O documento discute a genética e epigenética dos transtornos mentais em uma perspectiva biocultural. Aborda a interação entre fatores genéticos e ambientais, incluindo o papel da epigenética no gene SLC6A4 que codifica o transportador de serotonina. Também analisa como fatores sócio-econômicos podem influenciar a metilação desse gene e o risco de transtornos mentais. Defende uma abordagem mais probabilística e menos determinista para entender a etiologia desses transtornos
Genética dos transtornos mentais: Cultura, genética e epigenética em uma perspectiva biocultural
1. Genética dos transtornos
mentais: Cultura, genética e
epigenética em uma perspectiva
biocultural
Prof. Dr. Caio Maximino
LaNeC/Unifesspa
2. Programa
1) A genética do comportamento
2) Primeiras aproximações à interação gene X
ambiente
3) Epigenética e ambiente
4) O nicho ecossocial
5) Rumo a uma perspectiva biocultural
3.
4.
5. Estimativas de efeitos genéticos
●
h²
– Estudos com gêmeos e de adoção
●
Costumam assumir modelos simplistas (unifatoriais) de efeitos,
homogeneidade de ambientes, baixa interação gene X ambiente, e
etiologias simples
– Mesmo quando os modelos de herança assumidos não são mendelianos,
assume-se que os transtornos se comportam como se tivessem herdabilidade
– Herança importante da teoria da degeneração e de embasamento eugenista
6. Modelos de limiar
●
Limiares definidos a partir de variáveis quantitativas
●
Condições clinicamente significativas não precisam
representar uma parcela específica da distribuição (i.e.,
o critério não é meramente estatístico)
●
A genética comportamental associa a severidade (eixo
X) com a influência relativa de fatores ambientais e
fatores genéticos
– Indivíduos na “área A” não apresentam as variações
genéticas de interesse, e/ou não foram expostos a eventos
ambientais relevantes
– Indivíduos na “área C” herdaram as variações genéticas de
interesse, e/ou foram expostas a eventos ambientais
relevantes
Lang KL (2005). The behavioral genetics of psychopathology: a clinical guide. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates.
7. Nuances
●
A maioria dos geneticistas do comportamento utilizam medidas de risco relativo ou
similares (i.e., epidemiologia genética).
●
A grande maioria das características psicológicas a que se atribuiu uma ligação genética
têm contribuição de muitos genes, com efeitos pequenos.
●
O que faz, afinal, um gene?
●
Weiberg (1989): “Os genes não fixam o comportamento. Ao contrário, estabelecem uma
gama de possíveis reações à gama de possíveis experiências que os ambientes podem
proporcionar”.
8. A busca por fenótipos intermediários
●
“A arquitetura genética do risco psiquiátrico é
complexa e é dominada por múltiplos fatores
contribuintes que interagem. Como os genes não
codificam para a psicopatologia, é razoável esperar
que a associação ou penetração dos efeitos dos
genes seja maior no nível de fenótipos relativamente
mais simples e de base biológica.” (Meyer-
Lindenberg & Weinberger, 2006)
9. Meyer-Lindenberg A, Weinberger, D (2006). Intermediate phenotypes and genetic mechanisms of psychiatric disorders. Nat Rev Neurosci 7, 818–
827.
