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2.Freud e a revolução psicanalítica
Ao contrário da maioria dos pionei-
ros da nova ciência, Freud não era pro-
fessor universitário. Formou-se em
Medicina, especializando-se em Neuro-
logia em 1881, na cidade de Viena.
A partir de 1886, começou a analisar
pacientes no seu consultório – na ver-
dade, uma espécie de escritório. Pouco
antes do início da sua atividade privada,
deslocara-se a Paris, onde assistiu ao
modo como, recorrendo
à hipnose, o famoso neu-
rologista francês Jean
Martin Charcot, aparente-
mente, tratava os seus pa-
cientes.
Regressando a Viena,
Freud especializou-se no
tratamento de perturba-
ções neuróticas (tais como
a cegueira e a paralisia de
que alguns pacientes so-
friam sem que houvesse qualquer causa
orgânica) e começou a usar a hipnose
como método terapêutico. Bem cedo
abandonou esta técnica porque muitos
pacientes resistiam à sugestão hipnótica
e porque sintomas aparentemente tra-
tados regressavam ou eram substituídos
por outros. Freud apercebeu-se de que
muitos dos sintomas físicos dos seus pa-
cientes eram causados por fatores men-
tais e emocionais. Deu especial atenção
ao facto de aqueles terem grande difi-
culdade em recordar acontecimentos da
primeira infância, sobretudo aconteci-
mentos perturbantes e traumáticos. Na
maior parte dos casos, não podiam recor-
dar esses eventos conscientemente, mas
determinados aspetos do seu compor-
tamento convenceram Freud de que
tais memórias estavam presentes no seu
inconsciente, recalcadas, mas ativas. O
caráter perturbante desses aconteci-
mentos infantis devia-se, segundo Freud,
ao facto de, em grande parte, serem a
expressão de desejos sexuais inaceitá-
veis. A hipótese de que a sexualidade
está na origem da esmagadora maioria
das neuroses incompatibilizou-o com
Josef Breuer, inspirador do famoso mé-
todo catártico e da “cura pela palavra”.
Freud desenvolveu um método de tra-
tamento que possibilitava e ao mesmo
tempo “exigia” que o paciente falasse
acerca de si mesmo livremente, sem
restrições, de modo a for-
necer pistas que permitis-
sem desocultar as memó-
rias enterradas no seu
inconsciente. Recorreu à
livre associação e à inter-
pretação dos sonhos
como técnicas terapêuti-
cas. Partindo do princípio
de que as neuroses de que
os seus pacientes adultos
sofriam tinham origem
em experiências emocionais infantis
desagradáveis e afastadas para bem lon-
ge da consciência, pensava Freud que
tornar esses eventos conscientes per-
mitiria pôr termo aos sofrimentos.
O aspeto mais importante da sua
teoria é o conceito de Inconsciente di-
nâmico – vários processos mentais
inconscientes interagem determinando,
sem que nos apercebamos, pensamen-
tos, sentimentos e comportamentos.
A prática clínica de Freud esteve na
base de uma teoria do desenvolvimento
psicoafetivo em que se destaca a tese
da existência de sexualidade infantil
(entendendo a sexualidade em sentido
lato). A psicanálise, criação de Freud, é
ao mesmo tempo um método terapêu-
tico e uma teoria sobre a mente, o
homem e as suas diversas atividades e
representou uma das grandes aventuras
intelectuais do século XX. Freud mor-
reu em Londres, um ano depois de ter
fugido à sinistra ameaça do nazismo.
Sigmund Freud (1856-1939).
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 17
Com a psicanálise, evidencia-se o papel fundamental dos processos
psíquicos inconscientes na determinação do nosso comportamento e da
nossa personalidade.
Devido ao contributo de Freud, quando atualmente definimos a psico-
logia como o estudo científico do comportamento e dos processos mentais,
por estes últimos entendemos não só os processos mentais conscientes, mas
também os inconscientes. Segundo Freud, a consciência tem um papel muito
menos influente na nossa vida psíquica do que o inconsciente. A consciência
é simplesmente a ponta do icebergue.
A grande novidade da revolução psicanalítica não é a descoberta do
Inconsciente, mas a afirmação de que este domina a nossa vida psíquica
– é a realidade psíquica fundamental.
Desprezada pelos filósofos durante séculos (relegavam o inconsciente
para o plano fisiológico), a noção de inconsciente começa a ser valorizada pelo
filósofo alemão Schopenhauer (1788-1860), defensor da ideia de que o homem
age sem ter consciência dos verdadeiros motivos dos seus atos. Para o filóso-
fo alemão Hartman (1842-1906), o inconsciente tem um papel decisivo na
vida humana porque influencia as nossas ações de todos os dias.
Mas é no plano psiquiátrico que surgem provas da existência do
inconsciente. No final do século XIX, o médico francês Hippolyte Bernheim,
na presença de colegas, sugere a um homem em estado hipnótico que, quan-
do acordar, pegue num guarda-chuva (pertencente a um dos médicos).
Ordena ao homem em estado de hipnose que vá à galeria dando duas voltas
de guarda-chuva aberto.
Ao acordar do estado hipnótico, o homem em questão executa as or-
dens com a maior naturalidade. Quando o Dr. Bernheim lhe pergunta o que
está a fazer, ele responde que está a apanhar ar (julga também que o guarda-
-chuva é seu). Ignora a verdadeira razão ou motivo do seu comportamento.
Bernheim provou que pensamentos situados no subconsciente (assim
se chamava antes de Freud ao Inconsciente) não desaparecem quando o hip-
notizado acorda. Não tendo o sujeito hipnotizado a consciência vigilante
quando recebeu as ordens, executa-as ao acordar sem saber porquê. Há algo
que, no interior de si próprio, governa os seus atos sem que ele o saiba. Ou
seja, fora do campo da consciência, há “outra coisa”, que regista informações
e influencia secretamente o nosso comportamento. O ser humano tem de
admitir que não manda em tudo o que acontece em si sem acusar diabos ou
demónios. São os nossos desejos e impulsos que mandam em nós.
O Inconsciente é, para Freud, um “lugar psíquico” ou um sistema do
nosso aparelho psíquico que contém pensamentos, desejos, sentimentos,
impulsos que estão “situados” nas profundezas da nossa mente, aquém
da consciência. Constitui-se durante a nossa vida psíquica, sobretudo no
decorrer da infância.
Inconsciente
Estrutura da nossa mente
que mais influencia o nosso
comportamento.
zAssistir aos vídeos:
1. Les géants du siècle – Freud
in
http://www.youtube.com
/watch?v=sRjsEtyjaWg
2. Cem anos do livro – A In-
terpretação dos Sonhos
in
http://www.youtube.com
/watch?v=w9ZOawlopPU
http://www.youtube.com
/watch?v=lQLmAqHKGp4
http://www.youtube.com
/watch?v=6lAD5Z6KzbQ
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 18
Ao afirmar que o nosso comportamento em geral era governado por
forças e desejos inconscientes, Freud negava, perante a estupefação dos
seus contemporâneos, que o homem fosse dono e senhor de si mesmo: o
controlo da nossa mente e das nossas ações escapa-nos. O nosso incons-
ciente é tão dificilmente sondável como a mente de outra pessoa. Há quem
considere que foi uma grave ferida no orgulho dos seres humanos, durante
séculos considerados animais racionais, conscientes dos motivos das suas
ações.
Que “provas” apresenta Freud da existência do Inconsciente? Como se
persuadiu da sua existência?
Apresentou três manifestações que, no seu entender, provam a existência
e a influência do Inconsciente: as neuroses, os atos falhados e os sonhos.
2.1. As manifestações do Inconsciente
2.1.1. As neuroses
Quando em 1885 começou a tratar uma doente chamada Anna O.
(cujo nome real era Bertha Pappenheim), Josef Breuer descobriu sintomas
surpreendentes. Mesmo em dias de calor muito intenso e com imensa sede, a
paciente não conseguia beber; só comia fruta para saciar a sede. Apresentava
outros sintomas tais como cegueira histérica e paralisia do braço. Um dia, sub-
metida a hipnose, começou a falar de recordações da sua infância. Contou
então que, entrando um dia no quarto da governanta inglesa que seu pai
doente contratara, viu com repugnância que o cão daquela estava a beber de
um copo colocado em cima da mesa de cabeceira. Por uma questão de edu-
cação, não fez qualquer comentário sobre um facto que considerava horroroso,
recalcando-o. Mal acabou de relatar este acontecimento infantil, pediu água
e bebeu uma grande quantidade. Despertou da hipnose com o copo nos lá-
bios e com um ar bastante aliviado.A perturbação emocional desaparecera.
Freud interpretou os factos do seguinte modo: Quando Anna falava de
si mesma, muitas vezes lembrava-se de factos há muito tempo reprimidos. O
confronto com os factos dolorosos ou embaraçosos produziu um alívio dos
seus sintomas. Noutros termos, podia pensar-se que Anna se tinha curado
pela palavra. Contudo, a hipnose não era o meio terapêutico adequado por-
que, se é verdade que a hidrofobia desaparecera, persistiam outros sintomas
já descritos. Apercebendo-se dos limites da hipnose, Freud desenvolveria um
método terapêutico a que chamaria psicanálise.
Freud estava plenamente convicto de que, à medida que o Inconsci-
ente se torna consciente, o doente pode aperceber-se do modo como certos
acontecimentos da sua infância determinaram o seu comportamento atual.
zAs conceções de Freud
sobre o psiquismo – por agora
pouco aprofundadas – desper-
taram grande polémica na sua
época e foram mal recebidas.
Em primeiro lugar, a ideia de
que somos governados e mo-
vidos por desejos e impulsos
inconscientes feria um pre-
conceito moral – o de que so-
mos agentes conscientes dos
motivos dos nossos atos.
Em segundo lugar, a ideia de
que esses desejos inconscien-
tes são, maioritariamente, de
natureza sexual violentava a
“consciência moral” de uma
sociedade que, aparente-
mente, reprimia profunda-
mente as manifestações da
sexualidade (Freud afirmava
que os impulsos sexuais repri-
midos desempenhavam um
importante papel nas doen-
ças nervosas).
Em terceiro lugar, num mo-
mento em que muitos psi-
cólogos – especialmente os
americanos sob a influência
do behaviorismo – rejeita-
vam a ideia de psicologia
como estudo da consciência
e dos estados conscientes
(por estes não serem objeti-
vamente observáveis), Freud
não podia deixar de causar
enorme estranheza. Com
efeito, identificava a psicolo-
gia com o estudo dos proces-
sos mentais inconscientes,
algo “muito menos observá-
vel” do que os fenómenos
psíquicos conscientes.
Mas a psicanálise faria o seu
caminho, não se confinando ao
plano da psicologia. O método
psicanalítico iria aplicar-se a
diversos domínios da cultura
(psicanálise da religião, da
mitologia, da obra literária e
artística, etc.) e as teorias de
Freud e dos seus “seguidores”
assumiram o estatuto de
“conceção sobre o homem, a
civilização, o mundo e a vida”,
sendo, assim, objeto de gran-
des debates filosóficos.
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 19
Relembrar os traumas da infância torna o paciente capaz de resolver confli-
tos que não pôde resolver no passado. Primeiro, porque se apercebe de que
as condições que determinaram esses conflitos já não existem (eram confli-
tos da infância). Segundo, porque pode, confrontando-se com essas vivências
passadas, rever a atitude que tomou a seu respeito e desenvolver comporta-
mentos mais saudáveis.
De que sofria Anna O.? De uma perturbação neurótica chamada hidro-
fobia e de outras neuroses. As neuroses são sintomas ou manifestações de
algo que foi recalcado, impedido de aceder à consciência. O doente ignora
aquilo que recalca, não conhece os desejos escondidos do seu Inconsciente.
São doenças psíquicas que, traduzindo-se em perturbações físicas, resis-
tem à medicação. Muitas das neuroses derivam, segundo Freud, da repres-
são dos impulsos sexuais e agressivos.
2.1.2. Os sonhos
Uma paciente relatou a Freud um sonho em que comprava num grande
estabelecimento comercial um magnífico chapéu muito caro e preto. É este
o conteúdo manifesto do sonho.
Como descobrir o seu significado? As informações recolhidas ao longo
da análise são importantes para a descodificação do sonho, para a revelação
do seu conteúdo latente. Assim, o analista sabe que a paciente está casada
com um homem doente de idade muito avançada e apaixonada por um
homem rico, belo e relativamente jovem.
A interpretação irá considerar cada um dos elementos do sonho como
símbolos de desejos inconscientes, recalcados:
•O belo chapéu simboliza uma necessidade de ostentação para se-
duzir o homem amado.
•O preço elevado simboliza o desejo de riqueza.
•O chapéu negro, chapéu de luto, representa simbolicamente a vonta-
de de se ver livre do marido, obstáculo à satisfação dos seus desejos.
O conteúdo latente do sonho, o seu significado profundo, foi assim re-
velado: significava um desejo inconfessável e inconsciente porque recalcado
(ver o marido morto).
Os sonhos são, para Freud, a realização ilusória de desejos recalcados.
Para Freud, um ato psíquico (emoções, pensamentos, sentimentos, desejos)
inconsciente, devido à sua dinâmica própria, tende a passar à consciência, a
manifestar-se. Para passar ao estado consciente, é submetido ao exame da
censura. Se esta lhe recusa a passagem, tais representações permanecerão no
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 20
Inconsciente. Significa isso que foram recalcadas. O recalcamento é uma
força que, mediante um mecanismo chamado censura, mantém fora da cons-
ciência, impede que venham à superfície as tendências anárquicas, as pulsões
demasiado exigentes provenientes do Inconsciente (este quer a satisfação de
todos os desejos).
Contudo, o recalcamento não implica uma anulação ou supressão das
manifestações do Inconsciente. Os desejos e pulsões inconscientes encon-
tram formas disfarçadas de obter satisfação, ou seja, sem que a consciência o
saiba, dá-se, simbolicamente e de forma encoberta, o “retorno do recalcado”.
As satisfações que não são admissíveis são substituídas por outras: o Incons-
ciente consegue o que deseja (manifestar-se), mas não do modo que deseja-
ria (direta e efetivamente).
O sonho é a realização ilusória (simbólica) de desejos inconscientes
(recalcados). “Expressão noturna das nossas frustrações diurnas”, o sonho só
aparentemente é absurdo, incoerente e inútil. Possui um sentido: os desejos
interditos e recalcados encontram nele uma satisfação velada, desviada, sim-
bólica. Por outro lado, como durante o sono a vigilância da censura enfra-
quece, mais facilmente lhe escapam as representações inconscientes que
povoam os nossos sonhos. Compreende-se assim que, para Freud, o sonho
seja a via real de acesso ao Inconsciente (desnuda-o, revela que este não
segue uma lógica racional e que é constituído por impulsos e desejos amo-
rais e irrealistas).
2.1.3. Os atos falhados
No nosso dia a dia cometemos algumas falhas a que não damos relevo
especial. Contudo, para Freud, não é bem assim. Eis algumas dessas «falhas»:
1. O presidente da Câmara dos Representantes Austríaca teria uma vez
dado início à reunião dizendo: “Senhores, verifico a presença de tan-
tos deputados que, por isso, declaro a sessão encerrada.” Para Freud,
este lapso traduz o desejo inconsciente de se ir embora.
2. Uma mulher autoritária e enérgica, falando do marido, relata as pala-
vras do médico durante a consulta: “O médico disse-lhe que não
havia nenhum regime especial a seguir, ele pode comer e beber o
que eu quiser.”
3. Um homem que declarou “Está um belo sono” em vez de “Está um
belo Sol” manifesta inconscientemente o desejo de dormir.
4. Uma mulher conhecida pela tendência para a tagarelice pediu ao
seu merceeiro um “pacote de leite de longa conversação” em vez de
“longa conservação”.
Sonho
O sonho é a realização ilusó-
ria de desejos recalcados.
Recalcamento
Processo mediante o qual se
impede o acesso à consciên-
cia de impulsos indesejáveis.
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 21
5. Freud cita o exemplo de um amigo que escreveu uma carta, mas se
esqueceu de a enviar durante vários dias. Finalmente, enviou-a, mas
os Correios devolveram-na porque não tinha destinatário. Pôs a mo-
rada no envelope e enviou-a de novo. Foi outra vez devolvida porque
não tinha selo. Tais “falhas” exprimem inconscientemente o desejo
de a carta não chegar ao seu destino.
6.Uma jovem prometida em casamento a um homem com o qual anti-
patiza bastante faz tudo o que pode para não dizer o que sente du-
rante o encontro. Mais tarde, interrogada pela mãe (que elogia
sempre o “bom partido”), diz-lhe: “Tens razão, é adorível”. Sem que-
rer, deu a entender que o achava horrível.
7. Uma mulher, querendo saber notícias de uma amiga de longa data,
telefona-lhe e, por erro, chama-a pelo nome de solteira. Descobriu-
-se que detestava o marido da sua amiga.
8. Dizer I leave you em vez de I love you pode desencadear uma tem-
pestade….
Todos nós alguma vez já esquecemos uma palavra ou um nome, tendo,
contudo, a impressão de o ter “na ponta da língua”; já trocámos, ao falar,
uma palavra por outra (lapsus linguae); muitos de nós já escrevemos uma
palavra em vez da que voluntariamente pretendíamos escrever; e a quantas
pessoas já aconteceu saírem com o saco do lixo na mão e passarem pelo
contentor entrando com ele no café?
Desatenções? Patetices? Fadiga? É provável, mas, segundo Freud, muito
pouco provável. Com efeito, para Freud, na vida psíquica, a bem dizer, não há
lugar para o acaso. Estes “atos falhados” que poderíamos julgar insignifican-
tes têm um sentido. Estes “deslizes” quotidianos provêm do recalcamento de
desejos, sentimentos e pensamentos que gostaríamos de lançar e encerrar
nos abismos do Inconsciente. São a forma disfarçada de impulsos de que não
temos consciência, mas que são indesejáveis, se se exprimirem. “O Incons-
ciente manifesta-se incessantemente” e os “atos falhados” são o modo,
por vezes grotesco, mas nunca doentio, de os conteúdos e representações
inconscientes vencerem a barreira da censura. É esta a convicção de Freud,
por mais indemonstrável que nos possa parecer.
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zVer os vídeos do Youtube
sobre o filme Freud, além da
alma:
http://www.youtube.com
/watch?v=o-UuyIXtRi0
Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F).
Justifique a sua opção.
1. Para Freud, o nosso comportamento é em grande parte incons-cien-
te.
2. Para Freud, a conduta humana é fundamentalmente determinada
por motivações que escapam ao controlo da consciência, da von-
tade e da razão.
3. A grande revolução freudiana consistiu na descoberta do Incons-
ciente.
4. Os conteúdos psíquicos inconscientes, por serem recalcados – impe-
didos de aceder à consciência –, passam despercebidos e por isso
não exercem influência sobre o nosso comportamento.
5. Todas as manifestações do Inconsciente assumem formas doentias.
6. As nossas representações mentais (pensamentos, desejos, senti-
mentos) residem, numa primeira fase, no Inconsciente. Para pas-
sarem a tornar-se conscientes, são, previamente, submetidas à
prova da censura. Se esta recusa a passagem, as representações ou
atos psíquicos permanecem no Inconsciente. Diz-se então que
foram recalcadas, sofreram um recalcamento, foram impedidas de
aceder à consciência.
7. O recalcamento é uma força inconsciente que, mediante um meca-
nismo chamado censura, exerce um movimento favorável aos impul-
sos do Inconsciente que tendem espontaneamente a manifestar-se.
8. O sonho simboliza, isto é, disfarça, por meio de símbolos, desejos
latentes, muitas vezes inaceitáveis e chocantes, que graças a este
subterfúgio ultrapassam a barreira da censura.
9. O sonho tem um conteúdo manifesto – o seu significado subjacente
que se trata de interpretar ou descodificar – e um conteúdo latente
ou simbólico – os acontecimentos de que se lembra quem sonha.
ATIVIDADE 2
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 23
2.2. A estrutura da mente humana segundo Freud
A conceção de Freud sobre a mente resulta de uma evolução. Na pri-
meira descrição do aparelho psíquico, Freud apresenta uma visão topográfica
da mente, distinguindo três regiões: o consciente, o pré-consciente e o
inconsciente.
INSERIR ESQUEMA 2 PARA A UNIDADE 2
A porção de espaço que no icebergue corresponde ao Inconsciente ex-
prime simbolicamente que os nossos comportamentos e processos mentais
são dominados por uma dimensão situada nas profundezas do psiquismo e que
exerce a sua influência sem disso nos apercebermos.A passagem dos impulsos
e desejos inconscientes é controlada – segundo esta primeira versão do apare-
lho psíquico – por um mecanismo denominado censura, que recalca o que pode
perturbar a nossa integridade psíquica e a adaptação ao meio social. Mas a
censura não consegue impedir que as pulsões inconscientes encontrem formas
substitutivas e indiretas de manifestação. A enorme dimensão do Inconsci-
ente significa que só temos consciência de uma pequena parte dos conteú-
dos da nossa mente e que do Inconsciente emanam os processos psíquicos.
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 24
A 2.ª tópica ou descrição apresenta uma visão mais completa (integra
os níveis psíquicos anteriormente apresentados) e descreve de modo mais
adequado a interação dinâmica entre as instâncias psíquicas (agora denomi-
nadas Id, Ego e Superego). Eis uma possível representação gráfica da nova
visão do aparelho psíquico:
INSERIR ESQUEMA 3 PARA A UNIDADE 2
Note-se que, além de níveis psíquicos distintos (consciente, pré-cons-
ciente e inconsciente), a 2.ª tópica apresenta três instâncias psíquicas ou
estruturas (Id, Ego e Superego) que asseguram determinadas funções.
Outro aspeto importante: reforça-se a ideia de que o plano inconscien-
te condiciona decisivamente a vida psíquica, dado que não se reduz o incons-
ciente à dimensão mais profunda da mente. Com efeito, se o Id é totalmente
inconsciente, o Id não é todo o inconsciente.
2.2.1. Id, Ego e Superego
O Id, o Ego e o Superego são as estruturas essenciais da personalidade,
estabelecendo entre si uma relação conflituosa à qual se deve o dinamismo
da vida psíquica.
■ Id: viver segundo o princípio do prazer
A sua atividade é regida por um só princípio: o princípio de prazer.
Procura satisfazer imediatamente os seus impulsos e instintos – obter prazer
ou evitar a dor – desconhecendo as circunstâncias, se a realidade o permite
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 25
ou não. Não tendo qualquer conhecimento do que é a realidade, o Id pro-
cura satisfazer as suas pulsões (descarregar a tensão, reduzi-la de modo que
o organismo se sinta confortável). O Id é, em grande parte, animado pelo
impulso sexual.
•É formado por tudo o que herdamos e está presente à nascença:
instintos, pulsões, desejos. De entre os instintos destacam-se o
instinto de vida e o instinto de morte (agressivo e destrutivo). É o
reservatório dos impulsos biológicos mais básicos que dinamizam a
nossa ação ou dão energia ao comportamento. Freud considera que
é o reservatório da energia psíquica a que chama libido.
•É totalmente inconsciente. Contém uma parte dos elementos psí-
quicos recalcados, mas não é todo o inconsciente.
•Está totalmente desligado do mundo real, da realidade externa. É
completamente irrealista, não distinguindo o que é desejável do
que é permitido e possível.
