SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 46
Baixar para ler offline
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
LIMITES E POSSIBILIDADES DA ABORDAGEM
PLURALISTA SOBRE O AUTOCONHECIMENTO DAS
EMOÇÕES
PROJETO DE TESE DE DOUTORADO
Róbson da Rosa Barcelos
Santa Maria, RS, Brasil
2017
SUMÁRIO
0. Dados de identificação 3
1. INTRODUÇÃO 4
2. REVISÃO DA LITERATURA 7
2.1 EMOÇÕES 7
2.1.1 Características das emoções 8
2.2 AUTOCONHECIMENTO 11
2.2.1 Características do Autoconhecimento 19
2.2.2 Métodos do autoconhecimento 23
2.2.2.1 Método da introspecção 23
2.2.2.2 Método do sentido interno 27
2.2.2.3 Método da transparência 27
2.2.2.3 Método do agencialismo 30
2.2.2.5 Método inferencialista 32
2.2.2.6 Método da simulação de outras mentes 34
2.3 AUTOCONHECIMENTO EMOCIONAL 36
3. OBJETIVOS E FORMULAÇÃO DA TESE 37
3.1 OBJETIVOS GERAIS 37
3.2 TESES/HIPÓTESES PRINCIPAIS 38
3.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 40
4. METODOLOGIA E PLANO DE TRABALHO 41
5. CRONOGRAMA DE ATIVIDADES 42
6. JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA 43
7. REFERÊNCIAS 44
0. Dados de identificação
Nome do candidato: Róbson da Rosa Barcelos
E-mail: robigolrobson@gmail.com
Título do projeto: Graus de liberdade: ​Limites e possibilidades da abordagem pluralista sobre o
autoconhecimento das emoções.
Curso: Doutorado em filosofia
Área de concentração: Filosofia Teórica e Prática
Linha de pesquisa: Ética Normativa e Metaética
Orientador pretendido: Flávio Williges
Tempo para a execução previsto: 4 anos
1. INTRODUÇÃO
N​ossa vida mental se constitui de diferentes estados mentais, sendo que um dos
estados que compõem (nossa vida mental) são os estados emocionais ou emoções. Contudo,
podemos afirmar que realmente temos estas emoções que sentimos? Ou será que estamos
enganados e as outras pessoas conhecem melhor do que eu mesmo meus sentimentos? Posso
estar enganado quanto à minha própria emoção? Ou seja, como podemos conhecer nossa
emoção? Estamos a lidar aqui com dois aspectos filosóficos fundamentais: a natureza das
emoções e sua significação em nossa vida moral, política e epistêmica e nossa capacidade de
conhecê-las. Para tornar as dificuldades envolvidas nestes dois pontos mais clara, convém
abordar, ainda que preliminarmente, a literatura em torno do chamado problema do
autoconhecimento emocional.
Concernente ao autoconhecimento não se caracteriza por conhecer meus gostos
pessoais, nem se gosto mais de baunilha ou chocolate, mas segundo Schwitzgebel,
(...) não são essas as atitudes (se prefiro baunilha ou chocolate) com as quais mais
me importo- ou pelo menos elas não são as mais relevantes para o meu
autoconhecimento no sentido moralmente impregnado de “autoconhecimento” da
recomendação do oráculo de Delfos: “conhece-te a ti mesmo”. Supostamente o
oráculo não estava interessado no coeficiente de conhecimento que as pessoas têm
de suas atitudes em relação ao tempo que faz na Califórnia no mês de abril. À
medida que a injunção “conhece-te a ti mesmo” pertence ao autoconhecimento de
atitudes, devem ser atitudes como os nossos valores centrais e seus pressupostos
fundamentais sobre o mundo e sobre outras pessoas. (2012, p. 191).1
O autoconhecimento emocional tem sido caracterizado por Schwitzgebel e Cassam como
uma modalidade de autoconhecimento substancial, uma vez que não diz respeito ao
conhecimento de estados mentais triviais como minhas preferências pessoas (se prefiro
sorvete de baunilha a sorvete de chocolate) ou crenças triviais (acredito que chove muito em
Santa Maria nesta época do ano), mas a estados mentais substanciais, uma vez que são
reveladores de nossos valores, disposições, etc. No livro ​Self-knowledge for Humans​, Quasim
Cassam procura investigar acerca dos estados mentais substanciais, ou seja, “nossos desejos
1
“But those aren’t the attitudes I care about most – or at least they’re not the ones most critical to my
self-knowledge in the morally-loaded sense of “self-knowledge”, in the sense of the Delphic oracle’s
recommendation to ‘know thyself’. The oracle was presumably not concerned about whether people knew their
attitudes toward the April weather. To the extent the injunction to know oneself pertains to self-knowledge of
attitudes, it must be attitudes like your central values and your general background assumptions about the world
and about other people. And about such matters, I believe (I think I believe!) our self-knowledge is rather poor.”
