaz de superar a «besta».

•   O sujeito poético:
                    - a sua voz identifica-se com a voz de D. Sebastião;
                    - dirige um apelo aos portugueses, estabelecendo a união entre o
          passado e o presente da nossa história:
                               “Minha loucura, outros que me a tomem
                               Com o que ela ia.”
D.SEBASTIÃO REI DE PORTUGAL, Mensagem


• Para F. Pessoa: o homem do séc. XX deveria…
        - deixar-se impregnar pela essência do mito sebastianista;
        - conceber a “loucura” de D. Sebastião como o sonho que permitiria
        a renovação do país e a construção de um futuro promissor, isto é, o
        renascimento de Portugal.

   “O génio, o crime e a loucura, provêm, por igual, de uma
   anormalidade; representam, de diferentes maneiras, uma
   inadaptabilidade ao meio.”
                                                              Fernando Pessoa
INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem

D. JOÃO O PRIMEIRO                        37
                                          "Corre raivosa, e freme, e com bramidos
O homem e a hora são um só
Quando Deus faz e a história é feita.     Os montes Sete Irmãos atroa e abala:
O mais é carne, cujo pó                   Tal Joanne, com outros escolhidos
A terra espreita.                         Dos seus, correndo acode à primeira ala:
Mestre, sem o saber, do Templo            -"Ó fortes companheiros, ó subidos
Que Portugal foi feito ser,               Cavaleiros, a quem nenhum se iguala,
Que houveste a glória e deste o exemplo
De o defender.
                                          Defendei vossas terras, que a esperança
                                          Da liberdade está na vossa lança.”
Teu nome, eleito em sua fama,
É, na ara da nossa alma interna,
A que repele, eterna chama,               45
A sombra eterna.                          "Destas e outras vitórias longamente
D.PHILIPPA DE LENCASTRE
                                          Eram os Castelhanos oprimidos,
                                          Quando a paz, desejada já da gente,
Que enigma havia em teu seio              Deram os vencedores aos vencidos,
Que só génios concebia?
Que archanjo teus sonhos veio             Depois que quis o Padre omnipotente
Vellar, maternos, um dia?                 Dar os Reis inimigos por maridos
                                          As duas ilustríssimas Inglesas,
Volve a nós teu rosto sério,
Princeza do Santo Gral,                   Gentis, formosas, ínclitas princesas.”
Humano ventre do Império,
Madrinha de Portugal!                                        Canto IV, Os Lusíadas
D. João, o Primeiro / D. Filipa de Lencastre
D. João o Primeiro:
    "O homem e a hora são um só, quando Deus faz e a História é feita"- Fernando Pessoa
    exprime de novo a ideia de que o destino é traçado por Deus e rege inexoravelmente a
    História. Quando uma nação atinge uma encruzilhada (como Portugal em 1383) é a
    hora e os escolhidos executam os actos determinados. O homem é o papel que
    desempenhou, este é o requerido pela ocasião (pela hora), a ocasião é determinada
    pelo Destino, o Destino foi traçado por Deus. Conhecemos D. João I porque teve a sua
    hora; sem ela teria sido um obscuro mestre de uma ordem militar obscura. Sem a hora
    não teria havido o homem...
    "na ara da nossa alma interna"- no altar do nosso espírito nacional.
    "repele a sombra eterna"- repele o olvido, que seria o destino de Portugal se perdesse a
    sua identidade como nação.

D. Filipa de Lencastre:
    "Que enigma havia em teu seio que só génios concebia"- referência à chamada "ínclita
    geração" dos filhos de D. Filipa e D. João I.
    "Volve a nós teu rosto sério"- vira o teu rosto (sisudo...) e olha para nós; lembra-te de
    Portugal; reza por nós!
    "Princesa do Santo Gral"- referência ao Graal procurado pelos cavaleiros medievais das
    lendas da Távola Redonda. Existem várias versões sobre o que seria, mas a mais comum
    refere-o como a taça de onde Cristo bebera na Última Ceia e/ou que teria recolhido o
    seu sangue na Cruz. A referência deve ser interpretada como "Princesa mística" porque
    fadada por Deus para ser mãe dos principes da ínclita geração e muito particularmente
    do Infante D.Henrique; ou "Princesa da grandeza (futura) de Portugal" (o Graal era
    suposto trazer felicidade à Terra).
INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem

1                                          12
"Estas sentenças tais o velho honrado
Vociferando estava, quando abrimos         "Sempre enfim para o Austro a aguda proa
As asas ao sereno e sossegado              No grandíssimo gólfão nos metemos,
Vento, e do porto amado nos partimos.      Deixando a serra aspérrima Leoa,
E, como é já no mar costume usado,         Co'o cabo a quem das Palmas nome demos.
A vela desfraldando, o céu ferimos,
Dizendo: "Boa viagem", logo o vento        O grande rio, onde batendo soa
Nos troncos fez o usado movimento.         O mar nas praias notas que ali temos,
                                           Ficou, com a Ilha ilustre que tomou
2                                          O nome dum que o lado a Deus tocou.
"Entrava neste tempo o eterno lume
No animal Nemeio truculento,                                                         O INFANTE
E o mundo, que com tempo se consume,       13
Na sexta idade andava enfermo e lento:     "Ali o mui grande reino está de Congo,
Nela vê, como tinha por costume,                                                     Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Cursos do sol quatorze vezes cento,        Por nós já convertido à fé de Cristo,     Deus quis que a terra fosse toda uma,
Com mais noventa e sete, em que corria,    Por onde o Zaire passa, claro e longo,    Que o mar unisse, já não separasse.
Quando no mar a armada se estendia.        Rio pelos antigos nunca visto.            Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
                                           Por este largo mar enfim me alongo
3
"Já a vista pouco e pouco se desterra      Do conhecido pólo de Calisto,             E a orla branca foi de ilha em continente,
Daqueles pátrios montes que ficavam;       Tendo o término ardente já passado,       Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
Ficava o caro Tejo, e a fresca serra       Onde o meio do mundo é limitado.
De Sintra, e nela os olhos se alongavam.                                             E viu-se a terra inteira, de repente,
Ficava-nos também na amada terra                                                     Surgir, redonda, do azul profundo.
O coração, que as mágoas lá deixavam;      14
E já depois que toda se escondeu,          "Já descoberto tínhamos diante,           Quem te sagrou criou-te português.
Não vimos mais enfim que mar e céu.        Lá no novo Hemisfério, nova estrela,      Do mar e nós em ti nos deu sinal.
4                                          Não vista de outra gente, que ignorante   Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
"Assim fomos abrindo aqueles mares,        Alguns tempos esteve incerta dela.        Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Que geração alguma não abriu,              Vimos a parte menos rutilante,
As novas ilhas vendo e os novos ares,      E, por falta de estrelas, menos bela,
Que o generoso Henrique descobriu;                                                                                  Mensagem, V, 1
De Mauritânia os montes e lugares,         Do Pólo fixo, onde ainda se não sabe
Terra que Anteu num tempo possuiu,         Que outra terra comece, ou mar acabe.
Deixando à mão esquerda; que à direita
Não há certeza doutra, mas suspeita.                              Os Lusíadas, canto V
“O Infante” - Comentário:

Este poema é um dos mais conhecidos e mais marcantes de Mensagem.

"Foste desvendando a espuma e a orla branca foi de ilha em
continente..."- a espuma das ondas que acabam nas praias ou rebentam
contra os rochedos marca as costas com uma orla branca.
A frase anterior é uma forma poética de dizer que as costas foram
sendo descobertas, primeiro as ilhas e depois os continentes, "até ao
fim do mundo".
"Quem te sagrou criou-te português"- porque, segundo Fernando
Pessoa, Deus fadou Portugal para um magno destino e o Infante foi, por
assim dizer, parte do "puzzle".
"Do mar e nós, em ti nos deu sinal"- através de ti revelou-nos que o
nosso destino era o Mar.
"Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez / ...falta cumprir-se Portugal"-
     cumpriu-se o destinado:
     - o Mar foi desvendado; o Império Português (isto é, o controle das
     rotas oceânicas e a hegemonia no Índico) desfez-se.
     - Pessoa pensa que Portugal está destinado à grandeza futura, e
     isso ainda não se cumpriu!
“O Infante” - Comentário:

Terceira estrofe

Quem te sagrou criou-te português.
     = Quem te elegeu, fez-te de Portugal.
Do mar e nós em ti nos deus sinal.
     = Fez de ti um símbolo para todos os Portugueses.
Cumpriu-se o mar, e o Império se desfez.
     = Já tivemos a posse do mar (o Império Marítimo) e o Império espiritual
     desfez-se.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
     = Falta ainda, no entanto, cumprir-se o Destino adiado de Portugal.

- Conclusão aparentemente paradoxal, mas para Pessoa, depois do Império
Marítimo, falta ainda tudo – falta cumprir-se Portugal.

- Para Pessoa, Portugal era mais do que apenas terra, para ele, Portugal era
língua, cultura, espírito e alma.
- Pessoa entende que falta cumprir-se o destino glorioso (e imaterial) da alma, já
que se desfez o destino material do corpo.
Horizonte vs Os Lusíadas, c IX
HORIZONTE                                       •   51
                                                    Cortando vão as naus a larga via
Ó mar anterior a nós, teus medos                    Do mar ingente para a pátria amada,
Tinham coral e praias e arvoredos.                  Desejando prover-se de água fria,
                                                    Para a grande viagem prolongada,
Desvendadas a noite e a cerração,                   Quando juntas, com súbita alegria,
As tormentas passadas e o misterio,                 Houveram vista da ilha namorada,
                                                    Rompendo pelo céu a mãe formosa
Abria em flor o Longe, e o Sul siderio              De Menónio, suave e deleitosa.
'Splendia sobre as naus da iniciação.
                                                    52

Linha severa da longínqua costa -                   De longe a Ilha viram fresca e bela,
                                                    Que Vénus pelas ondas lha levava
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta         (Bem como o vento leva branca vela)
Em árvores onde o Longe nada tinha;                 Para onde a forte armada se enxergava;
                                                    Que, por que não passassem, sem que nela
Mais perto abre-se a terra em sons e cores:         Tomassem porto, como desejava,
                                                    Para onde as naus navegam a movia
E, no desembarcar, há aves, flores,                 A Acidália, que tudo enfim podia.
Onde era só, de longe, a abstracta linha.
                                                •   64
                                                    Nesta frescura tal desembarcavam
O sonho é ver as formas invisíveis                  Já das naus os segundos Argonautas,
Da distancia imprecisa, e, com sensíveis            Onde pela floresta se deixavam
                                                    Andar as belas Deusas, como incautas.
Movimentos da esp'rança e da vontade,               Algumas doces cítaras tocavam,
Buscar na linha fria do horizonte                   Algumas harpas e sonoras flautas,
                                                    Outras com os arcos de ouro se fingiam
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -         Seguir os animais, que não seguiam.
Os beijos merecidos da Verdade.
Mensagem, Horizonte
•   Comentários:

•   "teus medos tinham coral, e praias e
    arvoredos"- o medo do desconhecido é o
    temor infundado do que se imagina como
    real. Fernando Pessoa exemplifica dizendo
    que o medo ancestral do mar era sem
    fundamento: não havia monstros ou
    turbilhões que afundassem os navios -
    quando ultrapassámos o medo só
    encontrámos praias e arvoredos, flores e
    aves...
•   "mistério"- termo muito utilizado por Pessoa
    na acepção de desconhecido, indescoberto.
•   "Sul sidéreo"- Sul sideral, isto é, sul celeste -
    aqui refere-se à constelação Cruzeiro do Sul
    que indica a direcção do polo austral.
•   "iniciação"- cerimónia pela qual se começa a
    explicar a alguém os mistérios de alguma
    religião ou doutrina. O termo está
    frequentemente associado aos ritos das
    sociedades ditas secretas. Aqui a iniciação
    refere-se ao esclarecimento geográfico.
•   "resplendia sobre as naus da iniciação"-
    brilhava (resplandecia) sobre as naus que
    demandavam o desconhecido para o
    desvendar.
•   Este é um dos poemas que demonstram um Pessoa
    nacionalista místico, que respira um patriotismo de
    exaltação e de incitamento.
                                                          Ler: “Elogio do Sonho”, Livro do Desassossego (pág. 257)
INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem

37                                               41
"Porém já cinco Sóis eram passados               "E disse: — "Ó gente ousada, mais que quantas
Que dali nos partíramos, cortando                No mundo cometeram grandes cousas,
                                                                                                              O MOSTRENGO
Os mares nunca doutrem navegados,                Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
Prosperamente os ventos assoprando,              E por trabalhos vãos nunca repousas,          O mostrengo que está no fim do mar
Quando uma noite estando descuidados,            Pois os vedados términos quebrantas,          Na noite de breu ergueu-se a voar;
Na cortadora proa vigiando,                                                                    À roda da nau voou trez vezes,
                                                 E navegar meus longos mares ousas,
                                                                                               Voou trez vezes a chiar,
Uma nuvem que os ares escurece                   Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho, E disse: «Quem é que ousou entrar
Sobre nossas cabeças aparece.                    Nunca arados d'estranho ou próprio lenho:     Nas minhas cavernas que não desvendo,
                                                                                                    Meus tectos negros do fim do mundo?»
39
                                                 42                                                 E o homem do leme disse, tremendo:
"Não acabava, quando uma figura                  - "Pois vens ver os segredos escondidos            «El-rei D. João Segundo!»
Se nos mostra no ar, robusta e válida,           Da natureza e do húmido elemento,                  «De quem são as velas onde me roço?
De disforme e grandíssima estatura,              A nenhum grande humano concedidos                  De quem as quilhas que vejo e ouço?»
O rosto carregado, a barba esquálida,            De nobre ou de imortal merecimento,                Disse o mostrengo, e rodou trez vezes,
Os olhos encovados, e a postura                  Ouve os danos de mim, que apercebidos
                                                                                                    Trez vezes rodou immundo e grosso.
Medonha e má, e a cor terrena e pálida,                                                             «Quem vem poder o que só eu posso,
                                                 Estão a teu sobejo atrevimento,                    Que moro onde nunca ninguém me visse
Cheios de terra e crespos os cabelos,            Por todo o largo mar e pela terra,                 E escorro os medos do mar sem fundo?»
A boca negra, os dentes amarelos.                Que ainda hás de sojugar com dura guerra.          E o homem do leme tremeu, e disse:
                                                                                                    «El-rei D. João Segundo!»
40
"Tão grande era de membros, que bem posso        43
                                                                                                    Trez vezes do leme as mãos ergueu,
Certificar-te, que este era o segundo            - "Sabe que quantas naus esta viagem               Trez vezes ao leme as reprendeu,
De Rodes estranhíssimo Colosso,                  Que tu fazes, fizerem de atrevidas,                E disse no fim de tremer trez vezes:
                                                 Inimiga terão esta paragem                         «Aqui ao leme sou mais do que eu:
Que um dos sete milagres foi do mundo:                                                              Sou um povo que quere o mar que é teu;
Com um tom de voz nos fala horrendo e grosso,    Com ventos e tormentas desmedidas.                 E mais que o mostrengo, que me a alma teme
Que pareceu sair do mar profundo:                E da primeira armada que passagem                  E roda nas trevas do fim do mundo,
                                                 Fizer por estas ondas insofridas,                  Manda a vontade, que me ata ao leme,
Arrepiam-se as carnes e o cabelo                                                                    D' El-rei D. João Segundo!»
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo.           Eu farei d'improviso tal castigo,
                                                 Que seja mor o dano que o perigo.                                              Mensagem, II-4

