1) O documento analisa o poema "O Romance da Nau Catarineta", extraído do livro "A Barca" de Altimar Pimentel, investigando sua ligação com a tradição oral e a teatralidade popular nordestina.
2) A pesquisa descreve a estrutura e os temas do poema, incluindo o canibalismo e tentações diabólicas enfrentadas pela tripulação faminta.
3) O estudo conclui que o poema transmite aspectos da cultura e história portuguesa através de sua
TEATRALIDADE E TRADIÇÃO ORAL EM O ROMANCE DA NAU CATARINETA, DE ALTIMAR PIMENTEL.
1. TEATRALIDADE E TRADIÇÃO ORAL EM O ROMANCE DA
NAU CATARINETA, DE ALTIMAR PIMENTEL.
Cícera Juciele Cordeiro - José Paulo Júnior – Tarcízio Lopes – Thalia Raiana
Campus Mata Norte
Curso de Letras
Nazaré da Mata - 2019
2. 1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa utiliza como corpus de análise O Romance
da Nau Catarineta , extraído do livro A Barca (2004), de
Altimar Pimentel. Buscamos aqui realizar um estudo acerca da
importância desta manifestação folclórica (A barca) como
forma de expressão artístico-cultural do povo paraibano, bem
como as características pelas quais o poema marítimo que
constitui o corpus de análise liga-se à tradição oral,
ultrapassando tempos e épocas.
3. 2. JUSTIFICATIVA
Considerando o caráter centenário da manifestação cultural da
Barca retratada no livro de Altimar Pimentel, a pesquisa em
questão torna-se pertinente já que por meio de análise teórica,
proporcionará ao estudos culturais acadêmicos um olhar mais
específico desta expressão artística que caracteriza-se como
veículo na propagação da herança cultural de um povo por
meio da transmissão oral.
4. 3. OBJETIVO GERAL
Compreender as dimensões teóricas e artístico-culturais
representadas a partir do imaginário e da tradição popular oral
em A Barca, mais especificamente em O Romance da Nau
Catarineta.
5. 4. METODOLOGIA
• Tipo de pesquisa: Qualitativa.
• Método: Interpretativo.
• Córpus: O Romance da Nau Catarineta (Altimar Pimentel)
• Teoria aplicada: Teoria da oralidade (Paul Zunthor) e alguns
aspectos dos pressupostos da carnavalização (Michael
Bakhtin).
6. 5. ANÁLISES E DISCUSSÃO
5.1 A Barca: tradição do povo paraibano
A Barca é uma representação dramática, um alto
popular, como é conhecido no Nordeste brasileiro, inspirado
nas viagens marítimas portuguesas, essa é uma expressão
cultural características das cidades de João Pessoa e Cabedelo.
Se tratando de uma representação popular,
folclórica, há a assinar os elementos dispersos que
acentuam a sua teatralidade: conflitos, espaços
cênicos diversos, indumentárias, adereços,
coreografia, acompanhamento musical.
(PIMENTEL, 2004, p.70)
7. É um espetáculo composto de assuntos graves, trágicos (catástrofes marinhas)
e religiosos. Um outro ponto de referência com a identidade portuguesa pode
ser observado na ênfase a religiosidade, no catolicismo, sobretudo, como cita
Pimentel:
Este aspecto é bastante evidente na Barca da Paraíba, pois
há algum tempo, só era iniciada a apresentação após a
execução dos cantos devocionais no adro da igreja católica
local. A influência da religião católica é acentuada em
constantes referências no corpo do texto a Deus,
Jesus, Virgem Maria, Nossa Senhora da Guia, São
Domingos, Santo Antônio, inclusive algumas composições
como Transfiguração e Reza, nitidamente religiosas, são
entoados pelos marujos de joelhos postos em terra. O grupo
caminhava em silencioso cortejo até à
igreja após encenar o ato voltado à religião prosseguia, ago
ra cantando, em marcha, até o local (ou locais, se fossem
casa diversas) da apresentação. (PIMENTEL, 2004, p. 54)
8. 5.2 Traços de representação cômica popular
• Em vários momentos do Auto da Barca, os personagens
Ração e Vassoura utilizam-se o tempo todo de cenas de
pancadaria e degestos associados ao baixo corporal e
material.
• A referida expressão “baixo corporal e material” utilizada
por Bakhtin em sua obra clássica “A Cultura Popular na
Idade Média e no Renascimento: o contexto de François
Rabelais” reflete claramente o espírito cômico da Idade
Média e do Renascimento, que se manifestava de forma
muito mais espetacular do que literária, sendo, portanto,
diretamente associada ao gesto.
9. A mulher do sapateiro
É uma santa mulher,
Vai à missa aos domingos
Volta à hora que ela quer
Os senhores que me
digam
Para que vão se casar
Se a mulher governa o
homem
Deixem ela passear...
(PIMENTEL, 2004, p. 147)
A parodiação de cantos populares orais, que provocam comicidade estão não só
presentes em A mulher do sapateiro, como também em outros atos da Barca, fazendo
com que este se enquadre na segunda categoria das manifestações da cultura
cômica popular, segundo Bakhtin.
A mulher do sapateiro
Tem um gênio arrenegado
Quando pega o marido
Dá de chinelo no raso.
A mulher do sapateiro
Tem um armário de vidro
Onde guarda a disciplina
Com que açoita o marido.