(SCHWITZGEBEL, 2012, 11-12)
mais profundos, esperanças, medos, traços de caráter, emoções, habilidades, e valores, e
aquilo que nos faz felizes” (CASSAM, 2014, p. vii). Assim, o autor parte da discussão da2
tese segundo a qual o autoconhecimento de ​emoções e traços de caráter ​difere
significativamente do autoconhecimento de outros estados mentais triviais como ​sensações e
pensamentos ocorrentes​. Por exemplo, ao levar um tiro não necessito de nenhuma inferência
para sentir a dor, mas para saber que sinto ciúmes necessito acreditar que “posso ser traído
pela minha esposa, por isso fico enciumado quando ela sai de casa”.
Cassam (2014) sustenta que o conhecimento de estados mentais substanciais depende
de evidências, enquanto formas de autoconhecimento trivial não parecem exigí-lo. Pois posso
estar me enganando quanto a minha visão, ou sensação, entretanto, não me engano quanto à
experiência subjetiva ou fenomenal de minha visão. Dessa forma, não parece correto
sustentar que podemos ter dúvidas sinceras sobre a qualidade subjetiva de nossas próprias
experiências conscientes mais comuns, ou seja, tais estados mentais comuns são
transparentes a nós mesmos. Com isso, possuímos ​transparência ​do autoconhecimento
trivial em relação ao conhecimento do mundo exterior, derivado do fato do estado mental não
depender de evidência comportamental e também não exigir nenhum esforço particular para
ser conhecido, pois segundo Quassim Cassam,
(...) suponha que você creia que esteja usando meias e saiba que é nisso que você
acredita. Para saber se você está usando meias, você precisa de evidências de que
está usando meias (senti-las em seus pés), mas para saber que você ​acredita ​que
está usando meias você não precisa de evidências (2014, p. viii)3
Desta forma, o autoconhecimento dos próprios estados mentais triviais não necessitam de
uma evidência para serem conhecidas pelo próprio sujeito. Entretanto, para se ter
autoconhecimento substancial, não é suficiente consultar aspectos fenomênicos de nossas
experiências subjetivas para saber, por exemplo, se temos determinados traços de caráter.
Com isso, o filósofo afirma que o autoconhecimento substancial envolve fatores externos, tais
2
“There is also knowledge of your deepest desires, hopes, and fears, knowledge your character, emotions,
abilities, and values, and knowledge of what makes you happy.”(CASSAM, 2014, vii)
3
“​It's unlike substantial self knowledge or ordinary worldly knowledge since it isn't based on evidence. To
know are wearing socks you need evidence that you are wearing socks (you can feel them on your feet) but to
know that you believe you are wearing socks you don't need evidence that you believe you are wearing socks.
To know that you have a particular character trait, say fastidiousness, you need behavioural evidence from
which you can infer that say fastidiousness, you are fastidious.”​ (Cassam, 2014, p. viii)
como reações emocionais, atitudes comportamentais diversas, as quais deverão ser
manifestadas em contextos relevantes:
Tome o caso de saber que você não é um racista. Não ser racista não é apenas uma
questão de acreditar que todas as raças são iguais ou ter os desejos apropriados.
Ele também tem a ver com a forma como você age, isto é, com o fato de você
tratar as pessoas de maneira diferente de acordo com a raça. Então, saber que você
não é racista também é, em parte, uma questão de saber como você age, de saber
se você coloca seu dinheiro onde está sua boca. Mas o conhecimento de como
você trata as pessoas de diferentes raças só pode ser substancial, e é por isso que
saber que você não é um racista qualifica como substancial auto-conhecimento.
(Cassam, 2014, p. 33).4
Através disso, temos clara a dificuldade em autoconhecer as próprias emoções e traços de
caráter, pois não ser racista não é somente afirmar que não é racista para não ser, porque se o
contrário fosse verdadeiro, então qualquer afirmação, por exemplo que sou eu um astronauta,
seria verdadeira. Entretanto, para não ser racista temos de agir conforme a crença de que não
sou racista.