                                                                                  Os Lusíadas, canto V
INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem


O MOSTRENGO                                      Comentário:
O Mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;               Este é um dos poemas mais conhecidos de Mensagem. Aquando
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
                                                 das suas duas primeiras publicações chamava-se "O Morcego" e
E disse: «Quem é que ousou entrar                referia "o morcego que está no fim do mar..." mas o ser
Nas minhas cavernas que não desvendo,            simbólico foi dignificado pela transformação em Mostrengo, na
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:               revisão anterior à edição de Mensagem em livro.
«El-rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?              - O poema simboliza o medo do desconhecido (o “Mostrengo")
De quem as quilhas que vejo e ouço?»             que os navegadores portugueses tiveram que vencer.
Disse o Mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.                - A causa próxima dessa coragem é, segundo Fernando Pessoa,
«Quem vem poder o que só eu posso,               as ordens do rei D. João II.
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
                                                 - Existe uma razão para isso: quando Gil Eanes voltou de uma
E o homem do leme tremeu, e disse:               tentativa falhada de dobrar o Cabo Bojador, o Infante mandou-o
«El-rei D. João Segundo!»
                                                 voltar para tentar novamente e o navegador venceu o temor
Três vezes do leme as mãos ergueu,               para não desagradar ao seu bondoso patrono.
Três vezes ao leme as repreendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:                - Mas com D. João II o trato era diferente, porque ele era o tipo
Sou um povo que quer o mar que é teu;            de homem que não admitia que aqueles em quem confiava
E mais que o Mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,               falhassem - os comandantes preferiam enfrentar todos os
Manda a vontade, que me ata ao leme,             dragões do mar à fúria do seu senhor e, por isso, o poema
D' El-rei D. João Segundo!»
                                                 encerra também uma ironia - a natureza da "vontade" que ata o
                                                 homem do leme à rota é que o temor do seu rei é maior do que
                                                 o terror do mar ignoto!
•   71
•   65                                              De uma os cabelos de ouro o vento leva
    Assim lhe aconselhara a mestra experta;         Correndo, e de outra as fraldas delicadas;
    Que andassem pelos campos espalhadas;           Acende-se o desejo, que se ceva
                                                    Nas alvas carnes súbito mostradas;
    Que, vista dos barões a presa incerta,          Uma de indústria cai, e já releva,
    Se fizessem primeiro desejadas.                 Com mostras mais macias que indignadas,
    Algumas, que na forma descoberta                Que sobre ela, empecendo, também caia
                                                    Quem a seguiu pela arenosa praia.
    Do belo corpo estavam confiadas,
    Posta a artificiosa formosura,                  72
                                                    Outros, por outra parte, vão topar
    Nuas lavar-se deixam na água pura,              Com as Deusas despidas, que se lavam:
                                                    Elas começam súbito a gritar,
                                                    Como que assalto tal não esperavam.
•   68                                              Umas, fingindo menos estimar
    Começam de enxergar subitamente                 A vergonha que a força, se lançavam
                                                    Nuas por entre o mato, aos olhos dando
    Por entre verdes ramos várias cores,            O que às mãos cobiçosas vão negando.
    Cores de quem a vista julga e sente
    Que não eram das rosas ou das flores,       •   83
    Mas da lã fina e seda diferente,                Ó que famintos beijos na floresta,
                                                    E que mimoso choro que soava!
    Que mais incita a força dos amores,             Que afagos tão suaves, que ira honesta,
    De que se vestem as humanas rosas,              Que em risinhos alegres se tornava!
                                                    O que mais passam na manhã, e na sesta,
    Fazendo-se por arte mais formosas.              Que Vénus com prazeres inflamava,
                                                    Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
                                                    Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.
•   70
    "Sigamos estas Deusas, e vejamos            •   84
    Se fantásticas são, se verdadeiras."            Desta arte enfim conformes já as formosas
    Isto dito, velozes mais que gamos,              Ninfas com os seus amados navegantes,
                                                    Os ornam de capelas deleitosas
    Se lançam a correr pelas ribeiras.              De louro, e de ouro, e flores abundantes.
    Fugindo as Ninfas vão por entre os ramos,       As mãos alvas lhes davam como esposas;
    Mas, mais industriosas que ligeiras,            Com palavras formais e estipulantes
                                                    Se prometem eterna companhia
    Pouco e pouco sorrindo e gritos dando,          Em vida e morte, de honra e alegria.
    Se deixam ir dos galgos alcançando.
                                                •   91
                                                    Não eram senão prémios que reparte
                                                    Por feitos imortais e soberanos
                                                    O mundo com os varões, que esforço e arte
                                                    Divinos os fizeram, sendo humanos.
                                                    Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte,
                                                    Eneias e Quirino, e os dois Tebanos,
                                                    Ceres, Palas e Juno, com Diana,
                                                    Todos foram de fraca carne humana.
MENSAGEM, 3ª parte “O Encoberto”: Os Símbolos / Os Avisos / Os Tempos


• 3ª Epígrafe: “Pax in Excelsis” (Paz nas alturas)
  - Os ciclos da pátria:
      - 1ª parte – Portugal que se realiza na Terra
      - 2ª parte - Portugal que se realiza no Mar
      - 3ª parte - Portugal que se realiza no Céu
  - Conclusão:
      Na economia da obra “Mensagem”, estão
      presentes, pois, os 4 elementos:
                    1ª parte – TERRA
                    2ª parte – ÁGUA
                    3ª parte – AR e FOGO
MENSAGEM, 3ª parte “O Encoberto”

• As três idades da História de Portugal em “Mensagem”:
        - fundação do reino – 1ª dinastia
        - expansão ultramarina (descobertas; conquistas; evangelização) – 2ª
        dinastia
        - santificação e glorificação do mundo – dinastia a haver.

• Nota:
  - em “Mensagem”, não figuram as 4 dinastias da História de Portugal (a
  filipina e a bragantina);
  - o poeta sugere que no final da 2ª dinastia, Portugal morre e é
  metonimicamente sepultado com D. Sebastião.
  - Conclusão: a 3ª dinastia surgirá após a ressurreição e o regresso de D.
                  Sebastião.
• Na terceira parte:
  - Anuncia-se a “paz nas alturas”
   o Quinto Império, a criar sob a égide de Portugal, será essencialmente um
  império do espírito, realizado sob o signo da Terceira Pessoa da Santíssima
  Trindade: o Espírito Santo.
MENSAGEM, 3ª parte “O Encoberto”

- “O Encoberto” = o fim do Império (morte);
- O Quinto Império (Ressureição que emerge do Nevoeiro)


  Os Símbolos (cinco)          Os Avisos (três)           Os Tempos (cinco)

  D. Sebastião                 O Bandarra                 Noite
  O Quinto Império             António Vieira             Tormenta
  O Desejado                   S’crevo Meu Livro…         Calma
  As ilhas Afortunadas                                    Antemanhã
  O Encoberto                                             Nevoeiro

  Símbolos:
  -D. Sebastião aparece 3 vezes (três nomes diferentes), em analogia com a unidade e
  trindade em Deus.
  - o simbolismo dos números (3, 5, 13)
  - (…)
MENSAGEM, 3ª parte “O Encoberto”

                                            Comentários:
D. SEBASTIÃO
  'Sperai! Caí no areal e na hora adversa
                                            • "Esperai!"- esperai pelo meu
                                              regresso!
  Que Deus concede aos seus
  Para o intervalo em que esteja a alma     • "Caí... para o intervalo em que
  imersa                                      esteja a alma imersa..."- morri e
  Em sonhos que são Deus.                     a minha alma repousa na paz de
                                              Deus.
  Que importa o areal e a morte e a         • "areal"- o campo de Alcácer
  desventura                                  Quibir.
  Se com Deus me guardei?
                                            • "com Deus me guardei"- com a
  É O que eu me sonhei que eterno dura,
                                              Fé me protegi.
  É Esse que regressarei.
                                            • "É O que eu me sonhei... "-
                                              sonhei-me Imperador (do
                                              Quinto Império) e esse sonho
                                              sobreviveu à minha morte; é
                                              como tal que voltarei.
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto” – 12º 1 A2
O QUINTO IMPÉRIO                              Comentários:
Triste de quem vive em casa,                  •   "Triste de quem..."- a mesma noção já encontrada em O das
Contente com o seu lar,                           Quinas de que ser feliz é uma infelicidade porque se vive
Sem que um sonho, no erguer de asa,               maquinalmente e não para o sonho ou para os cometimentos.
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!                       •   "a lição da raiz - ter por vida a sepultura"- na própria essência
                                                  material do homem está, desde a sua origem, a inevitabilidade
Triste de quem é feliz!                           da morte.
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz -                    •   "passados os quatro tempos do ser que sonhou"- referência ao
Ter por vida a sepultura.                         rei assírio Nabucodonosor que, segundo a Bíblia, sonhou com
                                                  uma estátua de quatro metais que o profeta Daniel interpretou
Eras sobre eras se somem                          como uma premonição de quatro grandes impérios sucessivos,
No tempo que em eras vem.                         dos quais o seu era cronologicamente o primeiro.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem                  •   "que no atro da erma noite começou"- que começou nas trevas
Pela visão que a alma tem!                        da noite deserta.
E assim, passados os quatro                   •   "Grécia, Roma, Cristandade, Europa"- os quatro impérios que
Tempos do ser que sonhou,                         Pessoa pensava ajustarem-se ao sonho do rei assírio.
A terra será teatro                           •   "vão para onde vai toda a idade"- envelhecem e morrem;
Do dia claro, que no atro                         desaparecem.
Da erma noite começou.                        •   "Quem vem viver a verdade?"- o Quinto Império sonhado por
                                                  pessoa é uma abstracção de Luz (ou Verdade, ou Cultura -
Grécia, Roma, Cristandade,                        todos os termos são, nesta acepção, equivalentes). A frase
Europa - os quatro se vão                         deve ser lida "Quem vem viver o Quinto Império?".
Para onde vai toda a idade.
Quem vem viver a verdade
                                              •   "Quem vem viver a verdade que morreu Dom Sebastião?“ -
Que morreu Dom Sebastião?                         completa, a frase torna-se uma interrogação meramente
                                                  retórica, a menos que se tome "que" na acepção de "porque"
                                                  ou "para a qual". Nesse caso a frase torna-se "Quem viver a
                                                  verdade (do Quinto Império) para a qual D. Sebastião morreu".
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”

                                          Comentários:

                                          •   "Onde quer que jazas entre sombras, sente-te sonhado e
                                              ergue-te para teu novo fado"- onde quer que a tua alma esteja,
O DESEJADO                                    pressente que esperamos por ti e renasce para o teu novo
                                              destino“.
Onde quer que, entre sombras e dizeres,
                                          •   "Galaaz com pátria"- O Desejado, D.Sebastião que é
Jazas, remoto, sente-te sonhado,              equiparado a Sir Galahad, o cavaleiro virgem do Ciclo da Távola
E ergue-te do fundo de não-seres              Redonda a quem foi dado conhecer o Santo Graal. A origem de
                                              Galahad era desconhecida (não tinha pátria) embora na
Para teu novo fado!                           verdade fosse filho de Sir Lancelot.

Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo,   •   "erguer a alma do teu povo à Eucaristia Nova"- trazer a
                                              Portugal a Nova Religião (Pessoa referiu-se várias vezes em
Mas já no auge da suprema prova,              outros escritos ao seu sonho de uma nova religião popular de
A alma penitente do teu povo                  cariz helénico).
À Eucaristia Nova.                        •   "Mestre da Paz"- O Senhor do 5º Império, O Desejado;
                                              "Excalibur do Fim"- Símbolo do fim do mundo tal como o
                                              conhecemos; arauto da Nova Era (cujo estabelecimento é a
Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido,       "suprema prova").
Excalibur do Fim, em jeito tal
Que sua Luz ao mundo dividido             •   "revele o Santo Graal"- no Ciclo da Távola Redonda, o Graal
                                              desapareceu como castigo do amor adúltero de Guinevere e
Revele o Santo Graal!                         Lancelot e com ele foi-se a felicidade do Reino. O retorno do
                                              Graal representaria, pela mesma lógica, a união, paz e
                                              felicidade de todos os povos do mundo.
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Símbolos, quarto
                                      •   NOTAS:
AS ILHAS AFORTUNADAS
                                      •   As Ilhas Afortunadas são uma lenda medieval.
Que voz vem no som das ondas
                                      •   Por vezes, o nome é associado a ilhas maravilhosas (por
que não é a voz do mar?                   exemplo, com cidades de ouro puro) que teriam existência real
É a voz de alguém que nos fala,           e chegavam até a estar indicadas nos mapas náuticos;
mas que, se escutamos, cala,          •   Outras vezes, referiam-se declaradamente a ilhas que podiam
por ter havido escutar.                   ser vistas pelos mareantes mas nunca alcançadas.
                                      •   Provavelmente ,a lenda foi sugerida por fenómenos
E só se, meio dormindo,                   atmosféricos que provocavam miragens de terras inexistentes
                                          no meio do mar.
sem saber de ouvir ouvimos,
que ela nos diz a esperança
                                      - "onde o Rei mora esperando“:
a que, como uma criança
                                      • de novo, Fernando Pessoa faz uma convolução das lendas da
dormente, a dormir sorrimos.               Távola Redonda e do Desejado.

São ilhas afortunadas,                •   Supostamente, depois da batalha de Camlann em que Artur
são terras sem ter lugar,                 matou Mordred, mas onde foi, ele também, mortalmente
onde o Rei mora esperando.                ferido, o rei moribundo foi levado para a Ilha de Avalon (uma
Mas, se vamos despertando,                "ilha afortunada"), onde, em vez de morrer, ficou adormecido
                                          para um dia voltar numa hora de suprema necessidade para
cala a voz, e há só o mar.                salvar o seu povo e restaurar o seu reino.