•Não atua segundo princípios lógicos e morais. Desconhece o prin-
cípio lógico de não contradição porque nele coabitam, sem se neu-
tralizarem mutuamente, instintos de vida e instintos de morte; é
amoral porque pretende realizar tudo o que lhe agrada sem se preo-
cupar com o facto de isso ser bom ou mau.
■ O Ego: sejamos realistas!
O princípio segundo o qual o Ego atua é o princípio de realidade.
Regulando-se por este princípio, o Ego, que começa a desenvolver-se por volta
dos 6 meses, adia a satisfação dos impulsos do Id até que o objeto apropria-
do a essa satisfação surja na realidade.
O Ego desempenha o papel de executivo e de mediador em relação
ao Id: decide que instintos e pulsões podem, na realidade, ser satisfeitos e
de que modo. O Ego, na verdade, desenvolve-se a partir do Id e existe para
satisfazer as necessidades deste e não para as frustrar. Mas é realista: sabe
ou aprende que nem tudo é possível, que para termos certas coisas temos de
renunciar a outras. Não podemos fazer tudo o que queremos. O Id não tem
qualquer relação direta com a realidade, com o mundo exterior. Para entrar
em contacto com a realidade e agir sobre ela, precisa do Ego. Ao mundo fan-
tasioso e irrealista do Id, o Ego opõe a realidade do mundo externo. O Ego
não é inimigo do Id: está, de certa forma (realista), ao seu serviço.
Cumprindo o papel de mediador entre as exigências instintivas do Id e
as possibilidades que a realidade oferece, o Ego tenta defender-nos contra o
zA vida psíquica é, para
Freud, dinamizada por um
conflito de forças que se de-
senrola em grande parte fora
da perceção consciente do
indivíduo. O psiquismo é uma
totalidade dinâmica, apesar
de as suas estruturas compo-
nentes terem diferentes fun-
ções e serem regidas por dife-
rentes princípios. Há uma es-
treita interação entre o Id, o
Ego e o Superego, raramente
resultando o comportamento
da influência isolada de uma
das estruturas psíquicas.
zAssistir aos seguintes
vídeos no Youtube:
1. Freud in
http://www.youtube.com
/watch?v=sl8tQtjO7Jk&f
eature=related
2. Sigmund Freud – Docu-
mentary in
http://www.youtube.com
/watch?v=C_AXSd4wxgM
3. The century of the self in
http://documentary-
log.com/?id=95
zO Id, o Ego e o Superego
são as estruturas essenciais
da personalidade, estabele-
cendo entre si uma relação
conflituosa à qual se deve o
dinamismo da vida psíquica.
Id
Dimensão totalmente incons-
ciente do psiquismo que, cons-
tituída por pulsões inatas
(agressivas e sexuais) e por
tudo o que vai sendo repri-
mido, é o grande reservatório
da energia psíquica, a matriz
dinâmica do desenvolvimen-
to pessoal.
Ego
Estrutura psíquica que se for-
ma por diferenciação a partir
do Id. Mas a diferença não
significa oposição absoluta.
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 26
assalto desenfreado das paixões e impulsos irrealistas do Id. Procura conciliar
as divergências que existem entre as pulsões sexuais, agressivas e destru-
tivas, e os limites que a realidade impõe. Adaptação à realidade, eis o seu
lema. O princípio de realidade não exclui o princípio de prazer.
■ O Superego: cumpre o teu dever!
Se o Id é o representante das pulsões e o Ego o da realidade, o Super-
ego é o representante da moralidade: diz-nos, não o que podemos ou não
fazer, mas o que devemos ou não devemos fazer. Eis o que há de funda-
mental a dizer sobre o Superego:
•O Superego forma-se ou começa a desenvolver-se por volta dos
3-5 anos.
•É o resultado da educação que recebemos, do conjunto de punições
e de recompensas de que fomos alvo. É o representante interno
dos valores, normas e ideais morais de uma sociedade, transmitidos
essencialmente pela educação dos pais. Estes valores, normas e
ideais – interpretados pelos pais e educadores – são transmitidos à
criança, que os interioriza (processo de introjeção) de tal modo que
se tornam inconscientes (pelo menos o modo como foram interiori-
zados).
•Um Superego demasiado repressivo – fruto de uma educação se-
vera – é uma ameaça ao nosso desenvolvimento saudável, tor-
nando-nos inibidos, complexados, vítimas de sentimentos de
culpa exagerados, etc.
•O Superego vigia-nos dentro de nós. Reprime certos atos, favorece
outros e, em certa medida, é indispensável para uma vida equilibrada
no seio da sociedade.
•O papel do Superego é triplo:
1. Inibir ou refrear os impulsos, sobretudo de natureza sexual e agres-
siva, que, provenientes do Id, podem arrastar o Ego em virtude da
sua forte pressão.
2. Persuadir o Ego a substituir objetivos realistas por objetivos mo-
rais e moralistas.
3. Procurar a perfeição moral (por isso há nele uma tendência para
bloquear a libertação dos instintos).
A vida psíquica desenrola-se sob o signo do conflito intrapsíquico. O
Id centra-se no prazer, na gratificação imediata dos impulsos, e ignora a reali-
dade. O Superego sobrepõe a moralidade à realidade. Entre a força dos impul-
Regendo-se pelo princípio de
realidade, o Ego está intima-
mente ligado ao Id, procu-
rando de forma realista satis-
fazer os impulsos deste. O seu
realismo está ao serviço do
prazer e de necessidades bá-
sicas.
Superego
A dimensão moral do nosso
funcionamento psíquico que
procura impor ao Id e ao Ego
os princípios e normas mo-
rais interiorizados através do
processo de socialização.
Pressiona o Ego para refrear
e também reprimir os impul-
sos do Id. Pune as transgres-
sões, desencadeando senti-
mentos de culpa e de ansie-
dade que podem ser excessi-
vos e mentalmente esgotan-
tes.
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sos instintivos e as ameaças de punição do representante da moralidade está
o Ego, que Freud, metaforicamente, compara a um “escravo” que tem de agra-
dar a dois senhores em luta um com o outro. Se já era difícil, dados os constran-
gimentos da realidade, encontrar forma de satisfazer as pulsões do Id, o surgi-
mento do Superego (cujo desenvolvimento se conclui com a ultrapassagem
do complexo de Édipo, como veremos) traz problemas acrescidos. Com efeito,
o Superego tende a bloquear permanentemente a gratificação das pulsões.
Neste “colete de forças”, a racionalidade e o equilíbrio do Ego ameaçam des-
moronar-se. Uma vez que surgiu a partir do Id, vai tentar satisfazer os impulsos
deste, mas tendo em conta o que a realidade permite e o que a moralidade
admite.
Componente primitiva do nos-
so psiquismo.
É a sede de forças ou impul-
sos irracionais, ilógicos, des-
controlados e perigosos.
Totalmente inconsciente. Está
desligado da realidade, não
sabe adaptar-se a ela para
aceitavelmente satisfazer os
seus impulsos e necessidades.
É o representante das nossas
necessidades e desejos mais
básicos.
Não conhece outro princípio a
não ser o de prazer: “Satisfaz
os teus desejos”.
Necessidade a satisfazer: a
fome.
Imaginemos uma situação
em que, esfomeados, quere-
mos comer, mas não pode-
mos pagar.
O Id dir-nos-ia “Come porque
tens de comer”, sem pensar
em possíveis punições nem se
é correto ou incorreto agir
assim.
Dada a mesma necessidade e
na mesma situação, o Ego dir-
-nos-ia “Se for possível comer
sem pagar, fá-lo”, ou seja,
“Podes comer sem pagar des-
de que ninguém repare; caso
contrário, faz o que é real-
mente aconselhável”.
É o representante do “prag-
matismo” e do “realismo” na
relação com o mundo externo.
Age segundo o princípio de
realidade: “Façamos o que é
possível fazer, tendo em con-
ta as circunstâncias”, ou seja,
“é permitido o que não nos
causar problemas”.
Começa a desenvolver-se por
volta dos 6 meses.
Procura satisfazer as neces-
sidades de uma forma realis-
ta e apropriada de modo a
evitar problemas à nossa
integridade psíquica e física.
É racional e tem a noção do
que é possível fazer de acordo
com as circunstâncias.
O Superego dir-nos-ia: “Para
satisfazer a fome, deves pa-
gar”, ou seja, “Deves agir cor-
retamente, não por medo de
castigos e punições, mas por-
que assim é que deve ser”.
Roubar é sempre um crime,
seja visto ou não.
É o representante da mora-
lidade. Nele estão interio-
rizadas as normas social-
mente estabelecidas relativa-
mente ao bem e ao mal.
Age segundo o princípio do
dever. “Faz o bem ou evita o
mal porque assim deve ser.”
Começa a formar-se por volta
dos 2, 3 anos.
Enquanto o Ego é “pragmá-
tico”o Superego é tendencial-
mente moralista.
Aspira à perfeição moral,
reprimindo, muitas vezes de
forma excessiva, as infrações
à moralidade.
IDEGOSUPEREGO
Exemplificação do
seu comportamentoEstatutoCaraterísticas
A S E S T R U T U R A S D A M E N T E H U M A N A
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I
Copie as atividades seguintes e preencha
cada um dos espaços em falta:
1. Para Freud, o aparelho psíquico é constituído por três estruturas:
... .
2. O ... é o fundo biológico da personalidade que contém a energia de
instintos básicos como o instinto sexual e impulsos agressivos e des-
trutivos, além de memórias recalcadas. Não tem o sentido da reali-
dade, é amoral e irracional. Procura a satisfação imediata dos seus
impulsos sem ter em conta se é socialmente apropriado. Funciona
de acordo com o princípio ... .
3. O ... é a parte da mente modificada pelo contacto com a realidade
externa. Lida com as limitações e constrangimentos que a realidade
impõe. É o executivo da personalidade porque procura tomar deci-
sões racionais. Funciona de acordo com o princípio ... . Tenta satis-
fazer os impulsos do Id de acordo com o que é realmente possível,
embora não tome decisões segundo princípios ... .
4. O ... é a dimensão moral da personalidade. Tem em consideração
não somente se uma ação é realmente possível, mas sobretudo se é
boa ou má, correta ou incorreta. A sua única e exclusiva preocupa-
ção é saber se os impulsos sexuais e agressivos do ... podem ser
satisfeitos de acordo com as normas morais. Pressiona o ... para
controlar o ... segundo princípios morais que muitas vezes assumem
forma repressiva.
5. O ... estabelece padrões ideais de comportamento e procura de-
senvolver um sentido ... que puna o comportamento incorreto com
sentimentos de culpa. É a interiorização dos valores morais da
sociedade, formando-se sobretudo mediante a interação com os ... ,
que impõem regras e proibições, insistindo com a criança para que
controle os seus impulsos biológicos.
6. Enquanto «executivo da personalidade», o ... procura gerir a energia
psíquica de modo que se produza uma harmonia interna entre ... ,
condição necessária de uma relação saudável com a realidade. Para
ATIVIDADE 3
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governar sensatamente o nosso psiquismo, o ... tem, de acordo com
a realidade, de frustrar ou de satisfazer os impulsos do ..., ao mesmo
tempo que vigia o ... . Não pode deixar que nenhum destes assuma
uma posição dominante, tarefa hercúlea que exige uma grande
quantidade de energia psíquica. Ora, na personalidade humana, fre-
quentemente o ... controla mais energia do que devia: temos a pes-
soa agressiva, demasiado impulsiva e, em certos aspetos, «primitiva».
E, também com frequência, é o ... que detém energia a mais: temos
então o Ego abafado pelo moralismo, pela intransigência moral,
esmagado pela ideia de culpa.
II
Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F).
Justifique a sua opção.
1. O Id é um conjunto de pulsões totalmente inconscientes que cons-
titui toda a nossa realidade psíquica.
2. O Ego funciona segundo o princípio do prazer, isto é, um processo
mediante o qual aprendemos a adiar o nosso desejo de satisfação
imediata e adotamos formas mais realistas e apropriadas de alcan-
çar tal objetivo.
3. O Superego pode ser algumas vezes excessivamente moralista e re-
pressivo, mas dá ao indivíduo padrões de comportamento que lhe
permitem regular a sua conduta moral e avaliar os seus pensamen-
tos, sentimentos e ações. É uma espécie de Ego ideal e corresponde
ao que designamos por «consciência» moral, apesar de parcialmente
inconsciente.
4. O Id e o Ego não têm moralidade.
5. O Id é uma estrutura psíquica que resulta da socialização.
6. Numa situação de adultério, o Ego dirá «O que estou a fazer é
moralmente incorreto».
7. Na mesma situação, o Ego dirá «Deves usar uma forma de proteção
contra doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada».
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8. Uma vez formado o Superego, o Ego é confrontado com a tarefa
cada vez mais complexa de conciliar as exigências do Id, do mundo
exterior e do Superego. Por exemplo, quando o Ego de uma criança
tende a satisfazer um impulso do Id batendo num colega para obter
um brinquedo atraente, o Superego pode advertir que tal comporta-
mento é errado. O Ego tem de decidir qual das duas forças (Id ou
Superego) vencerá esta luta interior – conflito intrapsíquico – ou ela-
borar um compromisso, como as crianças brincarem à vez com o
objeto.
9. Para Freud, o comportamento humano tem uma base energética
dominada por impulsos de dois tipos: sexuais e agressivos.
10. O Id, dimensão totalmente inconsciente da personalidade, é o reser-
vatório da energia psíquica que se defronta com obstáculos e restri-
ções de ordem moral e social.
11. Inato, o Id tende imediatamente à autossatisfação, procurando, sem
ter em conta os constrangimentos da realidade, obter o prazer e
evitar a dor.
12. O Ego procura encaminhar os impulsos desenfreados do Id para
uma satisfação que seja uma solução de compromisso entre o que
desejamos e o que realmente podemos obter, dados os obstáculos e
as restrições do meio. Por isso, é a entidade a que o Id se submete
conscientemente.
13. O Ego preocupa-se com duas eventualidades: 1) que o Id fique fora
de controlo e determine comportamentos cujos efeitos podem ser
severamente negativos e 2) que o Superego se descontrole e, tor-
nando-se extremamente moralista, nos faça experimentar senti-
mentos de culpa excessivos acerca de transgressões reais ou
imaginárias.
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Prazer sexual
Toda a sensação agradável
provocada pela estimulação
de uma determinada zona do
corpo.
zAssistir ao vídeo do
Youtube sobre Freud e a
teoria da sexualidade:
http://www.youtube.com
/watch?v=dQer8W_rl8A
zPara Freud, a sexualidade é
a componente fundamental
da realização do ser humano.
O impulso sexual e a procura
do prazer erótico determinam
de forma poderosa o desen-
volvimento afetivo do ser
humano. Mas a sexualidade
não é exclusivamente sinó-
nimo de ato sexual: sexua-
lidade é toda a atividade
corporal que, centrando-se
em diferentes zonas eróge-
nas, em diferentes momen-
tos, tende para o prazer, a
autossatisfação. Segundo
Freud, o prazer sexual não se
reduz ao prazer genital. Se-
xualidade não é sinónimo de
genitalidade. Assim, pode fa-
lar-se de sexualidade infantil.
O que entende Freud por
satisfação sexual ou erótica?
Toda a sensação agradável
cuja fonte é um determinado
órgão ou região corporal. A
sexualidade não se reduz
nem à manipulação nem ao
contacto genital. As pulsões
sexuais centram-se, desde o
nascimento, em diversos ór-
gãos do corpo e satisfazem-
-se de modos muito distintos.
2.3. O desenvolvimento psicossexual
Baseando-se no estudo de casos de vários pacientes (adultos na esma-
gadora maioria), psicanalizando-os, Freud convenceu-se de que os problemas
(sintomas) de que sofriam seriam o resultado de experiências traumáticas
vividas nos primeiros anos de existência. Examinando as recordações que eles
tinham de eventos da infância, descobriu as suas motivações inconscientes e
construiu a sua teoria psicossexual do desenvolvimento da personalidade.
Segundo Freud, o ser humano desenvolve-se através de cinco estádios.
Cada estádio representa uma complexa interação entre o impulso natural
para a obtenção do prazer (centrado conforme o estádio numa determinada
zona do corpo a que Freud deu o nome de zona erógena) e fatores ambien-
tais que influenciam o modo como lidamos com os desejos sexuais ou eróticos.
Em cada estádio do desenvolvimento, o prazer deriva de uma determinada
zona do corpo, centrando-se nela (zona erógena). O modo como os pais li-
dam com os impulsos sexuais e agressivos dos seus filhos nos primeiros anos
da infância é crucial para um desenvolvimento saudável ou não da personali-
dade. A criança deve encontrar um equilíbrio entre a sua necessidade de
prazer e as restrições (ou a permissividade) dos pais. Daqui resulta um
conflito, uma luta interna. Em cada estádio do desenvolvimento, o indivíduo
vive o conflito entre os seus impulsos biológicos e as expetativas sociais
(de que os pais são os agentes transmissores e representantes). Freud usa o
termo psicossexual para se referir ao modo como a vivência dos nossos
impulsos sexuais no confronto com o meio envolvente tem impacto psico-
lógico no tipo de pessoas que viremos a ser. Como todos vivemos em cir-
cunstâncias ambientais diversos, temos ambientes familiares diferentes e
respondemos de modo diferente às experiências socializadoras, daí resul-
tarão diferenças entre os indivíduos quanto ao seu modo de ser.
O que é um desenvolvimento afetivo ou psicossexual relati-
vamente saudável?
Em cada estádio do desenvolvimento, há sempre um certo grau de
frustração e de ansiedade quando se trata de passar ao estádio seguinte. Se
houver ansiedade excessiva, o desenvolvimento é perturbado, verificando-se
uma fixação do indivíduo nesse estádio. A fixação é uma cessação parcial do
desenvolvimento que se traduz na persistência de comportamentos que são
caraterísticos do estádio do desenvolvimento no qual ocorreu.
A fixação é uma ligação extremamente forte a uma pessoa, a um
objeto ou a uma atividade, que era apropriada somente nos primeiros
estádios do desenvolvimento. Diz-se de uma pessoa que contraiu uma fixa-
ção quando parou num dado estádio do desenvolvimento. A fixação num
dado estádio do desenvolvimento não impede todo o posterior desenvolvi-
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mento, mas, a menos que um ser humano ultrapasse cada estádio de forma
bem sucedida, não poderá cumprir plenamente o que é exigido pelos estádios
posteriores. Por exemplo, uma criança que não passe de forma bem sucedida
pelo estádio fálico provavelmente não resolveu o complexo de Édipo e pode
sentir hostilidade a respeito de um dos progenitores (o do mesmo sexo). A
criança poderá ao longo da vida sofrer as consequências deste conflito não
resolvido (ou mal resolvido).
As fixações ocorrem habitualmente devido a excessiva frustração ou
excessiva satisfação na expressão da energia sexual e agressiva num dado
estádio do desenvolvimento psicossexual. Segundo Freud, uma personali-
dade bem ajustada implica geralmente um equilíbrio entre forças em compe-
tição.A criança, e mais tarde o adulto, não devem ser demasiado egocêntricos
(egoístas) nem demasiado moralistas. Pais que são muito autoritários, casti-
gadores ou controladores e pais que são indiferentes, demasiado permissivos
e indulgentes na educação dos filhos terão crianças emocionalmente pertur-
badas, com dificuldades de adaptação à vida por causa das fixações.
Por exemplo, a criança excessivamente dependente que se fixou num
determinado estádio pode tornar-se demasiado dependente mais tarde na
vida, quando confrontada com experiências frustrantes ou desafios difíceis
de resolver. Significa isso que regressou a um ponto de fixação.
É importante salientar que fixação e regressão são condições relativas.
Num indivíduo, a fixação e a regressão raramente são completas, absolutas.
Habitualmente, a maior parte dos aspetos da personalidade de um indivíduo
desenvolver-se-á normalmente, mas o seu comportamento pode, em certos
pontos, ser caraterizado por atos infantis, acriançados, efeitos de certas fixa-
ções anteriores.
2.3.1. Os estádios do desenvolvimento
psicossexual
São cinco os estádios do desenvolvimento psicossexual: estádios oral,
anal, fálico, de latência e genital.
■ O estádio oral (do nascimento aos 12/18 meses)
No princípio, era a boca. Durante os primeiros meses de vida, grande
parte da interação da criança com o mundo externo processa-se mediante a
boca e os lábios. O prazer centra-se nessa área. A relação com a mãe assume
especial significado, estabelecendo-se essencialmente através do seio mater-
no, que não simplesmente alimenta, mas também dá prazer.
zPode definir-se desenvol-
vimento como o conjunto de
transformações quantitativas
e qualitativas que desde o
momento da conceção e ao
longo de toda a vida marcam
a existência de um indivíduo.
As modificações quantitati-
vas manifestam-se sobretudo
no plano físico (altura, peso,
etc.) e fisiológico, mas tam-
bém podem referir-se ao au-
mento do número de com-
petências e de habilidades.
As mudanças qualitativas são
alterações psicológicas como,
por exemplo, a evolução das
aptidões intelectuais e as alte-
rações no modo como nos
relacionamos com os outros
e com o que nos acontece.
Estádio oral
Fase inicial do desenvolvi-
mento psicossexual carate-
rizada por atividades que se
centram no prazer oral.
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:20 Page 33
Pulsão
Força ou energia que se ex-
prime procurando a redução
de tensões. As pulsões são
forças, impulsos que, nascen-
do no organismo, provocam
certos comportamentos. Es-
tão na fronteira entre o somá-
tico e o psíquico.
Libido
A energia – de natureza se-
xual e agressiva – que carate-
riza as pulsões.
É levando os objetos à boca que o bebé explora o meio envolvente. A
sucção, necessária à alimentação, emancipa-se progressivamente dessa função,
tornando-se por si mesma uma fonte de prazer, de gratificação erótica. Com
a dentição, a atividade oral diversifica-se: morder e mastigar enriquecem a
panóplia de formas de exploração oral – agora mais agressiva – dos objetos.
As atividades orais são também fonte de potenciais conflitos. O con-
flito mais significativo deste estádio tem a ver com o processo do desmame.
Uma excessiva frustração das pulsões ou dos impulsos erógenos ou um
excesso de satisfação desses mesmos impulsos podem conduzir a um resul-
tado semelhante: a fixação. Por fixação no estádio oral entenda-se ficar psi-
cologicamente preso a formas de obtenção do prazer que se centram na boca,
nos lábios e na língua.
Marcas da vivência do estádio oral
na personalidade adulta
Se uma pessoa enquanto bebé foi desmamada ou demasiado cedo ou
muito tarde, desenvolverá uma fixação no estádio oral e posteriormente na
vida sentirá a necessidade de atividades que consistem, simbólica e real-
mente, em obter gratificação oral: fumar, beber e comer muito, roer as
unhas, consumir frequentemente pastilhas elásticas, bombons, passar horas
a conversar ao telefone. Uma pessoa profundamente marcada pela fase oral
do seu desenvolvimento – lembremos que é um período de grande depen-
dência em relação a quem cuida de nós e em que prevalece a incorporação
de objetos (alimentos, chuchas) – poderá apresentar, quando adulta, carate-
rísticas como a credulidade (‘engolir’ tudo o que lhe dizem), mas também
humor sarcástico, ‘má-língua’, grande capacidade de argumentação ou obsti-
nação na defesa das suas ideias, espírito crítico (disposição para ‘morder e
triturar’ as ideias dos outros) e, por outro lado, passividade e dependência.
Neste estádio, o Id reina durante muito tempo quase sem oposição,
mas o Ego já está em desenvolvimento.
