Este documento discute as repercussões do currículo oculto na sociedade. Primeiramente, define currículo como toda a aprendizagem planeada e guiada pela escola. Em seguida, explora como o currículo oculto transmite valores e crenças de forma implícita, influenciando a formação dos estudantes e, consequentemente, a sociedade futura. Por fim, discute como o efeito halo, ou seja, a percepção dos alunos sobre os professores, também influencia a transmissão desses valores ocultos.
1. Mestrado em Ensino de Matemática no 3º Ciclo e no Secundário
Raquel Cristina Sousa Camacho
As Repercussões do
Currículo Oculto na
Sociedade
Funchal
2010
1
2. Raquel Cristina Sousa Camacho
As Repercussões do
Currículo Oculto na
Sociedade
Trabalho académico apresentado
na disciplina de Ciências da
Educação III da Universidade da
Madeira.
Orientadora: Professora
Catedrática Jesus Maria Sousa
Funchal
2010
2
4. Resumo
O presente trabalho reflecte sobre a importância da construção do currículo e
sobre a necessidade da sociedade se apoiar no currículo para garantir a sua própria
sobrevivência.
Será também importante reflectir sobre as várias dimensões do currículo, para
poder incidir mais especificamente no estudo das repercussões do currículo oculto na
construção da sociedade futura.
Neste trabalho, discutiremos ainda o que é o Efeito Halo, adaptando este
conceito à educação e a sua influência na transmissão de valores e crenças e,
consequentemente, na formação dos jovens.
4
5. Introdução
O termo currículo surge no nosso dia-a-dia de uma forma sistemática e tem uma
grande importância na qualidade do ensino. Não podemos negar a familiaridade que
temos com o termo. Mas, afinal, o que é o currículo?
O termo currículo surge inicialmente no século XVI, mas é no século XIX que
começa a ser difundido e a ganhar a importância que lhe é devida. A origem do
currículo, no entanto, é uma incógnita. Qual terá sido o primeiro currículo? Quem o
projectou? Foi seguido por quem? Podemos ter apenas uma certeza: o currículo surge
por necessidade da sociedade.
A sociedade exige dos indivíduos a sua própria sobrevivência e esta só é
possível através da adaptação. É neste contexto que surge o currículo, de modo a
facultar aos indivíduos as capacidades para perpetuarem a sociedade. A questão que se
coloca é se esta perpetuação não será a condenação da própria sociedade, já que há uma
perpetuação de desigualdades e injustiças. Qual deverá, então, ser o verdadeiro papel do
currículo? Perpetuar a sociedade ou proporcionar a melhoria dessa sociedade?
Neste ponto é pertinente estudarmos diversas perspectivas sobre o que é o
currículo, para podermos responder a perguntas como as colocadas anteriormente.
Segundo alguns autores, “currículo” é tudo o que está nos programas escolares.
Para outros, é tudo o que se aprende na escola. Segundo outros autores, “currículo” é
tudo o que se aprende, quer seja na escola, quer seja fora dela. Há uma multiplicidade
de perspectivas que, a juntar às várias dimensões do currículo – quer quando falamos
em Currículo Oficial ou em Currículo Real, quer quando falamos em Currículo
Expresso ou Currículo Oculto, quer quando falamos em Currículo Formal ou em
Currículo Informal – constituem um verdadeiro desafio para encontrar uma definição
única e universal para “currículo”.
Não será este problema em definir “currículo” que está por detrás do problema
em encontrar uma base firme para o planeamento curricular e, consequentemente, em
encontrar, a nível do ensino, uma interacção entre o que é estipulado teoricamente e o
que é praticado na realidade?
Uma definição relativamente segura e que poderá ser a resposta às perguntas
levantadas anteriormente, é proposta por John Kerr que defende que o currículo é “toda
a aprendizagem planeada e guiada pela escola, seja ela ministrada em grupos ou
individualmente, dentro ou fora da escola” (Kerr, 1968; cit. por Kelly, 1981: 6).
5
6. Assim, o nosso trabalho incidirá em procurar respostas às questões colocadas,
mas dando atenção às dimensões do currículo e, mais especificamente ao currículo
oculto, que poderá ser definido como uma série de mensagens veiculadas de forma
oculta e sinistra pela escola e pelo professor e que não estão explícitas em nenhum
documento oficial. Neste sentido, teremos em atenção responder a perguntas como “O
currículo oculto é oculto para todos?”, “De que formas são transmitidas essas
mensagens por parte da escola e do professor?”, “O que é o Efeito Halo?”, “Que
impacto terá o currículo oculto nos alunos e, consequentemente, na sociedade?”