                         26-03-1934   •   Poema intensamente irónico;
                                      •   Funciona como introdução a “Os Avisos”, parte II.
Os Lusíadas, canto IX, est. 54, 64


                          “ILHA DOS AMORES”
•   54

    Três formosos outeiros se mostravam      •   64
    Erguidos com soberba graciosa,
    Que de gramíneo esmalte se adornavam..       Nesta frescura tal desembarcavam
    Na formosa ilha alegre e deleitosa;          Já das naus os segundos Argonautas,
    Claras fontes o límpidas manavam             Onde pela floresta se deixavam
    Do cume, que a verdura tem viçosa;           Andar as belas Deusas, como incautas.
    Por entre pedras alvas se deriva             Algumas doces cítaras tocavam,
    A sonorosa Ninfa fugitiva.                   Algumas harpas e sonoras flautas,
                                                 Outras com os arcos de ouro se fingiam
                                                 Seguir os animais, que não seguiam.
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Símbolos

                                           Comentários:
        O ENCOBERTO
                                               - Este curioso poema é uma sucessão de referências
Que símbolo fecundo                            cruzadas à mística rosicruciana.
Vem na aurora ansiosa?
                                               - Os Rosa-Cruz foram (são?) uma sociedade secreta cujas
Na Cruz Morta do Mundo                         origens provavelmente remontam ao século XVII. AQUI.
A Vida, que é a Rosa.
                                               - Parece que, originalmente, seria um grupo secreto de
                                               homens cultos e superiormente desinteressados que
Que símbolo divino                             sonhavam controlar os destinos da humanidade de
Traz o dia já visto?                           maneira a assegurar o advento de um mundo pacífico e
Na Cruz, que é o Destino,                      feliz (na prática, uma variante da noção do Quinto
                                               Império).
A Rosa, que é o Cristo.                        - As diversas cisões e criação de sociedades sob o mesmo
                                               nome obliteraram as pistas quanto à permanência real de
Que símbolo final                              uma sociedade secreta que represente a presença actual
                                               de uma herança multisecular ininterrupta.
Mostra o sol já desperto?
Na Cruz morta e fatal                          - Existem várias interpretações da simbologia da Rosa e
A Rosa do Encoberto.                           da Cruz.
                    21/2/1933; 11/2/1934
                                                       - a Rosa é uma representação do círculo e está
                                                       associada a ideais de perfeição que são metas;
                                                       - a Cruz representa, por exemplo, as atribulações
                                                       que há a ultrapassar ou vencer para as atingir.
“Os Avisos”

• Quando Pessoa diz “Avisos”, refere-se àqueles
  que foram avisados (ajuizados, acertados),
  aqueles que, atempadamente, viram o
  regresso do Rei menino de maneira correcta.
• Por isso, Pessoa deixou o «pré-aviso» das
  “Ilhas Afortunadas”, insistindo na visão
  espiritual e não material do regresso do Rei.
• Noutro sentido, Pessoa refere-se àqueles que
  anunciaram (avisaram) do regresso do Rei.
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Avisos

                                         Comentários:
                                         • Pessoa refere-se, neste poema, a
                                           Gonçalo Anes, sapateiro de Trancoso,
                                           que escreveu uns versos de cariz
O BANDARRA                                 profético, na época de D. João III.
                                           Neles, vêem alguns a previsão do
Sonhava, anónimo e disperso,
                                           período de domínio filipino, a
o Império por Deus mesmo visto,            Restauração e uma posterior expansão
confuso como o Universo                    imperial que está, na sua origem,
e plebeu como Jesus Cristo.                próxima da convicção de Padre
                                           António Vieira quanto ao advento de
Não foi nem santo nem herói,               um Quinto Império português que
mas Deus sagrou com Seu sinal              teria sido destinado por Deus ("por
este, cujo coração foi                     Deus mesmo visto").
não português mas Portugal.
                            28/03/1930
                                         • Este que "Deus sagrou com seu sinal"-
                                           este, a quem Deus deu o dom da
                                           profecia.
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Avisos

          ANTÓNIO VIEIRA                    Comentários:

O céu 'strela o azul e tem grandeza.        •   Este é um belíssimo poema de Mensagem
                                                que bem poderia ilustrar a afirmação de
Este, que teve a fama e à gloria tem,           que a poesia de Fernando Pessoa é para ser
Imperador da língua portuguesa,                 compreendida e não explicada.
Foi-nos um céu também.                      •   A leitura transmite imediatamente, através
                                                de imagens suscitadas pelo texto, a visão do
No imenso espaço seu de meditar,                poeta.
Constelado de forma e de visão,             •   No entanto uma análise estritamente literal
                                                das frases individuais revelaria inesperadas
Surge, prenúncio claro do luar,                 complexidades.
El-Rei D. Sebastião.                        •   "imperador da língua portuguesa"- epíteto
                                                dado por Pessoa ao Padre António Vieira
Mas não, não é luar: é luz do etéreo.           que foi o maior orador do seu tempo e um
É um dia; e, no céu amplo de desejo,            dos mais admiráveis estilistas da prosa
                                                portuguesa.
A madrugada irreal do Quinto Império
                                            •   “Surge, prenúncio claro do luar, / El-Rei D.
Doira as margens do Tejo.                       Sebastião"- refere-se aos escritos do Padre
                                                António Vieira sobre as esperanças de
                                31/7/1929       Portugal, que um grande rei conduziria a
                                                futuro Quinto Império do Mundo.
                                            •   "luz do etéreo"- luz celeste.
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Avisos
         (TERCEIRO AVISO)             Comentários:

'Screvo meu livro à beira-mágoa.          - Único poema de Mensagem que não tem nome;
Meu coração não tem que ter.              - Fernando Pessoa fala como sucessor do Bandarra e do Padre António
Tenho meus olhos quentes de água.         Vieira:
Só tu, Senhor, me dás viver.                    - também ele anuncia a boa nova - o advento do Rei que conduzirá
                                                Portugal ao Quinto Império;
Só te sentir e te pensar                        - anuncia-o, não como profeta ungido (que só o Bandarra teria sido,
Meus dias vácuos enche e doura.                 já que Vieira derivou as suas conclusões das trovas do antecessor e
Mas quando quererás voltar?                     das Sagradas Escrituras) mas como Homem de Razão que sabe e
Quando é o Rei? Quando é a Hora?                que espera (e desespera, como acentua);
                                                - a ter nome, o poema chamar-se-ia "Fernando Pessoa" e por isso o
Quando virás a ser o Cristo                     não tem.
De a quem morreu o falso Deus,
E a despertar do mal que existo           "Senhor"- O Encoberto, também chamado "Rei"..
A Nova Terra e os Novos Céus?             "dias vácuos"- dias monótonos, vazios.
                                          "o Cristo de a quem morreu o falso Deus"- o meu Cristo. Pessoa não
Quando virás, ó Encoberto,                acreditava no Deus da Igreja Católica Romana, nem na divindade do seu
Sonho das eras português,                 Cristo que com Ele se confunde (o "falso Deus").
Tornar-me mais que o sopro incerto        "a Nova Terra e os Novos Céus"- o Quinto Império (referência à expressão
De um grande anseio que Deus fez?
                                          usada na 2ª Epístola de S. Pedro para designar o Terceiro Mundo - ver o
                                          comentário ao poema "Antemanhã").
                                          "sonho das eras português"- sonho secular dos portugueses.
Ah, quando quererás, voltando,
Fazer minha esperança amor?
                                          "tornar-me mais que o sopro incerto de um grande anseio que Deus fez"-
                                          quando Pessoa se refere a Deus, refere-se ao Criador (em que acreditava)
Da névoa e da saudade quando?
                                          e Arquitecto do Destino. Aqui ele diz-nos que, com o advento do
Quando, meu Sonho e meu Senhor?
                                          Encoberto, que esperava para os seus dias, ele tornar-se-
                         10/12/1928       ia mais do que a voz quase inaudível que exprimia um
                                          sonho nacional.
“Os Tempos”
• Pessoa já usara a expressão Tempos no poema
  “Quinto Império” (“passados os quatro / Tempos
  do ser que sonhou”).
• Os Tempos serão, pois, os 4 Impérios do passado
  e o 5º, o Império do futuro.
• Curiosamente, o quinto poema desta parte
  corresponde ao título “Nevoeiro”
  – depreende-se que seja o tempo do presente, o
    momento em que o poeta nos fala;
  - o Quinto Império será consequência do regresso do
    Rei D. Sebastião, aquele que, na profecia popular,
    voltará numa manhã de nevoeiro.
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Tempos
                  NOITE                     Comentários:

A nau de um d’eles tinha-se perdido         •    O poema refere o episódio da exploração da América pelos
no mar indefinido.                               irmãos Corte-Real: Gaspar explorou as costas do Canadá em
O segundo pediu licença ao Rei                   1500, mas não regressou de uma viagem similar no ano
de, na fé e na lei                               seguinte. O seu irmão Miguel foi procurá-lo com três navios
da descoberta ir em procura                      que se separaram ao atingir a América. O navio de Miguel
do irmão no mar sem fim e a névoa escura.
                                                 nunca mais foi visto embora os outros dois tenham regressado
Tempo foi. Nem primeiro nem segundo              a Portugal. Finalmente o terceiro irmão, Vasco, viu recusado
volveu do fim profundo                           por D.,ManueI o pedido de autorização de procurar os irmãos,
do mar ignoto à pátria por quem dera             uma vez que a sua eventual morte representaria o fim da
o enigma que fizera.                             linhagem. O rei enviou, ele-próprio, uma expedição de
Então o terceiro a El-Rei rogou                  salvamento que não encontrou vestígios dos desaparecidos.
licença de os buscar, e El-Rei negou.
                                            •    "Noite" (em relação ao advento do Quinto Império) refere um
Como a um cativo, o ouvem a passar               episódio apropriadamente passado antes do Bandarra ou D.
os servos do solar.                              Sebastião terem sequer nascido, mas é provável que tenha sido
E, quando o vêem, vêem a figura                  redigido para outro fim e aproveitado por Pessoa quando, em
da febre e da amargura,                          1934, se apressava a completar Mensagem para apresentar o
com fixos olhos rasos de ânsia
fitando a proibida azul distancia.
                                                 livro a um concurso de poesia.
                                            •    "não volveu à pátria por quem dera o enigma que fizera"- não
Senhor, os dois irmãos do nosso Nome             voltou à Pátria pela qual deu a vida (o enigma é a circunstância
– O Poder e o Renome –                           do seu misterioso desaparecimento).
ambos se foram pelo mar da idade
à tua eternidade;                           •    "ambos se foram à Tua eternidade"- ambos morreram.
e com eles de nós se foi                    •    "com eles de nós se foi o que faz a alma poder ser de herói"-
o que faz a alma poder ser de herói.             com eles perdeu Vasco o alento e a ousadia.
Queremos ir buscá-los, d’esta vil           •    "queremos ir buscá-los desta vil prisão"- (fala Vasco) quero
nossa prisão servil:                             morrer para ir ter com eles (a "prisão servil" é a vida).
é a busca de quem somos, na distancia
de nós; e, em febre de ânsia,
                                            •    "Deus não dá licença que partamos"- falhado o pedido feito ao
a Deus as mãos alçamos.                          rei para ir em busca dos irmãos, Vasco pede então a Deus que
                                                 o liberte da amargura e o leve para se reunir aos irmãos no
Mas Deus não dá licença que partamos.            Além, mas Deus não lhe concede a morte...
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Tempos

                                                  • Comentários:
                                                  • "a noite é o fausto do mistério"- a noite é
                                                    a pompa do desconhecido; é de noite que
               TORMENTA                             o desconhecido assume toda a sua
                                                    grandeza (ou é mais terrível)..
Que jaz no abismo sob o mar que se ergue?         • "o relâmpago, farol de Deus, um hausto
Nós, Portugal, o poder ser.                         brilha"- o relâmpago reluz por um
Que inquietação do fundo nos soergue?               instante (literalmente: pelo tempo de uma
O desejar poder querer.                             inalação rápida). "e o mar escuro
                                                    estruge"- o mar estrondeia (faz um
Isto, e o mistério de que a noite é o fausto...     estrépito muito alto).
Mas súbito, onde o vento ruge,                    • o poema é sobre uma tormenta simbólica:
O relâmpago, farol de Deus, um austo                a agitação íntima de Portugal que,
Brilha, e o mar 'scuro 'struge.                     segundo Pessoa, aspira ser a nação do
                                                    Quinto Império.
                                                  • E no negrume da ignorância do Seu
                                                    desígnio, Deus indica-o por um breve
                                                    instante (supostamente através do próprio
                                                    F. Pessoa que seria, assim, o "farol de
                                                    Deus").
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Tempos
                 CALMA                        Comentários:
Que costa é que as ondas contam               •   Este estranho poema deve ser comparado ao intitulado
e se não pode encontrar                           "Ilhas Afortunadas" que versa o mesmo tema e foi
por mais naus que haja no mar?                    escrito alguns dias mais tarde.
O que é que as ondas encontram
e nunca se vê surgindo?
                                              •   É provável que o poema agora intitulado "Calma" tenha
Este som de o mar praiar                          sido a primeira versão de "Ilhas Afortunadas" e tenha
onde é que está existindo?                        sido repescado para a última parte de Mensagem que foi
                                                  preparada com um prazo muito curto e, destinando-se a
Ilha próxima e remota,                            um concurso que impunha um número mínimo de
que nos ouvidos persiste,                         páginas, obrigava o poeta a incluir mais material do que
para a vista não existe.                          o que, de outra maneira, poderia ter incluído.
Que nau, que armada, que frota
pode encontrar o caminho                      •   Este poema representa uma espécie de tempo de
à praia onde o mar insiste,                       paragem para reflexão, o que talvez tenha justificado o
se à vista o mar é sozinho?                       seu nome.

Haverá rasgões no espaço                      •   "rasgões no espaço que dêem para outro lado"- este
que dêem para outro lado,                         conceito dos mundos paralelos ou túneis para outros
e que, um d’eles encontrado,                      mundos, hoje lugar comum nos contos de ficção
aqui, onde há só sargaço,                         científica e parcialmente alvo de estudos pelos físicos
surja uma ilha velada,                            teóricos, é altamente surpreendente para a época e
o país afortunado                                 suscita a questão de se Pessoa o terá imaginado ou se
que guarda o Rei desterrado                       terá tido notícia dele através de revistas de ficção
em sua vida encantada?                            científica americanas.
                                  15/2/1934
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Tempos
                                         Comentários:
             ANTEMANHÃ
                                         •   "a madrugada do novo dia, do novo dia sem acabar"- a
O mostrengo que está no fim do mar           alvorada do Quinto Império (que será eterno).
Veio das trevas a procurar               •   "desvendou o Segundo Mundo, nem o Terceiro quer
A madrugada do novo dia,                     desvendar"- referência à Segunda Epístola de S. Pedro, onde
Do novo dia sem acabar;                      o apóstolo divide os Tempos em três:
E disse, «Quem é que dorme a lembrar          – o Primeiro Mundo, que durou desde a Criação até ao
Que desvendou o Segundo Mundo,                     Dilúvio;
Nem o Terceiro quer desvendar?»               – o Segundo Mundo, em que vivemos, que durará até à
                                                   segunda vinda de Cristo - que supostamente reinará por
E o som na treva de ele rodar                      mil anos -
Faz mau o sono, triste o sonhar.              – e o Terceiro Mundo que se segue e que perdurará
Rodou e foi-se o mostrengo servo                   eternamente e é, nesta alegoria, confundido com o
Que seu senhor veio aqui buscar,                   Quinto Império.
Que veio aqui seu senhor chamar –        •   "Aquele que está dormindo e foi outrora Senhor do Mar"- D.
Chamar Aquele que está dormindo              Sebastião ou Portugal, que nesta acepção se confundem.
E foi outrora Senhor do Mar.             •   Face a "O Mostrengo" de Mar Português conclui-se que
                                             Pessoa quer de novo simbolizar o medo do desconhecido,
                              8/7/1933       agora não do mar ignoto, mas da via para o Quinto Império na
                                             qual Portugal ainda não se lançara (está dormindo).
                                         •   No entanto o mostrengo que um dia foi soberano é agora
                                             servo de Portugal (o medo já não será nosso, mas de outros)
                                             que procura, debalde, para o início do caminho. O nome deste
                                             poema indica que está a chegar a hora, "a madrugada do novo
                                             dia".
MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Tempos

                                       Comentários:
              NEVOEIRO
                                       •   Neste poema, o último de Mensagem,
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,       Fernando Pessoa transmite uma imagem
define com perfil e ser                    desencantada da realidade do Portugal dos
este fulgor baço da terra                  seus dias... Mas, para concluir, que essa
que é Portugal a entristecer –             situação é, afinal, o nevoeiro de que falam as
brilho sem luz e sem arder,                profecias e que marcará o regresso de D.
como o que o fogo-fátuo encerra.           Sebastião.
                                       •   A conclusão de que o nevoeiro que se
Ninguém sabe que coisa quer.               esperava não é, afinal, literal (físico), mas
Ninguém conhece que alma tem,              antes simbólico (social e político), permite-lhe
nem o que é mal nem o que é bem.           acabar o poema com uma "volta" final ao
(Que ânsia distante perto chora?)          gritar: "É a Hora!".
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.       •   "fogo-fátuo"- chama azulada, em geral breve,
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...            resultante da combustão espontânea de uma
                                           mistura de metano e ar em determinadas
É a Hora!                                  proporções. O metano (gás dos pântanos) é
                                           produzido naturalmente pela decomposição
            VALETE FRATRES!                da matéria orgânica, vegetal ou animal. A
                                           combustão produz calor, mas como é muito
                                           breve a chama pode parecer fria.
CONCLUSÃO
• “É a Hora!” – Pessoa parece ter uma “visão histórica da raça por vir”;
• Esta mensagem final da Mensagem sugere que a obra de Pessoa seja positiva.
• Ironicamente, a última mensagem de Mensagem é – como se acredita que era a
  alma do poeta – um elogio da vida e não de morte.
• A “Hora” de Pessoa é uma realidade por consumar.
• A “Hora” é também o momento em que Pessoa (o seu plano) é lido até ao fim.