Essa discussão constitui o ponto de partida para a pesquisa proposta neste projeto, que
tem dois objetivos principais. O primeiro versa sobre a concepção e ontologia das emoções
nas teorias sobre as emoções, as quais são categorizadas como cognitivistas, perceptivas e/ou
narrativas. Assim as teorias consideram que emoções são redutíveis a sentimentos; emoções
são redutíveis a desejos; e emoções são redutíveis a juízos cognitivos e avaliativos (crenças)
(Cf. Ben-Ze’Ev, Aaron. 2004, p. 450). Entretanto, ao descrever a emoção do luto (grief),
Goldie considera justamente que o luto é um tipo de emoção com certas características
próprias, não redutível a nenhum único estado mental. Ele inclui “pensamentos, juízos,
sentimentos, memórias, imaginação, ações” (GOLDIE, 2012, p. 62). Eis a dificuldade5
quanto ao reducionismo entorno da emoção. Entretanto isso abre espaço para a construção de
diferentes caracterizações e consequentemente distintos métodos para diferentes tipos de
emoções. Desta forma, constituindo o segundo objetivo, intentará constituir um pluralismo
acerca das formas de autoconhecimento emocional. No que segue, inicio por revisar a
4
​“Take the case of knowing that you are not a racist. Not being a racist isn’t just a matter of believing that all
races are equal or having the appropriate desires. It also has to do with how you act, that is, with whether you
treat people differently according to race. So knowing that you aren’t a racist is also partly a matter of knowing
how you act, of knowing whether you put your money where your mouth is. But knowledge of how you treat
people of different races can only be substantial, and that is why knowing that you are not a racist qualifies as
substantial self-knowledge.” (CASSAM, 2014, p.33)
5
“It includes characteristic thoughts, judgements, feelings, memories, imaginings, actions, expressive actions,
habitual actions, and much else besides, unfolding over time, but none of which is essential at any particular
time.” (GOLDIE, 2012, p. 62)
literatura de base para essa discussão, passando em seguida à formulação mais detalhada dos
objetivos e hipóteses iniciais, e concluindo com a apresentação da metodologia, cronograma e
justificativa da pesquisa proposta.
2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1 EMOÇÕES
Em nossa vida mental um dos aspectos mais importantes que a qualificam e
significam são as emoções. Contudo, qual a ontologia das emoções? Conforme De Souza
(2014), as emoções “Podem ser processos fisiológicos, ou percepções de processos
fisiológicos, ou estados neuropsicológicos, ou disposições adaptativas, julgamentos
avaliativos ou estados computacionais, ou mesmo fatos sociais ou processos dinâmicos.” (p.6
10).
Dessa forma, na tradição filosófica há diversas teorias sobre as emoções. A saber,
estas são as teorias cognitivas, perceptivas e narrativas. As teorias cognitivas caracterizam as
emoções como cognições associadas, isto é, ocorrem processos cognitivos subjacentes à
emoção, podendo ser conscientes ou não, mas que possuem atitude proposicional. Já os
teóricos da percepção se caracterizam por ser subjetiva, ou seja, com a direção de ajuste
mente-mundo. E as teorias narrativas, as quais visam ajustar as teorias cognitivas e
perceptivas, na medida em que considera o poder de direção das emoções sobre nossas
percepções, já está baseada em estruturas essencialmente dramáticas ou narrativas (Cf. DE
SOUZA, 2014). Por exemplo, a emoção de ciúmes ou de raiva não se constituiria no
momento presente, sem que houvesse uma base cognitiva, ou seja, um histórico de ações que
me levem a ter ciúmes.
Dessa maneira, percebemos alguns problemas para a atribuição de um estado mental
do tipo emoção ao próprio sujeito. Conforme as teorias cognitivas, as emoções possuem a
característica de serem atitudes proposicionais, assim podem juízos, segundo Robert Solomon
(1980), Jerome Neu (2000) e Martha Nussbaum (2001), por exemplo, ao ter raiva de alguém
6
“They might be physiological processes, or perceptions of physiological processes, or neuro​psychological
states, or adaptive dispositions, or evaluative judgments, or computational states, or even social facts or
dynamical processes.” (DE SOUZA, 2014, p. 10)
ser o meu julgamento sobre aquela pessoa. Assim a emoções podem ser descritas como
“conjuntos de crenças e desejos (Marks 1982), julgamentos afetados (Broad 1971, Lyons
1980) e como complexos de crenças, desejos e sentimentos (Oakley, 1992).” (DE SOUZA,7
2013, p. 7). Tal concepção exclui animais e crianças carentes de linguagem de terem
emoções.