E S T Á D I O O R A L
IDADE
ZONA
ERÓGENA
EXPERIÊNCIA
OU CONFLITO
DECISIVO
CARATERÍSTICAS ADULTAS
ASSOCIADAS A PROBLEMAS
E A FIXAÇÕES NESTE ESTÁDIO
Do
nascimento
aos
12/18
meses
Boca,
lábios
e língua
Desmame
• Tendência exagerada para
atividades de satisfação
oral (comer, beber, fumar,
beijar).
• Credulidade.
• Agressividade verbal.
• Gosto pela discussão.
• Passividade.
• Dependência.
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■ O estádio anal (dos 12/18 meses aos 3 anos)
A partir do primeiro ano de vida, a principal fonte de prazer erótico
passa a ser o ânus, embora a estimulação oral continue a dar prazer. Du-
rante este período do desenvolvimento psicossexual, o prazer sexual deriva
da estimulação do ânus ao reter e expelir as fezes.
A experiência marcante no estádio anal consiste em aprender a
controlar os músculos envolvidos na evacuação. A criança terá de apren-
der que não pode aliviar-se onde e quando quer, que há momentos e lu-
gares apropriados para tal efeito. Pela primeira vez, de forma sistemática,
constrangimentos externos limitam e adiam a satisfação dos impulsos inter-
nos. O princípio de realidade conjuga-se com o princípio de prazer. A neces-
sidade de adquirir hábitos higiénicos e de controlar as pulsões do Id mostra
que o Ego (começou a desenvolver-se a partir dos 6 meses) já se formou. O
confronto com as imposições paternas, o medo de ser punido e o desejo de
agradar aos pais mostram que o Superego está a formar-se.
Marcas da vivência do estádio anal
na personalidade adulta
Se a educação do asseio, isto é, se a regulação dos impulsos biológicos
da criança, é demasiado exigente e severa, esta pode reagir aos métodos re-
pressivos retendo as fezes. Se este modo de reagir for simbolicamente ge-
neralizado a outros comportamentos, a criança desenvolverá, segundo Freud,
um carácter anal-retentivo. Em termos psicológicos, esta fixação pode dar
origem a um indivíduo caraterizado pela teimosia, mania da pontualidade,
avareza, egoísmo, e pela obsessão com a ordem e a limpeza. É importante
notar que, se for a mãe – como é ainda frequente – a “treinar” de forma se-
vera a criança para ser asseada, podem produzir-se sentimentos latentes de
hostilidade em relação à “treinadora”. Eventualmente, a generalização dessa
hostilidade pode tornar conflituosa e difícil a relação posterior com o género
feminino.
Mas a criança pode reagir às excessivas exigências de higiene e limpeza
de outra forma: em vez de reter as fezes e de infligir sofrimento a si própria,
revolta-se contra a dureza e repressão do treino, expelindo-as nos momentos
menos apropriados. Freud fala, neste caso, por generalização simbólica, de
caráter expulsivo-anal.
O caráter expulsivo-anal é o protótipo de todos os traços expulsivos da
personalidade: crueldade, assomos de fúria, irritabilidade, sadismo, tendên-
cias violentas e destrutivas e também desorganização, para mencionar ape-
nas alguns.
Estádio anal
Fase do desenvolvimento em
que o prazer erótico deriva da
estimulação do ânus ao reter
e expelir as fezes. Trata-se
ainda de uma forma de sexua-
lidade autoerótica, centrada
em determinada zona do
corpo do sujeito.
Fixação
Resposta psicológica que se
dá porque as necessidades
caraterísticas de um certo
estádio do desenvolvimento
foram ou excessiva ou insufi-
cientemente satisfeitas.
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Estádio fálico
Fase do desenvolvimento
afetivo em que se vive a pri-
meira experiência sentimen-
tal significativa. O rapaz
compete com o pai pelo amor
da mãe e a rapariga compete
com a mãe pelo amor do pai.
É de tal modo importante
esta experiência que o está-
dio fálico poderia denomi-
nar-se estádio do complexo
de Édipo/Eletra.
Contudo, se o treino da criança não assumir aspetos repressivos, se os
pais adotarem uma estratégia firme mas suave, aplaudindo, por vezes de uma
forma calorosa e entusiástica, o controlo apropriado das funções excretoras,
a criança formará a noção de que a defecação é uma atividade importante,
digna de apreço. Por estranho que isso nos possa parecer, esta ideia é, segun-
do Freud, e mais uma vez em termos simbólicos, a base da criatividade e da
produtividade, da entrega positiva a uma causa e da generosidade.
■ O estádio fálico (dos 3 anos aos 6 anos)
Durante o estádio fálico, os órgãos genitais tornam-se o centro da
atividade erótica da criança através da autoestimulação. É o período em
que muitas crianças começam a masturbar-se, a aperceber-se das diferen-
ças anatómicas entre os sexos e de que a sexualidade faz parte das rela-
ções entre as pessoas.
Vimos que, nos dois primeiros estádios (oral e genital), a satisfação
sexual era essencialmente autoerótica, centrada na autoestimulação de
determinadas zonas do corpo. No estádio fálico, numa primeira fase, a sexua-
lidade da criança é ainda de natureza autoerótica.
Dedicando bastante tempo a examinar o seu aparelho genital, as crian-
ças manifestam uma curiosidade extrema por questões sexuais, apesar dessa
curiosidade ultrapassar a sua capacidade de compreensão. Não tendo uma noção
clara da ligação entre os órgãos genitais e a função reprodutiva, elaboram fan-
tasias e crenças acerca do ato sexual e do processo de nascimento que são
completamente desadequadas. Assim, podem pensar que uma mulher engra-
vida porque comeu o seu bebé e que o nascimento consiste em expeli-lo pela
boca. O ato sexual é frequentemente considerado um ato agressivo.
E S T Á D I O A N A L
IDADE
ZONA
ERÓGENA
EXPERIÊNCIA
OU CONFLITO
DECISIVO
CARATERÍSTICAS ADULTAS
ASSOCIADAS A PROBLEMAS
E A FIXAÇÕES NESTE ESTÁDIO
Dos
12/18
meses
aos
3 anos
Ânus
Aprender
a controlar
as funções
orgânicas
de evacuação
• Tendência para a avareza,
meticulosidade, obstina-
ção excessiva, preocupação
com a ordem e a limpeza
(caráter retentivo-anal).
• Tendência para a crueldade,
sadismo, violência e destru-
tividade, rebeldia e desor-
ganização (caráter expul-
sivo-anal).
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:20 Page 36
Os prazeres da masturbação e as fantasias da criança na sua atividade
autoerótica constituem a base para uma importante mudança de direção da
libido, dos impulsos libidinais. Segundo Freud, a criança, a partir de deter-
minada altura, desenvolve uma forte atração sexual pelo progenitor do sexo
oposto e sentimentos agressivos e de hostilidade em relação ao progenitor do
mesmo sexo. É, no plano da fantasia e a nível inconsciente, a primeira
experiência de amor heterossexual. No caso dos rapazes, o desejo de afas-
tar o pai e de ficar com a mãe só para si é um conflito inconsciente denomi-
nado complexo de Édipo. A descoberta do complexo de Édipo era, para Freud,
uma das grandes inovações da psicanálise. A denominação inspira-se na tra-
gédia grega Rei Édipo, de Sófocles, na qual Édipo, abandonado à nascença,
mata, sem o saber, o pai e casa com a mãe.
O complexo de Édipo manifesta-se em vários comportamentos do rapaz:
intrometer-se, agarrando-se às pernas da mãe, quando ela e o pai se abraçam;
recusar que o pai se ofereça para brincar com ele e preferir a mãe; querer que
seja esta e não o pai a dar-lhe de comer; dizer que vai casar com a mãe
quando for crescido ou desenhar os elementos do agregado familiar, à exce-
ção do pai.
Para Freud, todos os rapazes (considerava que o complexo de Édipo era
universal) desejam, inconscientemente, matar os seus pais e possuir as suas
mães. Note-se bem que o rapaz não tem consciência, não se apercebe desse
desejo incestuoso. Sendo inaceitável e intolerável, o seu acesso à consciência
é bloqueado. Contudo, como já sabemos, permanecerá no inconsciente e não
deixará de fazer sentir os seus efeitos, provocando considerável ansiedade e
desconforto psíquico. Para o rapaz, o pai é um rival que gostaria de afastar ou
de ver desaparecer. Esse desejo pode provocar sentimentos de culpa muito
fortes. Por outro lado, a criança sente que, a nível inconsciente também, que-
rer tomar o lugar do pai pode enfurecê-lo. A hostilidade associa-se ao medo.
Medo de quê?
O rapaz receia, tem pavor de que o pai castigue o seu desejo sexual pela
mãe retaliando de forma severa. E que forma mais severa do que cortar o mal
pela raiz? O rapaz teme que o pai o castre, eliminando assim a base ou a fonte
dos seus impulsos. Ao temor inconsciente de perder os órgãos genitais
deu Freud o nome de “ansiedade de castração” ou “complexo de castra-
ção”. Esta fantasia da criança tem, de acordo com Freud, efeitos positivos:
dá-se o recalcamento do desejo sexual incestuoso e forma-se um mecanismo
de defesa chamado identificação. O rapaz irá imitar e interiorizar as atitudes
e comportamentos do pai. Ser como o pai fará com que este pareça menos
ameaçador. Identificando-se com o pai (com os aspetos desejáveis do pai), o
rapaz transforma os seus perigosos impulsos eróticos em afeto inofensivo
pela mãe, ao mesmo tempo que, de uma forma indireta, satisfaz os seus
impulsos sexuais a respeito da mãe. Na verdade, a identificação com o pai
Complexo
de Édipo/Eletra
Conjunto de inclinações e
impulsos que se caraterizam
pela rejeição inconsciente do
progenitor do mesmo sexo e
pela vontade de ser o único
objeto do amor e afeto do
progenitor do sexo oposto.
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tem subjacente uma limitação fundamental (só o pai pode ter relações
sexuais com a mãe), embora, de forma simplesmente simbólica, permita ao
rapaz, através do pai, ter acesso à mãe (quanto mais se parecer com ele mais
facilmente se pode imaginar, inconscientemente, no lugar do pai).
A TRAGÉDIA DE ÉDIPO
Édipo era filho de Laio e de Jocasta, soberanos de Tebas. Nascera sob o signo da
maldição de Pélope, a quem Laio, arrastado por amores libidinosos, raptara o filho
Crisipo, fugindo com ele quando o adestrava nas corridas de carros. Ultrajado na sua
dignidade e ferido nos seus sentimentos de pai, Pélope proferiu contra o ingrato hós-
pede terrível imprecação: «Laio, Laio, oxalá que nunca tenhas um filho; ou, se chegares
a tê-lo, que venhas a perecer às suas mãos!».
Esta súplica foi atendida. Quando Laio consultou o oráculo de Delfos, Apolo res-
pondeu-lhe: «Dar-te-ei um filho, mas está decretado que hás de perecer às mãos
dele… Assim o determinou Zeus, filho de Crono, atendendo às terríveis maldições de
Pélope, cujo filho raptaste; foi ele quem pediu para ti todos estes castigos».
Para fugir a tão funesta predição, Laio e Jocasta decidiram desfazer-se da criança ao
nascer. Ligaram-lhe os pés e entregaram-na a um dos seus pastores, para que a expu-
sesse no monte Citéron, onde as feras a devorariam. O pastor, condoído do menino,
que recebeu o nome de Édipo (= dos pés inchados), deu-o a outro pastor de Corinto,
para que o criasse como filho. Os reis de Corinto, Pólibo e Mérope, que não tinham fi-
lhos, adotaram a criança.
Certo dia, num banquete, um conviva negou que Édipo fosse filho verdadeiro dos reis
de Corinto. Correu Édipo a Delfos, para consultar o oráculo de Apolo sobre a sua ori-
gem. Soube ali estar-lhe reservado o mais horrível destino: matar o pai e casar com a mãe.
Aterrado, Édipo já não regressou a Corinto. No caminho de Dáulis, cruzou-se com
outro cavaleiro, com o qual, por motivo de precedência, se travou de razões, acabando
por derribá-lo da sege e matá-lo em legítima defesa. Sem saber que matava seu pai Laio!
Prosseguiu viagem, rumo a Tebas, que ao tempo era devastada por um monstro
horrível, cabeça e rosto de donzela, corpo, patas e cauda de leão: era a temível Esfinge.
Enviado por Zeus à terra, para castigo dos tebanos, o monstro divertia-se a propor
enigmas aos transeuntes. Quem não soubesse decifrá-los, pagava com a vida a igno-
rância inculpável.
Já havia sido oferecida a mão da rainha viúva de Laio, Jocasta, a quem resolvesse os
problemas da Esfinge. Édipo apresentou-se ao monstro, que lhe propôs esta adivinha:
«Qual é o ser que anda com quatro pés, com três e com dois, e quanto mais são os pés
em que se apoia, mais devagar caminha?». Édipo, afoito, respondeu-lhe sem hesitação:
«Ouve, ainda que não te agrade a minha voz e a tua perdição, cantora malfadada! Esse
ser é o homem: quando criança, apoia-se sobre as quatro extremidades; quando velho,
procura um terceiro pé – o bastão – a que se arrima, vergado ao peso dos anos!».
A esfinge, vencida, precipitou-se no abismo e Tebas respirou, livre do horrendo tri-
buto de vidas humanas que lhe vinha pagando.
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:20 Page 38
Em prémio de tal proeza, Édipo consorciou-se com Jocasta e instalou-se no trono
deTebas. Sem saber, casara com sua mãe!
Já reinava há muitos anos, com descendência de quatro filhos de Jocasta (Polinices
e Etéocles, Antígona e Ismena), quando a peste começou a grassar em Tebas. Morriam
os animais, abortavam as mulheres e definhavam os frutos da terra.
Édipo, compadecido das desgraças que dizimavam o seu povo, procura por todos
os meios acudir-lhe, indagando a causa do mal. Envia Creonte, seu cunhado, ao san-
tuário de Delfos, a consultar o oráculo sobre a causa de tamanha calamidade.
Respondeu Apolo que o causador da peste era o assassino de Laio, que vivia no
reino. Era preciso matá-lo ou expulsá-lo deTebas.
Propõe-se Édipo descobrir o criminoso e promete vingar pelas suas próprias mãos
a morte de Laio.
Depois de várias peripécias e terríveis suspeitas, Édipo acaba por convencer-se de
que ele próprio é o autor da morte de Laio, seu verdadeiro pai, e de que Jocasta, a
mulher com quem casara, é a sua mãe. Sendo a verdade evidente, Édipo, destroçado e
dilacerado pelo desespero, encontra o corpo morto de Jocasta, que acabara de se
enforcar no interior do palácio real. Édipo, por sua vez, arranca os olhos, desejando
desaparecer e morrer.»
António Freire, O Teatro Grego (adaptado)
A limitação referida é interiorizada sob a forma de tabu do incesto,
para cuja formação contribuem o sentimento inconsciente de culpa desen-
volvida pelo Superego e as restrições sociais. Freud sublinha que a repressão
do complexo de Édipo ou, mais propriamente, a sua ultrapassagem marca a
etapa final do desenvolvimento do Superego. Este será o herdeiro do com-
plexo de Édipo e a instância que se ergue contra o incesto e a agressividade.
No caso da rapariga, verifica-se uma crise psicossexual semelhante,
mas o objeto do desejo é o pai e não a mãe. Se, no caso do rapaz, a mãe
era objeto de afeto que se transformou em objeto de desejo sexual, no
caso da rapariga, o objeto original do afeto é substituído por outro, o pai,
que se deseja agora possuir.
Na perspetiva de Freud, a mudança ocorre porque, desapontada por
verificar não possuir o mesmo órgão sexual que os rapazes, a rapariga sente-
-se “castrada” e responsabiliza a mãe por essa sua condição. Freud definiu este
sentimento inconsciente como “inveja do pénis”. Nas palavras de Freud, “a
rapariga censura a mãe por a trazer ao mundo tão insuficientemente equi-
pada”. O desprezo e o ressentimento marcarão a relação com a mãe nesta
fase. A rapariga transfere o seu amor para o pai – tem o órgão que ela deseja
partilhar com ele –, aspirando a ocupar o lugar da mãe. É a versão feminina
do complexo de Édipo – versão denominada complexo de Eletra.
A“Inveja do útero”
Na rapariga, em crise edi-pia-
na, a “inveja do pénis” é o
reverso da “ansiedade de cas-
tração” no rapaz. Karen Hor-
ney, de formação psicanalítica,
irá, em meados do século XX,
considerar arbitrária a con-
ceção freudiana. Para Horney,
o que as mulheres invejam
nos homens não é o pénis,
mas a sua posição social.
Além disso, os homens têm
inveja da capacidade de as
mulheres darem à luz. É a
chamada “inveja do útero”
(womb-envy).
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:20 Page 39
Tal como nos rapazes, a forma de resolver o conflito emocional con-
siste na identificação com o progenitor do mesmo sexo. Procurando parecer-se
cada vez mais com a mãe, a rapariga possui, simbólica e indiretamente, o pai.
Contudo, para Freud, a resolução do conflito, no caso das raparigas, é
mais complicada e menos bem sucedida: o complexo de Eletra, apesar de
sofrer algumas modificações no confronto com as barreiras que a moral e
a realidade erguem, tende a persistir em muitas mulheres. Porquê? Se-
gundo Freud, porque a sociedade em geral reprime com menos severidade
(do que no caso dos rapazes) a persistência dos sentimentos de posse em
relação ao pai. Além disso, a “inveja do pénis” e o sentimento de inferioridade
a ela ligado dificultam seriamente a identificação plena com a mãe. Este é,
sem dúvida, um dos aspetos mais polémicos – porventura o mais polémico –
da teoria psicossexual de Freud. O criador da psicanálise afirmava que,
durante o seu desenvolvimento psicossexual, as raparigas viviam uma experi-
ência traumatizante de implicações duráveis: a descoberta de que não tinham
pénis. Por essa sensação de castração e de incompletude censuram as mães
e desenvolvem a “inveja do pénis”, sentimento que, no entender de Freud,
motivará, direta ou simbolicamente, grande parte do seu comportamento
futuro. Apresenta como exemplos de “tentativa de recuperação simbólica” do
que julgam ter perdido a incorporação do órgão masculino na relação sexual,
o desejo de dar à luz crianças do sexo masculino e, muito provavelmente,
diria que a tentativa de aceder a posições de destaque no mundo laboral tra-
duz o desejo inconsciente de compensar uma inferioridade orgânica.
A TRAGÉDIA DE ELETRA
Eletra, princesa de Micenas, é filha de Agaménon e Clitemnestra, sendo irmã de
Orestes e Ifigénia. A rainha, sua mãe, atormentada pelo sacrifício de Ifigénia, une-se ao
sobrinho do esposo. Esse príncipe, Egisto, fora perseguido por Agaménon e privado dos
seus direitos. Retornando a Micenas durante a guerra deTroia, une-se à rainha, com quem
tem um filho, Aletes. Os dois amantes aguardam o retorno do rei para consumar a vin-
gança. Após o assassinato do pai por Egisto e Clitemnestra, Eletra é poupada pela mãe.
Mas consome-se pela perda do pai, Agaménon, a quem adorava. Pedia aos deuses que
lhe enviassem um meio de vingar a sua morte.As suas preces serão atendidas por seu
irmão Orestes, a quem salvara da morte em criança. Prevendo o que viria com a volta de
Egisto, confiou-o em segredo a um velho precetor, que o levou para longe de Micenas.
Por tudo isto, era tratada no palácio como escrava.Temendo que a enteada tivesse um
filho que um dia pudesse vingar a morte de Agaménon, Egisto fê-la casar-se com um
pobre camponês. O marido, todavia, respeitou-lhe a virgindade. Mas é chegado o dia do
retorno de Orestes. A jovem princesa o guiará até aos assassinos do seu pai. Quando,
após a morte de Egisto e Clitemnestra, Orestes foi envolvido e "enlouquecido" pelas Erí-
nias, ela colocou-se a seu lado e cuidou do irmão até ao julgamento final no Areópago
de Atenas. Depois de ser absolvido pelo voto de Atena, Orestes e Pílades, seu amigo,
partem paraTáurida em busca de uma estátua de Ártemis. Lá encontrarão Ifigénia como
sacerdotisa de Ártemis. Retornam todos a Micenas e, após as núpcias de Orestes com
Hermíone, Eletra casa-se com Pílades.
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Qual a consequência de fixações durante o estádio fálico?
O que implica não ser bem sucedido/a na resolução do
complexo de Édipo/Eletra?
Fixações que se desenvolvem durante o estádio fálico podem originar
personalidades que, de facto, continuarão a debater-se com crises ou conflitos
de tipo edipiano. Os homens procurarão, de forma obsessiva, mostrar que não
foram ‘castrados’, seduzindo tantas mulheres quantas possível, sendo pais de
muitos filhos ou, como afirmação simbólica de masculinidade, alcançando
grande sucesso na carreira profissional. Mas podem também falhar na sua
vida sexual e profissional em virtude de sentimentos de culpa (recalcados)
por terem competido com o pai pelo amor da mãe. Podem também procurar
em cada mulher com quem se relacionam uma imagem da mãe, o que, como
se sabe, pode perturbar significativamente o futuro da relação. Acontecem
casos de fixação extrema na figura da mãe: é o caso real, apesar de bizarro, de
dois irmãos que, apesar de casados e com filhos, dormem várias vezes por
semana em casa da mãe.
No caso das mulheres, a continuação dos conflitos de tipo edipiano ex-
prime-se numa forma particular de relação com os homens: um estilo parti-
cularmente sedutor, mas ao qual subjaz a negação de qualquer contacto se-
xual (sedução – retraimento). Este tipo de comportamento tem como modelo
a atração original pelo pai (houve atração e repressão ou recalcamento do
desejo). Este padrão comportamental é transferido para interações afetivas
posteriores. É o comportamento típico da mulher que atrai os homens e os
seduz, mas depois fica surpreendida por estes pretenderem relações sexuais
com ela. Uma fixação extrema na figura paterna e a persistência do ódio pela
mãe pode, segundo alguns psicanalistas, estar na origem de casos de anorexia.
Adorando o pai e detestando a mãe, a jovem adolescente pode inconsciente-
mente querer ser como o pai e rejeitar a morfologia feminina que apresenta
(como se sabe, a extrema magreza das anoréticas em geral traduz-se na perda
das formas femininas e num corpo mais próximo do masculino do que do
feminino). O homem ideal é também desejado à imagem do pai, complicando
as relações afetivas.
E S T Á D I O F Á L I C O
IDADE
ZONA
ERÓGENA
EXPERIÊNCIA
OU CONFLITO
DECISIVO
CARATERÍSTICAS ADULTAS
ASSOCIADAS A PROBLEMAS
E A FIXAÇÕES NESTE ESTÁDIO
Dos
3 anos
aos
5/6 anos
Órgãos
genitais
Complexo
de Édipo/
/Eletra
• Falta de maturidade no
plano afetivo.
• Dificuldades no plano do
relacionamento sexual.
• Personalidade bipolar: pro-
miscuidade-castidade;
sedução-recusa.
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Estádio de latência
Período de acalmia relativa
das pulsões sexuais sublima-
das e convertidas em desejo
de conhecimento, de com-
petência intelectual e física e
de reconhecimento social.
Nenhuma fixação ocorre
neste estádio.
Estádio genital
Fase do desenvolvimento em
que se deve liquidar o com-
plexo de Édipo para que uma
sexualidade equilibrada e
uma vida psíquica saudável
possam construir-se. É o
ponto de chegada de uma
longa viagem, desde a sexua-
lidade autoerótica à sexuali-
dade realisticamente orien-
tada, caraterística do indiví-
duo socializado.