• Pessoa despede-se com uma nova elocução latina (Valete Fratres!), retirada de
  um ritual maçónico; tem, por isso, um significado hermético:
  pretende comunicar que se despede de todos aqueles iniciados, seus irmãos
  templários e rosa-cruzes, que compreendem a(s) sua(s) mensagem(ens) e
  agirão com vista à construção do futuro da Pátria.
• Haverá muito de amargura no adeus final: sabe Pessoa que a Pátria futura não
  será nunca esse regresso ao passado de criança (a Pátria pura, com pai e mãe
  atenciosos e dedicados, sem solidão, sem «dor de pensar».).

• A mensagem oculta de Mensagem é, pois,…
   procurar no íntimo a razão que ilumina a vida que vale a pena ser
   vivida. (É uma mensagem positiva, optimista)
Os Lusíadas / Mensagem
• Mensagem vs Os Lusíadas
• Da face interna, emblemática - arquitectura, aliás, de
  sentido ocultista - da Mensagem, infere-se um
  carácter menos narrativo e mais interpretativo, mais
  cerebral, que o d' Os Lusíadas.
• No poema camoniano, há uma tendência
  abstractizante, livresca;
• N’Os Lusíadas, a ideia de pátria é «uma noção
  abstracta, fora da história», e os heróis históricos se
  reduzem a «puras abstracções» ou «medalhões
  convencionais».
• Apesar desta afinidade entre Camões e Pessoa, este
  leva o cerebralismo muito mais longe, possui aquilo a
  que Cesare Pavese chamava «o senso heráldico», isto
  é, a faculdade de ver símbolos em tudo.
Os Lusíadas / Mensagem
• Os heróis da galeria da Mensagem funcionam como
  símbolos, elos duma trajectória cujo sentido Pessoa se
  propõe desvelar até onde o permite o olhar visionário.

• O assunto da Mensagem não são os portugueses ou
  eventos concretos, mas a essência de Portugal e a sua
  missão por cumprir.
• Em fragmento recolhido nas Páginas de Estética e de
  Teoria e Crítica Literárias, Pessoa censurava a Os
  Lusíadas a falta dum pensamento.

• Ora, na Mensagem é a redução a um pensamento
  que descarna, espectraliza as personagens da História
  nacional.

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Modernismo e a Mensagem de Fernando Pessoa

