O documento discute a "Lei da Palmada" que proíbe castigos físicos em crianças. A promotora de Justiça Mônica Rei Freire esclarece que a lei não proíbe palmadas leves e sim castigos que causem sofrimento físico. Ela também destaca a importância de se debater formas não violentas de educar as crianças.
1. gerais
BELÉM, domingo, 29 DE junho DE 2014
“lei da palmada”
Projeto de Lei nº 7.672/2010,
adotado pelos deputados
federais como “Lei Menino
Bernardo” e que de forma equi-
vocada ficou conhecido como
“Lei da Palmada”, continua a ge-
rar muitas dúvidas entre os pais.
Há pessoas que pensam que ao
dar “uma palmada” no filho po-
derá ser denunciado e punido.
O PL, aprovado no Senado e na
Câmara Federal, ainda aguar-
da veto presidencial. Segundo
a promotora de Justiça Mônica
Rei Freire, que atua na área da
Infância e Juventude e ocupa
a Coordenação do Centro de
Apoio Operacional da Infância e
JuventudedoMinistérioPúblico
do Pará (MPE/PA), o PL ao mo-
dificar o artigo 18 do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA),
que traz as medidas aplicáveis
aos pais ou responsável, men-
ciona que os pais não devem
praticar castigo que resulte em
“sofrimento físico” ou lesão à
criança e ao adolescente.
“A lesão corporal já está pre-
vista no Código Penal e a pena
está de acordo com a gravida-
de, que pode ser simples, grave
e de maus-tratos, mas não são
tratadas no Projeto de Lei nº
7.672/2010. Este em nenhum
momento menciona a palavra
‘palmada’ e que dar ‘um tapi-
nha’ no filho haverá alguma
forma de consequência. O PL
traz a palavra ‘sofrimento físi-
co’ e, ainda assim, aquele que
aplicar sofrimento físico nesses
termos de moderação não vai
sofrer sanção penal, não é uma
conduta criminal. O sofrimento
físico moderado fará com que os
pais sejam chamados para rece-
ber algumas medidas descritas
no artigo 129 do ECA, o qual
envolve advertência, encami-
nhamento e acompanhamento
psicológico e orientação. Na ver-
dade, ela deveria ser conhecida
como uma lei que busca uma
proposta pedagógica não vio-
lenta à educação dos filhos, e
não ‘Lei da Palmada’”, esclarece
a promotora.
Isso não impede o afasta-
mento da criança da família,
mas ela alerta que caso a violên-
cia seja reiterada ou causar mal
extremo à criança e adolescen-
te é que ocorrem medidas mais
graves. “A lei é um alerta para
quem está educando o filho por
meio de castigos moderados
como a palmada. Somente em
situações mais extremas, quan-
do a família insiste na violação,
pode haver, em última opção, a
destituição do poder familiar.
Nenhuma legislação visa tirar
o poder e valores que a família
vem colocar para seus filhos”,
explica.
Ainda na opinião da repre-
sentante do MPE, a palavra
“sofrimento físico” escrita na
lei é extremamente polêmica e
subjetiva. “Uma palmada cau-
sa sofrimento físico? A respos-
ta fica para o Poder Judiciário
definir o que cada agressão se
constitui. Então, essa palavra
ficou em aberto. Alguns advoga-
dos já estão se posicionando de
que a simples palmada, naque-
le primeiro momento, de forma
leve, não causa sofrimento físi-
co, então estaria de fora do que
foi pensado na legislação. Sob
promotora de justiça esclarece
conteúdo pedagógico de projeto
O
o ponto de vista dos psicólogos,
às vezes, uma palmada, depen-
dendo da conotação que ela é
aplicada, é uma forma de causar
sofrimento físico. E a legislação
utiliza esse termo e não define o
que é ‘sofrimento físico’”, apon-
ta.