■ O estádio de latência (dos 6 aos 11 anos)
O estádio de latência é o período da vida dos 6 aos 11 anos mar-
cado por um acontecimento significativo: a entrada na escola e a conse-
quente ampliação do mundo social da criança. Recalcadas no inconsciente,
as conturbadas experiências emocionais do estádio fálico, estas não a pare-
cem perturbar. É como se não tivessem acontecido. Esta amnésia infantil
liberta a criança da pressão dos impulsos sexuais.A curiosidade da criança cen-
tra-se agora no mundo físico e social e não no seu corpo.A energia libidinal é,
a bem dizer, sublimada, isto é, convertida em interesse intelectual e canalizada
para as atividades escolares, as práticas desportivas, jogos e brincadeiras.
Normalmente, o grupo de pares é constituído por crianças do mesmo sexo,
uma escolha que reforça a identidade sexual da criança. A ultrapassagem
bem sucedida deste estádio é possível se a criança, agora mais independente
dos pais no plano afetivo, desenvolver um certo grau de competência nas
atividades que a atraem e naquelas que lhe são socialmente impostas.
Vários intérpretes de Freud consideram que o estádio de latência é mais
uma pausa do que um período do desenvolvimento psicossexual (não há ne-
nhuma área específica do corpo que possa ser destacada como zona erógena
e nenhum conflito psicossexual). Outras interpretações sugerem que nesta
fase, sobre a qual Freud pouco disse, as crianças aprendem a esconder a sua
sexualidade do olhar desaprovador dos adultos. Seja como for, a relativa
emancipação em relação ao universo familiar prepara o caminho para que o
afeto e a atração sexual assumam uma forma adulta.
No final deste estádio, o aparelho psíquico está completamente formado
■ O estádio genital (após a puberdade)
Na adolescência, em virtude da maturação do aparelho genital e da
produção de hormonas sexuais, renascem ou reativam-se os impulsos
sexuais e agressivos. Em estádios anteriores, o indivíduo obtinha satisfação ou
gratificação erótica mediante a estimulação e manipulação de determinadas
zonas do seu próprio corpo. Embora no estádio fálico a sexualidade autoeró-
tica comece a ser superada, esta ainda não está orientada de uma forma rea-
lista e socialmente aprovada. Manifesta-se para ser reprimida. Além disso,
tudo se passa na imaginação fantasista da criança.
O estádio genital é um período em que conflitos de estádios anterio-
res podem ser revividos. Freud dá importância especial à reativação do
complexo de Édipo e à sua liquidação. A passagem da sexualidade infantil
à sexualidade madura exige que as escolhas sexuais se façam, de forma
realista e segundo a norma cultural, fora do universo familiar, sendo os
pais suprimidos enquanto objetos da libido ou do impulso sexual.
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:20 Page 42
Se os conflitos caraterísticos de estádios anteriores do desenvolvi-
mento forem resolvidos de forma satisfatória, o indivíduo entra no último
estádio psicossexual com a libido organizada em torno dos órgãos genitais e
assim permanecerá toda a vida. A qualidade da gratificação sexual durante o
estádio genital difere significativamente da de estádios anteriores. Na verda-
de, os primeiros afetos e ligações infantis eram essencialmente narcisistas: a
criança estava unicamente interessada no seu próprio prazer erótico. No es-
tádio genital – que estabelece a fusão e integração dos impulsos pré-geni-
tais –, desenvolve-se o desejo pela gratificação sexual mútua, a capacidade
de amar e de partilhar o prazer. Segundo Freud, o estádio genital é o ponto
de chegada de uma longa viagem, desde a sexualidade autoerótica à
sexualidade realisticamente orientada, caraterística do indivíduo sociali-
zado.
Embora algumas relações interpessoais nasçam da motivação egoísta
de simplesmente obter prazer genital, o indivíduo neste estádio final é capaz
de se preocupar com o bem-estar da pessoa amada tanto ou mais do que
com o seu. Esta capacidade constitui a base de relações duráveis que se pro-
longam pela vida adulta. A sublimação é especialmente importante neste
período porque os impulsos do Id (egoístas, agressivos) continuam e conti-
nuarão ativos. A sublimação significará transformar os impulsos libidinais
convertendo-os em energia útil para o casamento, a educação dos filhos e o
desempenho profissional.
Freud acreditava que não havia uma transição automática para o está-
dio genital e que a passagem raramente se cumpria de forma plena. Muitas
pessoas têm menos controlo sobre os seus impulsos do que o desejável e
muitas outras têm dificuldade em satisfazer os impulsos sexuais de modo
adequado e socialmente aceitável. Por isso, a personalidade genital tal como
ele a descreve corresponde mais a um ideal a atingir do que a uma realidade
generalizada.
zPara uma perspetiva crí-
tica da teoria freudiana do
desenvolvimento elaborada
por um teórico de formação
também psicanalítica, será
útil consultar o Dossiê ERIK
ERIKSON: uma visão epige-
nética da construção da iden-
tidade pessoal.
E S T Á D I O G E N I T A L
IDADE
ZONA
ERÓGENA
EXPERIÊNCIA
OU CONFLITO
DECISIVO
CARATERÍSTICAS ADULTAS
ASSOCIADAS A PROBLEMAS
E A FIXAÇÕES NESTE ESTÁDIO
Depois
da
puberdade
Órgãos
genitais
Gratificação
sexual
na interação
com outrem
• Ultrapassagem da sexuali-
dade autoerótica.
• Capacidade de sublimação
dos impulsos do Id.
• Satisfação do desejo sexual
de forma socialmente acei-
tável.
• Capacidade de amar e de
cuidar.
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:21 Page 43
Oral
(do nascimento
aos 12/18 meses)
Anal
(dos 12/18 meses
aos 3 anos)
A criança obtém prazer
mediante a atividade oral.
O desmame é a experiên-
cia/conflito central.
O ânus é o foco da estimu-
lação e do prazer. A tarefa
crucial consiste em contro-
lar as funções orgânicas,
aprendendo regras higié-
ni-cas.
As crianças obtêm prazer
manipulando os órgãos ge-
nitais, desenvolvem a curio-
sidade sexual e fantasias
amorosas e eróticas acerca
do progenitor do sexo
oposto. A superação do
complexo de Édipo/Eletra
é tarefa crucial, decisiva
para o desenvolvimento
moral e social.
É um período de suspen-
são ou de acalmia da ati-
vidade sexual. A curiosi-
dade intelectual e o desejo
de competência sobre-
põem-se à curiosidade
sexual. A energia libidinal
desloca-se para ativida-
des físicas e intelectuais.
Com o surgimento da pu-
berdade, reacendem-se os
impulsos sexuais. O adoles-
cente bem sucedido será,
segundo Freud, o que for
capaz de ter um relacio-
namento sexual maduro
com o sexo oposto.
Otimismo-pessimismo; agressivi-
dade verbal, impaciência, abuso de
determinadas substâncias – fumar,
beber, comer em excesso.
No caso da personalidade retenti-
vo-anal: avareza, obstinação, ten-
dência compulsiva para a organi-
zação, meticulosidade.
No caso da personalidade expulsivo-
-anal: desordem, crueldade, vio-
lência destrutiva.
Excessiva preocupação, no caso dos
homens, com a afirmação da sua
masculinidade; na mulher, segundo
Freud, sentimento de inferioridade
em relação aos homens que se pro-
cura compensar de várias formas.
Em ambos os sexos, a fixação no
estádio fálico, a não ultrapassagem
do complexo de Édipo/Eletra im-
plica que a sexualidade é inconscien-
temente associada a sentimentos
de culpa, dado que não se ultra-
passou o desejo incestuoso pelo
progenitor do sexo oposto. Assim,
um comportamento sexual apa-
rentemente desinibido pode ex-
primir, no fundo, medo do sexo.
No estádio de latência não há fixa-
ção alguma.
Não há fixação específica do está-
dio genital.
Baseado na sua prática clínica, Freud construiu uma teoria do desenvolvimento pessoal que destacou a compo-
nente erótica e afetiva. As diversas fases ou estádios do desenvolvimento determinam-se conforme as zonas
ou órgãos de satisfação das pulsões. Em termos psicológicos, o desenvolvimento pode deter-se num estádio
intermédio, produzindo-se uma fixação. A fixação em determinado estádio significa que um indivíduo ten-
tará, em maior ou menor grau, obter prazer de uma forma simbolicamente equivalente ao modo de gratifi-
cação próprio do estádio em que se fixou. A fixação ocorre ou porque houve fraca satisfação dos impulsos
num dado estádio (trata-se inconscientemente de compensar esse défice) ou porque houve gratificação
excessiva (inconscientemente não há motivação para ultrapassar tal estádio).
TRAÇOS ADULTOS ASSOCIADOS
A PROBLEMAS
(FIXAÇÕES, SOBRETUDO) NUM ESTÁDIO
CONFLITOS / EXPERIÊNCIAZONA ERÓGENA
O S C I N C O E S T Á D I O S
D O D E S E N V O L V I M E N T O P S I C O S S E X U A L
Boca
Ânus
Fálico
(dos 3 aos 6 anos)
Órgãos genitais
Nenhuma
Latência
(dos 6 anos
à puberdade)
Órgãos genitais
Genital
(da puberdade em diante)
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1. Qual o objeto de estudo da psicologia para Freud?
Para Freud, a psicologia estuda os processos mentais (sobretudo os
fenómenos psíquicos inconscientes) e a influência que exercem sobre
o nosso comportamento e a nossa personalidade. Com a psicanálise evi-
dencia-se o papel fundamental dos processos psíquicos inconscientes na
determinação do nosso comportamento e da nossa personalidade.
Quando atualmente se define a psicologia como estudo do comporta-
mento e dos processos mentais, não se diz só processos mentais conscien-
tes, porque temos em conta, depois de Freud, que há também muitos
processos mentais que têm origem no Inconsciente.
Freud contribuiu para a definição do objeto de estudo da psicologia, mos-
trando-nos que a nossa vida psíquica não se reduz à consciência. Não sendo
o primeiro a falar de Inconsciente, Freud é o primeiro psicólogo a afirmar
que o Inconsciente é a realidade psíquica fundamental. Isto quer dizer que
o nosso comportamento e a nossa personalidade são poderosamente influ-
enciados por processos psíquicos inconscientes. Na nossa vida psíquica,
a consciência tem um papel secundário. Segundo Freud, a consciência
tem um papel muito menos influente na nossa vida psíquica do que o
Inconsciente. A consciência é simplesmente a ponta do icebergue.
2. Que conceção de ser humano está presente nesta teoria?
Somos seres marcados pelo peso do passado (das experiências da in-
fância), pela necessidade de refrear os nossos impulsos e de aceitar a
frustração no confronto com a realidade e pela ameaça de forças desco-
nhecidas que dentro de nós «conspiram» contra a nossa saúde mental.
A teoria freudiana apresenta não só uma nova conceção do aparelho
psíquico (psíquico não é sinónimo de consciente), mas também uma nova
visão do ser humano. Em nós não é a razão que domina. Gostaríamos
de pensar que esta controla os impulsos irracionais. Contudo, Freud diz-
-nos que a nossa vida é dirigida por impulsos, desejos e pulsões de natu-
reza inconsciente (sobretudo de natureza sexual e agressiva). Para Freud,
a nossa integridade psíquica, dadas as pulsões agressivas e libidinais do Id,
exige que recalquemos, que esqueçamos.
O ser humano vive sob o signo do conflito e da ansiedade. A ansiedade
é uma vivência do Ego que se preocupa com duas eventualidades: 1) que o
Id fique fora de controlo e determine comportamentos cujos efeitos podem
ser severamente negativos e 2) que o Superego se descontrole e, tornando-
-se extremamente moralista, nos faça experimentar sentimentos de culpa
excessivos quer acerca de transgressões reais quer de imaginárias. Para re-
duzir a ansiedade, o Ego constitui um conjunto de respostas inconscientes
denominadas mecanismos de defesa do Ego. A constituição da personali-
dade de cada indivíduo é determinada, em grande parte, pelo modo como se
dá a relação entre o princípio de prazer e o princípio de realidade.
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:21 Page 45
O que somos então para Freud? Seres cuja finalidade ou motivação
essencial é o prazer (embora em «Para Além do Princípio do Prazer»,
Freud afirme que o objetivo último do organismo é o retorno à ausência
total de estimulação, isto é, a morte) e que vivem com receio da sua própria
vontade de prazer. Mesmo a saúde mental é um equilíbrio instável. Não
somos donos de nós próprios, somos uma misteriosa e complexa unidade
de impulsos agressivos e destrutivos e de interdições quase do mesmo si-
nal. Procuramos a reconciliação com nós próprios, a harmonia interior, o
equilíbrio psíquico. Ora, a chave do que somos está em vivências envoltas
num denso véu – há tanto tempo se deram nos primeiros anos de vida – e
recalcadas por razões que nos escapam. Conhece-te a ti mesmo será o lema
da psicanálise e da terapia psicanalítica. Somos o que fizemos de nós
quando ainda não tínhamos uma identidade definida – mas somos mais o
que os nossos desejos e as normas dos outros, essencialmente os pais, fize-
ram de nós.
3. Qual a posição do autor desta teoria acerca dos seguintes
conceitos dicotómicos (Inato/Adquirido; Continuidade/
/Descontinuidade; Estabilidade/Mudança; Interno/Ex-
terno; Individual/Social)?
A dicotomia inato/adquirido
Quanto à relação entre o inato e o adquirido, a teoria freudiana é
conhecida por ser uma teoria que se inspira num modelo homeostático, de
redução dos desequilíbrios orgânicos (destacando ao mesmo tempo o papel
crucial de impulsos biológicos que atuam fora do campo da consciência e
que criam tensões de que o organismo se deve libertar). Freud considera
que o principal motivo do comportamento humano, desde o princípio da
vida, é a procura do prazer sexual – um impulso biológico básico. Sirva
como exemplo o facto de Freud atribuir o nome de estádio genital ao
período da adolescência. Nesta fase, o eventual equilíbrio alcançado por
volta dos 7 aos 11 anos é bruscamente rompido pelo ressurgimento de
impulsos sexuais que correspondem a um aumento do poder do Id. Este
desequilíbrio traduz-se em conflitos psicológicos e comportamentos erráti-
cos.
Apesar da importância crucial dos fatores biológicos, a teoria freudiana
não ignora a educação, o que é adquirido. Com efeito, o Superego é a
representação interna das exigências do mundo social, sendo o resultado
da interiorização de normas e de proibições adquiridas na relação com os
progenitores. O desenvolvimento pessoal envolve em qualquer fase do
desenvolvimento fatores biológicos e ambientais.
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:21 Page 46
A dicotomia continuidade/descontinuidade
Quanto ao par dicotómico continuidade-descontinuidade, considera-se
que a teoria do desenvolvimento pessoal é uma teoria descontinuista.
Quer isto dizer que concebe o desenvolvimento como um conjunto de trans-
formações que diferem qualitativamente entre si. A perspetiva que acen-
tua a descontinuidade do desenvolvimento entende que esta se dá ao longo
de distintos estádios do ciclo vital. Para os partidários desta perspetiva, o
desenvolvimento é marcado por ritmos diferentes, verificando-se a alternân-
cia entre períodos com mudanças pouco frequentes e relevantes (caso do
período de latência em Freud) e períodos marcados por mudanças abrup-
tas e descontínuas que implicam a passagem a um novo estádio do desen-
volvimento (caso do estádio genital ou do fálico). Sirva como exemplo de
que os estádios são fases qualitativamente diferentes do desenvolvimento
o facto de haver uma diferença qualitativa entre o estádio fálico – em que
o objeto de afeto e de desejo é o progenitor do sexo oposto – e o estádio
genital – em que o objeto de desejo é constituído por pares do sexo oposto
ou por pessoas exteriores ao universo familiar. A passagem da sexualidade
autoerótica – centrada em si ou no seu corpo – à sexualidade que tem
como objeto outro corpo é também uma mudança qualitativa.
A dicotomia estabilidade/mudança
Quanto ao par estabilidade-mudança, há a dizer que significa que as
aquisições de cada estádio são integradas mediante elaboração no estádio
seguinte, produzindo-se uma alteração qualitativa. O que segundo Freud
permanece é a procura do prazer. O que muda são as zonas erógenas asso-
ciadas ao prazer. Da sexualidade centrada na exploração do nosso corpo
evoluímos para uma sexualidade que atinge a forma madura ligada à capa-
cidade reprodutiva e às relações sexuais genitais. Permanecem os impulsos
agressivos e destrutivos do Id, mas muda o modo como nos relacionamos
com a realidade e encaramos a satisfação dos desejos. Contudo, a mudança
pode ser afetada pela fixação. A fixação significa que o desenvolvimento,
em certa medida, cessou num determinado estádio, implicando uma de-
pendência ou falta de autonomia do sujeito. É uma ligação extremamente
forte a uma pessoa ou a um objeto que era apropriada somente nos pri-
meiros estádios do desenvolvimento, mas que é desadequada em estádios
posteriores. Os sentimentos e afetos ligados ao complexo de Édipo são
admissíveis em certa idade, mas não noutras. As fixações ocorrem habitu-
almente devido a frustração ou excessiva indulgência na expressão da ener-
gia sexual ou agressiva num dado estádio do desenvolvimento psicos-
sexual. A fixação num dado estádio do desenvolvimento não impede todo
o posterior desenvolvimento, mas, a não ser que um ser humano ultra-
passe cada estádio de forma bem sucedida, não poderá cumprir plena-
mente o que é exigido pelos estádios posteriores e ficará psicologicamente
preso a sentimentos e formas de satisfação próprios de estádios anteriores.
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:21 Page 47
A fixação bloqueia o desenvolvimento psicossexual, daí resultando diver-
sas desordens e perturbações comportamentais, e quanto mais intenso for,
menor será o nosso grau de maturidade quando adultos. A passagem ao
estádio seguinte não é efetiva, há um bloqueio psicológico. É o caso da
criança excessivamente dependente, que terá muitas dificuldades em ser,
quando adulto, um indivíduo autónomo. Sofre uma regressão. A regressão
significa um retorno a um estádio anterior do desenvolvimento. A pessoa
que desenvolveu uma fixação no estádio anal pode responder a uma situa-
ção de tensão tornando-se ainda mais obstinada e compulsiva. É impor-
tante salientar que fixação e regressão são condições relativas. Num
indivíduo, a fixação e a regressão raramente são completas, absolutas.
Habitualmente, a maior parte dos aspetos da personalidade de um indiví-
duo desenvolver-se-á normalmente, mas o seu comportamento pode, em
certos pontos, ser caraterizado por atos infantis, acriançados, efeitos de
certas fixações anteriores.
A dicotomia externo/interno
Quanto à dicotomia externo-interno, há a considerar o seguinte:
Em cada estádio do desenvolvimento, o indivíduo vive o conflito en-
tre os seus impulsos biológicos – fatores internos – e expetativas sociais
ou externas (de que os pais são os agentes transmissores e represen-
tantes). O modo como os pais lidam com os impulsos sexuais e agressivos
dos seus filhos nos primeiros anos da infância é crucial para um desenvol-
vimento saudável ou não da personalidade. A personalidade adulta é
determinada pelo modo como resolvemos os conflitos entre as seduções
das zonas de prazer (as fontes erógenas – boca, ânus e órgãos genitais) e
as exigências da realidade, dos outros. Dessa resolução vai depender o
modo como nos relacionamos com os outros, como lidamos com a ansie-
dade e o próprio modo como se efetuará a nossa aprendizagem. Quando os
conflitos não são resolvidos, o indivíduo pode fixar-se em dado estádio do
seu desenvolvimento (este pode, em termos psicossexuais, cessar num dos
primeiros estádios, tornando difícil e desadaptada a evolução da sexuali-
dade autoerótica para a partilha do prazer erótico com outrem). A regres-
são é normalmente determinada por fixações anteriores do indivíduo, ou
seja, este tende, para fugir aos conflitos, a regressar a um estádio onde pre-
viamente se fixara, o que é sinal de falta de autonomia e incapacidade de
enfrentar a realidade e experiências frustrantes. Durante a infância, os
impulsos sexuais mudam de objeto, centrando-se primeiro na zona oral,
depois na anal e finalmente na genital. Em cada um dos três primeiros
estádios (oral, anal e fálico), os pais são decisivos: se permitem uma autos-
satisfação excessiva ou inibem demasiado o prazer erótico da criança,
estarão a impedir um desenvolvimento psicossexual saudável.
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:21 Page 48
A dicotomia individual/social
A importância atribuída ao papel dos pais mostra que o fator social
tem relativa importância na teoria freudiana do desenvolvimento afeti-
vo. Contudo, o desenvolvimento é entendido em termos psicossexuais e
não de uma forma mais abrangente, ou seja, em termos psicossociais (o
meio não é só a família, mas fatores externos como o meio sociocultural,
os grupos e as comunidades). Esta é uma das críticas de outro grande teó-
rico do desenvolvimento, o dinamarquês Erik Erikson. Para Erikson o
desenvolvimento tem de ser entendido no quadro da relatividade cultural.
PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:21 Page 49
ATIVIDADE 4
I
Copie as atividades seguintes e preencha
cada um dos espaços em falta:
1. A teoria freudiana do desenvolvimento baseia-se na afirmação de
que existe sexualidade ... .
2. Os estádios do desenvolvimento representam uma sequência de
diversos modos de satisfação dos impulsos ... . A maturação física é
responsável pela sucessão de zonas erógenas e correspondentes
estádios. O desenvolvimento é considerado ... porque as pulsões
sexuais, no seu confronto com a realidade social (familiar em grande
parte) e moral, determinam a aquisição de caraterísticas psicológicas.
3. Freud distingue quatro etapas ou fases fundamentais: os estádios ... .
Entre as duas últimas fases situa-se um período de latência em que
as pulsões sexuais parecem estar apaziguadas, quase totalmente es-
quecidas (... , que nada mais é do que um recalcamento das experi-
ências e sensações anteriormente vividas). A puberdade reativa os
impulsos aparentemente desativados. Se forem transformados e
sublimados pelo Ego, atinge-se o estádio de maturidade psicos-
sexual: o estádio ... .
4. As zonas ... são aquelas partes do corpo que, em cada estádio do
desenvolvimento, constituem fontes especiais de prazer. Freud não
reduz a ... à manipulação ou contacto genital.
5. Freud sugeriu que a resolução positiva dos conflitos próprios de
cada estádio é a condição de possibilidade da maturidade psicoló-
gica. O principal obstáculo a essa maturidade é a ... , o facto de, em
virtude de excessiva satisfação ou excessiva frustração, o indivíduo
ficar psicologicamente preso a dado estádio do desenvolvimento.
6. Quando os conflitos não são bem resolvidos, o indivíduo pode ... em
dado estádio do seu desenvolvimento (este pode, em termos psicos-
sexuais, cessar num dos primeiros estádios, tornando difícil e desa-
daptada a evolução da sexualidade autoerótica para a partilha do
prazer erótico com outrem). A ... é normalmente determinada por
fixações anteriores do indivíduo, ou seja, este tende, para fugir aos
conflitos, a regressar a um estádio onde previamente se fixara, o que
é sinal de falta de autonomia e incapacidade de enfrentar a realidade
e experiências frustrantes. Durante a infância, os impulsos sexuais
mudam de objeto, centrando-se primeiro na zona ... , depois na ... e
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finalmente na ... . Em cada um dos três primeiros estádios (oral,
anal e fálico), os pais são decisivos: se permitem uma autossatisfa-
ção excessiva ou inibem demasiado o prazer erótico da criança,
estarão a impedir um desenvolvimento psicossexual saudável.