  • 1. - Colégio de São Gonçalo - 12º ano - Prof. António Costa MENSAGEM (intertextualidade com Os Lusíadas) notas para o estudo Camões / F. Pessoa
  • 2. MODERNISMO- contextualização F. Pessoa • apercebeu-se da crise (valores, fé) que marcava o pensamento europeu do séc. XX; • Põe em causa a tradição cultural da civilização ocidental (religião, ciência, arte, política). • Contesta a moral enraizada em princípios maniqueístas. • vê na religião o factor que motiva o atraso civilizacional por ela atrofiar as capacidades intelectuais e críticas do indivíduo. • Acredita que a ciência não é a solução, apesar do domínio da técnica, e que persiste a ansiedade metafísica.
  • 3. MODERNISMO MODERNISMO: «a arte de ruptura» • Na arte, Pessoa defende a teoria do fingimento: o homem sente de uma forma convencional, condicionado por vários imperativos sociais. Assim… “O poeta é um fingidor Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente” Autopsicografia • A expressão do sentimento constitui-se como uma forma de mentira. • Em 1913, Pessoa implementa os «ismos» de vanguarda – primeira tentativa de salvar o estado de decrepitude das letras nacionais: - urgência em destruir as concepções tradicionais; - agitar a nação; - propor a literatura como forma de transformação social; - renovar a mentalidade saudosista da época; - chocar para mudar. • Em 1915, abandona atitude inicial; considera que a poesia deve dar conta do «doloroso enigma da vida».
  • 4. MODERNISMO • Acredita que um novo ciclo deveria ser inaugurado na história da literatura portuguesa. • Os lusitanos teriam um papel de relevo nessa nova era civilizacional. • Considera que a arte portuguesa deve ser… “maximamente desnacionalizada”, para ser moderna. • Sonha com a criação de um novo mundo (como no séc. XVI), através de novas formas de percepção e análise da realidade. • Mais do que combater o Saudosismo, Pessoa propunha a dissolução de Portugal… só das cinzas poderíamos renascer da catástrofe provocada pela derrota de Alcácer Quibir (perda da identidade nacional)
  • 5. MODERNISMO • O atraso de mentalidades e a estagnação chocante do país deprimia-o e motivava o seu isolamento. • Procurou nessa decadência da pátria o ponto de partida para se produzir um renascimento, uma renovação e revolução culturais. • A heteronímia e a consequente destruição da unidade do «eu» na escrita é o ponto de partida. • O projecto realiza-se na Mensagem: canto de apelo à vontade os portugueses para se realizar a mudança radical (forma de ser e de estar). • Pessoa anuncia-se como o profeta de uma nova era, preconizando o advento de um super-homem que promoveria o reencontro dos elementos integrantes da nossa personalidade colectiva. • Assim, a «desnacionalização» é a forma de nos redescobrirmos. • A regeneração do homem português e de Portugal seria o início de uma nova existência.
  • 6. Poema sobre Salazar - Fernando Pessoa mostra-se avesso a políticas de autoritarismo totalitário. António de Oliveira Salazar Bebe a verdade Três nomes em sequência regular… E a Liberdade. António é António. E com tal agrado Oliveira é uma árvore. Que já começam Salazar é só apelido. A escassear no mercado. Até aí está bem. O que não faz sentido Coitadinho É o sentido que tudo isto tem. Do tiraninho! O meu vizinho Este senhor Salazar Está na Guiné É feito de sal e azar. E o meu padrinho Se um dia chove, No Limoeiro A água dissolve o sal, Aqui ao pé. E sob o céu Mas ninguém sabe porquê. Fica só azar, é natural. Mas enfim é Oh, c’os diabos! Certo e certeiro Parece que já choveu… Que isto consola E nos dá fé: Coitadinho Que o coitadinho Do tiraninho! Do tiraninho Não bebe vinho. Não bebe vinho, Nem sequer sozinho… Nem até Café
  • 7. MENSAGEM • A intenção do poeta: - não é cantar os feitos gloriosos dos antepassados portugueses (Camões); - é apresentar a ideia grandiosa que está subjacente à realização dos acontecimentos que engrandeceram a História nacional ; • A essência da obra: “E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo de que os sonhos são feitos.” (in, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação) • Para actuar enquanto espécie (“Humanidade” F. P.), é necessário saber ser indivíduo. Assim, Pessoa propõe uma aliança entre: a concepção renascentista do Homem e a descoberta romântica do “eu”, isto é, a simbiose entre duas realidades materiais numa que não é material – a Nação.
  • 8. MENSAGEM “Há três realidades sociais: o Indivíduo, a Nação, a Humanidade. Tudo o mais é fictício (…).” “O Indivíduo é a realidade suprema porque tem um contorno material e mental – é um corpo e uma alma vivas.” “O Indivíduo e a Humanidade são lugares, a Nação é o caminho entre eles.” F. Pessoa Nação = um caminho, um veículo para o futuro Super-Portugal: “A nação é a escola presente para a Super-Nação futura…” • Para Pessoa, importa acreditar na força propulsora, cujo dinamismo é a própria natureza humana, que se projecta sempre que existe um ideal: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.” (Mensagem, O Infante) • Pessoa encontra essa força no grande mito nacional - o Sebastianismo
  • 9. MENSAGEM – inquérito ao poeta • Pergunta: “Que pensa da nossa crise, dos seus aspectos – político, moral e intelectual?” • Resposta: No seu sentido superior e profundo, a desvalorização internacional da nação portuguesa deriva de três factores conjugados (da acção conjugada de três factores) — a incultura, geral como profissional, do indivíduo português e sobretudo do indivíduo das classes médias; a deficiência de propaganda de Portugal no estrangeiro; e a ausência de consciência superior da nacionalidade. (…) A causa fundamental, não há dúvida, é a longa decadência em que entrámos desde o fim da dinastia de Avis. Por decairmos, decaíram paralelamente o indivíduo português e o Estado Português, administrado por esses indivíduos. E, decaindo o indivíduo e o Estado, deixou de haver uma consciência superior da nacionalidade e dos fins nacionais, (…) e deixou de haver a precisa propaganda de Portugal no estrangeiro, (…) falho o orgulho nacional, havia quem, individualmente, se ocupasse em o erguer ante o estrangeiro. (…) O nosso homem das classes médias — e as classes médias são o esteio de um país — é mal culto, ignorante, profissionalmente instintivo ou atado (profissionalmente no comércio); a propaganda da nossa terra é descurada pelo estado, absorvido por políticos, pelos indivíduos, desnacionalizados e inertes, para tudo quanto não seja os seus baixos interesses ou os interesses superiores da sua política inferior; e a invasão das ideias estrangeiras, (…) privou-nos de podermos criar, não já um orgulho nacional, mas uma simples consciência superior da nossa nacionalidade .
  • 10. MENSAGEM – inquérito ao poeta • Pergunta: “Sim ou não o moral da Nação pode ser levantado por uma intensa propaganda, pelo jornal, pela revista e pelo livro, de forma a criar uma mentalidade colectiva capaz de impor aos políticos uma política de grandeza nacional? (…)” • Resposta: “Há só uma espécie de propaganda com que se pode levantar o moral de uma nação — a construção ou renovação e a difusão consequente e multímoda de um grande mito nacional. (…) O mundo conduz-se por mentiras; quem quiser despertá-lo ou conduzi-lo terá que mentir-lhe delirantemente, e fá-lo-á com tanto mais êxito quanto mais mentir a si mesmo e se compenetrar da verdade da mentira que criou. Temos, felizmente, o mito sebastianista, com raízes profundas no passado e na alma portuguesa. Nosso trabalho é pois mais fácil; não temos que criar um mito, senão que renová-lo. Comecemos por nos embebedar desse sonho, por o integrar em nós, por o encarnar. (…) Então se dará na alma da Nação o fenómeno imprevisível de onde nascerão as Novas Descobertas, a Criação do Mundo Novo, o Quinto Império. Terá regressado El-Rei D. Sebastião.”
  • 11. MENSAGEM – teorização do poeta • “O meu intenso sofrimento patriótico, o meu intenso desejo de melhorar o estado de Portugal, provocam em mim — como exprimir com que ardor, com que intensidade, com que sinceridade !— mil projectos que mesmo se realizáveis por um só homem, exigiriam dele uma característica puramente negativa em mim — força de vontade. (…) E, depois, incompreendido. Ninguém suspeita do meu amor patriótico, mais intenso do que o de todos aqueles a quem encontro ou conheço. “ Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação • Intertextualidade Camões/Pessoa: “…As cousas árduas e lustrosas, Se alcançam com trabalho e com fadiga; Faz as pessoas altas e famosas A vida que se perde e que periga, Que, quando ao medo infame não se rende, Então, se menos dura, mais se estende.” (Camões, Os Lusíadas, IV, 78) “…Só aquilo que vale a pena custa e dói. Bendita a dor e a pena pelas quais o Mundo se transforma.” Fernando Pessoa, Ultimatum e Páginas de Socioogia Política
  • 12. MENSAGEM – o sonho do poeta • Mensagem é… • O canto de um passado histórico que se transforma num mito, para que possamos reinventar o futuro - ultrapassar as várias fases de um percurso iniciático (a «escola») - objectivo: atingir o renascimento do homem português enquanto ser espiritual. • A conquista sonhada - a identidade perdida reencontrar-se-ia e traria consigo… - o Rei (arquétipo de Pai) - o Espaço (arquétipo de Mãe) a nova PÁTRIA.
  • 13. MENSAGEM – a génese • Único livro publicado em vida; • Motivo: foi o único livro que ele conseguiu completar; • Em carta de 1932, o poeta atesta a intenção de publicar primeiro Portugal (primeiro título de Mensagem) e só depois O Livro do Desassossego e a poesia dos heterónimos; • A palavra Mensagem começa, desde logo, por explorar os domínios do simbólico e do mistério – divide-se em três Mens agitat Molem (a mente move a matéria); Pessoa acha-a mais apropriada do que Portugal (ver acetato); • Um mês depois da sua publicação, o livro foi premiado pelo S. P. N., com um 2º prémio (com o mesmo valor pecuniário do 1º); • Mensagem é, para Pessoa, o primeiro passo, na direcção de um outro futuro.
  • 14. MENSAGEM – a génese • “o pequeno livro de poemas” é um livro de orações pagãs; • Contém um plano cheio de heróis que abandonam a carne e o osso em favor do símbolo; • É um livro fácil de ler, mas difícil de compreender; • exige a análise e a reflexão; • Não tem o lirismo inocente de Camões, nem o tom cristão e pacífico dos sermões de Vieira; • É um mega poema de exaltação nacionalista; • Se Pessoa fala de figuras, é para depois as tornar em símbolo; • Se fala em eventos, é para depois os tirar do tempo, reduzindo-os a uma parte de um destino maior; • Tudo em torno de uma Índia que não existe ainda, embarcando tudo o que o sonho humano permite.
  • 15. MENSAGEM - ESTRUTURA • Características gerais • Estrutura: externa e interna (ver manual Plural, Lisboa Editora: páginas 141)
  • 16. Mensagem - análise • Abertura: “Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum” elocução em latim, com profundos significados herméticos1, nomeadamente Rosa-crucianos2. • Tradução: “Bendito sejas Deus nosso Senhor, que nos deu o verbo” ou “…deu o sinal”. • Assim, na abertura, FP diz ao leitor, de maneira velada, que Mensagem é uma obra de símbolos. • Para FP, Jesus Cristo (“nosso Senhor”) é o maior símbolo: Jesus é logos, o intermediário intelectual, entre a misteriosa vontade do Deus criador e o alcance humano da razão. • Este símbolo magno antecipa, pois, todos os outros símbolos (humanos) • FP revela grande interesse de no ocultismo e na Cabala3 (episódio com Aleisteir Crowley)
  • 17. Mensagem - análise • A divisão do poema em 3 partes não é inocente: na tradição cabalística, o nº 3 representa a transformação e unificação de polaridades opostas, onde o espiritual governa o físico e a mente governa a matéria. • (nº 3 na Bíblia: trindade; criação do mundo: 3 dias para criar o Céu e a Terra; + 3 dias para os povoar) • “Brasão”: - representa em símbolo a nobreza do povo português, na sua essência primordial; - é críptico em si mesmo, uma representação em símbolos e cores, para identificar indivíduos, famílias, actos de nobreza e heroísmo (acetato); - FP quer, desde logo, fixar hermeticamente (falando da conquista do território), para depois dissolver e sublimar.
  • 19. Mensagem - análise • A 1ª parte de Mensagem • “Bellum sine bello” = “guerra sem guerrear” a parte que se mantém sempre eterna, como nobreza e carácter. • Tem 19 poemas (1+9=10=1+0=1, a unidade, o início) • Dedicada ao tema da filosofia/religião cristã; • Subtítulo “Os Campos” = os terrenos simbólicos onde a luta se inicia, pelas “Quinas”, título do poema segundo da primeira parte: “O Das Quinas”
  • 20. Mensagem - análise • “Os Castelos”: significado apenas heráldico ou tb simbólico? - em Castelos, são expostas as bases fundadoras da nação; - é a parte II de Campos (função dos castelos na IM…) - serão para FP as figuras fortes, maciças, em cujos feitos se baseiam todas as outras; - serão pois sinónimo de “Fortalezas”, “Bases Seguras”; - 7 Castelos: soma do ternário (Céu), como quaternário (Terra) = totalidade do universo criado; - Bíblia: Deus precisou de 7 dias para criar o mundo; - a importância do mito: FP inicia “Os Castelos” com Ulisses = as coisas morrem e em essência, em mito se renovam, renascem.
  • 21. Mensagem – vocabulário • 1Hermetismo é o estudo e prática da filosofia oculta e da magia associados a escritos atribuídos a Hermes Trismegisto, "Hermes Três-Vezes-Grande", uma deidade sincrética que combina aspectos do deus grego Hermes e do deus egípcio Thoth. Estas crenças tiveram influência na sabedoria oculta europeia… • Leis herméticas São sete as principais leis herméticas, estas baseiam-se nos princípios incluídos no livro "O Caibalion" que reúne os ensinamentos básicos da Lei que rege todas as coisas manifestadas. A palavra Caibalion seria um derivado grego da mesma raíz da palavra Cabala, que em hebraico significa "recepção". Lei do Mentalismo "O Todo é Mente; o Universo é mental." Lei da Correspondência "O que está em cima é como o que está em baixo. E o que está em baixo é como o que está em cima" Lei da Vibração "Nada está parado, tudo se move, tudo vibra". Lei da Polaridade "Tudo é duplo, tudo tem dois pólos, tudo tem o seu oposto. O igual e o desigual são a mesma coisa. Os extremos tocam-se . Todas as verdades são meias-verdades. Todos os paradoxos podem ser reconciliados" Lei do Ritmo "Tudo tem fluxo e refluxo, tudo tem as suas marés, tudo sobe e desce, o ritmo é a compensação". Lei do Género "O Género está em tudo: tudo tem os seus princípios Masculino e Feminino, o género se manifesta em todos os planos da criação". Lei de Causa e Efeito "Toda causa tem seu efeito, todo o efeito tem sua causa, existem muitos planos de causalidade mas nenhum escapa à Lei".
  • 22. Mensagem - vocabulário • 2Rosa-cruz (Rosacruz ou Rosacrucianismo) refere-se a diversas organizações místicas e esotéricas, normalmente denominadas fraternidades ou Ordens, que se reinvindicam herdeiras de tradições antigas e que usam rituais associados à Franco-maçonaria. • A Ordem Rosacruz foi fundada, segundo certas lendas, por Christian Rosenkreuz, peregrino do século XV. Alguns historiadores apontam, contudo, a sua origem num grupo de protestantes alemães, em 1604 ou 1605.
  • 23. Mensagem - vocabulário • 3"Cabala“:é uma doutrina esotérica que visa conhecer a Deus e o Universo, sendo afirmado que nos chegou como uma revelação para eleger santos de um passado remoto, e reservada apenas a alguns privilegiados. • Grande parte das formas de Cabala ensinam que cada letra, palavra, número, e acento da Escritura contêm um sentido escondido e ensina os métodos de interpretação para verificar esses significados ocultos. • Desde o final do século XIX, com o crescimento do estudo da cultura dos Judeus, a Cabala também tem sido estudada como um elevado sistema racional de compreensão do mundo, mais que um sistema místico.
  • 24. Os Lusíadas / Mensagem • Relação Intertextual: Os Lusíadas Mensagem Canto I, est. 6, 7, 16. 17 D. Sebastião, Rei de Portugal Canto III, est. 6,17, 20, 21 O dos Castelos Canto III, est. 96, 97, 98 D. Dinis Canto V, est. 1-4; 12-14 O Infante Canto V, est. 37; 39-43 O Mostrengo Canto IX, est. 51, 52; 64, 65; 68, 70-72; Horizonte 83, 84; 91 Canto X, est. 145 Nevoeiro
  • 25. INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem 6 "Entre a Zona que o Cancro senhoreia, Meta setentrional do Sol luzente, E aquela que por fria se arreceia O DOS CASTELOS Tanto, como a do meio por ardente, Jaz a soberba Europa, a quem rodeia, Pela parte do Areturo, e do Ocidente, Com suas salsas ondas o Oceano, A Europa jaz, posta nos cotovelos: E pela Austral o mar Mediterrano. 17 De Oriente a Ocidente jaz, fitando, "Eis aqui se descobre a nobre Espanha, E toldam-lhe românticos cabelos Como cabeça ali de Europa toda, Em cujo senhorio o glória estranha Muitas voltas tem dado a fatal roda; Olhos gregos, lembrando. Mas nunca poderá, com força ou manha, A fortuna inquieta pôr-lhe noda, Que lhe não tire o esforço e ousadia O cotovelo esquerdo é recuado; Dos belicosos peitos que em si cria. 20 O direito é em ângulo disposto. "Eis aqui, quase cume da cabeça De Europa toda, o Reino Lusitano, Aquele diz Itália onde é pousado; Onde a terra se acaba e o mar começa, E onde Febo repousa no Oceano. Este diz Inglaterra onde, afastado, Este quis o Céu justo que floresça A mão sustenta, em que se apoia o rosto. Nas armas contra o torpe Mauritano, Deitando-o de si fora, e lá na ardente África estar quieto o não consente. 21 Fita, com olhar sphyngico e fatal, "Esta é a ditosa pátria minha amada, O Ocidente, futuro do passado. A qual se o Céu me dá que eu sem perigo Torne, com esta empresa já acabada, Acabe-se esta luz ali comigo. Esta foi Lusitânia, derivada De Luso, ou Lisa, que de Baco antigo O rosto com que fita é Portugal. Filhos foram, parece, ou companheiros, E nela então os Íncolas primeiros. F. Pessoa, Mensagem, I-I, 1 Os Lusíadas, canto III