A promotora de Justiça Mô-
nica Rei Freire conta que o Pro-
jeto de Lei não é novidade e que
o Brasil já apresenta histórico
de proteção. “O Brasil tem ade-
são em relação a organismos
internacionais e é subscritor
da Convenção dos Direitos In-
ternacionais da Criança e do
Adolescente, na qual se propôs
a tratar das políticas públicas
com diretrizes de educação não
violenta. Então, independente
da legislação expressa hoje já
estávamos comprometidos com
uma educação não violenta por
outros organismos legais. Além
disso, está assegurado na Cons-
tituição Federal, a qual traz que
a criança deve estar afastada
de situações vexatórias e meios
violentos, e no ECA, que garante
educar as crianças afastadas de
mecanismos que possam cau-
sar constrangimento, violência
física e qualquer outra forma de
abalo psicológico na criança”,
ressalta Mônica.
n Promotora de Justiça Mônica Rei Freire diz que lesão corporal está prevista no Código Penal
ASCOMMPE
CLEIDE MAGALHÃES
Da Redação
Na opinião de Mônica Rei
Freire, o PL é importante porque
proporciona com que a socieda-
de discuta qual a melhor forma
de educação para os filhos. “Po-
demos pensar que o primeiro
país no mundo, em 1979, que
editou uma legislação acabando
comqualquerformadeviolência
na educação foi a Suécia, onde
os pais já decorrem de uma edu-
cação e dispõe de informação
suficiente para utilizar outras
metodologias na criação dos fi-
lhos. Na América Latina fomos
criados com a cultura de que a
palmada e o castigo são formas
de educação. Mas o que temos
que ter em mente é que a forma
de se comunicar mudou e elas
são diversas. Então, não é uma
simples legislação não pode
mudar a cultura e fazer com que
a sociedade mude sua postura
diante de uma forma de edu-
car preestabelecida. Mas o PL é
importante porque faz com que
a sociedade discuta sobre a me-
lhor forma de educar os filhos,
já que pessoas que estudam a
mente humana, os psicólogos,
entendem que a violência não
é a mais adequada. Então, a lei
vem para refletirmos sobre isso.
Esse é o grande avanço”, afirma
a promotora.
Entretanto, ela aconselha
que os pais, por receio de pu-
nição, não fiquem temerosos,
achem que não devem mais
educar seus filhos e permi-
tir com que façam tudo. “Não
existe permissibilidade na
legislação de que os filhos fa-
çam tudo. Jamais, pois, se por
um lado, a agressão vai gerar
crianças inseguras (o que é
muito ruim), se os pais tam-
bém não colocarem limites vão
criar tiranos, filhos que vão
querer fazer tudo do jeito deles
e serem atendidos de imediato.
É preciso equilibrar e entender
que a educação e valores dos
filhos cabem sempre aos pais e
que estes têm toda autoridade
para colocar limites aos filhos,
apenas não podem extrapolar o
bom senso, aplicando castigos
imoderados, lesões corporais
ou algo que venha causar sofri-
mento para os filhos”, orienta a
representante do MPE.
Uma das formas de colocar
limites aos filhos é através do
diálogo. “É importante a crian-
ça entender que está fazendo
algo errado. O que precisamos
enquanto pais é aprender meca-
nismos de fazer com que nossa
autoridade prevaleça, que nos-
sos limites sejam atendidos no
queentendemosqueécertoeer-
rado, mas evitar a agressividade.
A educação dos filhos pertence
aos pais, mas devemos saber
que as crianças e adolescentes
são detentores de direitos e sua
integridade física independe do
pater poder dos pais”, ressalta
Mônica Rei Freire.
matéria vai estimular debates sobre novas formas de criação
n Psicóloga Eunice Guedes trabalha com vítimas de violência
HenriqueFelício/ARQUIVOAMAZÔNIA
2. gerais
BELÉM, domingo, 29 DE junho DE 2014
veio para educar
O ECA também diz que pro-
fissionais da área da educação,
assistência social e saúde que tra-
balhem diretamente com crian-
ças têm o dever de denunciar
maus-tratos ou poderão pagar
uma multa que varia de três a 20
salários mínimos. “Eles devem
estar atentos aos comportamen-
tos, lesões, hematomas e outras
características provenientes de
agressão junto às crianças, pois
dificilmente a criança vai denun-
ciar, porque ainda existe o ‘pacto
do silêncio’ entre as famílias, mas
cabe a quem está ao entorno dela
realmente se comprometer com a
proposta do ECA, que é de todos
que se envolvam nas garantias
dosdireitosdascriançaseadoles-
centes para denunciar esse tipo
de violação de direitos ao Con-
selho Tutelar. A causa da criança
tem sempre que ser vista com
bomsenso,porissoaatuaçãotem
que ser por meio de uma equipe
multiprofissional para entender o
contexto da situação sobre o que
aconteceu com a criança”, diz a
promotoradoMPE.