II
Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F).
Justifique a sua opção.
1. Para Freud, a infância tem uma importância decisiva na determina-
ção da personalidade básica do adulto.
2. Em cada estádio, a relação mais importante que se estabelece é
com os pais.
3. O momento crucial do desenvolvimento psicossexual é o estádio fá-
lico, o mais importante de todos os estádios do desenvolvimento
afetivo.
4. A inadequada resolução do conflito ou problema central a resolver
num dado estádio tem como resultado a fixação.
5. A fixação num determinado estádio tem como resultado a imaturi-
dade psicológica.
6. Uma criança que recebeu excessiva gratificação num dado estádio
pode sentir relutância e desconforto em passar a outro estádio.
7. A excessiva tolerância, a desordem e desarrumação, o caráter sub-
misso e a generosidade excessiva são marcas de uma personalidade
expulsivo-anal.
8. A avareza, a obstinação, a meticulosidade, a compulsão pela ordem
são marcas de uma personalidade retentivo-anal, com fixação no es-
tádio anal.
9. A fixação significa ficar psicologicamente preso a comportamentos
típicos de um determinado estádio.
10. O complexo de Édipo, quer na vertente masculina quer na vertente
feminina, é um acontecimento psicossexual sem aspetos positivos.
11. A sexualidade autoerótica é caraterística dos estádios oral e anal.
12. A amnésia infantil significa que a difícil vivência do complexo de Édi-
po foi recalcada e praticamente não se manifesta ou não se manifes-
ta como antes.
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A revolução psicanalítica de Freud e a descoberta do Inconsciente

  • 1. 2.Freud e a revolução psicanalítica Ao contrário da maioria dos pionei- ros da nova ciência, Freud não era pro- fessor universitário. Formou-se em Medicina, especializando-se em Neuro- logia em 1881, na cidade de Viena. A partir de 1886, começou a analisar pacientes no seu consultório – na ver- dade, uma espécie de escritório. Pouco antes do início da sua atividade privada, deslocara-se a Paris, onde assistiu ao modo como, recorrendo à hipnose, o famoso neu- rologista francês Jean Martin Charcot, aparente- mente, tratava os seus pa- cientes. Regressando a Viena, Freud especializou-se no tratamento de perturba- ções neuróticas (tais como a cegueira e a paralisia de que alguns pacientes so- friam sem que houvesse qualquer causa orgânica) e começou a usar a hipnose como método terapêutico. Bem cedo abandonou esta técnica porque muitos pacientes resistiam à sugestão hipnótica e porque sintomas aparentemente tra- tados regressavam ou eram substituídos por outros. Freud apercebeu-se de que muitos dos sintomas físicos dos seus pa- cientes eram causados por fatores men- tais e emocionais. Deu especial atenção ao facto de aqueles terem grande difi- culdade em recordar acontecimentos da primeira infância, sobretudo aconteci- mentos perturbantes e traumáticos. Na maior parte dos casos, não podiam recor- dar esses eventos conscientemente, mas determinados aspetos do seu compor- tamento convenceram Freud de que tais memórias estavam presentes no seu inconsciente, recalcadas, mas ativas. O caráter perturbante desses aconteci- mentos infantis devia-se, segundo Freud, ao facto de, em grande parte, serem a expressão de desejos sexuais inaceitá- veis. A hipótese de que a sexualidade está na origem da esmagadora maioria das neuroses incompatibilizou-o com Josef Breuer, inspirador do famoso mé- todo catártico e da “cura pela palavra”. Freud desenvolveu um método de tra- tamento que possibilitava e ao mesmo tempo “exigia” que o paciente falasse acerca de si mesmo livremente, sem restrições, de modo a for- necer pistas que permitis- sem desocultar as memó- rias enterradas no seu inconsciente. Recorreu à livre associação e à inter- pretação dos sonhos como técnicas terapêuti- cas. Partindo do princípio de que as neuroses de que os seus pacientes adultos sofriam tinham origem em experiências emocionais infantis desagradáveis e afastadas para bem lon- ge da consciência, pensava Freud que tornar esses eventos conscientes per- mitiria pôr termo aos sofrimentos. O aspeto mais importante da sua teoria é o conceito de Inconsciente di- nâmico – vários processos mentais inconscientes interagem determinando, sem que nos apercebamos, pensamen- tos, sentimentos e comportamentos. A prática clínica de Freud esteve na base de uma teoria do desenvolvimento psicoafetivo em que se destaca a tese da existência de sexualidade infantil (entendendo a sexualidade em sentido lato). A psicanálise, criação de Freud, é ao mesmo tempo um método terapêu- tico e uma teoria sobre a mente, o homem e as suas diversas atividades e representou uma das grandes aventuras intelectuais do século XX. Freud mor- reu em Londres, um ano depois de ter fugido à sinistra ameaça do nazismo. Sigmund Freud (1856-1939). PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 17
  • 2. Com a psicanálise, evidencia-se o papel fundamental dos processos psíquicos inconscientes na determinação do nosso comportamento e da nossa personalidade. Devido ao contributo de Freud, quando atualmente definimos a psico- logia como o estudo científico do comportamento e dos processos mentais, por estes últimos entendemos não só os processos mentais conscientes, mas também os inconscientes. Segundo Freud, a consciência tem um papel muito menos influente na nossa vida psíquica do que o inconsciente. A consciência é simplesmente a ponta do icebergue. A grande novidade da revolução psicanalítica não é a descoberta do Inconsciente, mas a afirmação de que este domina a nossa vida psíquica – é a realidade psíquica fundamental. Desprezada pelos filósofos durante séculos (relegavam o inconsciente para o plano fisiológico), a noção de inconsciente começa a ser valorizada pelo filósofo alemão Schopenhauer (1788-1860), defensor da ideia de que o homem age sem ter consciência dos verdadeiros motivos dos seus atos. Para o filóso- fo alemão Hartman (1842-1906), o inconsciente tem um papel decisivo na vida humana porque influencia as nossas ações de todos os dias. Mas é no plano psiquiátrico que surgem provas da existência do inconsciente. No final do século XIX, o médico francês Hippolyte Bernheim, na presença de colegas, sugere a um homem em estado hipnótico que, quan- do acordar, pegue num guarda-chuva (pertencente a um dos médicos). Ordena ao homem em estado de hipnose que vá à galeria dando duas voltas de guarda-chuva aberto. Ao acordar do estado hipnótico, o homem em questão executa as or- dens com a maior naturalidade. Quando o Dr. Bernheim lhe pergunta o que está a fazer, ele responde que está a apanhar ar (julga também que o guarda- -chuva é seu). Ignora a verdadeira razão ou motivo do seu comportamento. Bernheim provou que pensamentos situados no subconsciente (assim se chamava antes de Freud ao Inconsciente) não desaparecem quando o hip- notizado acorda. Não tendo o sujeito hipnotizado a consciência vigilante quando recebeu as ordens, executa-as ao acordar sem saber porquê. Há algo que, no interior de si próprio, governa os seus atos sem que ele o saiba. Ou seja, fora do campo da consciência, há “outra coisa”, que regista informações e influencia secretamente o nosso comportamento. O ser humano tem de admitir que não manda em tudo o que acontece em si sem acusar diabos ou demónios. São os nossos desejos e impulsos que mandam em nós. O Inconsciente é, para Freud, um “lugar psíquico” ou um sistema do nosso aparelho psíquico que contém pensamentos, desejos, sentimentos, impulsos que estão “situados” nas profundezas da nossa mente, aquém da consciência. Constitui-se durante a nossa vida psíquica, sobretudo no decorrer da infância. Inconsciente Estrutura da nossa mente que mais influencia o nosso comportamento. zAssistir aos vídeos: 1. Les géants du siècle – Freud in http://www.youtube.com /watch?v=sRjsEtyjaWg 2. Cem anos do livro – A In- terpretação dos Sonhos in http://www.youtube.com /watch?v=w9ZOawlopPU http://www.youtube.com /watch?v=lQLmAqHKGp4 http://www.youtube.com /watch?v=6lAD5Z6KzbQ PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 18
  • 3. Ao afirmar que o nosso comportamento em geral era governado por forças e desejos inconscientes, Freud negava, perante a estupefação dos seus contemporâneos, que o homem fosse dono e senhor de si mesmo: o controlo da nossa mente e das nossas ações escapa-nos. O nosso incons- ciente é tão dificilmente sondável como a mente de outra pessoa. Há quem considere que foi uma grave ferida no orgulho dos seres humanos, durante séculos considerados animais racionais, conscientes dos motivos das suas ações. Que “provas” apresenta Freud da existência do Inconsciente? Como se persuadiu da sua existência? Apresentou três manifestações que, no seu entender, provam a existência e a influência do Inconsciente: as neuroses, os atos falhados e os sonhos. 2.1. As manifestações do Inconsciente 2.1.1. As neuroses Quando em 1885 começou a tratar uma doente chamada Anna O. (cujo nome real era Bertha Pappenheim), Josef Breuer descobriu sintomas surpreendentes. Mesmo em dias de calor muito intenso e com imensa sede, a paciente não conseguia beber; só comia fruta para saciar a sede. Apresentava outros sintomas tais como cegueira histérica e paralisia do braço. Um dia, sub- metida a hipnose, começou a falar de recordações da sua infância. Contou então que, entrando um dia no quarto da governanta inglesa que seu pai doente contratara, viu com repugnância que o cão daquela estava a beber de um copo colocado em cima da mesa de cabeceira. Por uma questão de edu- cação, não fez qualquer comentário sobre um facto que considerava horroroso, recalcando-o. Mal acabou de relatar este acontecimento infantil, pediu água e bebeu uma grande quantidade. Despertou da hipnose com o copo nos lá- bios e com um ar bastante aliviado.A perturbação emocional desaparecera. Freud interpretou os factos do seguinte modo: Quando Anna falava de si mesma, muitas vezes lembrava-se de factos há muito tempo reprimidos. O confronto com os factos dolorosos ou embaraçosos produziu um alívio dos seus sintomas. Noutros termos, podia pensar-se que Anna se tinha curado pela palavra. Contudo, a hipnose não era o meio terapêutico adequado por- que, se é verdade que a hidrofobia desaparecera, persistiam outros sintomas já descritos. Apercebendo-se dos limites da hipnose, Freud desenvolveria um método terapêutico a que chamaria psicanálise. Freud estava plenamente convicto de que, à medida que o Inconsci- ente se torna consciente, o doente pode aperceber-se do modo como certos acontecimentos da sua infância determinaram o seu comportamento atual. zAs conceções de Freud sobre o psiquismo – por agora pouco aprofundadas – desper- taram grande polémica na sua época e foram mal recebidas. Em primeiro lugar, a ideia de que somos governados e mo- vidos por desejos e impulsos inconscientes feria um pre- conceito moral – o de que so- mos agentes conscientes dos motivos dos nossos atos. Em segundo lugar, a ideia de que esses desejos inconscien- tes são, maioritariamente, de natureza sexual violentava a “consciência moral” de uma sociedade que, aparente- mente, reprimia profunda- mente as manifestações da sexualidade (Freud afirmava que os impulsos sexuais repri- midos desempenhavam um importante papel nas doen- ças nervosas). Em terceiro lugar, num mo- mento em que muitos psi- cólogos – especialmente os americanos sob a influência do behaviorismo – rejeita- vam a ideia de psicologia como estudo da consciência e dos estados conscientes (por estes não serem objeti- vamente observáveis), Freud não podia deixar de causar enorme estranheza. Com efeito, identificava a psicolo- gia com o estudo dos proces- sos mentais inconscientes, algo “muito menos observá- vel” do que os fenómenos psíquicos conscientes. Mas a psicanálise faria o seu caminho, não se confinando ao plano da psicologia. O método psicanalítico iria aplicar-se a diversos domínios da cultura (psicanálise da religião, da mitologia, da obra literária e artística, etc.) e as teorias de Freud e dos seus “seguidores” assumiram o estatuto de “conceção sobre o homem, a civilização, o mundo e a vida”, sendo, assim, objeto de gran- des debates filosóficos. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 19
  • 4. Relembrar os traumas da infância torna o paciente capaz de resolver confli- tos que não pôde resolver no passado. Primeiro, porque se apercebe de que as condições que determinaram esses conflitos já não existem (eram confli- tos da infância). Segundo, porque pode, confrontando-se com essas vivências passadas, rever a atitude que tomou a seu respeito e desenvolver comporta- mentos mais saudáveis. De que sofria Anna O.? De uma perturbação neurótica chamada hidro- fobia e de outras neuroses. As neuroses são sintomas ou manifestações de algo que foi recalcado, impedido de aceder à consciência. O doente ignora aquilo que recalca, não conhece os desejos escondidos do seu Inconsciente. São doenças psíquicas que, traduzindo-se em perturbações físicas, resis- tem à medicação. Muitas das neuroses derivam, segundo Freud, da repres- são dos impulsos sexuais e agressivos. 2.1.2. Os sonhos Uma paciente relatou a Freud um sonho em que comprava num grande estabelecimento comercial um magnífico chapéu muito caro e preto. É este o conteúdo manifesto do sonho. Como descobrir o seu significado? As informações recolhidas ao longo da análise são importantes para a descodificação do sonho, para a revelação do seu conteúdo latente. Assim, o analista sabe que a paciente está casada com um homem doente de idade muito avançada e apaixonada por um homem rico, belo e relativamente jovem. A interpretação irá considerar cada um dos elementos do sonho como símbolos de desejos inconscientes, recalcados: •O belo chapéu simboliza uma necessidade de ostentação para se- duzir o homem amado. •O preço elevado simboliza o desejo de riqueza. •O chapéu negro, chapéu de luto, representa simbolicamente a vonta- de de se ver livre do marido, obstáculo à satisfação dos seus desejos. O conteúdo latente do sonho, o seu significado profundo, foi assim re- velado: significava um desejo inconfessável e inconsciente porque recalcado (ver o marido morto). Os sonhos são, para Freud, a realização ilusória de desejos recalcados. Para Freud, um ato psíquico (emoções, pensamentos, sentimentos, desejos) inconsciente, devido à sua dinâmica própria, tende a passar à consciência, a manifestar-se. Para passar ao estado consciente, é submetido ao exame da censura. Se esta lhe recusa a passagem, tais representações permanecerão no PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 20
  • 5. Inconsciente. Significa isso que foram recalcadas. O recalcamento é uma força que, mediante um mecanismo chamado censura, mantém fora da cons- ciência, impede que venham à superfície as tendências anárquicas, as pulsões demasiado exigentes provenientes do Inconsciente (este quer a satisfação de todos os desejos). Contudo, o recalcamento não implica uma anulação ou supressão das manifestações do Inconsciente. Os desejos e pulsões inconscientes encon- tram formas disfarçadas de obter satisfação, ou seja, sem que a consciência o saiba, dá-se, simbolicamente e de forma encoberta, o “retorno do recalcado”. As satisfações que não são admissíveis são substituídas por outras: o Incons- ciente consegue o que deseja (manifestar-se), mas não do modo que deseja- ria (direta e efetivamente). O sonho é a realização ilusória (simbólica) de desejos inconscientes (recalcados). “Expressão noturna das nossas frustrações diurnas”, o sonho só aparentemente é absurdo, incoerente e inútil. Possui um sentido: os desejos interditos e recalcados encontram nele uma satisfação velada, desviada, sim- bólica. Por outro lado, como durante o sono a vigilância da censura enfra- quece, mais facilmente lhe escapam as representações inconscientes que povoam os nossos sonhos. Compreende-se assim que, para Freud, o sonho seja a via real de acesso ao Inconsciente (desnuda-o, revela que este não segue uma lógica racional e que é constituído por impulsos e desejos amo- rais e irrealistas). 2.1.3. Os atos falhados No nosso dia a dia cometemos algumas falhas a que não damos relevo especial. Contudo, para Freud, não é bem assim. Eis algumas dessas «falhas»: 1. O presidente da Câmara dos Representantes Austríaca teria uma vez dado início à reunião dizendo: “Senhores, verifico a presença de tan- tos deputados que, por isso, declaro a sessão encerrada.” Para Freud, este lapso traduz o desejo inconsciente de se ir embora. 2. Uma mulher autoritária e enérgica, falando do marido, relata as pala- vras do médico durante a consulta: “O médico disse-lhe que não havia nenhum regime especial a seguir, ele pode comer e beber o que eu quiser.” 3. Um homem que declarou “Está um belo sono” em vez de “Está um belo Sol” manifesta inconscientemente o desejo de dormir. 4. Uma mulher conhecida pela tendência para a tagarelice pediu ao seu merceeiro um “pacote de leite de longa conversação” em vez de “longa conservação”. Sonho O sonho é a realização ilusó- ria de desejos recalcados. Recalcamento Processo mediante o qual se impede o acesso à consciên- cia de impulsos indesejáveis. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 21
  • 6. 5. Freud cita o exemplo de um amigo que escreveu uma carta, mas se esqueceu de a enviar durante vários dias. Finalmente, enviou-a, mas os Correios devolveram-na porque não tinha destinatário. Pôs a mo- rada no envelope e enviou-a de novo. Foi outra vez devolvida porque não tinha selo. Tais “falhas” exprimem inconscientemente o desejo de a carta não chegar ao seu destino. 6.Uma jovem prometida em casamento a um homem com o qual anti- patiza bastante faz tudo o que pode para não dizer o que sente du- rante o encontro. Mais tarde, interrogada pela mãe (que elogia sempre o “bom partido”), diz-lhe: “Tens razão, é adorível”. Sem que- rer, deu a entender que o achava horrível. 7. Uma mulher, querendo saber notícias de uma amiga de longa data, telefona-lhe e, por erro, chama-a pelo nome de solteira. Descobriu- -se que detestava o marido da sua amiga. 8. Dizer I leave you em vez de I love you pode desencadear uma tem- pestade…. Todos nós alguma vez já esquecemos uma palavra ou um nome, tendo, contudo, a impressão de o ter “na ponta da língua”; já trocámos, ao falar, uma palavra por outra (lapsus linguae); muitos de nós já escrevemos uma palavra em vez da que voluntariamente pretendíamos escrever; e a quantas pessoas já aconteceu saírem com o saco do lixo na mão e passarem pelo contentor entrando com ele no café? Desatenções? Patetices? Fadiga? É provável, mas, segundo Freud, muito pouco provável. Com efeito, para Freud, na vida psíquica, a bem dizer, não há lugar para o acaso. Estes “atos falhados” que poderíamos julgar insignifican- tes têm um sentido. Estes “deslizes” quotidianos provêm do recalcamento de desejos, sentimentos e pensamentos que gostaríamos de lançar e encerrar nos abismos do Inconsciente. São a forma disfarçada de impulsos de que não temos consciência, mas que são indesejáveis, se se exprimirem. “O Incons- ciente manifesta-se incessantemente” e os “atos falhados” são o modo, por vezes grotesco, mas nunca doentio, de os conteúdos e representações inconscientes vencerem a barreira da censura. É esta a convicção de Freud, por mais indemonstrável que nos possa parecer. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 22
  • 7. zVer os vídeos do Youtube sobre o filme Freud, além da alma: http://www.youtube.com /watch?v=o-UuyIXtRi0 Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F). Justifique a sua opção. 1. Para Freud, o nosso comportamento é em grande parte incons-cien- te. 2. Para Freud, a conduta humana é fundamentalmente determinada por motivações que escapam ao controlo da consciência, da von- tade e da razão. 3. A grande revolução freudiana consistiu na descoberta do Incons- ciente. 4. Os conteúdos psíquicos inconscientes, por serem recalcados – impe- didos de aceder à consciência –, passam despercebidos e por isso não exercem influência sobre o nosso comportamento. 5. Todas as manifestações do Inconsciente assumem formas doentias. 6. As nossas representações mentais (pensamentos, desejos, senti- mentos) residem, numa primeira fase, no Inconsciente. Para pas- sarem a tornar-se conscientes, são, previamente, submetidas à prova da censura. Se esta recusa a passagem, as representações ou atos psíquicos permanecem no Inconsciente. Diz-se então que foram recalcadas, sofreram um recalcamento, foram impedidas de aceder à consciência. 7. O recalcamento é uma força inconsciente que, mediante um meca- nismo chamado censura, exerce um movimento favorável aos impul- sos do Inconsciente que tendem espontaneamente a manifestar-se. 8. O sonho simboliza, isto é, disfarça, por meio de símbolos, desejos latentes, muitas vezes inaceitáveis e chocantes, que graças a este subterfúgio ultrapassam a barreira da censura. 9. O sonho tem um conteúdo manifesto – o seu significado subjacente que se trata de interpretar ou descodificar – e um conteúdo latente ou simbólico – os acontecimentos de que se lembra quem sonha. ATIVIDADE 2 PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 23
  • 8. 2.2. A estrutura da mente humana segundo Freud A conceção de Freud sobre a mente resulta de uma evolução. Na pri- meira descrição do aparelho psíquico, Freud apresenta uma visão topográfica da mente, distinguindo três regiões: o consciente, o pré-consciente e o inconsciente. INSERIR ESQUEMA 2 PARA A UNIDADE 2 A porção de espaço que no icebergue corresponde ao Inconsciente ex- prime simbolicamente que os nossos comportamentos e processos mentais são dominados por uma dimensão situada nas profundezas do psiquismo e que exerce a sua influência sem disso nos apercebermos.A passagem dos impulsos e desejos inconscientes é controlada – segundo esta primeira versão do apare- lho psíquico – por um mecanismo denominado censura, que recalca o que pode perturbar a nossa integridade psíquica e a adaptação ao meio social. Mas a censura não consegue impedir que as pulsões inconscientes encontrem formas substitutivas e indiretas de manifestação. A enorme dimensão do Inconsci- ente significa que só temos consciência de uma pequena parte dos conteú- dos da nossa mente e que do Inconsciente emanam os processos psíquicos. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 24
  • 9. A 2.ª tópica ou descrição apresenta uma visão mais completa (integra os níveis psíquicos anteriormente apresentados) e descreve de modo mais adequado a interação dinâmica entre as instâncias psíquicas (agora denomi- nadas Id, Ego e Superego). Eis uma possível representação gráfica da nova visão do aparelho psíquico: INSERIR ESQUEMA 3 PARA A UNIDADE 2 Note-se que, além de níveis psíquicos distintos (consciente, pré-cons- ciente e inconsciente), a 2.ª tópica apresenta três instâncias psíquicas ou estruturas (Id, Ego e Superego) que asseguram determinadas funções. Outro aspeto importante: reforça-se a ideia de que o plano inconscien- te condiciona decisivamente a vida psíquica, dado que não se reduz o incons- ciente à dimensão mais profunda da mente. Com efeito, se o Id é totalmente inconsciente, o Id não é todo o inconsciente. 2.2.1. Id, Ego e Superego O Id, o Ego e o Superego são as estruturas essenciais da personalidade, estabelecendo entre si uma relação conflituosa à qual se deve o dinamismo da vida psíquica. ■ Id: viver segundo o princípio do prazer A sua atividade é regida por um só princípio: o princípio de prazer. Procura satisfazer imediatamente os seus impulsos e instintos – obter prazer ou evitar a dor – desconhecendo as circunstâncias, se a realidade o permite PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 25