Já segundo as teorias perceptivas das emoções, a inquietação versa sobre a suposta
subjetividade. Logo, ao que parece, a subjetividade é referente a experiência que o sujeito
traz em sua mente. Assim, afirmar que as emoções são subjetivas é, em certa medida,
possibilitar a comparação com alucinações, mais do que as próprias percepções, sendo que
para se obter as experiências pressupõe-se que haja um objetivo. Outra dificuldade reside na
sua passividade, ou seja, como o mundo é não está em nosso poder. Dessa maneira, somente
podemos esperar que nossas emoções, se possuem alguma objetividade no mundo, não
deveriam estar em nosso poder. Portanto “(...) não podemos mais arbitrariamente escolher
experimentar uma emoção do que podemos adotar uma crença à vontade. (Gordon 1987).”8
(DE SOUZA, 2014, p. 9)
Conectando ambas as posições, cognitivistas e perceptivistas, a teoria narrativa intenta
realizar uma união, ou, ao menos, um tratado de paz. Por exemplo, imaginem o cenário de
trabalho comum, no qual, durante seis dias por semana, adentra-se numa sala e o funcionário
se isola do mundo. Ele até chega ligar para sua casa, onde sua esposa trabalha, executando as
tarefas domésticas.. Entretanto, por diversas vezes, ele liga e ouve vozes de outras pessoas na
sua casa, e ao retornar ao seu lar, a sua esposa sempre está dormindo, ocorrendo um
afastamento entre o casal. Com isso ele passa a ficar com ciúmes das vozes, e de qualquer
companhia que a esposa possa ter durante a sua ausência. Notemos, nesse exemplo, que a
partir de percepções do próprio sujeito se constitui a crença de que ele poderia estar sendo
traído. Em vistas disso, este tem ciúmes e, conforme sua experiência, aquela situação
denotaria uma traição por parte de sua esposa. Assim, a emoção de ciúmes não surge em
segundos, mas sim na sua própria percepção, na construção da crença e na formulação da
emoção.
7
​“Emotions have been described as sets of beliefs and desires (Marks 1982), affect-​laden judgments (Broad
1971; Lyons 1980), and as complexes of beliefs, desires, and feelings (Oakley 1992).”(DE SOUZA, 2013, p. 7)
8
​“​(...) we can ​no more arbitrarily choose to experience an emotion than we can adopt a belief at will. (Gordon
1987).” (DE SOUZA, 2014, p. 9)
2.1.1 Características das emoções
Exposto acerca das teorias das emoções, passemos agora às características das
emoções. Considerando que as pessoas, mesmo tendo sensações como calor e frio,
percepções de como ver um carro, assim como atitudes proposicionais, sendo elas
disposições e compromissos, elas podem ainda sentir emoções. Por exemplo, ter medo de um
leão, sentir amor pela pessoa amada, ou ódio, entre outros. (Cf. COLIVA, 2016)
Com isso William James em seu artigo intitulado “What is emotion?” de 1884 define
o que seria a emoção. Para o autor, sua tese é “que as mudanças corporais seguem
diretamente a percepção do fato excitante e que nossas sensações de algumas mudanças que
ocorrem é a emoção.” (1884, p. 189-190). Dessa forma, há o fato excitante, ou seja, uma9
afetação que o mundo realiza em nossas percepções, nossos cinco sentidos externos.
Consequentemente nossas sensações registram algumas mudanças ocorridas, isto é, a própria
emoção, em outras palavras a sensação de mudança na expressão corporal é a própria
emoção. Com isso Annalisa Coliva (2016) afirma que James classifica emoção como
sensação. Destarte ela critica tal tese contrapondo, por exemplo, com a emoção de amor pelos
próprios filhos. Assim, tal emoção seria uma sensação de amor? Isso parece estranho.
Vejamos outro exemplo, a depressão seria como uma tristeza em relação a vida num todo,
isso carece de uma afetação em minha percepção especificando qual modificação, qual
emoção eu teria. Desta forma, percepções possuem objetos externos no mundo, assim, na
depressão o sujeito possui uma tristeza somente e suas sensações internas, as quais carecem
de representação, até mesmo para se definir quais afetações está a sentir no seu âmago para se
qualificar como um ser depressivo.
Coliva (2016) segue na comparação de emoção, agora com julgamento. Neste ponto,
nota-se, mesmo que implicitamente, um julgamento da pessoa para ter a emoção. Por
exemplo, de ter um cachorro em minha frente latindo, eu realizo tal julgamento de que o
cachorro é perigoso para mim e assim possuo a emoção. Entretanto parece ser a situação, isto
é, o medo do cachorro que me faz julgar (e optar pelo melhor julgamento que disponha) para
agir, assim a emoção parece estar anterior ao julgamento.