  • 26. Comentário: O poema é uma descrição do mapa da Europa que Pessoa assemelha a uma mulher reclinada. Compare-se com o trecho d' Os Lusíadas (canto III, est. 6-21). O Campo dos castelos representa a materialidade (ver "O das Quinas"). "olhos gregos, lembrando"- lembrando a herança cultural da Europa que Pessoa remontava à Grécia Antiga. "olhar sphyngico e fatal"- olhar enigmático (imperscutável) e (mas) pré-destinado. Note-se que, por fidelidade, foi mantida a ortografia original o que permite, também, conservar a métrica que seria alterada pela grafia "esfíngico" em vez de “sphyngico". Ao que parece, Fernando Pessoa favorecia a ortografia clássica por razões de estilo, mas também de elitismo. "o Ocidente, futuro do passado"- o Mar, onde a Europa se lançou, através de Portugal, na grande Idade das Descobertas com a qual traçou o seu próprio futuro (o actual e, pensa Pessoa, também o futuro a haver).
  • 27. Em análise: Superficialmente, numa primeira leitura, trata-se de um poema “geográfico”, mero exercício comparativo do mapa físico da Europa com a figura de uma pessoa. “A Europa jaz, posta nos cotovelos: / De Oriente a Ocidente jaz, fitando, / E toldam-lhe românticos cabelos / Olhos gregos, lembrando .” . Nada de extraordinário até aqui. Os fiordes escandinavos realmente parecem uma cabeleira vasta. “O cotovelo esquerdo é recuado; / O direito é em ângulo disposto. / Aquele diz Itália onde é pousado; / Este diz Inglaterra onde, afastado, / A mão sustenta, em que se apoia o rosto”. Ainda sem maior interesse. Dir- se-ia — e aí precisamente mora o perigo — um poema vulgar. Se conferirmos no mapa da Europa — é assim mesmo: os acidentes Itália e Inglaterra são como que os cotovelos de uma jovem. “Fita, com olhar sphyngico e fatal, / Occidente, futuro do passado.” Aqui, as ideias já começam a “complexificar-se”. O poeta anuncia algo de grandioso: “Fita, com olhar sphyngico e fatal,/ O Occidente, futuro do passado.” Finalmente: “O rosto com que fita é Portugal.” “Feche o livro, caro leitor, respire fundo e contemple o Infante preparando as navegações daquela nesga minúscula, simplório enclave geográfico no mapa d’Espanha... — quanta glória!!! Ah, meu Deus, quanta glória em 7 (sete, misticamente sete — dizem que Mensagem é uma mensagem misticamente cifrada; parece que é!), sete palavras apenas para tamanha grandiosidade. Os lusos, Os Lusíadas (…) contidos nesta frase perfeita: “O rosto com que fita é Portugal.”! Disse Pessoa a frase perfeita. Veja o caro leitor se tenho razão em chamá-la perfeita. O rosto — de quem, o rosto? — do mapa anteriormente descrito, o rosto da Europa, símbolo então de toda a civilização ocidental, o rosto da Humanidade, o rosto de Deus? Quem, afinal, fita o mundo?! Agora percebemos que a estrofe anterior — o olhar sphyngico — era terreno preparatório (…) para o grande final (…), onde fitar não é simplesmente sinónimo de olhar. Portugal, no extremo (ou no início!) do mapa e no extremo do verso, FUNDA o mundo e o domina! E na ponta da lança dos seus guerreiros, o missal dos frades enlouquecidos, a esmagar os deuses das novas terras, em nome do Cristo! Quem olha, afinal? A Cruz-de-Malta?! Já não há mais tempo: eis o abismo, caia nele, de ponta!". Soares Feitosa, in Jornal de Poesia
  • 28. INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem 96 "Eis depois vem Dinis, que bem parece Do bravo Afonso estirpe nobre e dina, Com quem a fama grande se escurece Da liberalidade Alexandrina. Com este o Reino próspero floresce (Alcançada já a paz áurea divina) Em constituições, leis e costumes, Na terra já tranquila claros lumes. 97 "Fez primeiro em Coimbra exercitar-se O valeroso ofício de Minerva; E de Helicona as Musas fez passar-se A pisar do Monde-o a fértil erva. D.DINIS Quanto pode de Atenas desejar-se, Tudo o soberbo Apolo aqui reserva. Na noite escreve um seu Cantar de Amigo Aqui as capelas dá tecidas de ouro, Do bácaro e do sempre verde louro. o plantador de naus a haver, e ouve um silêncio múrmuro consigo: 98 é o rumor dos pinhais que, como um trigo "Nobres vilas de novo edificou de Império, ondulam sem se poder ver. Fortalezas, castelos mui seguros, E quase o Reino todo reformou Arroio, esse cantar, jovem e puro, Com edifícios grandes, e altos muros. busca o oceano por achar; Mas depois que a dura Átropos cortou O fio de seus dias já maduros, e a fala dos pinhais, marulho obscuro, Ficou-lhe o filho pouco obediente, é o som presente desse mar futuro, Quarto Afonso, mas forte e excelente. é a voz da terra ansiando pelo mar. Os Lusíadas, canto III Fernando Pessoa, Mensagem, I-II, 6
  • 29. Comentário: - No século XIII, a Europa estava desflorestada, após séculos de exploração selvagem das florestas primevas. - D. Dinis levou a cabo um vasto plano de reflorestação através do plantio de matas reais de pinheiros bravos. - A madeira foi depois utilizada na construção das caravelas das Descobertas; ela é o tema deste belo oitavo poema da Mensagem. "Cantar de Amigo"- poema medieval, cantado pelos trovadores. D. Dinis escreveu vários destes cantares. "silêncio múrmuro"- silêncio murmurante. "arroio"- riacho; "marulho"- som do mar.
  • 30. INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem 6 17 E vós, ó bem nascida segurança Em vós se vêm da olímpica morada Da Lusitana antígua liberdade, Dos dois avós as almas cá famosas, E não menos certíssima esperança Uma na paz angélica dourada, De aumento da pequena Cristandade; Vós, ó novo temor da Maura lança, Outra pelas batalhas sanguinosas; Maravilha fatal da nossa idade, Em vós esperam ver-se renovada Dada ao mundo por Deus, que todo o mande, Sua memória e obras valerosas; Para do mundo a Deus dar parte grande; E lá vos tem lugar, no fim da idade, No templo da suprema Eternidade. 7 Os Lusíadas, canto I Vós, tenro e novo ramo florescente De uma árvore de Cristo mais amada Que nenhuma nascida no Ocidente, D.SEBASTIÃO REI DE PORTUGAL Cesárea ou Cristianíssima chamada; (Vede-o no vosso escudo, que presente Louco, sim, louco, porque quis grandeza Vos amostra a vitória já passada, Qual a Sorte a não dá. Na qual vos deu por armas, e deixou As que Ele para si na Cruz tomou) Não coube em mim minha certeza; 16 Por isso onde o areal está Em vós os olhos tem o Mouro frio, Ficou meu ser que houve, não o que há. Em quem vê seu exício afigurado; Só com vos ver o bárbaro Gentio Mostra o pescoço ao jugo já inclinado; Minha loucura, outros que me a tomem Tethys todo o cerúleo senhorio Tem para vós por dote aparelhado; Com o que nela ia. Que afeiçoada ao gesto belo e tenro, Sem a loucura que é o homem Deseja de comprar-vos para genro. Mais que a besta sadia, Cadáver adiado que procria? F. Pessoa, Mensagem, I-III, 5
  • 31. Os Lusíadas, canto I • Na Dedicatória: Camões dedica a sua obra ao rei D. Sebastião. • O tom é laudatório: Camões faz o enaltecimento do jovem rei. “Vós, poderoso Rei, cujo alto Império O Sol, logo em nascendo, vê primeiro” • Para Camões: - o rei é garantia da independência do país; - é a quem cabe uma missão, no cumprimento da vontade de Deus: alargar a fé cristã. “E vós, (…) E não menos certíssima esperança De aumento da pequena Cristandade; (…) Maravilha fatal da nossa idade, Dada ao mundo por Deus, que todo o mande, Para do mundo a Deus dar parte grande.” • O mito sebastianista: - surge após a perda da independência em 4/8/1578; - tem um fundo messiânico, expressão da tentativa desesperada de reconquista da identidade perdida e da restauração da nacionalidade.
  • 32. D.SEBASTIÃO REI DE PORTUGAL, Mensagem • Localização do poema “D. Sebastião, Rei de Portugal”: I, III - Quinas, 5ª • Fernando Pessoa, na “Mensagem”: - evoca o mito sebastianista, apresentando o rei como “O Desejado”; - cumpre a aglutinação mítica que se encontra na origem do mito português, como “O Encoberto”. • D. Sebastião: surge como a figura arquetipal do esforço e da grandeza do herói português. • “loucura”: adquire uma conotação positiva e associa-se à capacidade de sonhar e à esperança que caracterizam o herói – aquele que é capaz de superar a «besta». • O sujeito poético: - a sua voz identifica-se com a voz de D. Sebastião; - dirige um apelo aos portugueses, estabelecendo a união entre o passado e o presente da nossa história: “Minha loucura, outros que me a tomem Com o que ela ia.”
  • 33. D.SEBASTIÃO REI DE PORTUGAL, Mensagem • Para F. Pessoa: o homem do séc. XX deveria… - deixar-se impregnar pela essência do mito sebastianista; - conceber a “loucura” de D. Sebastião como o sonho que permitiria a renovação do país e a construção de um futuro promissor, isto é, o renascimento de Portugal. “O génio, o crime e a loucura, provêm, por igual, de uma anormalidade; representam, de diferentes maneiras, uma inadaptabilidade ao meio.” Fernando Pessoa
  • 34. INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem D. JOÃO O PRIMEIRO 37 "Corre raivosa, e freme, e com bramidos O homem e a hora são um só Quando Deus faz e a história é feita. Os montes Sete Irmãos atroa e abala: O mais é carne, cujo pó Tal Joanne, com outros escolhidos A terra espreita. Dos seus, correndo acode à primeira ala: Mestre, sem o saber, do Templo -"Ó fortes companheiros, ó subidos Que Portugal foi feito ser, Cavaleiros, a quem nenhum se iguala, Que houveste a glória e deste o exemplo De o defender. Defendei vossas terras, que a esperança Da liberdade está na vossa lança.” Teu nome, eleito em sua fama, É, na ara da nossa alma interna, A que repele, eterna chama, 45 A sombra eterna. "Destas e outras vitórias longamente D.PHILIPPA DE LENCASTRE Eram os Castelhanos oprimidos, Quando a paz, desejada já da gente, Que enigma havia em teu seio Deram os vencedores aos vencidos, Que só génios concebia? Que archanjo teus sonhos veio Depois que quis o Padre omnipotente Vellar, maternos, um dia? Dar os Reis inimigos por maridos As duas ilustríssimas Inglesas, Volve a nós teu rosto sério, Princeza do Santo Gral, Gentis, formosas, ínclitas princesas.” Humano ventre do Império, Madrinha de Portugal! Canto IV, Os Lusíadas
  • 35. D. João, o Primeiro / D. Filipa de Lencastre D. João o Primeiro: "O homem e a hora são um só, quando Deus faz e a História é feita"- Fernando Pessoa exprime de novo a ideia de que o destino é traçado por Deus e rege inexoravelmente a História. Quando uma nação atinge uma encruzilhada (como Portugal em 1383) é a hora e os escolhidos executam os actos determinados. O homem é o papel que desempenhou, este é o requerido pela ocasião (pela hora), a ocasião é determinada pelo Destino, o Destino foi traçado por Deus. Conhecemos D. João I porque teve a sua hora; sem ela teria sido um obscuro mestre de uma ordem militar obscura. Sem a hora não teria havido o homem... "na ara da nossa alma interna"- no altar do nosso espírito nacional. "repele a sombra eterna"- repele o olvido, que seria o destino de Portugal se perdesse a sua identidade como nação. D. Filipa de Lencastre: "Que enigma havia em teu seio que só génios concebia"- referência à chamada "ínclita geração" dos filhos de D. Filipa e D. João I. "Volve a nós teu rosto sério"- vira o teu rosto (sisudo...) e olha para nós; lembra-te de Portugal; reza por nós! "Princesa do Santo Gral"- referência ao Graal procurado pelos cavaleiros medievais das lendas da Távola Redonda. Existem várias versões sobre o que seria, mas a mais comum refere-o como a taça de onde Cristo bebera na Última Ceia e/ou que teria recolhido o seu sangue na Cruz. A referência deve ser interpretada como "Princesa mística" porque fadada por Deus para ser mãe dos principes da ínclita geração e muito particularmente do Infante D.Henrique; ou "Princesa da grandeza (futura) de Portugal" (o Graal era suposto trazer felicidade à Terra).
  • 36. INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem 1 12 "Estas sentenças tais o velho honrado Vociferando estava, quando abrimos "Sempre enfim para o Austro a aguda proa As asas ao sereno e sossegado No grandíssimo gólfão nos metemos, Vento, e do porto amado nos partimos. Deixando a serra aspérrima Leoa, E, como é já no mar costume usado, Co'o cabo a quem das Palmas nome demos. A vela desfraldando, o céu ferimos, Dizendo: "Boa viagem", logo o vento O grande rio, onde batendo soa Nos troncos fez o usado movimento. O mar nas praias notas que ali temos, Ficou, com a Ilha ilustre que tomou 2 O nome dum que o lado a Deus tocou. "Entrava neste tempo o eterno lume No animal Nemeio truculento, O INFANTE E o mundo, que com tempo se consume, 13 Na sexta idade andava enfermo e lento: "Ali o mui grande reino está de Congo, Nela vê, como tinha por costume, Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Cursos do sol quatorze vezes cento, Por nós já convertido à fé de Cristo, Deus quis que a terra fosse toda uma, Com mais noventa e sete, em que corria, Por onde o Zaire passa, claro e longo, Que o mar unisse, já não separasse. Quando no mar a armada se estendia. Rio pelos antigos nunca visto. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, Por este largo mar enfim me alongo 3 "Já a vista pouco e pouco se desterra Do conhecido pólo de Calisto, E a orla branca foi de ilha em continente, Daqueles pátrios montes que ficavam; Tendo o término ardente já passado, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, Ficava o caro Tejo, e a fresca serra Onde o meio do mundo é limitado. De Sintra, e nela os olhos se alongavam. E viu-se a terra inteira, de repente, Ficava-nos também na amada terra Surgir, redonda, do azul profundo. O coração, que as mágoas lá deixavam; 14 E já depois que toda se escondeu, "Já descoberto tínhamos diante, Quem te sagrou criou-te português. Não vimos mais enfim que mar e céu. Lá no novo Hemisfério, nova estrela, Do mar e nós em ti nos deu sinal. 4 Não vista de outra gente, que ignorante Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. "Assim fomos abrindo aqueles mares, Alguns tempos esteve incerta dela. Senhor, falta cumprir-se Portugal! Que geração alguma não abriu, Vimos a parte menos rutilante, As novas ilhas vendo e os novos ares, E, por falta de estrelas, menos bela, Que o generoso Henrique descobriu; Mensagem, V, 1 De Mauritânia os montes e lugares, Do Pólo fixo, onde ainda se não sabe Terra que Anteu num tempo possuiu, Que outra terra comece, ou mar acabe. Deixando à mão esquerda; que à direita Não há certeza doutra, mas suspeita. Os Lusíadas, canto V
  • 37. “O Infante” - Comentário: Este poema é um dos mais conhecidos e mais marcantes de Mensagem. "Foste desvendando a espuma e a orla branca foi de ilha em continente..."- a espuma das ondas que acabam nas praias ou rebentam contra os rochedos marca as costas com uma orla branca. A frase anterior é uma forma poética de dizer que as costas foram sendo descobertas, primeiro as ilhas e depois os continentes, "até ao fim do mundo". "Quem te sagrou criou-te português"- porque, segundo Fernando Pessoa, Deus fadou Portugal para um magno destino e o Infante foi, por assim dizer, parte do "puzzle". "Do mar e nós, em ti nos deu sinal"- através de ti revelou-nos que o nosso destino era o Mar. "Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez / ...falta cumprir-se Portugal"- cumpriu-se o destinado: - o Mar foi desvendado; o Império Português (isto é, o controle das rotas oceânicas e a hegemonia no Índico) desfez-se. - Pessoa pensa que Portugal está destinado à grandeza futura, e isso ainda não se cumpriu!
  • 38. “O Infante” - Comentário: Terceira estrofe Quem te sagrou criou-te português. = Quem te elegeu, fez-te de Portugal. Do mar e nós em ti nos deus sinal. = Fez de ti um símbolo para todos os Portugueses. Cumpriu-se o mar, e o Império se desfez. = Já tivemos a posse do mar (o Império Marítimo) e o Império espiritual desfez-se. Senhor, falta cumprir-se Portugal! = Falta ainda, no entanto, cumprir-se o Destino adiado de Portugal. - Conclusão aparentemente paradoxal, mas para Pessoa, depois do Império Marítimo, falta ainda tudo – falta cumprir-se Portugal. - Para Pessoa, Portugal era mais do que apenas terra, para ele, Portugal era língua, cultura, espírito e alma. - Pessoa entende que falta cumprir-se o destino glorioso (e imaterial) da alma, já que se desfez o destino material do corpo.