  • 10. ou não. Não tendo qualquer conhecimento do que é a realidade, o Id pro- cura satisfazer as suas pulsões (descarregar a tensão, reduzi-la de modo que o organismo se sinta confortável). O Id é, em grande parte, animado pelo impulso sexual. •É formado por tudo o que herdamos e está presente à nascença: instintos, pulsões, desejos. De entre os instintos destacam-se o instinto de vida e o instinto de morte (agressivo e destrutivo). É o reservatório dos impulsos biológicos mais básicos que dinamizam a nossa ação ou dão energia ao comportamento. Freud considera que é o reservatório da energia psíquica a que chama libido. •É totalmente inconsciente. Contém uma parte dos elementos psí- quicos recalcados, mas não é todo o inconsciente. •Está totalmente desligado do mundo real, da realidade externa. É completamente irrealista, não distinguindo o que é desejável do que é permitido e possível. •Não atua segundo princípios lógicos e morais. Desconhece o prin- cípio lógico de não contradição porque nele coabitam, sem se neu- tralizarem mutuamente, instintos de vida e instintos de morte; é amoral porque pretende realizar tudo o que lhe agrada sem se preo- cupar com o facto de isso ser bom ou mau. ■ O Ego: sejamos realistas! O princípio segundo o qual o Ego atua é o princípio de realidade. Regulando-se por este princípio, o Ego, que começa a desenvolver-se por volta dos 6 meses, adia a satisfação dos impulsos do Id até que o objeto apropria- do a essa satisfação surja na realidade. O Ego desempenha o papel de executivo e de mediador em relação ao Id: decide que instintos e pulsões podem, na realidade, ser satisfeitos e de que modo. O Ego, na verdade, desenvolve-se a partir do Id e existe para satisfazer as necessidades deste e não para as frustrar. Mas é realista: sabe ou aprende que nem tudo é possível, que para termos certas coisas temos de renunciar a outras. Não podemos fazer tudo o que queremos. O Id não tem qualquer relação direta com a realidade, com o mundo exterior. Para entrar em contacto com a realidade e agir sobre ela, precisa do Ego. Ao mundo fan- tasioso e irrealista do Id, o Ego opõe a realidade do mundo externo. O Ego não é inimigo do Id: está, de certa forma (realista), ao seu serviço. Cumprindo o papel de mediador entre as exigências instintivas do Id e as possibilidades que a realidade oferece, o Ego tenta defender-nos contra o zA vida psíquica é, para Freud, dinamizada por um conflito de forças que se de- senrola em grande parte fora da perceção consciente do indivíduo. O psiquismo é uma totalidade dinâmica, apesar de as suas estruturas compo- nentes terem diferentes fun- ções e serem regidas por dife- rentes princípios. Há uma es- treita interação entre o Id, o Ego e o Superego, raramente resultando o comportamento da influência isolada de uma das estruturas psíquicas. zAssistir aos seguintes vídeos no Youtube: 1. Freud in http://www.youtube.com /watch?v=sl8tQtjO7Jk&f eature=related 2. Sigmund Freud – Docu- mentary in http://www.youtube.com /watch?v=C_AXSd4wxgM 3. The century of the self in http://documentary- log.com/?id=95 zO Id, o Ego e o Superego são as estruturas essenciais da personalidade, estabele- cendo entre si uma relação conflituosa à qual se deve o dinamismo da vida psíquica. Id Dimensão totalmente incons- ciente do psiquismo que, cons- tituída por pulsões inatas (agressivas e sexuais) e por tudo o que vai sendo repri- mido, é o grande reservatório da energia psíquica, a matriz dinâmica do desenvolvimen- to pessoal. Ego Estrutura psíquica que se for- ma por diferenciação a partir do Id. Mas a diferença não significa oposição absoluta. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 26
  • 11. assalto desenfreado das paixões e impulsos irrealistas do Id. Procura conciliar as divergências que existem entre as pulsões sexuais, agressivas e destru- tivas, e os limites que a realidade impõe. Adaptação à realidade, eis o seu lema. O princípio de realidade não exclui o princípio de prazer. ■ O Superego: cumpre o teu dever! Se o Id é o representante das pulsões e o Ego o da realidade, o Super- ego é o representante da moralidade: diz-nos, não o que podemos ou não fazer, mas o que devemos ou não devemos fazer. Eis o que há de funda- mental a dizer sobre o Superego: •O Superego forma-se ou começa a desenvolver-se por volta dos 3-5 anos. •É o resultado da educação que recebemos, do conjunto de punições e de recompensas de que fomos alvo. É o representante interno dos valores, normas e ideais morais de uma sociedade, transmitidos essencialmente pela educação dos pais. Estes valores, normas e ideais – interpretados pelos pais e educadores – são transmitidos à criança, que os interioriza (processo de introjeção) de tal modo que se tornam inconscientes (pelo menos o modo como foram interiori- zados). •Um Superego demasiado repressivo – fruto de uma educação se- vera – é uma ameaça ao nosso desenvolvimento saudável, tor- nando-nos inibidos, complexados, vítimas de sentimentos de culpa exagerados, etc. •O Superego vigia-nos dentro de nós. Reprime certos atos, favorece outros e, em certa medida, é indispensável para uma vida equilibrada no seio da sociedade. •O papel do Superego é triplo: 1. Inibir ou refrear os impulsos, sobretudo de natureza sexual e agres- siva, que, provenientes do Id, podem arrastar o Ego em virtude da sua forte pressão. 2. Persuadir o Ego a substituir objetivos realistas por objetivos mo- rais e moralistas. 3. Procurar a perfeição moral (por isso há nele uma tendência para bloquear a libertação dos instintos). A vida psíquica desenrola-se sob o signo do conflito intrapsíquico. O Id centra-se no prazer, na gratificação imediata dos impulsos, e ignora a reali- dade. O Superego sobrepõe a moralidade à realidade. Entre a força dos impul- Regendo-se pelo princípio de realidade, o Ego está intima- mente ligado ao Id, procu- rando de forma realista satis- fazer os impulsos deste. O seu realismo está ao serviço do prazer e de necessidades bá- sicas. Superego A dimensão moral do nosso funcionamento psíquico que procura impor ao Id e ao Ego os princípios e normas mo- rais interiorizados através do processo de socialização. Pressiona o Ego para refrear e também reprimir os impul- sos do Id. Pune as transgres- sões, desencadeando senti- mentos de culpa e de ansie- dade que podem ser excessi- vos e mentalmente esgotan- tes. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 27
  • 12. sos instintivos e as ameaças de punição do representante da moralidade está o Ego, que Freud, metaforicamente, compara a um “escravo” que tem de agra- dar a dois senhores em luta um com o outro. Se já era difícil, dados os constran- gimentos da realidade, encontrar forma de satisfazer as pulsões do Id, o surgi- mento do Superego (cujo desenvolvimento se conclui com a ultrapassagem do complexo de Édipo, como veremos) traz problemas acrescidos. Com efeito, o Superego tende a bloquear permanentemente a gratificação das pulsões. Neste “colete de forças”, a racionalidade e o equilíbrio do Ego ameaçam des- moronar-se. Uma vez que surgiu a partir do Id, vai tentar satisfazer os impulsos deste, mas tendo em conta o que a realidade permite e o que a moralidade admite. Componente primitiva do nos- so psiquismo. É a sede de forças ou impul- sos irracionais, ilógicos, des- controlados e perigosos. Totalmente inconsciente. Está desligado da realidade, não sabe adaptar-se a ela para aceitavelmente satisfazer os seus impulsos e necessidades. É o representante das nossas necessidades e desejos mais básicos. Não conhece outro princípio a não ser o de prazer: “Satisfaz os teus desejos”. Necessidade a satisfazer: a fome. Imaginemos uma situação em que, esfomeados, quere- mos comer, mas não pode- mos pagar. O Id dir-nos-ia “Come porque tens de comer”, sem pensar em possíveis punições nem se é correto ou incorreto agir assim. Dada a mesma necessidade e na mesma situação, o Ego dir- -nos-ia “Se for possível comer sem pagar, fá-lo”, ou seja, “Podes comer sem pagar des- de que ninguém repare; caso contrário, faz o que é real- mente aconselhável”. É o representante do “prag- matismo” e do “realismo” na relação com o mundo externo. Age segundo o princípio de realidade: “Façamos o que é possível fazer, tendo em con- ta as circunstâncias”, ou seja, “é permitido o que não nos causar problemas”. Começa a desenvolver-se por volta dos 6 meses. Procura satisfazer as neces- sidades de uma forma realis- ta e apropriada de modo a evitar problemas à nossa integridade psíquica e física. É racional e tem a noção do que é possível fazer de acordo com as circunstâncias. O Superego dir-nos-ia: “Para satisfazer a fome, deves pa- gar”, ou seja, “Deves agir cor- retamente, não por medo de castigos e punições, mas por- que assim é que deve ser”. Roubar é sempre um crime, seja visto ou não. É o representante da mora- lidade. Nele estão interio- rizadas as normas social- mente estabelecidas relativa- mente ao bem e ao mal. Age segundo o princípio do dever. “Faz o bem ou evita o mal porque assim deve ser.” Começa a formar-se por volta dos 2, 3 anos. Enquanto o Ego é “pragmá- tico”o Superego é tendencial- mente moralista. Aspira à perfeição moral, reprimindo, muitas vezes de forma excessiva, as infrações à moralidade. IDEGOSUPEREGO Exemplificação do seu comportamentoEstatutoCaraterísticas A S E S T R U T U R A S D A M E N T E H U M A N A PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 28
  • 13. I Copie as atividades seguintes e preencha cada um dos espaços em falta: 1. Para Freud, o aparelho psíquico é constituído por três estruturas: ... . 2. O ... é o fundo biológico da personalidade que contém a energia de instintos básicos como o instinto sexual e impulsos agressivos e des- trutivos, além de memórias recalcadas. Não tem o sentido da reali- dade, é amoral e irracional. Procura a satisfação imediata dos seus impulsos sem ter em conta se é socialmente apropriado. Funciona de acordo com o princípio ... . 3. O ... é a parte da mente modificada pelo contacto com a realidade externa. Lida com as limitações e constrangimentos que a realidade impõe. É o executivo da personalidade porque procura tomar deci- sões racionais. Funciona de acordo com o princípio ... . Tenta satis- fazer os impulsos do Id de acordo com o que é realmente possível, embora não tome decisões segundo princípios ... . 4. O ... é a dimensão moral da personalidade. Tem em consideração não somente se uma ação é realmente possível, mas sobretudo se é boa ou má, correta ou incorreta. A sua única e exclusiva preocupa- ção é saber se os impulsos sexuais e agressivos do ... podem ser satisfeitos de acordo com as normas morais. Pressiona o ... para controlar o ... segundo princípios morais que muitas vezes assumem forma repressiva. 5. O ... estabelece padrões ideais de comportamento e procura de- senvolver um sentido ... que puna o comportamento incorreto com sentimentos de culpa. É a interiorização dos valores morais da sociedade, formando-se sobretudo mediante a interação com os ... , que impõem regras e proibições, insistindo com a criança para que controle os seus impulsos biológicos. 6. Enquanto «executivo da personalidade», o ... procura gerir a energia psíquica de modo que se produza uma harmonia interna entre ... , condição necessária de uma relação saudável com a realidade. Para ATIVIDADE 3 PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 29
  • 14. governar sensatamente o nosso psiquismo, o ... tem, de acordo com a realidade, de frustrar ou de satisfazer os impulsos do ..., ao mesmo tempo que vigia o ... . Não pode deixar que nenhum destes assuma uma posição dominante, tarefa hercúlea que exige uma grande quantidade de energia psíquica. Ora, na personalidade humana, fre- quentemente o ... controla mais energia do que devia: temos a pes- soa agressiva, demasiado impulsiva e, em certos aspetos, «primitiva». E, também com frequência, é o ... que detém energia a mais: temos então o Ego abafado pelo moralismo, pela intransigência moral, esmagado pela ideia de culpa. II Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F). Justifique a sua opção. 1. O Id é um conjunto de pulsões totalmente inconscientes que cons- titui toda a nossa realidade psíquica. 2. O Ego funciona segundo o princípio do prazer, isto é, um processo mediante o qual aprendemos a adiar o nosso desejo de satisfação imediata e adotamos formas mais realistas e apropriadas de alcan- çar tal objetivo. 3. O Superego pode ser algumas vezes excessivamente moralista e re- pressivo, mas dá ao indivíduo padrões de comportamento que lhe permitem regular a sua conduta moral e avaliar os seus pensamen- tos, sentimentos e ações. É uma espécie de Ego ideal e corresponde ao que designamos por «consciência» moral, apesar de parcialmente inconsciente. 4. O Id e o Ego não têm moralidade. 5. O Id é uma estrutura psíquica que resulta da socialização. 6. Numa situação de adultério, o Ego dirá «O que estou a fazer é moralmente incorreto». 7. Na mesma situação, o Ego dirá «Deves usar uma forma de proteção contra doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada». PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 30
  • 15. 8. Uma vez formado o Superego, o Ego é confrontado com a tarefa cada vez mais complexa de conciliar as exigências do Id, do mundo exterior e do Superego. Por exemplo, quando o Ego de uma criança tende a satisfazer um impulso do Id batendo num colega para obter um brinquedo atraente, o Superego pode advertir que tal comporta- mento é errado. O Ego tem de decidir qual das duas forças (Id ou Superego) vencerá esta luta interior – conflito intrapsíquico – ou ela- borar um compromisso, como as crianças brincarem à vez com o objeto. 9. Para Freud, o comportamento humano tem uma base energética dominada por impulsos de dois tipos: sexuais e agressivos. 10. O Id, dimensão totalmente inconsciente da personalidade, é o reser- vatório da energia psíquica que se defronta com obstáculos e restri- ções de ordem moral e social. 11. Inato, o Id tende imediatamente à autossatisfação, procurando, sem ter em conta os constrangimentos da realidade, obter o prazer e evitar a dor. 12. O Ego procura encaminhar os impulsos desenfreados do Id para uma satisfação que seja uma solução de compromisso entre o que desejamos e o que realmente podemos obter, dados os obstáculos e as restrições do meio. Por isso, é a entidade a que o Id se submete conscientemente. 13. O Ego preocupa-se com duas eventualidades: 1) que o Id fique fora de controlo e determine comportamentos cujos efeitos podem ser severamente negativos e 2) que o Superego se descontrole e, tor- nando-se extremamente moralista, nos faça experimentar senti- mentos de culpa excessivos acerca de transgressões reais ou imaginárias. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.1):projFILOS_10 12/09/24 12:14 Page 31
  • 16. Prazer sexual Toda a sensação agradável provocada pela estimulação de uma determinada zona do corpo. zAssistir ao vídeo do Youtube sobre Freud e a teoria da sexualidade: http://www.youtube.com /watch?v=dQer8W_rl8A zPara Freud, a sexualidade é a componente fundamental da realização do ser humano. O impulso sexual e a procura do prazer erótico determinam de forma poderosa o desen- volvimento afetivo do ser humano. Mas a sexualidade não é exclusivamente sinó- nimo de ato sexual: sexua- lidade é toda a atividade corporal que, centrando-se em diferentes zonas eróge- nas, em diferentes momen- tos, tende para o prazer, a autossatisfação. Segundo Freud, o prazer sexual não se reduz ao prazer genital. Se- xualidade não é sinónimo de genitalidade. Assim, pode fa- lar-se de sexualidade infantil. O que entende Freud por satisfação sexual ou erótica? Toda a sensação agradável cuja fonte é um determinado órgão ou região corporal. A sexualidade não se reduz nem à manipulação nem ao contacto genital. As pulsões sexuais centram-se, desde o nascimento, em diversos ór- gãos do corpo e satisfazem- -se de modos muito distintos. 2.3. O desenvolvimento psicossexual Baseando-se no estudo de casos de vários pacientes (adultos na esma- gadora maioria), psicanalizando-os, Freud convenceu-se de que os problemas (sintomas) de que sofriam seriam o resultado de experiências traumáticas vividas nos primeiros anos de existência. Examinando as recordações que eles tinham de eventos da infância, descobriu as suas motivações inconscientes e construiu a sua teoria psicossexual do desenvolvimento da personalidade. Segundo Freud, o ser humano desenvolve-se através de cinco estádios. Cada estádio representa uma complexa interação entre o impulso natural para a obtenção do prazer (centrado conforme o estádio numa determinada zona do corpo a que Freud deu o nome de zona erógena) e fatores ambien- tais que influenciam o modo como lidamos com os desejos sexuais ou eróticos. Em cada estádio do desenvolvimento, o prazer deriva de uma determinada zona do corpo, centrando-se nela (zona erógena). O modo como os pais li- dam com os impulsos sexuais e agressivos dos seus filhos nos primeiros anos da infância é crucial para um desenvolvimento saudável ou não da personali- dade. A criança deve encontrar um equilíbrio entre a sua necessidade de prazer e as restrições (ou a permissividade) dos pais. Daqui resulta um conflito, uma luta interna. Em cada estádio do desenvolvimento, o indivíduo vive o conflito entre os seus impulsos biológicos e as expetativas sociais (de que os pais são os agentes transmissores e representantes). Freud usa o termo psicossexual para se referir ao modo como a vivência dos nossos impulsos sexuais no confronto com o meio envolvente tem impacto psico- lógico no tipo de pessoas que viremos a ser. Como todos vivemos em cir- cunstâncias ambientais diversos, temos ambientes familiares diferentes e respondemos de modo diferente às experiências socializadoras, daí resul- tarão diferenças entre os indivíduos quanto ao seu modo de ser. O que é um desenvolvimento afetivo ou psicossexual relati- vamente saudável? Em cada estádio do desenvolvimento, há sempre um certo grau de frustração e de ansiedade quando se trata de passar ao estádio seguinte. Se houver ansiedade excessiva, o desenvolvimento é perturbado, verificando-se uma fixação do indivíduo nesse estádio. A fixação é uma cessação parcial do desenvolvimento que se traduz na persistência de comportamentos que são caraterísticos do estádio do desenvolvimento no qual ocorreu. A fixação é uma ligação extremamente forte a uma pessoa, a um objeto ou a uma atividade, que era apropriada somente nos primeiros estádios do desenvolvimento. Diz-se de uma pessoa que contraiu uma fixa- ção quando parou num dado estádio do desenvolvimento. A fixação num dado estádio do desenvolvimento não impede todo o posterior desenvolvi- PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:20 Page 32
  • 17. mento, mas, a menos que um ser humano ultrapasse cada estádio de forma bem sucedida, não poderá cumprir plenamente o que é exigido pelos estádios posteriores. Por exemplo, uma criança que não passe de forma bem sucedida pelo estádio fálico provavelmente não resolveu o complexo de Édipo e pode sentir hostilidade a respeito de um dos progenitores (o do mesmo sexo). A criança poderá ao longo da vida sofrer as consequências deste conflito não resolvido (ou mal resolvido). As fixações ocorrem habitualmente devido a excessiva frustração ou excessiva satisfação na expressão da energia sexual e agressiva num dado estádio do desenvolvimento psicossexual. Segundo Freud, uma personali- dade bem ajustada implica geralmente um equilíbrio entre forças em compe- tição.A criança, e mais tarde o adulto, não devem ser demasiado egocêntricos (egoístas) nem demasiado moralistas. Pais que são muito autoritários, casti- gadores ou controladores e pais que são indiferentes, demasiado permissivos e indulgentes na educação dos filhos terão crianças emocionalmente pertur- badas, com dificuldades de adaptação à vida por causa das fixações. Por exemplo, a criança excessivamente dependente que se fixou num determinado estádio pode tornar-se demasiado dependente mais tarde na vida, quando confrontada com experiências frustrantes ou desafios difíceis de resolver. Significa isso que regressou a um ponto de fixação. É importante salientar que fixação e regressão são condições relativas. Num indivíduo, a fixação e a regressão raramente são completas, absolutas. Habitualmente, a maior parte dos aspetos da personalidade de um indivíduo desenvolver-se-á normalmente, mas o seu comportamento pode, em certos pontos, ser caraterizado por atos infantis, acriançados, efeitos de certas fixa- ções anteriores. 2.3.1. Os estádios do desenvolvimento psicossexual São cinco os estádios do desenvolvimento psicossexual: estádios oral, anal, fálico, de latência e genital. ■ O estádio oral (do nascimento aos 12/18 meses) No princípio, era a boca. Durante os primeiros meses de vida, grande parte da interação da criança com o mundo externo processa-se mediante a boca e os lábios. O prazer centra-se nessa área. A relação com a mãe assume especial significado, estabelecendo-se essencialmente através do seio mater- no, que não simplesmente alimenta, mas também dá prazer. zPode definir-se desenvol- vimento como o conjunto de transformações quantitativas e qualitativas que desde o momento da conceção e ao longo de toda a vida marcam a existência de um indivíduo. As modificações quantitati- vas manifestam-se sobretudo no plano físico (altura, peso, etc.) e fisiológico, mas tam- bém podem referir-se ao au- mento do número de com- petências e de habilidades. As mudanças qualitativas são alterações psicológicas como, por exemplo, a evolução das aptidões intelectuais e as alte- rações no modo como nos relacionamos com os outros e com o que nos acontece. Estádio oral Fase inicial do desenvolvi- mento psicossexual carate- rizada por atividades que se centram no prazer oral. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:20 Page 33
  • 18. Pulsão Força ou energia que se ex- prime procurando a redução de tensões. As pulsões são forças, impulsos que, nascen- do no organismo, provocam certos comportamentos. Es- tão na fronteira entre o somá- tico e o psíquico. Libido A energia – de natureza se- xual e agressiva – que carate- riza as pulsões. É levando os objetos à boca que o bebé explora o meio envolvente. A sucção, necessária à alimentação, emancipa-se progressivamente dessa função, tornando-se por si mesma uma fonte de prazer, de gratificação erótica. Com a dentição, a atividade oral diversifica-se: morder e mastigar enriquecem a panóplia de formas de exploração oral – agora mais agressiva – dos objetos. As atividades orais são também fonte de potenciais conflitos. O con- flito mais significativo deste estádio tem a ver com o processo do desmame. Uma excessiva frustração das pulsões ou dos impulsos erógenos ou um excesso de satisfação desses mesmos impulsos podem conduzir a um resul- tado semelhante: a fixação. Por fixação no estádio oral entenda-se ficar psi- cologicamente preso a formas de obtenção do prazer que se centram na boca, nos lábios e na língua. Marcas da vivência do estádio oral na personalidade adulta Se uma pessoa enquanto bebé foi desmamada ou demasiado cedo ou muito tarde, desenvolverá uma fixação no estádio oral e posteriormente na vida sentirá a necessidade de atividades que consistem, simbólica e real- mente, em obter gratificação oral: fumar, beber e comer muito, roer as unhas, consumir frequentemente pastilhas elásticas, bombons, passar horas a conversar ao telefone. Uma pessoa profundamente marcada pela fase oral do seu desenvolvimento – lembremos que é um período de grande depen- dência em relação a quem cuida de nós e em que prevalece a incorporação de objetos (alimentos, chuchas) – poderá apresentar, quando adulta, carate- rísticas como a credulidade (‘engolir’ tudo o que lhe dizem), mas também humor sarcástico, ‘má-língua’, grande capacidade de argumentação ou obsti- nação na defesa das suas ideias, espírito crítico (disposição para ‘morder e triturar’ as ideias dos outros) e, por outro lado, passividade e dependência. Neste estádio, o Id reina durante muito tempo quase sem oposição, mas o Ego já está em desenvolvimento. E S T Á D I O O R A L IDADE ZONA ERÓGENA EXPERIÊNCIA OU CONFLITO DECISIVO CARATERÍSTICAS ADULTAS ASSOCIADAS A PROBLEMAS E A FIXAÇÕES NESTE ESTÁDIO Do nascimento aos 12/18 meses Boca, lábios e língua Desmame • Tendência exagerada para atividades de satisfação oral (comer, beber, fumar, beijar). • Credulidade. • Agressividade verbal. • Gosto pela discussão. • Passividade. • Dependência. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:20 Page 34