6
7. Desenvolvimento
Ao longo da História, fomos nos surpreendendo com o poder de adaptação dos
seres humanos ao meio envolvente e à sociedade que construíram e modificaram. Essa
capacidade de adaptação à mudança é deveras uma característica admirável do ser
humano. A educação é a responsável por essa capacidade de adaptação e a necessidade
de se adaptar é a responsável pelo surgimento de um currículo, já que será ele que vai
facultar aos seres humanos as características necessárias para essa adaptação.
Obviamente que, uma vez que a sociedade está em constante mudança, há a
necessidade de reformular o currículo uma e outra vez. Além disso, a diversidade
cultural não nos permite falar num só currículo, mas em vários currículos. Não
podemos, por exemplo, implementar o currículo proposto em Portugal a um país
oriental, simplesmente porque as culturas são diferentes. Culturas diferentes significam,
necessariamente, adaptações diferentes e, em consequência disso, existe uma
multiplicidade de currículos (Pacheco, 2006).
Não será, pois, de admirar as várias definições e perspectivas sobre o que é o
currículo. A definição que tomaremos como a mais neutra e sólida é a proposta por John
Kerr que defende que o currículo é “toda a aprendizagem planeada e guiada pela escola,
seja ela ministrada em grupos ou individualmente, dentro ou fora da escola” (Kerr,
1968; cit. por Kelly, 1981: 6).
Não podemos, porém, descurar das várias dimensões do currículo. Segundo
Kelly, podemos dividir o currículo em Currículo Total e Currículo Restrito, sendo o
Currículo Total aquele que define o “programa total de uma instituição de ensino” e que
serve de base para a construção do currículo de matérias individuais, sendo este
designado por Currículo Restrito. Tanto para a construção do currículo das matérias
individuais (programa de cada disciplina), como para o currículo que define o programa
total de uma instituição, podemos falar em Currículo Oficial e Currículo Real.
O Currículo Oficial é o que está estipulado teoricamente, ou seja, é o
planeamento de objectivos e conteúdos de formação. Enquanto que o Currículo Real é
tudo o que se faz na prática (Kelly, 1981).
É importante existir uma interacção entre a teoria e a prática, de modo a que a
intenção possa vir a ser uma realidade (Stenhouse, 1975; cit. Kelly, 1981: 5).
Obviamente que isto nem sempre acontece. É recorrente ouvirmos, por exemplo, que os
programas de cada disciplina são muito extensos e que os professores não conseguem
7
8. cumprir com os objectivos propostos. O esquema de Goodlad ajuda-nos a perceber
como há uma perda de informação entre o que foi idealizado e o que é experimentado.
O currículo também pode ser distinguido entre Currículo Formal e Currículo
Informal. O Currículo Formal está na mesma ordem de ideias do Currículo Oficial, ou
seja, são os objectivos, conteúdos e actividades propostas na escola e que são passíveis
de avaliação. Já o Currículo Informal pode ser visto como toda a actividade que faz
parte da vida escolar dos alunos para além das actividades lectivas. São as chamadas
actividades extra-curriculares (Kelly, 1981).
Por fim, temos que fazer a diferenciação entre o Currículo Expresso e o
Currículo Oculto. O Currículo Expresso segue a mesma linha que o Currículo Oficial e
o Currículo Formal, ou seja, é o que está expresso teoricamente. O Currículo Oculto
designa “as práticas e processos educativos que induzem resultados de aprendizagens
não explicitamente visados pelos planos educativos.” Pode ainda ser visto como “a
aquisição de valores, atitudes, processos de socialização e formação moral.”
(Ribeiro, 1990 :53)
Sucintamente, o Currículo Oculto pode ser designado como um conjunto de
mensagens veiculadas de forma oculta e sinistra pela escola e pelo professor e que não
estão escritas em nenhum documento oficial.