  • 39. Horizonte vs Os Lusíadas, c IX HORIZONTE • 51 Cortando vão as naus a larga via Ó mar anterior a nós, teus medos Do mar ingente para a pátria amada, Tinham coral e praias e arvoredos. Desejando prover-se de água fria, Para a grande viagem prolongada, Desvendadas a noite e a cerração, Quando juntas, com súbita alegria, As tormentas passadas e o misterio, Houveram vista da ilha namorada, Rompendo pelo céu a mãe formosa Abria em flor o Longe, e o Sul siderio De Menónio, suave e deleitosa. 'Splendia sobre as naus da iniciação. 52 Linha severa da longínqua costa - De longe a Ilha viram fresca e bela, Que Vénus pelas ondas lha levava Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta (Bem como o vento leva branca vela) Em árvores onde o Longe nada tinha; Para onde a forte armada se enxergava; Que, por que não passassem, sem que nela Mais perto abre-se a terra em sons e cores: Tomassem porto, como desejava, Para onde as naus navegam a movia E, no desembarcar, há aves, flores, A Acidália, que tudo enfim podia. Onde era só, de longe, a abstracta linha. • 64 Nesta frescura tal desembarcavam O sonho é ver as formas invisíveis Já das naus os segundos Argonautas, Da distancia imprecisa, e, com sensíveis Onde pela floresta se deixavam Andar as belas Deusas, como incautas. Movimentos da esp'rança e da vontade, Algumas doces cítaras tocavam, Buscar na linha fria do horizonte Algumas harpas e sonoras flautas, Outras com os arcos de ouro se fingiam A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte - Seguir os animais, que não seguiam. Os beijos merecidos da Verdade.
  • 40. Mensagem, Horizonte • Comentários: • "teus medos tinham coral, e praias e arvoredos"- o medo do desconhecido é o temor infundado do que se imagina como real. Fernando Pessoa exemplifica dizendo que o medo ancestral do mar era sem fundamento: não havia monstros ou turbilhões que afundassem os navios - quando ultrapassámos o medo só encontrámos praias e arvoredos, flores e aves... • "mistério"- termo muito utilizado por Pessoa na acepção de desconhecido, indescoberto. • "Sul sidéreo"- Sul sideral, isto é, sul celeste - aqui refere-se à constelação Cruzeiro do Sul que indica a direcção do polo austral. • "iniciação"- cerimónia pela qual se começa a explicar a alguém os mistérios de alguma religião ou doutrina. O termo está frequentemente associado aos ritos das sociedades ditas secretas. Aqui a iniciação refere-se ao esclarecimento geográfico. • "resplendia sobre as naus da iniciação"- brilhava (resplandecia) sobre as naus que demandavam o desconhecido para o desvendar. • Este é um dos poemas que demonstram um Pessoa nacionalista místico, que respira um patriotismo de exaltação e de incitamento. Ler: “Elogio do Sonho”, Livro do Desassossego (pág. 257)
  • 41. INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem 37 41 "Porém já cinco Sóis eram passados "E disse: — "Ó gente ousada, mais que quantas Que dali nos partíramos, cortando No mundo cometeram grandes cousas, O MOSTRENGO Os mares nunca doutrem navegados, Tu, que por guerras cruas, tais e tantas, Prosperamente os ventos assoprando, E por trabalhos vãos nunca repousas, O mostrengo que está no fim do mar Quando uma noite estando descuidados, Pois os vedados términos quebrantas, Na noite de breu ergueu-se a voar; Na cortadora proa vigiando, À roda da nau voou trez vezes, E navegar meus longos mares ousas, Voou trez vezes a chiar, Uma nuvem que os ares escurece Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho, E disse: «Quem é que ousou entrar Sobre nossas cabeças aparece. Nunca arados d'estranho ou próprio lenho: Nas minhas cavernas que não desvendo, Meus tectos negros do fim do mundo?» 39 42 E o homem do leme disse, tremendo: "Não acabava, quando uma figura - "Pois vens ver os segredos escondidos «El-rei D. João Segundo!» Se nos mostra no ar, robusta e válida, Da natureza e do húmido elemento, «De quem são as velas onde me roço? De disforme e grandíssima estatura, A nenhum grande humano concedidos De quem as quilhas que vejo e ouço?» O rosto carregado, a barba esquálida, De nobre ou de imortal merecimento, Disse o mostrengo, e rodou trez vezes, Os olhos encovados, e a postura Ouve os danos de mim, que apercebidos Trez vezes rodou immundo e grosso. Medonha e má, e a cor terrena e pálida, «Quem vem poder o que só eu posso, Estão a teu sobejo atrevimento, Que moro onde nunca ninguém me visse Cheios de terra e crespos os cabelos, Por todo o largo mar e pela terra, E escorro os medos do mar sem fundo?» A boca negra, os dentes amarelos. Que ainda hás de sojugar com dura guerra. E o homem do leme tremeu, e disse: «El-rei D. João Segundo!» 40 "Tão grande era de membros, que bem posso 43 Trez vezes do leme as mãos ergueu, Certificar-te, que este era o segundo - "Sabe que quantas naus esta viagem Trez vezes ao leme as reprendeu, De Rodes estranhíssimo Colosso, Que tu fazes, fizerem de atrevidas, E disse no fim de tremer trez vezes: Inimiga terão esta paragem «Aqui ao leme sou mais do que eu: Que um dos sete milagres foi do mundo: Sou um povo que quere o mar que é teu; Com um tom de voz nos fala horrendo e grosso, Com ventos e tormentas desmedidas. E mais que o mostrengo, que me a alma teme Que pareceu sair do mar profundo: E da primeira armada que passagem E roda nas trevas do fim do mundo, Fizer por estas ondas insofridas, Manda a vontade, que me ata ao leme, Arrepiam-se as carnes e o cabelo D' El-rei D. João Segundo!» A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo. Eu farei d'improviso tal castigo, Que seja mor o dano que o perigo. Mensagem, II-4 Os Lusíadas, canto V
  • 42. INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem O MOSTRENGO Comentário: O Mostrengo que está no fim do mar Na noite de breu ergueu-se a voar; Este é um dos poemas mais conhecidos de Mensagem. Aquando À roda da nau voou três vezes, Voou três vezes a chiar, das suas duas primeiras publicações chamava-se "O Morcego" e E disse: «Quem é que ousou entrar referia "o morcego que está no fim do mar..." mas o ser Nas minhas cavernas que não desvendo, simbólico foi dignificado pela transformação em Mostrengo, na Meus tectos negros do fim do mundo?» E o homem do leme disse, tremendo: revisão anterior à edição de Mensagem em livro. «El-rei D. João Segundo!» «De quem são as velas onde me roço? - O poema simboliza o medo do desconhecido (o “Mostrengo") De quem as quilhas que vejo e ouço?» que os navegadores portugueses tiveram que vencer. Disse o Mostrengo, e rodou três vezes, Três vezes rodou imundo e grosso. - A causa próxima dessa coragem é, segundo Fernando Pessoa, «Quem vem poder o que só eu posso, as ordens do rei D. João II. Que moro onde nunca ninguém me visse E escorro os medos do mar sem fundo?» - Existe uma razão para isso: quando Gil Eanes voltou de uma E o homem do leme tremeu, e disse: tentativa falhada de dobrar o Cabo Bojador, o Infante mandou-o «El-rei D. João Segundo!» voltar para tentar novamente e o navegador venceu o temor Três vezes do leme as mãos ergueu, para não desagradar ao seu bondoso patrono. Três vezes ao leme as repreendeu, E disse no fim de tremer três vezes: «Aqui ao leme sou mais do que eu: - Mas com D. João II o trato era diferente, porque ele era o tipo Sou um povo que quer o mar que é teu; de homem que não admitia que aqueles em quem confiava E mais que o Mostrengo, que me a alma teme E roda nas trevas do fim do mundo, falhassem - os comandantes preferiam enfrentar todos os Manda a vontade, que me ata ao leme, dragões do mar à fúria do seu senhor e, por isso, o poema D' El-rei D. João Segundo!» encerra também uma ironia - a natureza da "vontade" que ata o homem do leme à rota é que o temor do seu rei é maior do que o terror do mar ignoto!
  • 43. 71 • 65 De uma os cabelos de ouro o vento leva Assim lhe aconselhara a mestra experta; Correndo, e de outra as fraldas delicadas; Que andassem pelos campos espalhadas; Acende-se o desejo, que se ceva Nas alvas carnes súbito mostradas; Que, vista dos barões a presa incerta, Uma de indústria cai, e já releva, Se fizessem primeiro desejadas. Com mostras mais macias que indignadas, Algumas, que na forma descoberta Que sobre ela, empecendo, também caia Quem a seguiu pela arenosa praia. Do belo corpo estavam confiadas, Posta a artificiosa formosura, 72 Outros, por outra parte, vão topar Nuas lavar-se deixam na água pura, Com as Deusas despidas, que se lavam: Elas começam súbito a gritar, Como que assalto tal não esperavam. • 68 Umas, fingindo menos estimar Começam de enxergar subitamente A vergonha que a força, se lançavam Nuas por entre o mato, aos olhos dando Por entre verdes ramos várias cores, O que às mãos cobiçosas vão negando. Cores de quem a vista julga e sente Que não eram das rosas ou das flores, • 83 Mas da lã fina e seda diferente, Ó que famintos beijos na floresta, E que mimoso choro que soava! Que mais incita a força dos amores, Que afagos tão suaves, que ira honesta, De que se vestem as humanas rosas, Que em risinhos alegres se tornava! O que mais passam na manhã, e na sesta, Fazendo-se por arte mais formosas. Que Vénus com prazeres inflamava, Melhor é experimentá-lo que julgá-lo, Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo. • 70 "Sigamos estas Deusas, e vejamos • 84 Se fantásticas são, se verdadeiras." Desta arte enfim conformes já as formosas Isto dito, velozes mais que gamos, Ninfas com os seus amados navegantes, Os ornam de capelas deleitosas Se lançam a correr pelas ribeiras. De louro, e de ouro, e flores abundantes. Fugindo as Ninfas vão por entre os ramos, As mãos alvas lhes davam como esposas; Mas, mais industriosas que ligeiras, Com palavras formais e estipulantes Se prometem eterna companhia Pouco e pouco sorrindo e gritos dando, Em vida e morte, de honra e alegria. Se deixam ir dos galgos alcançando. • 91 Não eram senão prémios que reparte Por feitos imortais e soberanos O mundo com os varões, que esforço e arte Divinos os fizeram, sendo humanos. Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte, Eneias e Quirino, e os dois Tebanos, Ceres, Palas e Juno, com Diana, Todos foram de fraca carne humana.
  • 44. MENSAGEM, 3ª parte “O Encoberto”: Os Símbolos / Os Avisos / Os Tempos • 3ª Epígrafe: “Pax in Excelsis” (Paz nas alturas) - Os ciclos da pátria: - 1ª parte – Portugal que se realiza na Terra - 2ª parte - Portugal que se realiza no Mar - 3ª parte - Portugal que se realiza no Céu - Conclusão: Na economia da obra “Mensagem”, estão presentes, pois, os 4 elementos: 1ª parte – TERRA 2ª parte – ÁGUA 3ª parte – AR e FOGO
  • 45. MENSAGEM, 3ª parte “O Encoberto” • As três idades da História de Portugal em “Mensagem”: - fundação do reino – 1ª dinastia - expansão ultramarina (descobertas; conquistas; evangelização) – 2ª dinastia - santificação e glorificação do mundo – dinastia a haver. • Nota: - em “Mensagem”, não figuram as 4 dinastias da História de Portugal (a filipina e a bragantina); - o poeta sugere que no final da 2ª dinastia, Portugal morre e é metonimicamente sepultado com D. Sebastião. - Conclusão: a 3ª dinastia surgirá após a ressurreição e o regresso de D. Sebastião. • Na terceira parte: - Anuncia-se a “paz nas alturas” o Quinto Império, a criar sob a égide de Portugal, será essencialmente um império do espírito, realizado sob o signo da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade: o Espírito Santo.
  • 46. MENSAGEM, 3ª parte “O Encoberto” - “O Encoberto” = o fim do Império (morte); - O Quinto Império (Ressureição que emerge do Nevoeiro) Os Símbolos (cinco) Os Avisos (três) Os Tempos (cinco) D. Sebastião O Bandarra Noite O Quinto Império António Vieira Tormenta O Desejado S’crevo Meu Livro… Calma As ilhas Afortunadas Antemanhã O Encoberto Nevoeiro Símbolos: -D. Sebastião aparece 3 vezes (três nomes diferentes), em analogia com a unidade e trindade em Deus. - o simbolismo dos números (3, 5, 13) - (…)
  • 47. MENSAGEM, 3ª parte “O Encoberto” Comentários: D. SEBASTIÃO 'Sperai! Caí no areal e na hora adversa • "Esperai!"- esperai pelo meu regresso! Que Deus concede aos seus Para o intervalo em que esteja a alma • "Caí... para o intervalo em que imersa esteja a alma imersa..."- morri e Em sonhos que são Deus. a minha alma repousa na paz de Deus. Que importa o areal e a morte e a • "areal"- o campo de Alcácer desventura Quibir. Se com Deus me guardei? • "com Deus me guardei"- com a É O que eu me sonhei que eterno dura, Fé me protegi. É Esse que regressarei. • "É O que eu me sonhei... "- sonhei-me Imperador (do Quinto Império) e esse sonho sobreviveu à minha morte; é como tal que voltarei.
  • 48. MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto” – 12º 1 A2 O QUINTO IMPÉRIO Comentários: Triste de quem vive em casa, • "Triste de quem..."- a mesma noção já encontrada em O das Contente com o seu lar, Quinas de que ser feliz é uma infelicidade porque se vive Sem que um sonho, no erguer de asa, maquinalmente e não para o sonho ou para os cometimentos. Faça até mais rubra a brasa Da lareira a abandonar! • "a lição da raiz - ter por vida a sepultura"- na própria essência material do homem está, desde a sua origem, a inevitabilidade Triste de quem é feliz! da morte. Vive porque a vida dura. Nada na alma lhe diz Mais que a lição da raiz - • "passados os quatro tempos do ser que sonhou"- referência ao Ter por vida a sepultura. rei assírio Nabucodonosor que, segundo a Bíblia, sonhou com uma estátua de quatro metais que o profeta Daniel interpretou Eras sobre eras se somem como uma premonição de quatro grandes impérios sucessivos, No tempo que em eras vem. dos quais o seu era cronologicamente o primeiro. Ser descontente é ser homem. Que as forças cegas se domem • "que no atro da erma noite começou"- que começou nas trevas Pela visão que a alma tem! da noite deserta. E assim, passados os quatro • "Grécia, Roma, Cristandade, Europa"- os quatro impérios que Tempos do ser que sonhou, Pessoa pensava ajustarem-se ao sonho do rei assírio. A terra será teatro • "vão para onde vai toda a idade"- envelhecem e morrem; Do dia claro, que no atro desaparecem. Da erma noite começou. • "Quem vem viver a verdade?"- o Quinto Império sonhado por pessoa é uma abstracção de Luz (ou Verdade, ou Cultura - Grécia, Roma, Cristandade, todos os termos são, nesta acepção, equivalentes). A frase Europa - os quatro se vão deve ser lida "Quem vem viver o Quinto Império?". Para onde vai toda a idade. Quem vem viver a verdade • "Quem vem viver a verdade que morreu Dom Sebastião?“ - Que morreu Dom Sebastião? completa, a frase torna-se uma interrogação meramente retórica, a menos que se tome "que" na acepção de "porque" ou "para a qual". Nesse caso a frase torna-se "Quem viver a verdade (do Quinto Império) para a qual D. Sebastião morreu".
  • 49. MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto” Comentários: • "Onde quer que jazas entre sombras, sente-te sonhado e ergue-te para teu novo fado"- onde quer que a tua alma esteja, O DESEJADO pressente que esperamos por ti e renasce para o teu novo destino“. Onde quer que, entre sombras e dizeres, • "Galaaz com pátria"- O Desejado, D.Sebastião que é Jazas, remoto, sente-te sonhado, equiparado a Sir Galahad, o cavaleiro virgem do Ciclo da Távola E ergue-te do fundo de não-seres Redonda a quem foi dado conhecer o Santo Graal. A origem de Galahad era desconhecida (não tinha pátria) embora na Para teu novo fado! verdade fosse filho de Sir Lancelot. Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo, • "erguer a alma do teu povo à Eucaristia Nova"- trazer a Portugal a Nova Religião (Pessoa referiu-se várias vezes em Mas já no auge da suprema prova, outros escritos ao seu sonho de uma nova religião popular de A alma penitente do teu povo cariz helénico). À Eucaristia Nova. • "Mestre da Paz"- O Senhor do 5º Império, O Desejado; "Excalibur do Fim"- Símbolo do fim do mundo tal como o conhecemos; arauto da Nova Era (cujo estabelecimento é a Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido, "suprema prova"). Excalibur do Fim, em jeito tal Que sua Luz ao mundo dividido • "revele o Santo Graal"- no Ciclo da Távola Redonda, o Graal desapareceu como castigo do amor adúltero de Guinevere e Revele o Santo Graal! Lancelot e com ele foi-se a felicidade do Reino. O retorno do Graal representaria, pela mesma lógica, a união, paz e felicidade de todos os povos do mundo.
  • 50. MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Símbolos, quarto • NOTAS: AS ILHAS AFORTUNADAS • As Ilhas Afortunadas são uma lenda medieval. Que voz vem no som das ondas • Por vezes, o nome é associado a ilhas maravilhosas (por que não é a voz do mar? exemplo, com cidades de ouro puro) que teriam existência real É a voz de alguém que nos fala, e chegavam até a estar indicadas nos mapas náuticos; mas que, se escutamos, cala, • Outras vezes, referiam-se declaradamente a ilhas que podiam por ter havido escutar. ser vistas pelos mareantes mas nunca alcançadas. • Provavelmente ,a lenda foi sugerida por fenómenos E só se, meio dormindo, atmosféricos que provocavam miragens de terras inexistentes no meio do mar. sem saber de ouvir ouvimos, que ela nos diz a esperança - "onde o Rei mora esperando“: a que, como uma criança • de novo, Fernando Pessoa faz uma convolução das lendas da dormente, a dormir sorrimos. Távola Redonda e do Desejado. São ilhas afortunadas, • Supostamente, depois da batalha de Camlann em que Artur são terras sem ter lugar, matou Mordred, mas onde foi, ele também, mortalmente onde o Rei mora esperando. ferido, o rei moribundo foi levado para a Ilha de Avalon (uma Mas, se vamos despertando, "ilha afortunada"), onde, em vez de morrer, ficou adormecido para um dia voltar numa hora de suprema necessidade para cala a voz, e há só o mar. salvar o seu povo e restaurar o seu reino. 26-03-1934 • Poema intensamente irónico; • Funciona como introdução a “Os Avisos”, parte II.