A mulher do sapateiro
10. Diante da quantidade e complexidade das informações estruturais do
contexto estudado e da impossibilidade de apresenta-las aqui em sua
completude, as apresentações podem ser superficialmente resumidas
da seguinte forma:
1) marcha de entrada, expressando o início da apresentação;
2) cantos de saída de Portugal para Espanha e retorno da Espanha
para Portugal;
3) prosa de libertação da Saloia, representando os diálogos e ações
para a libertação de uma donzela presa em uma fortaleza;
4) cantos sobre a chegada em Portugal;
5) cantos sobre os sentimentos confusos e o cotidiano dos
marinheiros sobre a terra e o mar;
6) prosa da tripulação, apresentando os personagens;
7) cantos de caráter participatório e com maior grau de
comicidade;
8) marcha de despedida;
11. 5.3 O Romance da Nau Catarineta: aspectos
temáticos.
a) um navio anda à deriva pelos mares, durante anos, sofrendo por fim a
falta absoluta de víveres;
(PIMENTEL, 2004, p. 147)
Minha Nau Catarineta
Dela vos quero contar
Sete anos e um dia,
Ô tolinda
Sobre as ondas do mar
Já não tinha o que beber
Nem tampouco o que manjar
Matamos o nosso galo,
Ô tolinda!
Que tínhamos pra cantar
12. Deitamos as sete sortes
Para ver a quem matar
As setes sortes caíram,
Ô tolinda!
No Capitão General
b) o canibalismo surge como única solução para a sobrevivência
da tripulação que ainda não sucumbiu à fome e à sede;
c) procede-se ao sorteio daquele que vai ser sacrificado, recaindo
o infortúnio no próprio capitão do navio;
(PIMENTEL, 2004, p. 147)
13. Vai acima, Gajeiro.
Meu Gajeirinho real,
Vê se avista a terra de Espanha
Ô tolinda!
Areias de Portugal.
- Olha pra estrela do norte
Ela te queira guiar
No dia do nascimento
Ô tolinda!
Ela nos queira ajudar.
Se me pedires alvíssaras.
Ô tolinda!
Alvíssaras hei de te dar.
d) o capitão manda subir ao mastro um marinheiro na esperança de
que este aviste terra, como solução para se salvar;
e) o marinheiro revela-se extremamente exigente nas negociações
com o capitão para a retribuição de uma recompensa pela boa
notícia;
(PIMENTEL, 2004, p. 149-150)
14. Eu não quero teu dinheiro
Que eu não saiba contar,
Só quero a Nau Catarineta
ô tolinda!
Carregada como está.
Eu não quero teu capote
Que de ouro pesa um quintal.
Nem quero teu cavalo ruço
Ô tolinda!
Não sou rei pra passear
Só quero a tua alma
Ô tolinda!
Para comigo levar.
f) perante as recusas constantes de bens materiais, o gajeiro /
demónio acaba por admitir que pretende a alma do capitão, ou,
como alternativa, a própria Nau Catarineta.
(PIMENTEL, 2004, p. 151-152)
15. Sai-te daqui inimigo
Inimigo infernal
A minha alma é de Deus
Ô tolinda!
Muito custou a criar
Se tu és o inimigo
Ô tolinda!
Vai no inferno estourar.
Eu, junto com meus companheiros
Ô tolinda!
Cruz que eu dou já!
g) o capitão recusa-se a ceder ao diabo e, embora o desfecho ofereça
alguma variação, no geral, este deixa, perante a tenacidade daquele,
de o tentar; a nau Catarineta salva-se, como prêmio para a coragem e
fé demonstradas pelo capitão.
(PIMENTEL, 2004, p.152)
16. 5.4 O ROMANCE DA NAU CATARINETA E A
TRADIÇÃO ORAL
5.4.1 Estrutura
O poema teatral O Romance da Nau Catarineta apresenta-se como veículo
na propagação de parte da herança cultural de um povo. No fato de ser um
relato poético a respeito das navegações consiste a peculiaridade dessa ode
trágico-marítima, uma vez que sua estrutura, esquematizada de maneira a
favorecer a memorização e recitação, é concisa e clara, para ser
compreendida pelos ouvintes.
18. A Nau Catarineta conta a aventura que é descobrir novas
terras. Narra, portanto, a História, com uma estrutura simples,
linguagem acessível, e apresenta um conceito, uma moral
religiosa vigente na época, que se traduz em perpetuação de
um conhecimento.
19. 5.4.2 Enquadramento na teoria da oralidade.
• A apresenta texto recolhido diretamente da tradição
oral.
• Oralidade mista.
• De acordo com Zunthor (2010), a performance na
obra é transmitida e percebida pelas fases
transmissão, recepção e conservação.
20. • Componente de base:
Estruturas primárias naturais (órgãos vocais, mãos,
suportes da escrita).
• Nível poético:
Manifestação discursiva poética; Vocal (tendendo
para o canto)
21. 6. CONCLUSÃO
Diante dos estudos e problematizações teóricas acerca da obra Barca, de Altimar
Pimentel, observamos o quanto esta representa as riquezas culturais e artísticas
inerentes as festividades típicas como também podem mostrar a dinâmica
da história oral. O certo é que a presença deste Auto Popular na Paraíba simboliza
para aquele povo, uma herança portuguesa e suas influências marítimas, como pode
ser bem visto em O Romance da Nau Catarineta: a encenação de situações
trágicas, mas de muita bravura, sem deixar de lado a admirável comicidade.
22. 7. REFERÊNCIAS
BRAIT, Beth. Bakhtin: outros conceitos-chave/ Beth Brait, (org.). São
Paulo: Contexto, 2006.
PIMENTEL, Altimar de Alencar. Barca. João Pessoa: PB, 2004.
ZUNTHOR, PAUL. Introdução à poesia oral. Tradução de Jerusa Pires
Ferreira, Maria Lúcia Diniz Pochat, Maria Inês de Almeida. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2010.