Existem muitos exemplos destas mensagens ocultas. Durante o Estado Novo
havia uma imposição dos valores católicos. Isto estava patente nas salas de aula através
dos crucifixos nas paredes. Nos dias de hoje, podemos reparar que ainda há uma
transmissão dos valores da religião cristã, já que os feriados e festas relacionados com
esta religião (Natal, Páscoa, o dia de todos os Santos…) são respeitados pela escola com
uma pausa para comemorá-los. Ainda na altura do Estado Novo, os jovens cantavam o
hino na sala de aula, o que revela a transmissão do valor da nacionalidade e do amor à
pátria.
Dentro da escola, reparamos ainda na discriminação social que existe, sendo que
há uma clara diferenciação entre as turmas da manhã e as turmas da tarde.
Normalmente, as turmas da manhã são compostas pelos bons alunos, enquanto que as
turmas da tarde são constituídas pelos alunos repetentes e pelos alunos com mais
dificuldades.
A própria diferenciação entre o bar dos professores e o bar dos alunos ou a casa
de banho dos professores e a casa de banho dos alunos é uma forma de expressar a
mensagem de que há essa separação social.
8
9. Dentro da sala de aula, é o professor o responsável pela transmissão de
mensagens ocultas. O professor transmite os seus valores e atitudes, o que influencia os
alunos positiva ou negativamente. A própria punição em relação aos trabalhos de casa é
um exemplo desta mensagem oculta. As ideologias políticas também são uma realidade
no nosso dia-a-dia escolar e uma mensagem oculta.
Estes são apenas alguns exemplos de mensagens ocultas transmitidas pela escola
e pelos professores. O Currículo Oculto não está expresso em nenhum documento
oficial, mas é tão importante como qualquer outra dimensão do currículo, já que há uma
transmissão de valores e crenças e até qual deverá ser o papel de cada aluno na sala de
aula e futuramente na sociedade. Podemos dizer que o Currículo Oculto só é oculto para
os alunos, os transmissores das mensagens têm consciência disso (Barnes, 1976; cit.
Kelly, 1981: 4).
Mas porque existem professores que nos são queridos e outros que preferíamos
nem ter conhecido? E aqueles professores quem nem nos lembramos? Que fascínio é
aquele que alguns professores têm? É algo que nasce connosco ou que adquirimos?
É neste contexto que falamos sobre o Efeito Halo. Este termo é utilizado em
vários ramos, principalmente na área da Economia, mas também na área da Educação. É
o fenómeno pelo qual concluímos que, se uma pessoa faz bem alguma coisa, fará bem
todas as outras. Ou se fizer mal alguma coisa, fará mal todas as outras.
O Efeito Halo refere-se à “áurea” que uma pessoa tem, ou seja, à maneira como
os outros olham para essa pessoa. A primeira impressão é muito importante nesta
opinião que se forma. Assim, adaptando este conceito à área da educação, se o professor
for uma pessoa capaz de fascinar os alunos, terá mais poder sobre eles e,
consequentemente, será capaz de influenciá-los através dos seus valores pessoais. Será,
portanto, um modelo a seguir. O contrário também se verifica, quando o professor não
consegue cativar os alunos, torna-se num modelo a não seguir.
O Efeito Halo é muito importante quando se fala em Currículo Oculto, já que é
essa “áurea” que o professor tem que fará dele um modelo a seguir ou a não seguir. Em
qualquer um dos casos, será uma figura marcante que influenciará a formação da
personalidade dos alunos enquanto pessoas.
Serão esses alunos o futuro da sociedade, uma sociedade marcada pelos valores,
atitudes e ideologias transmitidas na sala de aula, mas que não estavam escritos em
nenhum documento oficial.
9
10. Conclusão
A partir da investigação efectuada, chegamos a algumas considerações sobre a
influência do currículo na perpetuação da sociedade e, particularmente, sobre o papel do
currículo oculto na formação pessoal das gerações vindouras.
É um facto que, ao longo da história, a humanidade tem vindo a adaptar-se a
mudanças impostas pelo ambiente envolvente e pela própria sociedade. Isto só foi
possível porque o ser humano criou condições para conseguir se adaptar. A criação do
currículo foi uma dessas formas.
Vimos que a diversidade cultural é um dos motivos pelos quais não podemos ter
um currículo único e universal. A beleza da humanidade está na diversidade e na
capacidade de adaptação à mudança. O currículo surge dessa necessidade de adaptação
e tem uma multiplicidade de definições e perspectivas devido, entre outros factores, à
diversidade cultural.