  • 51. Os Lusíadas, canto IX, est. 54, 64 “ILHA DOS AMORES” • 54 Três formosos outeiros se mostravam • 64 Erguidos com soberba graciosa, Que de gramíneo esmalte se adornavam.. Nesta frescura tal desembarcavam Na formosa ilha alegre e deleitosa; Já das naus os segundos Argonautas, Claras fontes o límpidas manavam Onde pela floresta se deixavam Do cume, que a verdura tem viçosa; Andar as belas Deusas, como incautas. Por entre pedras alvas se deriva Algumas doces cítaras tocavam, A sonorosa Ninfa fugitiva. Algumas harpas e sonoras flautas, Outras com os arcos de ouro se fingiam Seguir os animais, que não seguiam.
  • 52. MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Símbolos Comentários: O ENCOBERTO - Este curioso poema é uma sucessão de referências Que símbolo fecundo cruzadas à mística rosicruciana. Vem na aurora ansiosa? - Os Rosa-Cruz foram (são?) uma sociedade secreta cujas Na Cruz Morta do Mundo origens provavelmente remontam ao século XVII. AQUI. A Vida, que é a Rosa. - Parece que, originalmente, seria um grupo secreto de homens cultos e superiormente desinteressados que Que símbolo divino sonhavam controlar os destinos da humanidade de Traz o dia já visto? maneira a assegurar o advento de um mundo pacífico e Na Cruz, que é o Destino, feliz (na prática, uma variante da noção do Quinto Império). A Rosa, que é o Cristo. - As diversas cisões e criação de sociedades sob o mesmo nome obliteraram as pistas quanto à permanência real de Que símbolo final uma sociedade secreta que represente a presença actual de uma herança multisecular ininterrupta. Mostra o sol já desperto? Na Cruz morta e fatal - Existem várias interpretações da simbologia da Rosa e A Rosa do Encoberto. da Cruz. 21/2/1933; 11/2/1934 - a Rosa é uma representação do círculo e está associada a ideais de perfeição que são metas; - a Cruz representa, por exemplo, as atribulações que há a ultrapassar ou vencer para as atingir.
  • 53. “Os Avisos” • Quando Pessoa diz “Avisos”, refere-se àqueles que foram avisados (ajuizados, acertados), aqueles que, atempadamente, viram o regresso do Rei menino de maneira correcta. • Por isso, Pessoa deixou o «pré-aviso» das “Ilhas Afortunadas”, insistindo na visão espiritual e não material do regresso do Rei. • Noutro sentido, Pessoa refere-se àqueles que anunciaram (avisaram) do regresso do Rei.
  • 54. MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Avisos Comentários: • Pessoa refere-se, neste poema, a Gonçalo Anes, sapateiro de Trancoso, que escreveu uns versos de cariz O BANDARRA profético, na época de D. João III. Neles, vêem alguns a previsão do Sonhava, anónimo e disperso, período de domínio filipino, a o Império por Deus mesmo visto, Restauração e uma posterior expansão confuso como o Universo imperial que está, na sua origem, e plebeu como Jesus Cristo. próxima da convicção de Padre António Vieira quanto ao advento de Não foi nem santo nem herói, um Quinto Império português que mas Deus sagrou com Seu sinal teria sido destinado por Deus ("por este, cujo coração foi Deus mesmo visto"). não português mas Portugal. 28/03/1930 • Este que "Deus sagrou com seu sinal"- este, a quem Deus deu o dom da profecia.
  • 55. MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Avisos ANTÓNIO VIEIRA Comentários: O céu 'strela o azul e tem grandeza. • Este é um belíssimo poema de Mensagem que bem poderia ilustrar a afirmação de Este, que teve a fama e à gloria tem, que a poesia de Fernando Pessoa é para ser Imperador da língua portuguesa, compreendida e não explicada. Foi-nos um céu também. • A leitura transmite imediatamente, através de imagens suscitadas pelo texto, a visão do No imenso espaço seu de meditar, poeta. Constelado de forma e de visão, • No entanto uma análise estritamente literal das frases individuais revelaria inesperadas Surge, prenúncio claro do luar, complexidades. El-Rei D. Sebastião. • "imperador da língua portuguesa"- epíteto dado por Pessoa ao Padre António Vieira Mas não, não é luar: é luz do etéreo. que foi o maior orador do seu tempo e um É um dia; e, no céu amplo de desejo, dos mais admiráveis estilistas da prosa portuguesa. A madrugada irreal do Quinto Império • “Surge, prenúncio claro do luar, / El-Rei D. Doira as margens do Tejo. Sebastião"- refere-se aos escritos do Padre António Vieira sobre as esperanças de 31/7/1929 Portugal, que um grande rei conduziria a futuro Quinto Império do Mundo. • "luz do etéreo"- luz celeste.
  • 56. MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Avisos (TERCEIRO AVISO) Comentários: 'Screvo meu livro à beira-mágoa. - Único poema de Mensagem que não tem nome; Meu coração não tem que ter. - Fernando Pessoa fala como sucessor do Bandarra e do Padre António Tenho meus olhos quentes de água. Vieira: Só tu, Senhor, me dás viver. - também ele anuncia a boa nova - o advento do Rei que conduzirá Portugal ao Quinto Império; Só te sentir e te pensar - anuncia-o, não como profeta ungido (que só o Bandarra teria sido, Meus dias vácuos enche e doura. já que Vieira derivou as suas conclusões das trovas do antecessor e Mas quando quererás voltar? das Sagradas Escrituras) mas como Homem de Razão que sabe e Quando é o Rei? Quando é a Hora? que espera (e desespera, como acentua); - a ter nome, o poema chamar-se-ia "Fernando Pessoa" e por isso o Quando virás a ser o Cristo não tem. De a quem morreu o falso Deus, E a despertar do mal que existo "Senhor"- O Encoberto, também chamado "Rei".. A Nova Terra e os Novos Céus? "dias vácuos"- dias monótonos, vazios. "o Cristo de a quem morreu o falso Deus"- o meu Cristo. Pessoa não Quando virás, ó Encoberto, acreditava no Deus da Igreja Católica Romana, nem na divindade do seu Sonho das eras português, Cristo que com Ele se confunde (o "falso Deus"). Tornar-me mais que o sopro incerto "a Nova Terra e os Novos Céus"- o Quinto Império (referência à expressão De um grande anseio que Deus fez? usada na 2ª Epístola de S. Pedro para designar o Terceiro Mundo - ver o comentário ao poema "Antemanhã"). "sonho das eras português"- sonho secular dos portugueses. Ah, quando quererás, voltando, Fazer minha esperança amor? "tornar-me mais que o sopro incerto de um grande anseio que Deus fez"- quando Pessoa se refere a Deus, refere-se ao Criador (em que acreditava) Da névoa e da saudade quando? e Arquitecto do Destino. Aqui ele diz-nos que, com o advento do Quando, meu Sonho e meu Senhor? Encoberto, que esperava para os seus dias, ele tornar-se- 10/12/1928 ia mais do que a voz quase inaudível que exprimia um sonho nacional.
  • 57. “Os Tempos” • Pessoa já usara a expressão Tempos no poema “Quinto Império” (“passados os quatro / Tempos do ser que sonhou”). • Os Tempos serão, pois, os 4 Impérios do passado e o 5º, o Império do futuro. • Curiosamente, o quinto poema desta parte corresponde ao título “Nevoeiro” – depreende-se que seja o tempo do presente, o momento em que o poeta nos fala; - o Quinto Império será consequência do regresso do Rei D. Sebastião, aquele que, na profecia popular, voltará numa manhã de nevoeiro.
  • 58. MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Tempos NOITE Comentários: A nau de um d’eles tinha-se perdido • O poema refere o episódio da exploração da América pelos no mar indefinido. irmãos Corte-Real: Gaspar explorou as costas do Canadá em O segundo pediu licença ao Rei 1500, mas não regressou de uma viagem similar no ano de, na fé e na lei seguinte. O seu irmão Miguel foi procurá-lo com três navios da descoberta ir em procura que se separaram ao atingir a América. O navio de Miguel do irmão no mar sem fim e a névoa escura. nunca mais foi visto embora os outros dois tenham regressado Tempo foi. Nem primeiro nem segundo a Portugal. Finalmente o terceiro irmão, Vasco, viu recusado volveu do fim profundo por D.,ManueI o pedido de autorização de procurar os irmãos, do mar ignoto à pátria por quem dera uma vez que a sua eventual morte representaria o fim da o enigma que fizera. linhagem. O rei enviou, ele-próprio, uma expedição de Então o terceiro a El-Rei rogou salvamento que não encontrou vestígios dos desaparecidos. licença de os buscar, e El-Rei negou. • "Noite" (em relação ao advento do Quinto Império) refere um Como a um cativo, o ouvem a passar episódio apropriadamente passado antes do Bandarra ou D. os servos do solar. Sebastião terem sequer nascido, mas é provável que tenha sido E, quando o vêem, vêem a figura redigido para outro fim e aproveitado por Pessoa quando, em da febre e da amargura, 1934, se apressava a completar Mensagem para apresentar o com fixos olhos rasos de ânsia fitando a proibida azul distancia. livro a um concurso de poesia. • "não volveu à pátria por quem dera o enigma que fizera"- não Senhor, os dois irmãos do nosso Nome voltou à Pátria pela qual deu a vida (o enigma é a circunstância – O Poder e o Renome – do seu misterioso desaparecimento). ambos se foram pelo mar da idade à tua eternidade; • "ambos se foram à Tua eternidade"- ambos morreram. e com eles de nós se foi • "com eles de nós se foi o que faz a alma poder ser de herói"- o que faz a alma poder ser de herói. com eles perdeu Vasco o alento e a ousadia. Queremos ir buscá-los, d’esta vil • "queremos ir buscá-los desta vil prisão"- (fala Vasco) quero nossa prisão servil: morrer para ir ter com eles (a "prisão servil" é a vida). é a busca de quem somos, na distancia de nós; e, em febre de ânsia, • "Deus não dá licença que partamos"- falhado o pedido feito ao a Deus as mãos alçamos. rei para ir em busca dos irmãos, Vasco pede então a Deus que o liberte da amargura e o leve para se reunir aos irmãos no Mas Deus não dá licença que partamos. Além, mas Deus não lhe concede a morte...
  • 59. MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Tempos • Comentários: • "a noite é o fausto do mistério"- a noite é a pompa do desconhecido; é de noite que TORMENTA o desconhecido assume toda a sua grandeza (ou é mais terrível).. Que jaz no abismo sob o mar que se ergue? • "o relâmpago, farol de Deus, um hausto Nós, Portugal, o poder ser. brilha"- o relâmpago reluz por um Que inquietação do fundo nos soergue? instante (literalmente: pelo tempo de uma O desejar poder querer. inalação rápida). "e o mar escuro estruge"- o mar estrondeia (faz um Isto, e o mistério de que a noite é o fausto... estrépito muito alto). Mas súbito, onde o vento ruge, • o poema é sobre uma tormenta simbólica: O relâmpago, farol de Deus, um austo a agitação íntima de Portugal que, Brilha, e o mar 'scuro 'struge. segundo Pessoa, aspira ser a nação do Quinto Império. • E no negrume da ignorância do Seu desígnio, Deus indica-o por um breve instante (supostamente através do próprio F. Pessoa que seria, assim, o "farol de Deus").
  • 60. MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Tempos CALMA Comentários: Que costa é que as ondas contam • Este estranho poema deve ser comparado ao intitulado e se não pode encontrar "Ilhas Afortunadas" que versa o mesmo tema e foi por mais naus que haja no mar? escrito alguns dias mais tarde. O que é que as ondas encontram e nunca se vê surgindo? • É provável que o poema agora intitulado "Calma" tenha Este som de o mar praiar sido a primeira versão de "Ilhas Afortunadas" e tenha onde é que está existindo? sido repescado para a última parte de Mensagem que foi preparada com um prazo muito curto e, destinando-se a Ilha próxima e remota, um concurso que impunha um número mínimo de que nos ouvidos persiste, páginas, obrigava o poeta a incluir mais material do que para a vista não existe. o que, de outra maneira, poderia ter incluído. Que nau, que armada, que frota pode encontrar o caminho • Este poema representa uma espécie de tempo de à praia onde o mar insiste, paragem para reflexão, o que talvez tenha justificado o se à vista o mar é sozinho? seu nome. Haverá rasgões no espaço • "rasgões no espaço que dêem para outro lado"- este que dêem para outro lado, conceito dos mundos paralelos ou túneis para outros e que, um d’eles encontrado, mundos, hoje lugar comum nos contos de ficção aqui, onde há só sargaço, científica e parcialmente alvo de estudos pelos físicos surja uma ilha velada, teóricos, é altamente surpreendente para a época e o país afortunado suscita a questão de se Pessoa o terá imaginado ou se que guarda o Rei desterrado terá tido notícia dele através de revistas de ficção em sua vida encantada? científica americanas. 15/2/1934
  • 61. MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Tempos Comentários: ANTEMANHÃ • "a madrugada do novo dia, do novo dia sem acabar"- a O mostrengo que está no fim do mar alvorada do Quinto Império (que será eterno). Veio das trevas a procurar • "desvendou o Segundo Mundo, nem o Terceiro quer A madrugada do novo dia, desvendar"- referência à Segunda Epístola de S. Pedro, onde Do novo dia sem acabar; o apóstolo divide os Tempos em três: E disse, «Quem é que dorme a lembrar – o Primeiro Mundo, que durou desde a Criação até ao Que desvendou o Segundo Mundo, Dilúvio; Nem o Terceiro quer desvendar?» – o Segundo Mundo, em que vivemos, que durará até à segunda vinda de Cristo - que supostamente reinará por E o som na treva de ele rodar mil anos - Faz mau o sono, triste o sonhar. – e o Terceiro Mundo que se segue e que perdurará Rodou e foi-se o mostrengo servo eternamente e é, nesta alegoria, confundido com o Que seu senhor veio aqui buscar, Quinto Império. Que veio aqui seu senhor chamar – • "Aquele que está dormindo e foi outrora Senhor do Mar"- D. Chamar Aquele que está dormindo Sebastião ou Portugal, que nesta acepção se confundem. E foi outrora Senhor do Mar. • Face a "O Mostrengo" de Mar Português conclui-se que Pessoa quer de novo simbolizar o medo do desconhecido, 8/7/1933 agora não do mar ignoto, mas da via para o Quinto Império na qual Portugal ainda não se lançara (está dormindo). • No entanto o mostrengo que um dia foi soberano é agora servo de Portugal (o medo já não será nosso, mas de outros) que procura, debalde, para o início do caminho. O nome deste poema indica que está a chegar a hora, "a madrugada do novo dia".
  • 62. MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Tempos Comentários: NEVOEIRO • Neste poema, o último de Mensagem, Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, Fernando Pessoa transmite uma imagem define com perfil e ser desencantada da realidade do Portugal dos este fulgor baço da terra seus dias... Mas, para concluir, que essa que é Portugal a entristecer – situação é, afinal, o nevoeiro de que falam as brilho sem luz e sem arder, profecias e que marcará o regresso de D. como o que o fogo-fátuo encerra. Sebastião. • A conclusão de que o nevoeiro que se Ninguém sabe que coisa quer. esperava não é, afinal, literal (físico), mas Ninguém conhece que alma tem, antes simbólico (social e político), permite-lhe nem o que é mal nem o que é bem. acabar o poema com uma "volta" final ao (Que ânsia distante perto chora?) gritar: "É a Hora!". Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro. • "fogo-fátuo"- chama azulada, em geral breve, Ó Portugal, hoje és nevoeiro... resultante da combustão espontânea de uma mistura de metano e ar em determinadas É a Hora! proporções. O metano (gás dos pântanos) é produzido naturalmente pela decomposição VALETE FRATRES! da matéria orgânica, vegetal ou animal. A combustão produz calor, mas como é muito breve a chama pode parecer fria.
  • 63. CONCLUSÃO • “É a Hora!” – Pessoa parece ter uma “visão histórica da raça por vir”; • Esta mensagem final da Mensagem sugere que a obra de Pessoa seja positiva. • Ironicamente, a última mensagem de Mensagem é – como se acredita que era a alma do poeta – um elogio da vida e não de morte. • A “Hora” de Pessoa é uma realidade por consumar. • A “Hora” é também o momento em que Pessoa (o seu plano) é lido até ao fim. • Pessoa despede-se com uma nova elocução latina (Valete Fratres!), retirada de um ritual maçónico; tem, por isso, um significado hermético: pretende comunicar que se despede de todos aqueles iniciados, seus irmãos templários e rosa-cruzes, que compreendem a(s) sua(s) mensagem(ens) e agirão com vista à construção do futuro da Pátria. • Haverá muito de amargura no adeus final: sabe Pessoa que a Pátria futura não será nunca esse regresso ao passado de criança (a Pátria pura, com pai e mãe atenciosos e dedicados, sem solidão, sem «dor de pensar».). • A mensagem oculta de Mensagem é, pois,… procurar no íntimo a razão que ilumina a vida que vale a pena ser vivida. (É uma mensagem positiva, optimista)
  • 64. Os Lusíadas / Mensagem • Mensagem vs Os Lusíadas • Da face interna, emblemática - arquitectura, aliás, de sentido ocultista - da Mensagem, infere-se um carácter menos narrativo e mais interpretativo, mais cerebral, que o d' Os Lusíadas. • No poema camoniano, há uma tendência abstractizante, livresca; • N’Os Lusíadas, a ideia de pátria é «uma noção abstracta, fora da história», e os heróis históricos se reduzem a «puras abstracções» ou «medalhões convencionais». • Apesar desta afinidade entre Camões e Pessoa, este leva o cerebralismo muito mais longe, possui aquilo a que Cesare Pavese chamava «o senso heráldico», isto é, a faculdade de ver símbolos em tudo.
  • 65. Os Lusíadas / Mensagem • Os heróis da galeria da Mensagem funcionam como símbolos, elos duma trajectória cujo sentido Pessoa se propõe desvelar até onde o permite o olhar visionário. • O assunto da Mensagem não são os portugueses ou eventos concretos, mas a essência de Portugal e a sua missão por cumprir. • Em fragmento recolhido nas Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Pessoa censurava a Os Lusíadas a falta dum pensamento. • Ora, na Mensagem é a redução a um pensamento que descarna, espectraliza as personagens da História nacional.