  • 19. ■ O estádio anal (dos 12/18 meses aos 3 anos) A partir do primeiro ano de vida, a principal fonte de prazer erótico passa a ser o ânus, embora a estimulação oral continue a dar prazer. Du- rante este período do desenvolvimento psicossexual, o prazer sexual deriva da estimulação do ânus ao reter e expelir as fezes. A experiência marcante no estádio anal consiste em aprender a controlar os músculos envolvidos na evacuação. A criança terá de apren- der que não pode aliviar-se onde e quando quer, que há momentos e lu- gares apropriados para tal efeito. Pela primeira vez, de forma sistemática, constrangimentos externos limitam e adiam a satisfação dos impulsos inter- nos. O princípio de realidade conjuga-se com o princípio de prazer. A neces- sidade de adquirir hábitos higiénicos e de controlar as pulsões do Id mostra que o Ego (começou a desenvolver-se a partir dos 6 meses) já se formou. O confronto com as imposições paternas, o medo de ser punido e o desejo de agradar aos pais mostram que o Superego está a formar-se. Marcas da vivência do estádio anal na personalidade adulta Se a educação do asseio, isto é, se a regulação dos impulsos biológicos da criança, é demasiado exigente e severa, esta pode reagir aos métodos re- pressivos retendo as fezes. Se este modo de reagir for simbolicamente ge- neralizado a outros comportamentos, a criança desenvolverá, segundo Freud, um carácter anal-retentivo. Em termos psicológicos, esta fixação pode dar origem a um indivíduo caraterizado pela teimosia, mania da pontualidade, avareza, egoísmo, e pela obsessão com a ordem e a limpeza. É importante notar que, se for a mãe – como é ainda frequente – a “treinar” de forma se- vera a criança para ser asseada, podem produzir-se sentimentos latentes de hostilidade em relação à “treinadora”. Eventualmente, a generalização dessa hostilidade pode tornar conflituosa e difícil a relação posterior com o género feminino. Mas a criança pode reagir às excessivas exigências de higiene e limpeza de outra forma: em vez de reter as fezes e de infligir sofrimento a si própria, revolta-se contra a dureza e repressão do treino, expelindo-as nos momentos menos apropriados. Freud fala, neste caso, por generalização simbólica, de caráter expulsivo-anal. O caráter expulsivo-anal é o protótipo de todos os traços expulsivos da personalidade: crueldade, assomos de fúria, irritabilidade, sadismo, tendên- cias violentas e destrutivas e também desorganização, para mencionar ape- nas alguns. Estádio anal Fase do desenvolvimento em que o prazer erótico deriva da estimulação do ânus ao reter e expelir as fezes. Trata-se ainda de uma forma de sexua- lidade autoerótica, centrada em determinada zona do corpo do sujeito. Fixação Resposta psicológica que se dá porque as necessidades caraterísticas de um certo estádio do desenvolvimento foram ou excessiva ou insufi- cientemente satisfeitas. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:20 Page 35
  • 20. Estádio fálico Fase do desenvolvimento afetivo em que se vive a pri- meira experiência sentimen- tal significativa. O rapaz compete com o pai pelo amor da mãe e a rapariga compete com a mãe pelo amor do pai. É de tal modo importante esta experiência que o está- dio fálico poderia denomi- nar-se estádio do complexo de Édipo/Eletra. Contudo, se o treino da criança não assumir aspetos repressivos, se os pais adotarem uma estratégia firme mas suave, aplaudindo, por vezes de uma forma calorosa e entusiástica, o controlo apropriado das funções excretoras, a criança formará a noção de que a defecação é uma atividade importante, digna de apreço. Por estranho que isso nos possa parecer, esta ideia é, segun- do Freud, e mais uma vez em termos simbólicos, a base da criatividade e da produtividade, da entrega positiva a uma causa e da generosidade. ■ O estádio fálico (dos 3 anos aos 6 anos) Durante o estádio fálico, os órgãos genitais tornam-se o centro da atividade erótica da criança através da autoestimulação. É o período em que muitas crianças começam a masturbar-se, a aperceber-se das diferen- ças anatómicas entre os sexos e de que a sexualidade faz parte das rela- ções entre as pessoas. Vimos que, nos dois primeiros estádios (oral e genital), a satisfação sexual era essencialmente autoerótica, centrada na autoestimulação de determinadas zonas do corpo. No estádio fálico, numa primeira fase, a sexua- lidade da criança é ainda de natureza autoerótica. Dedicando bastante tempo a examinar o seu aparelho genital, as crian- ças manifestam uma curiosidade extrema por questões sexuais, apesar dessa curiosidade ultrapassar a sua capacidade de compreensão. Não tendo uma noção clara da ligação entre os órgãos genitais e a função reprodutiva, elaboram fan- tasias e crenças acerca do ato sexual e do processo de nascimento que são completamente desadequadas. Assim, podem pensar que uma mulher engra- vida porque comeu o seu bebé e que o nascimento consiste em expeli-lo pela boca. O ato sexual é frequentemente considerado um ato agressivo. E S T Á D I O A N A L IDADE ZONA ERÓGENA EXPERIÊNCIA OU CONFLITO DECISIVO CARATERÍSTICAS ADULTAS ASSOCIADAS A PROBLEMAS E A FIXAÇÕES NESTE ESTÁDIO Dos 12/18 meses aos 3 anos Ânus Aprender a controlar as funções orgânicas de evacuação • Tendência para a avareza, meticulosidade, obstina- ção excessiva, preocupação com a ordem e a limpeza (caráter retentivo-anal). • Tendência para a crueldade, sadismo, violência e destru- tividade, rebeldia e desor- ganização (caráter expul- sivo-anal). PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:20 Page 36
  • 21. Os prazeres da masturbação e as fantasias da criança na sua atividade autoerótica constituem a base para uma importante mudança de direção da libido, dos impulsos libidinais. Segundo Freud, a criança, a partir de deter- minada altura, desenvolve uma forte atração sexual pelo progenitor do sexo oposto e sentimentos agressivos e de hostilidade em relação ao progenitor do mesmo sexo. É, no plano da fantasia e a nível inconsciente, a primeira experiência de amor heterossexual. No caso dos rapazes, o desejo de afas- tar o pai e de ficar com a mãe só para si é um conflito inconsciente denomi- nado complexo de Édipo. A descoberta do complexo de Édipo era, para Freud, uma das grandes inovações da psicanálise. A denominação inspira-se na tra- gédia grega Rei Édipo, de Sófocles, na qual Édipo, abandonado à nascença, mata, sem o saber, o pai e casa com a mãe. O complexo de Édipo manifesta-se em vários comportamentos do rapaz: intrometer-se, agarrando-se às pernas da mãe, quando ela e o pai se abraçam; recusar que o pai se ofereça para brincar com ele e preferir a mãe; querer que seja esta e não o pai a dar-lhe de comer; dizer que vai casar com a mãe quando for crescido ou desenhar os elementos do agregado familiar, à exce- ção do pai. Para Freud, todos os rapazes (considerava que o complexo de Édipo era universal) desejam, inconscientemente, matar os seus pais e possuir as suas mães. Note-se bem que o rapaz não tem consciência, não se apercebe desse desejo incestuoso. Sendo inaceitável e intolerável, o seu acesso à consciência é bloqueado. Contudo, como já sabemos, permanecerá no inconsciente e não deixará de fazer sentir os seus efeitos, provocando considerável ansiedade e desconforto psíquico. Para o rapaz, o pai é um rival que gostaria de afastar ou de ver desaparecer. Esse desejo pode provocar sentimentos de culpa muito fortes. Por outro lado, a criança sente que, a nível inconsciente também, que- rer tomar o lugar do pai pode enfurecê-lo. A hostilidade associa-se ao medo. Medo de quê? O rapaz receia, tem pavor de que o pai castigue o seu desejo sexual pela mãe retaliando de forma severa. E que forma mais severa do que cortar o mal pela raiz? O rapaz teme que o pai o castre, eliminando assim a base ou a fonte dos seus impulsos. Ao temor inconsciente de perder os órgãos genitais deu Freud o nome de “ansiedade de castração” ou “complexo de castra- ção”. Esta fantasia da criança tem, de acordo com Freud, efeitos positivos: dá-se o recalcamento do desejo sexual incestuoso e forma-se um mecanismo de defesa chamado identificação. O rapaz irá imitar e interiorizar as atitudes e comportamentos do pai. Ser como o pai fará com que este pareça menos ameaçador. Identificando-se com o pai (com os aspetos desejáveis do pai), o rapaz transforma os seus perigosos impulsos eróticos em afeto inofensivo pela mãe, ao mesmo tempo que, de uma forma indireta, satisfaz os seus impulsos sexuais a respeito da mãe. Na verdade, a identificação com o pai Complexo de Édipo/Eletra Conjunto de inclinações e impulsos que se caraterizam pela rejeição inconsciente do progenitor do mesmo sexo e pela vontade de ser o único objeto do amor e afeto do progenitor do sexo oposto. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:20 Page 37
  • 22. tem subjacente uma limitação fundamental (só o pai pode ter relações sexuais com a mãe), embora, de forma simplesmente simbólica, permita ao rapaz, através do pai, ter acesso à mãe (quanto mais se parecer com ele mais facilmente se pode imaginar, inconscientemente, no lugar do pai). A TRAGÉDIA DE ÉDIPO Édipo era filho de Laio e de Jocasta, soberanos de Tebas. Nascera sob o signo da maldição de Pélope, a quem Laio, arrastado por amores libidinosos, raptara o filho Crisipo, fugindo com ele quando o adestrava nas corridas de carros. Ultrajado na sua dignidade e ferido nos seus sentimentos de pai, Pélope proferiu contra o ingrato hós- pede terrível imprecação: «Laio, Laio, oxalá que nunca tenhas um filho; ou, se chegares a tê-lo, que venhas a perecer às suas mãos!». Esta súplica foi atendida. Quando Laio consultou o oráculo de Delfos, Apolo res- pondeu-lhe: «Dar-te-ei um filho, mas está decretado que hás de perecer às mãos dele… Assim o determinou Zeus, filho de Crono, atendendo às terríveis maldições de Pélope, cujo filho raptaste; foi ele quem pediu para ti todos estes castigos». Para fugir a tão funesta predição, Laio e Jocasta decidiram desfazer-se da criança ao nascer. Ligaram-lhe os pés e entregaram-na a um dos seus pastores, para que a expu- sesse no monte Citéron, onde as feras a devorariam. O pastor, condoído do menino, que recebeu o nome de Édipo (= dos pés inchados), deu-o a outro pastor de Corinto, para que o criasse como filho. Os reis de Corinto, Pólibo e Mérope, que não tinham fi- lhos, adotaram a criança. Certo dia, num banquete, um conviva negou que Édipo fosse filho verdadeiro dos reis de Corinto. Correu Édipo a Delfos, para consultar o oráculo de Apolo sobre a sua ori- gem. Soube ali estar-lhe reservado o mais horrível destino: matar o pai e casar com a mãe. Aterrado, Édipo já não regressou a Corinto. No caminho de Dáulis, cruzou-se com outro cavaleiro, com o qual, por motivo de precedência, se travou de razões, acabando por derribá-lo da sege e matá-lo em legítima defesa. Sem saber que matava seu pai Laio! Prosseguiu viagem, rumo a Tebas, que ao tempo era devastada por um monstro horrível, cabeça e rosto de donzela, corpo, patas e cauda de leão: era a temível Esfinge. Enviado por Zeus à terra, para castigo dos tebanos, o monstro divertia-se a propor enigmas aos transeuntes. Quem não soubesse decifrá-los, pagava com a vida a igno- rância inculpável. Já havia sido oferecida a mão da rainha viúva de Laio, Jocasta, a quem resolvesse os problemas da Esfinge. Édipo apresentou-se ao monstro, que lhe propôs esta adivinha: «Qual é o ser que anda com quatro pés, com três e com dois, e quanto mais são os pés em que se apoia, mais devagar caminha?». Édipo, afoito, respondeu-lhe sem hesitação: «Ouve, ainda que não te agrade a minha voz e a tua perdição, cantora malfadada! Esse ser é o homem: quando criança, apoia-se sobre as quatro extremidades; quando velho, procura um terceiro pé – o bastão – a que se arrima, vergado ao peso dos anos!». A esfinge, vencida, precipitou-se no abismo e Tebas respirou, livre do horrendo tri- buto de vidas humanas que lhe vinha pagando. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:20 Page 38
  • 23. Em prémio de tal proeza, Édipo consorciou-se com Jocasta e instalou-se no trono deTebas. Sem saber, casara com sua mãe! Já reinava há muitos anos, com descendência de quatro filhos de Jocasta (Polinices e Etéocles, Antígona e Ismena), quando a peste começou a grassar em Tebas. Morriam os animais, abortavam as mulheres e definhavam os frutos da terra. Édipo, compadecido das desgraças que dizimavam o seu povo, procura por todos os meios acudir-lhe, indagando a causa do mal. Envia Creonte, seu cunhado, ao san- tuário de Delfos, a consultar o oráculo sobre a causa de tamanha calamidade. Respondeu Apolo que o causador da peste era o assassino de Laio, que vivia no reino. Era preciso matá-lo ou expulsá-lo deTebas. Propõe-se Édipo descobrir o criminoso e promete vingar pelas suas próprias mãos a morte de Laio. Depois de várias peripécias e terríveis suspeitas, Édipo acaba por convencer-se de que ele próprio é o autor da morte de Laio, seu verdadeiro pai, e de que Jocasta, a mulher com quem casara, é a sua mãe. Sendo a verdade evidente, Édipo, destroçado e dilacerado pelo desespero, encontra o corpo morto de Jocasta, que acabara de se enforcar no interior do palácio real. Édipo, por sua vez, arranca os olhos, desejando desaparecer e morrer.» António Freire, O Teatro Grego (adaptado) A limitação referida é interiorizada sob a forma de tabu do incesto, para cuja formação contribuem o sentimento inconsciente de culpa desen- volvida pelo Superego e as restrições sociais. Freud sublinha que a repressão do complexo de Édipo ou, mais propriamente, a sua ultrapassagem marca a etapa final do desenvolvimento do Superego. Este será o herdeiro do com- plexo de Édipo e a instância que se ergue contra o incesto e a agressividade. No caso da rapariga, verifica-se uma crise psicossexual semelhante, mas o objeto do desejo é o pai e não a mãe. Se, no caso do rapaz, a mãe era objeto de afeto que se transformou em objeto de desejo sexual, no caso da rapariga, o objeto original do afeto é substituído por outro, o pai, que se deseja agora possuir. Na perspetiva de Freud, a mudança ocorre porque, desapontada por verificar não possuir o mesmo órgão sexual que os rapazes, a rapariga sente- -se “castrada” e responsabiliza a mãe por essa sua condição. Freud definiu este sentimento inconsciente como “inveja do pénis”. Nas palavras de Freud, “a rapariga censura a mãe por a trazer ao mundo tão insuficientemente equi- pada”. O desprezo e o ressentimento marcarão a relação com a mãe nesta fase. A rapariga transfere o seu amor para o pai – tem o órgão que ela deseja partilhar com ele –, aspirando a ocupar o lugar da mãe. É a versão feminina do complexo de Édipo – versão denominada complexo de Eletra. A“Inveja do útero” Na rapariga, em crise edi-pia- na, a “inveja do pénis” é o reverso da “ansiedade de cas- tração” no rapaz. Karen Hor- ney, de formação psicanalítica, irá, em meados do século XX, considerar arbitrária a con- ceção freudiana. Para Horney, o que as mulheres invejam nos homens não é o pénis, mas a sua posição social. Além disso, os homens têm inveja da capacidade de as mulheres darem à luz. É a chamada “inveja do útero” (womb-envy). PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:20 Page 39
  • 24. Tal como nos rapazes, a forma de resolver o conflito emocional con- siste na identificação com o progenitor do mesmo sexo. Procurando parecer-se cada vez mais com a mãe, a rapariga possui, simbólica e indiretamente, o pai. Contudo, para Freud, a resolução do conflito, no caso das raparigas, é mais complicada e menos bem sucedida: o complexo de Eletra, apesar de sofrer algumas modificações no confronto com as barreiras que a moral e a realidade erguem, tende a persistir em muitas mulheres. Porquê? Se- gundo Freud, porque a sociedade em geral reprime com menos severidade (do que no caso dos rapazes) a persistência dos sentimentos de posse em relação ao pai. Além disso, a “inveja do pénis” e o sentimento de inferioridade a ela ligado dificultam seriamente a identificação plena com a mãe. Este é, sem dúvida, um dos aspetos mais polémicos – porventura o mais polémico – da teoria psicossexual de Freud. O criador da psicanálise afirmava que, durante o seu desenvolvimento psicossexual, as raparigas viviam uma experi- ência traumatizante de implicações duráveis: a descoberta de que não tinham pénis. Por essa sensação de castração e de incompletude censuram as mães e desenvolvem a “inveja do pénis”, sentimento que, no entender de Freud, motivará, direta ou simbolicamente, grande parte do seu comportamento futuro. Apresenta como exemplos de “tentativa de recuperação simbólica” do que julgam ter perdido a incorporação do órgão masculino na relação sexual, o desejo de dar à luz crianças do sexo masculino e, muito provavelmente, diria que a tentativa de aceder a posições de destaque no mundo laboral tra- duz o desejo inconsciente de compensar uma inferioridade orgânica. A TRAGÉDIA DE ELETRA Eletra, princesa de Micenas, é filha de Agaménon e Clitemnestra, sendo irmã de Orestes e Ifigénia. A rainha, sua mãe, atormentada pelo sacrifício de Ifigénia, une-se ao sobrinho do esposo. Esse príncipe, Egisto, fora perseguido por Agaménon e privado dos seus direitos. Retornando a Micenas durante a guerra deTroia, une-se à rainha, com quem tem um filho, Aletes. Os dois amantes aguardam o retorno do rei para consumar a vin- gança. Após o assassinato do pai por Egisto e Clitemnestra, Eletra é poupada pela mãe. Mas consome-se pela perda do pai, Agaménon, a quem adorava. Pedia aos deuses que lhe enviassem um meio de vingar a sua morte.As suas preces serão atendidas por seu irmão Orestes, a quem salvara da morte em criança. Prevendo o que viria com a volta de Egisto, confiou-o em segredo a um velho precetor, que o levou para longe de Micenas. Por tudo isto, era tratada no palácio como escrava.Temendo que a enteada tivesse um filho que um dia pudesse vingar a morte de Agaménon, Egisto fê-la casar-se com um pobre camponês. O marido, todavia, respeitou-lhe a virgindade. Mas é chegado o dia do retorno de Orestes. A jovem princesa o guiará até aos assassinos do seu pai. Quando, após a morte de Egisto e Clitemnestra, Orestes foi envolvido e "enlouquecido" pelas Erí- nias, ela colocou-se a seu lado e cuidou do irmão até ao julgamento final no Areópago de Atenas. Depois de ser absolvido pelo voto de Atena, Orestes e Pílades, seu amigo, partem paraTáurida em busca de uma estátua de Ártemis. Lá encontrarão Ifigénia como sacerdotisa de Ártemis. Retornam todos a Micenas e, após as núpcias de Orestes com Hermíone, Eletra casa-se com Pílades. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:20 Page 40
  • 25. Qual a consequência de fixações durante o estádio fálico? O que implica não ser bem sucedido/a na resolução do complexo de Édipo/Eletra? Fixações que se desenvolvem durante o estádio fálico podem originar personalidades que, de facto, continuarão a debater-se com crises ou conflitos de tipo edipiano. Os homens procurarão, de forma obsessiva, mostrar que não foram ‘castrados’, seduzindo tantas mulheres quantas possível, sendo pais de muitos filhos ou, como afirmação simbólica de masculinidade, alcançando grande sucesso na carreira profissional. Mas podem também falhar na sua vida sexual e profissional em virtude de sentimentos de culpa (recalcados) por terem competido com o pai pelo amor da mãe. Podem também procurar em cada mulher com quem se relacionam uma imagem da mãe, o que, como se sabe, pode perturbar significativamente o futuro da relação. Acontecem casos de fixação extrema na figura da mãe: é o caso real, apesar de bizarro, de dois irmãos que, apesar de casados e com filhos, dormem várias vezes por semana em casa da mãe. No caso das mulheres, a continuação dos conflitos de tipo edipiano ex- prime-se numa forma particular de relação com os homens: um estilo parti- cularmente sedutor, mas ao qual subjaz a negação de qualquer contacto se- xual (sedução – retraimento). Este tipo de comportamento tem como modelo a atração original pelo pai (houve atração e repressão ou recalcamento do desejo). Este padrão comportamental é transferido para interações afetivas posteriores. É o comportamento típico da mulher que atrai os homens e os seduz, mas depois fica surpreendida por estes pretenderem relações sexuais com ela. Uma fixação extrema na figura paterna e a persistência do ódio pela mãe pode, segundo alguns psicanalistas, estar na origem de casos de anorexia. Adorando o pai e detestando a mãe, a jovem adolescente pode inconsciente- mente querer ser como o pai e rejeitar a morfologia feminina que apresenta (como se sabe, a extrema magreza das anoréticas em geral traduz-se na perda das formas femininas e num corpo mais próximo do masculino do que do feminino). O homem ideal é também desejado à imagem do pai, complicando as relações afetivas. E S T Á D I O F Á L I C O IDADE ZONA ERÓGENA EXPERIÊNCIA OU CONFLITO DECISIVO CARATERÍSTICAS ADULTAS ASSOCIADAS A PROBLEMAS E A FIXAÇÕES NESTE ESTÁDIO Dos 3 anos aos 5/6 anos Órgãos genitais Complexo de Édipo/ /Eletra • Falta de maturidade no plano afetivo. • Dificuldades no plano do relacionamento sexual. • Personalidade bipolar: pro- miscuidade-castidade; sedução-recusa. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:20 Page 41
  • 26. Estádio de latência Período de acalmia relativa das pulsões sexuais sublima- das e convertidas em desejo de conhecimento, de com- petência intelectual e física e de reconhecimento social. Nenhuma fixação ocorre neste estádio. Estádio genital Fase do desenvolvimento em que se deve liquidar o com- plexo de Édipo para que uma sexualidade equilibrada e uma vida psíquica saudável possam construir-se. É o ponto de chegada de uma longa viagem, desde a sexua- lidade autoerótica à sexuali- dade realisticamente orien- tada, caraterística do indiví- duo socializado. ■ O estádio de latência (dos 6 aos 11 anos) O estádio de latência é o período da vida dos 6 aos 11 anos mar- cado por um acontecimento significativo: a entrada na escola e a conse- quente ampliação do mundo social da criança. Recalcadas no inconsciente, as conturbadas experiências emocionais do estádio fálico, estas não a pare- cem perturbar. É como se não tivessem acontecido. Esta amnésia infantil liberta a criança da pressão dos impulsos sexuais.A curiosidade da criança cen- tra-se agora no mundo físico e social e não no seu corpo.A energia libidinal é, a bem dizer, sublimada, isto é, convertida em interesse intelectual e canalizada para as atividades escolares, as práticas desportivas, jogos e brincadeiras. Normalmente, o grupo de pares é constituído por crianças do mesmo sexo, uma escolha que reforça a identidade sexual da criança. A ultrapassagem bem sucedida deste estádio é possível se a criança, agora mais independente dos pais no plano afetivo, desenvolver um certo grau de competência nas atividades que a atraem e naquelas que lhe são socialmente impostas. Vários intérpretes de Freud consideram que o estádio de latência é mais uma pausa do que um período do desenvolvimento psicossexual (não há ne- nhuma área específica do corpo que possa ser destacada como zona erógena e nenhum conflito psicossexual). Outras interpretações sugerem que nesta fase, sobre a qual Freud pouco disse, as crianças aprendem a esconder a sua sexualidade do olhar desaprovador dos adultos. Seja como for, a relativa emancipação em relação ao universo familiar prepara o caminho para que o afeto e a atração sexual assumam uma forma adulta. No final deste estádio, o aparelho psíquico está completamente formado ■ O estádio genital (após a puberdade) Na adolescência, em virtude da maturação do aparelho genital e da produção de hormonas sexuais, renascem ou reativam-se os impulsos sexuais e agressivos. Em estádios anteriores, o indivíduo obtinha satisfação ou gratificação erótica mediante a estimulação e manipulação de determinadas zonas do seu próprio corpo. Embora no estádio fálico a sexualidade autoeró- tica comece a ser superada, esta ainda não está orientada de uma forma rea- lista e socialmente aprovada. Manifesta-se para ser reprimida. Além disso, tudo se passa na imaginação fantasista da criança. O estádio genital é um período em que conflitos de estádios anterio- res podem ser revividos. Freud dá importância especial à reativação do complexo de Édipo e à sua liquidação. A passagem da sexualidade infantil à sexualidade madura exige que as escolhas sexuais se façam, de forma realista e segundo a norma cultural, fora do universo familiar, sendo os pais suprimidos enquanto objetos da libido ou do impulso sexual. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:20 Page 42