Ao longo da investigação apercebemo-nos das várias dimensões do currículo e
incidimos o nosso estudo nas repercussões que o Currículo Oculto tem na sociedade
actual e na sociedade futura.
O Currículo Oculto tem um papel fundamental na transmissão de valores e
crenças aos jovens. Serão estes jovens os cidadãos da sociedade futura. Há, portanto,
uma relação directa entre estas mensagens transmitidas de forma oculta e a sociedade
que estamos a construir. A transmissão de valores, crenças e tradições por parte da
escola e dos professores estará presente na sociedade de amanhã.
E se os valores transmitidos forem pouco altruístas? Como travar a transmissão
desses valores? Será impossível, pois a nossa investigação levou-nos a estudar o
chamado Efeito Halo que, sucintamente, é a capacidade que uma pessoa tem para nos
cativar ou não.
Um professor que tenha essa “áurea” terá nas suas mãos a capacidade de
influenciar positiva ou negativamente os seus alunos, formando a sua personalidade e
construindo, desta forma, a sociedade futura.
Nunca a escola teve um papel tão activo na construção da sociedade como agora
e se os valores transmitidos ajudarem a vencer as desigualdades e injustiças, então
teremos uma sociedade da qual nos poderemos orgulhar. No entanto, se tivermos
pessoas igualmente cativantes mas que influenciem negativamente os jovens,
poderemos ter uma sociedade não tão brilhante como se poderia desejar.
10
11. Terminamos com uma frase do grande filósofo grego Sócrates que faz alusão às
questões que tratamos neste trabalho: “Não te contentes em admirar uma pessoa, imita-
a.”
Talvez seja isso que devamos fazer, imitar quem admiramos, mas não deixando
de ser activos e críticos na nossa própria educação.
11
12. Referências Bibliográficas
Kelly, A. V. (1981). O currículo. Teoria e Prática. São Paulo: Harbra. Pp. 03-07.
PACHECO, José Augusto (2006). Componentes do Processo de Desenvolvimento do
Currículo. Minho: Minho Universitária
Sítios da Internet:
GONÇALVES, Maria Fernanda (s.d.). Currículo Oculto e Cultura(s) de
Aprendizagem na formação de Professores. Consultado a (2010-05-10) em:
http://www.ipv.pt/millenium/inv6_3.htm
CORREIA, Paula (2006). O Currículo. Consultado a (2010-05-10) em:
http://www.google.pt/url?sa=t&source=web&ct=res&cd=1&ved=0CBUQFjAA
&url=http%3A%2F%2Fbiblioteca.esjbv.pt%2Fficheiros%2Fcurriculo%2Fcurric
ulo_escolar.pps&ei=XG_xS--
DMJmf_Qbf0dGACQ&usg=AFQjCNHDhM1OjSSgNCD4WCDFZ2VQdQ0U
AQ&sig2=04rpjRHUSYE55HBygy7rxA
Efeito Halo (s.d.). Consultado a (2010-05-11) em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Efeito_halo
O Efeito Halo (s.d.). Consultado a (2010-05-11) em:
http://opiniaoenoticia.com.br/economia/negocios/o-efeito-halo/
Relação entre o Currículo Oculto e a Sociedade (2007). Consultado a (2010-05-
12) em:
http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20070925160738AAAmwlu
12
13. MOREIRA, António (s.d.). Currículo, Cultura e Sociedade. Consultado a
(2010-05-12) em:
http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/155518Indagacoes.pdf#page=20
CEREZER, Osvaldo (2007).Documentos de identidade.Consultado a (2010-05-
12) em:
http://www.unicamp.br/~aulas/pdf3/resenha03.pdf
RIBEIRO, Patrícia (s.d.). Currículos Alternativos. Consultado a (2010-05-13)
em:
http://www.slideshare.net/guestb20a74/curriculos-alternativos
FEKETE, Bete (s.d.). Teorias críticas: currículo escolar como reprodutor das
desigualdades. Consultado a (2010-05-13):
http://pt.shvoong.com/social-sciences/education/1805554-teorias-
cr%C3%ADticas-curr%C3%ADculo-escolar-como/
FONSECA, João (s.d.). Visões de Currículo. Consultado a (2010-05-14) em:
http://www.slideshare.net/joaojosefonseca/teorias-do-curriculo
13