10. O modelo diátese-estresse
Fatores de risco
-Genéticos
-Somáticos
-Psicológicos
-Sócio-culturais
Fatores de risco
-Genéticos
-Somáticos
-Psicológicos
-Sócio-culturais
Vulnerabilidade para
transtornos mentais
Vulnerabilidades diminuem a
capacidade de lidar com
ESTRESSORES
Vulnerabilidades diminuem a
capacidade de lidar com
ESTRESSORES
Probabilidade de
desenvolvimento do
transtorno
Probabilidade de
desenvolvimento do
transtorno
A mera referência a esses fatores como “estressores psicossociais” encobre o fato de que
os conceitos de estresse e estressores são variáveis e instáveis por definição
11. ●
O transportador de serotonina
(SERT, SLC6A4 ou 5-HTT) é
responsável por retirar a 5-HT da
fenda sináptica
●
Principal alvo dos ISRS
●
Alelo S da variante na região
promotora está associada a menor
expressão gênica e menor captação
de 5-HT in vitro
●
Achados muito inconsistentes em
relação a neuroticismo, um traço
de personalidade consistentemente
observado como fator de risco para
transtornos mentais comuns
Paterson DS (2013). Serotonin gene variants are unlikely to play a significant role in the pathogenesis of the sudden infant death syndrome. Respiratory Physiology &
Neurobiology, 189: 301-314
12. Caspi A et al. (2003). Influence of life stress on depression: Moderation by a polymorphism in the 5-HTT gene. Science, 301: 386-389
13. Caspi A et al. (2003). Influence of life stress on depression: Moderation by a polymorphism in the 5-HTT gene. Science, 301: 386-389
14. A epigenética
●
A epigenética tornou-se, em uma virada recente de parte das ciências sociais, um “paradigma revolucionário” que
reaproxima as ciências biológicas das ciências humanas
●
Em grande parte, isso resulta da percepção de que o campo da epigenética permite uma saída do essencialismo
biológico, porque considera que a plasticidade na expressão gênica, permitindo sua modulação por diversos
fatores ambientais, inclusive fatores psicossociais
●
“A introdução recente da noção de epigenética no campo psiquiátrico parece exercer a função estratégica de
ressignificar a limitação dos resultados encontrados, redescrevendo a importância de cada fator causal na cadeia
de constituição patológica e contribuindo para a emergência de um novo modelo etiológico dos transtornos mentais
[…]. [A] a hipótese etiológica emergente no campo psiquiátrico é menos determinista e mais probabilística do que
imaginavam os próprios pesquisadores ou do que prometiam as primeiras pesquisas neurocientíficas. Com isso, a
explicação dos processos de formação dos transtornos parece cada vez mais distante do modelo reducionista mais
simples e mais próxima das variações entre vulnerabilidade e resiliência que caracterizam a lógica do risco
(Freitas-Silva & Ortega, 2014).
Freitas-Silva LR, Ortega FJG (2014). A epigenética como nova hipótese etiológica no campo psiquiátrico contemporâneo. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 24: 765–786
15. Efeitos epigenéticos sobre SLC6A4
●
Duman & Canli (2015): em comparação com os indivíduos s/s e s/l, os indivíduos l/l que
passaram por maior adversidade precoce e estresse crônico apresentaram maior
aumento da expressão do transportador de serotonina em sangue periférico após o Teste
de Estresse Social de Triers, assim como maior metilação do SLC6A4
●
Alasaari et al. (2012): Menor metilação da mesma região do gene SLC6A4 foi observada
em uma coorte de enfermeiras vinda do ambiente de alto estresse laboral; níveis mais
altos de metilação associados com maiores níveis de esgotamento (burnout) nessas
coortes
●
Zhao et al. (2013): Níveis de metilação dessa região associados com incidência de TDM
Alasaari JS et al. (2012). Environmental Stress Affects DNA Methylation of a CpG Rich Promoter Region of Serotonin Transporter Gene in a Nurse Cohort. PLoS ONE, 7: e45813
Duman EA, Canli T (2015). Influence of life stress, 5-HTTLPR genotype, and SLC6A4 methylation on gene expression and stress response in healthy Caucasian males. Biology of Mood & Anxiety
Disorders, 5: 2
Zhao J, Goldberg J, Bremner JD, Vaccarino V (2013). Association Between Promoter Methylation of Serotonin Transporter Gene and Depressive Symptoms. Psychosomatic Medicine, 75, 523–
529
16. O status sócio-econômico
●
Relação inversa entre SSE e risco de transtornos mentais é
um dos achados mais consistentes na epidemiologia.
●
Fortemente associado a uma série de condições sociais e
ambientais importantes que contribuem para a carga
crônica de estresse, incluindo habitações de alta
densidade, violência urbana, poluição sonora,
discriminação e outros riscos ou estressores crônicos
17. SSE, SLC6A4, e risco de transtornos
mentais
●
Jones-Manson et al. (2016): indivíduos com
histórico de apego “não-resolvido”
apresentavam maior metilação do SLC6A4
quando apresentavam SSE baixo, e esses
fatores estão associados com maior
probabilidade de trauma não-resolvido
Jones‐Mason K, Allen IE, Bush N, Hamilton S (2016). Epigenetic marks as the link between environment and development: Examination of the associations between attachment,
socioeconomic status, and methylation of the SLC6A4 gene. Brain and Behavior, 6: e00480
18. Impactos epigenéticos no gene SLC6A4 podem
representar um mecanismo biocultural pelo qual
estressores psicossociais importantes e que
representam susceptibilidade diferencial para
transtornos mentais podem produzir efeitos
neurobiológicos e comportamentais
desadaptativos
Capturar os mecanismos bioculturais e
psicossociais relevantes implica em utilizar
estratégias metodológicas além do reducionismo