  • 27. Se os conflitos caraterísticos de estádios anteriores do desenvolvi- mento forem resolvidos de forma satisfatória, o indivíduo entra no último estádio psicossexual com a libido organizada em torno dos órgãos genitais e assim permanecerá toda a vida. A qualidade da gratificação sexual durante o estádio genital difere significativamente da de estádios anteriores. Na verda- de, os primeiros afetos e ligações infantis eram essencialmente narcisistas: a criança estava unicamente interessada no seu próprio prazer erótico. No es- tádio genital – que estabelece a fusão e integração dos impulsos pré-geni- tais –, desenvolve-se o desejo pela gratificação sexual mútua, a capacidade de amar e de partilhar o prazer. Segundo Freud, o estádio genital é o ponto de chegada de uma longa viagem, desde a sexualidade autoerótica à sexualidade realisticamente orientada, caraterística do indivíduo sociali- zado. Embora algumas relações interpessoais nasçam da motivação egoísta de simplesmente obter prazer genital, o indivíduo neste estádio final é capaz de se preocupar com o bem-estar da pessoa amada tanto ou mais do que com o seu. Esta capacidade constitui a base de relações duráveis que se pro- longam pela vida adulta. A sublimação é especialmente importante neste período porque os impulsos do Id (egoístas, agressivos) continuam e conti- nuarão ativos. A sublimação significará transformar os impulsos libidinais convertendo-os em energia útil para o casamento, a educação dos filhos e o desempenho profissional. Freud acreditava que não havia uma transição automática para o está- dio genital e que a passagem raramente se cumpria de forma plena. Muitas pessoas têm menos controlo sobre os seus impulsos do que o desejável e muitas outras têm dificuldade em satisfazer os impulsos sexuais de modo adequado e socialmente aceitável. Por isso, a personalidade genital tal como ele a descreve corresponde mais a um ideal a atingir do que a uma realidade generalizada. zPara uma perspetiva crí- tica da teoria freudiana do desenvolvimento elaborada por um teórico de formação também psicanalítica, será útil consultar o Dossiê ERIK ERIKSON: uma visão epige- nética da construção da iden- tidade pessoal. E S T Á D I O G E N I T A L IDADE ZONA ERÓGENA EXPERIÊNCIA OU CONFLITO DECISIVO CARATERÍSTICAS ADULTAS ASSOCIADAS A PROBLEMAS E A FIXAÇÕES NESTE ESTÁDIO Depois da puberdade Órgãos genitais Gratificação sexual na interação com outrem • Ultrapassagem da sexuali- dade autoerótica. • Capacidade de sublimação dos impulsos do Id. • Satisfação do desejo sexual de forma socialmente acei- tável. • Capacidade de amar e de cuidar. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:21 Page 43
  • 28. Oral (do nascimento aos 12/18 meses) Anal (dos 12/18 meses aos 3 anos) A criança obtém prazer mediante a atividade oral. O desmame é a experiên- cia/conflito central. O ânus é o foco da estimu- lação e do prazer. A tarefa crucial consiste em contro- lar as funções orgânicas, aprendendo regras higié- ni-cas. As crianças obtêm prazer manipulando os órgãos ge- nitais, desenvolvem a curio- sidade sexual e fantasias amorosas e eróticas acerca do progenitor do sexo oposto. A superação do complexo de Édipo/Eletra é tarefa crucial, decisiva para o desenvolvimento moral e social. É um período de suspen- são ou de acalmia da ati- vidade sexual. A curiosi- dade intelectual e o desejo de competência sobre- põem-se à curiosidade sexual. A energia libidinal desloca-se para ativida- des físicas e intelectuais. Com o surgimento da pu- berdade, reacendem-se os impulsos sexuais. O adoles- cente bem sucedido será, segundo Freud, o que for capaz de ter um relacio- namento sexual maduro com o sexo oposto. Otimismo-pessimismo; agressivi- dade verbal, impaciência, abuso de determinadas substâncias – fumar, beber, comer em excesso. No caso da personalidade retenti- vo-anal: avareza, obstinação, ten- dência compulsiva para a organi- zação, meticulosidade. No caso da personalidade expulsivo- -anal: desordem, crueldade, vio- lência destrutiva. Excessiva preocupação, no caso dos homens, com a afirmação da sua masculinidade; na mulher, segundo Freud, sentimento de inferioridade em relação aos homens que se pro- cura compensar de várias formas. Em ambos os sexos, a fixação no estádio fálico, a não ultrapassagem do complexo de Édipo/Eletra im- plica que a sexualidade é inconscien- temente associada a sentimentos de culpa, dado que não se ultra- passou o desejo incestuoso pelo progenitor do sexo oposto. Assim, um comportamento sexual apa- rentemente desinibido pode ex- primir, no fundo, medo do sexo. No estádio de latência não há fixa- ção alguma. Não há fixação específica do está- dio genital. Baseado na sua prática clínica, Freud construiu uma teoria do desenvolvimento pessoal que destacou a compo- nente erótica e afetiva. As diversas fases ou estádios do desenvolvimento determinam-se conforme as zonas ou órgãos de satisfação das pulsões. Em termos psicológicos, o desenvolvimento pode deter-se num estádio intermédio, produzindo-se uma fixação. A fixação em determinado estádio significa que um indivíduo ten- tará, em maior ou menor grau, obter prazer de uma forma simbolicamente equivalente ao modo de gratifi- cação próprio do estádio em que se fixou. A fixação ocorre ou porque houve fraca satisfação dos impulsos num dado estádio (trata-se inconscientemente de compensar esse défice) ou porque houve gratificação excessiva (inconscientemente não há motivação para ultrapassar tal estádio). TRAÇOS ADULTOS ASSOCIADOS A PROBLEMAS (FIXAÇÕES, SOBRETUDO) NUM ESTÁDIO CONFLITOS / EXPERIÊNCIAZONA ERÓGENA O S C I N C O E S T Á D I O S D O D E S E N V O L V I M E N T O P S I C O S S E X U A L Boca Ânus Fálico (dos 3 aos 6 anos) Órgãos genitais Nenhuma Latência (dos 6 anos à puberdade) Órgãos genitais Genital (da puberdade em diante) PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:21 Page 44
  • 29. 1. Qual o objeto de estudo da psicologia para Freud? Para Freud, a psicologia estuda os processos mentais (sobretudo os fenómenos psíquicos inconscientes) e a influência que exercem sobre o nosso comportamento e a nossa personalidade. Com a psicanálise evi- dencia-se o papel fundamental dos processos psíquicos inconscientes na determinação do nosso comportamento e da nossa personalidade. Quando atualmente se define a psicologia como estudo do comporta- mento e dos processos mentais, não se diz só processos mentais conscien- tes, porque temos em conta, depois de Freud, que há também muitos processos mentais que têm origem no Inconsciente. Freud contribuiu para a definição do objeto de estudo da psicologia, mos- trando-nos que a nossa vida psíquica não se reduz à consciência. Não sendo o primeiro a falar de Inconsciente, Freud é o primeiro psicólogo a afirmar que o Inconsciente é a realidade psíquica fundamental. Isto quer dizer que o nosso comportamento e a nossa personalidade são poderosamente influ- enciados por processos psíquicos inconscientes. Na nossa vida psíquica, a consciência tem um papel secundário. Segundo Freud, a consciência tem um papel muito menos influente na nossa vida psíquica do que o Inconsciente. A consciência é simplesmente a ponta do icebergue. 2. Que conceção de ser humano está presente nesta teoria? Somos seres marcados pelo peso do passado (das experiências da in- fância), pela necessidade de refrear os nossos impulsos e de aceitar a frustração no confronto com a realidade e pela ameaça de forças desco- nhecidas que dentro de nós «conspiram» contra a nossa saúde mental. A teoria freudiana apresenta não só uma nova conceção do aparelho psíquico (psíquico não é sinónimo de consciente), mas também uma nova visão do ser humano. Em nós não é a razão que domina. Gostaríamos de pensar que esta controla os impulsos irracionais. Contudo, Freud diz- -nos que a nossa vida é dirigida por impulsos, desejos e pulsões de natu- reza inconsciente (sobretudo de natureza sexual e agressiva). Para Freud, a nossa integridade psíquica, dadas as pulsões agressivas e libidinais do Id, exige que recalquemos, que esqueçamos. O ser humano vive sob o signo do conflito e da ansiedade. A ansiedade é uma vivência do Ego que se preocupa com duas eventualidades: 1) que o Id fique fora de controlo e determine comportamentos cujos efeitos podem ser severamente negativos e 2) que o Superego se descontrole e, tornando- -se extremamente moralista, nos faça experimentar sentimentos de culpa excessivos quer acerca de transgressões reais quer de imaginárias. Para re- duzir a ansiedade, o Ego constitui um conjunto de respostas inconscientes denominadas mecanismos de defesa do Ego. A constituição da personali- dade de cada indivíduo é determinada, em grande parte, pelo modo como se dá a relação entre o princípio de prazer e o princípio de realidade. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:21 Page 45
  • 30. O que somos então para Freud? Seres cuja finalidade ou motivação essencial é o prazer (embora em «Para Além do Princípio do Prazer», Freud afirme que o objetivo último do organismo é o retorno à ausência total de estimulação, isto é, a morte) e que vivem com receio da sua própria vontade de prazer. Mesmo a saúde mental é um equilíbrio instável. Não somos donos de nós próprios, somos uma misteriosa e complexa unidade de impulsos agressivos e destrutivos e de interdições quase do mesmo si- nal. Procuramos a reconciliação com nós próprios, a harmonia interior, o equilíbrio psíquico. Ora, a chave do que somos está em vivências envoltas num denso véu – há tanto tempo se deram nos primeiros anos de vida – e recalcadas por razões que nos escapam. Conhece-te a ti mesmo será o lema da psicanálise e da terapia psicanalítica. Somos o que fizemos de nós quando ainda não tínhamos uma identidade definida – mas somos mais o que os nossos desejos e as normas dos outros, essencialmente os pais, fize- ram de nós. 3. Qual a posição do autor desta teoria acerca dos seguintes conceitos dicotómicos (Inato/Adquirido; Continuidade/ /Descontinuidade; Estabilidade/Mudança; Interno/Ex- terno; Individual/Social)? A dicotomia inato/adquirido Quanto à relação entre o inato e o adquirido, a teoria freudiana é conhecida por ser uma teoria que se inspira num modelo homeostático, de redução dos desequilíbrios orgânicos (destacando ao mesmo tempo o papel crucial de impulsos biológicos que atuam fora do campo da consciência e que criam tensões de que o organismo se deve libertar). Freud considera que o principal motivo do comportamento humano, desde o princípio da vida, é a procura do prazer sexual – um impulso biológico básico. Sirva como exemplo o facto de Freud atribuir o nome de estádio genital ao período da adolescência. Nesta fase, o eventual equilíbrio alcançado por volta dos 7 aos 11 anos é bruscamente rompido pelo ressurgimento de impulsos sexuais que correspondem a um aumento do poder do Id. Este desequilíbrio traduz-se em conflitos psicológicos e comportamentos erráti- cos. Apesar da importância crucial dos fatores biológicos, a teoria freudiana não ignora a educação, o que é adquirido. Com efeito, o Superego é a representação interna das exigências do mundo social, sendo o resultado da interiorização de normas e de proibições adquiridas na relação com os progenitores. O desenvolvimento pessoal envolve em qualquer fase do desenvolvimento fatores biológicos e ambientais. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:21 Page 46
  • 31. A dicotomia continuidade/descontinuidade Quanto ao par dicotómico continuidade-descontinuidade, considera-se que a teoria do desenvolvimento pessoal é uma teoria descontinuista. Quer isto dizer que concebe o desenvolvimento como um conjunto de trans- formações que diferem qualitativamente entre si. A perspetiva que acen- tua a descontinuidade do desenvolvimento entende que esta se dá ao longo de distintos estádios do ciclo vital. Para os partidários desta perspetiva, o desenvolvimento é marcado por ritmos diferentes, verificando-se a alternân- cia entre períodos com mudanças pouco frequentes e relevantes (caso do período de latência em Freud) e períodos marcados por mudanças abrup- tas e descontínuas que implicam a passagem a um novo estádio do desen- volvimento (caso do estádio genital ou do fálico). Sirva como exemplo de que os estádios são fases qualitativamente diferentes do desenvolvimento o facto de haver uma diferença qualitativa entre o estádio fálico – em que o objeto de afeto e de desejo é o progenitor do sexo oposto – e o estádio genital – em que o objeto de desejo é constituído por pares do sexo oposto ou por pessoas exteriores ao universo familiar. A passagem da sexualidade autoerótica – centrada em si ou no seu corpo – à sexualidade que tem como objeto outro corpo é também uma mudança qualitativa. A dicotomia estabilidade/mudança Quanto ao par estabilidade-mudança, há a dizer que significa que as aquisições de cada estádio são integradas mediante elaboração no estádio seguinte, produzindo-se uma alteração qualitativa. O que segundo Freud permanece é a procura do prazer. O que muda são as zonas erógenas asso- ciadas ao prazer. Da sexualidade centrada na exploração do nosso corpo evoluímos para uma sexualidade que atinge a forma madura ligada à capa- cidade reprodutiva e às relações sexuais genitais. Permanecem os impulsos agressivos e destrutivos do Id, mas muda o modo como nos relacionamos com a realidade e encaramos a satisfação dos desejos. Contudo, a mudança pode ser afetada pela fixação. A fixação significa que o desenvolvimento, em certa medida, cessou num determinado estádio, implicando uma de- pendência ou falta de autonomia do sujeito. É uma ligação extremamente forte a uma pessoa ou a um objeto que era apropriada somente nos pri- meiros estádios do desenvolvimento, mas que é desadequada em estádios posteriores. Os sentimentos e afetos ligados ao complexo de Édipo são admissíveis em certa idade, mas não noutras. As fixações ocorrem habitu- almente devido a frustração ou excessiva indulgência na expressão da ener- gia sexual ou agressiva num dado estádio do desenvolvimento psicos- sexual. A fixação num dado estádio do desenvolvimento não impede todo o posterior desenvolvimento, mas, a não ser que um ser humano ultra- passe cada estádio de forma bem sucedida, não poderá cumprir plena- mente o que é exigido pelos estádios posteriores e ficará psicologicamente preso a sentimentos e formas de satisfação próprios de estádios anteriores. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:21 Page 47
  • 32. A fixação bloqueia o desenvolvimento psicossexual, daí resultando diver- sas desordens e perturbações comportamentais, e quanto mais intenso for, menor será o nosso grau de maturidade quando adultos. A passagem ao estádio seguinte não é efetiva, há um bloqueio psicológico. É o caso da criança excessivamente dependente, que terá muitas dificuldades em ser, quando adulto, um indivíduo autónomo. Sofre uma regressão. A regressão significa um retorno a um estádio anterior do desenvolvimento. A pessoa que desenvolveu uma fixação no estádio anal pode responder a uma situa- ção de tensão tornando-se ainda mais obstinada e compulsiva. É impor- tante salientar que fixação e regressão são condições relativas. Num indivíduo, a fixação e a regressão raramente são completas, absolutas. Habitualmente, a maior parte dos aspetos da personalidade de um indiví- duo desenvolver-se-á normalmente, mas o seu comportamento pode, em certos pontos, ser caraterizado por atos infantis, acriançados, efeitos de certas fixações anteriores. A dicotomia externo/interno Quanto à dicotomia externo-interno, há a considerar o seguinte: Em cada estádio do desenvolvimento, o indivíduo vive o conflito en- tre os seus impulsos biológicos – fatores internos – e expetativas sociais ou externas (de que os pais são os agentes transmissores e represen- tantes). O modo como os pais lidam com os impulsos sexuais e agressivos dos seus filhos nos primeiros anos da infância é crucial para um desenvol- vimento saudável ou não da personalidade. A personalidade adulta é determinada pelo modo como resolvemos os conflitos entre as seduções das zonas de prazer (as fontes erógenas – boca, ânus e órgãos genitais) e as exigências da realidade, dos outros. Dessa resolução vai depender o modo como nos relacionamos com os outros, como lidamos com a ansie- dade e o próprio modo como se efetuará a nossa aprendizagem. Quando os conflitos não são resolvidos, o indivíduo pode fixar-se em dado estádio do seu desenvolvimento (este pode, em termos psicossexuais, cessar num dos primeiros estádios, tornando difícil e desadaptada a evolução da sexuali- dade autoerótica para a partilha do prazer erótico com outrem). A regres- são é normalmente determinada por fixações anteriores do indivíduo, ou seja, este tende, para fugir aos conflitos, a regressar a um estádio onde pre- viamente se fixara, o que é sinal de falta de autonomia e incapacidade de enfrentar a realidade e experiências frustrantes. Durante a infância, os impulsos sexuais mudam de objeto, centrando-se primeiro na zona oral, depois na anal e finalmente na genital. Em cada um dos três primeiros estádios (oral, anal e fálico), os pais são decisivos: se permitem uma autos- satisfação excessiva ou inibem demasiado o prazer erótico da criança, estarão a impedir um desenvolvimento psicossexual saudável. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:21 Page 48
  • 33. A dicotomia individual/social A importância atribuída ao papel dos pais mostra que o fator social tem relativa importância na teoria freudiana do desenvolvimento afeti- vo. Contudo, o desenvolvimento é entendido em termos psicossexuais e não de uma forma mais abrangente, ou seja, em termos psicossociais (o meio não é só a família, mas fatores externos como o meio sociocultural, os grupos e as comunidades). Esta é uma das críticas de outro grande teó- rico do desenvolvimento, o dinamarquês Erik Erikson. Para Erikson o desenvolvimento tem de ser entendido no quadro da relatividade cultural. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:21 Page 49
  • 34. ATIVIDADE 4 I Copie as atividades seguintes e preencha cada um dos espaços em falta: 1. A teoria freudiana do desenvolvimento baseia-se na afirmação de que existe sexualidade ... . 2. Os estádios do desenvolvimento representam uma sequência de diversos modos de satisfação dos impulsos ... . A maturação física é responsável pela sucessão de zonas erógenas e correspondentes estádios. O desenvolvimento é considerado ... porque as pulsões sexuais, no seu confronto com a realidade social (familiar em grande parte) e moral, determinam a aquisição de caraterísticas psicológicas. 3. Freud distingue quatro etapas ou fases fundamentais: os estádios ... . Entre as duas últimas fases situa-se um período de latência em que as pulsões sexuais parecem estar apaziguadas, quase totalmente es- quecidas (... , que nada mais é do que um recalcamento das experi- ências e sensações anteriormente vividas). A puberdade reativa os impulsos aparentemente desativados. Se forem transformados e sublimados pelo Ego, atinge-se o estádio de maturidade psicos- sexual: o estádio ... . 4. As zonas ... são aquelas partes do corpo que, em cada estádio do desenvolvimento, constituem fontes especiais de prazer. Freud não reduz a ... à manipulação ou contacto genital. 5. Freud sugeriu que a resolução positiva dos conflitos próprios de cada estádio é a condição de possibilidade da maturidade psicoló- gica. O principal obstáculo a essa maturidade é a ... , o facto de, em virtude de excessiva satisfação ou excessiva frustração, o indivíduo ficar psicologicamente preso a dado estádio do desenvolvimento. 6. Quando os conflitos não são bem resolvidos, o indivíduo pode ... em dado estádio do seu desenvolvimento (este pode, em termos psicos- sexuais, cessar num dos primeiros estádios, tornando difícil e desa- daptada a evolução da sexualidade autoerótica para a partilha do prazer erótico com outrem). A ... é normalmente determinada por fixações anteriores do indivíduo, ou seja, este tende, para fugir aos conflitos, a regressar a um estádio onde previamente se fixara, o que é sinal de falta de autonomia e incapacidade de enfrentar a realidade e experiências frustrantes. Durante a infância, os impulsos sexuais mudam de objeto, centrando-se primeiro na zona ... , depois na ... e PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:21 Page 50
  • 35. finalmente na ... . Em cada um dos três primeiros estádios (oral, anal e fálico), os pais são decisivos: se permitem uma autossatisfa- ção excessiva ou inibem demasiado o prazer erótico da criança, estarão a impedir um desenvolvimento psicossexual saudável. II Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F). Justifique a sua opção. 1. Para Freud, a infância tem uma importância decisiva na determina- ção da personalidade básica do adulto. 2. Em cada estádio, a relação mais importante que se estabelece é com os pais. 3. O momento crucial do desenvolvimento psicossexual é o estádio fá- lico, o mais importante de todos os estádios do desenvolvimento afetivo. 4. A inadequada resolução do conflito ou problema central a resolver num dado estádio tem como resultado a fixação. 5. A fixação num determinado estádio tem como resultado a imaturi- dade psicológica. 6. Uma criança que recebeu excessiva gratificação num dado estádio pode sentir relutância e desconforto em passar a outro estádio. 7. A excessiva tolerância, a desordem e desarrumação, o caráter sub- misso e a generosidade excessiva são marcas de uma personalidade expulsivo-anal. 8. A avareza, a obstinação, a meticulosidade, a compulsão pela ordem são marcas de uma personalidade retentivo-anal, com fixação no es- tádio anal. 9. A fixação significa ficar psicologicamente preso a comportamentos típicos de um determinado estádio. 10. O complexo de Édipo, quer na vertente masculina quer na vertente feminina, é um acontecimento psicossexual sem aspetos positivos. 11. A sexualidade autoerótica é caraterística dos estádios oral e anal. 12. A amnésia infantil significa que a difícil vivência do complexo de Édi- po foi recalcada e praticamente não se manifesta ou não se manifes- ta como antes. PSI_12_aluno (U2_T1_cap_1.2):projFILOS_10 12/09/24 12:21 Page 51