maus-tratos devem ser denunciados
Na visão de psicólogos do La-
boratório da Infância da Univer-
sidade de São Paulo, a agressão
física não é a melhor forma de
ensinar que determinada condu-
ta é errada. Eles afirmam que a
pessoa preccisa compreender sua
conduta, não apenas por temer o
agressor, mas porque compreen-
deu que aquela atitude que está
assumindo como criança é erra-
da e recomendam outras formas
de educar. “Quando a lei foi pen-
sada era para coibir todo e qual-
quer tipo de agressão, veio com
caráter pedagógico, e não de pu-
nição para os pais que aplicarem
os castigos moderados”, afirma a
promotora.
A lei “proíbe o uso de castigos
físicos oude tratamentocruelou
degradante em menores de 18
anos”. O texto do projeto define
castigo como a “ação de nature-
za disciplinar ou punitiva com
o uso da força física que resulte
em sofrimento físico ou lesão à
criança ou ao adolescente”. Já o
tratamento cruel ou degradante
é determinado como “conduta
ou forma cruel de tratamento
que humilhe, ameace grave-
mente ou ridicularize a criança
ou o adolescente”.
Também para Eunice Gue-
des, professora da Faculdade
de Psicologia da Universidade
Federal do Pará (UFPA), é im-
portante a sociedade refletir
sobre as formas de educar. “Pre-
cisamos nos indagar se o castigo
físico é realmente necessário ou
se, na verdade, essa atitude de
educar com punição não é uma
incapacidadedefamiliares,edu-
cadores de ‘educar colocando
limites’. Perder limites ao bater
é se declarar incapaz de exercer
a autoridade e saber dizer não
no momento que deve ser dito.
Acredito que nada justifica o
castigo físico e emocional a uma
criança.Essaatitudeépassarum
atestado de ‘não educação’. Essa
lei é um instrumento social para
proteger crianças e adolescen-
tes de alguns pais que de forma
perversa ou ignorante agridem
em vez de proteger e educar. Ela
complementa o que já diz o ECA
e propõe abertura de diálogo em
vez de punição e constrangi-
mento”, diz Eunice Guedes, que
coordena o Projeto de Extensão
Promovendo os Direitos Huma-
nos, Saúde e Cidadania, através
do apoio e atenção a mulheres,
crianças e adolescentes vítimas
de violência doméstica e sexual.
Ainda segundo a professo-
ra de psicologia da UFPA, ta-
pas diários e agressões podem
desencadear traumas na fase
adulta. “Crianças e adolescen-
tes maltratados podem se tor-
nar adultos agressores. O pai
que hoje maltrata o filho pode
ter sido agredido na infância ou
até mesmo abusado sexualmen-
te, justificando a importância
de tentar entender o processo,
que está ocorrendo no universo
social e familiar onde este ado-
lescente se encontra. A violência
doméstica traz em si represen-
tações culturais socialmente
construídas como a noção de
proteção à infância; castigo com
instrumento pedagógico; hie-
rarquia familiar e de dominação
do mais forte”.
Esses elementos, segundo ela,
podem variar de acordo com a
posição de classe, renda salarial,
se os filhos foram ou não deseja-
dos, uso de drogas e álcool, abu-
sos sexuais sofridos pelos pais,
etc.“Então,parecequeapalmada
é banal, mas não é. A palmada é
banal para quem dá, mas, para
quem recebe, jamais será. Existe
o aspecto da decepção, a frustra-
ção da criança, o medo, o senti-
mento de opressão da criança, o
sentimento de destrato, porque a
criança sempre espera do adulto
a orientação e segurança, e nin-
guémorientacomagressãofísica,
por mais branda que seja”, afirma
aespecialista.
Recado - A psicóloga deixa
conselhoaospaisquandoofilho
fizer algo errado. “Escutem, dia-
loguem e se coloquem no lugar
de suas crianças e adolescentes.
Os respeitem como gostariam
de ser respeitados pelos outros.
Você pode aprender muito a res-
peito de você mesmo com essa
atitude. Assim está definitiva-
mente aberta a temporada para
o diálogo e respeito aos direitos
de todos os seres”, finaliza Euni-
ce Guedes.
psicóloga condena violência na família
n Pais ou responsáveis devem educar os filhos de maneira respeitosa e sem violência física
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