9
“My thesis on the contrary is that the bodily changes follow directly the perception of the exciting fact, and
that our feeling of the same changes as they occur is the emotion.” (JAMES, 1884, p. 189-190)
A próxima caracterização que contribui para sua definição (mesmo que uma definição
negativa, ou seja, aquilo que ela não é) Coliva menciona Deonna e Teroni (2012) acerca da
emoção como um “Felt Bodily Attitudes” (Sentir Atitudes Corporais). Assim, minha emoção
seria provocada pela visão de um cão latindo, com atitudes agressivas e o pêlo eriçado, etc.
Mas como explicar as atitudes do que se apresenta ao depressivo? Neste ponto ao que parece
não há algo no mundo me afetando, ou seja, não há objetos no mundo que me forneçam bases
epistemológicas para que o depressivo possa avaliar mediante seus padrões de correções e
justificações, pois tudo parece ser causa para sua emoção. Desta maneira, não há um objeto
em particular, mas sim o mundo. Com isso, não há padrão de correção, devido a tudo ser
razão para a emoção, não há algo para se contrapor e dizer que aquilo não é motivo para
depressão. Além disso, não há padrão de justificação, devido à incapacidade do sujeito de
elencar justificativas para sua depressão. Se fosse possível, a justificação da depressão
poderia ser realizada numa semelhança, conforme Deonna e Teroni (2012), “as crenças, das
quais nós também exigimos razões (que pode ou não justificá-las) e diferem de percepções
que podem ser ditas corretas ou incorretas, mas não são justificadas por razões.” (p. 22).10
A última caracterização que a filósofa nos traz é a emoção como percepção de
propriedades avaliativas. Com isso, a própria percepção nos daria possibilidade avaliativa
sobre a situação e assim afirmar ter, por exemplo, medo de um cachorro, pois teria a
propriedade de periculosidade diante do cão. Com relação ao depressivo, teria uma
propriedade de depressividade, ou de um esvaziamento de sentido do mundo, a qual poderia
advir da imaginação do sujeito.
Destarte Coliva sugere que as emoções são avaliadas ao longo de uma dimensão não
como racionais ou não, mas derivadas. Isto significa dizer que diante de determinada situação
seguimos nosso melhor julgamento. Por exemplo, ter medo de um cão pequeno é irracional
diante do nosso melhor julgamento, enquanto temer um cão grande e agressivo é racional,
pois esta em conformidade com nosso melhor julgamento. Com isso, demonstrando a
diferença entre emoções e percepção, sendo que nossas percepções se caracterizam em
termos de verídicas ou ilusórias, e não conforme nosso julgamento. Pois ao se perceber o cão
pequeno não tratamos de estabelecer a racionalidade/irracionalidade da minha emoção gerada
10
“​In this last respect, emotions resemble beliefs, for which we also often request reasons (that may or may not
justify them), and differ from perceptions that can be said to be correct or incorrect but which are not justified
by reasons.” (Deonna e Teroni 2012, p. 22)
pela percepção, mas busco verificar a ilusão ou veracidade de minha percepção. (COLIVA,
2016, p. 46).
Cabe ressaltar também uma diferenciação entre emoções básicas e complexas.
Vejamos, por exemplo, o caso do medo. Aos dois anos uma criança fica com medo diante de
um cão e tende a fugir, ou ir para o colo dos pais. Seus pais lhe dizem, “não tenha medo, é
um cachorro pequeno não irá lhe fazer mal”. Assim com o passar do tempo ela ainda sente
medo na presença de um cachorro, mas não grita, nem tende a fugir. Destarte o agente da
emoção é portador do conceito de medo, o qual é o elemento mais relevantes que constitui a
emoção. Mas o agente ainda continua a sentir medo, ou seja, ele desfruta se sua emoção
básica e é sujeito dela. (Cf. COLIVA, 2016, p. 231)
Diferentemente das emoções básica, às complexas consideram mais elementos para
sua composição. No caso do ​amor. ​Quando jovem na balada ao ver a menina esbelta tem a
sensação de euforia, fica mais nervoso do que o normal e acredita estar amando aquela
menina. Entretanto, ao olhar para a mão percebe que esta com uma garrafa de cerveja, e com
isso infere que esta bêbado, pois ao olhar outra mulher na mesma balada acaba por amá-la
também, assim confrontando com sua própria concepção de amor conjugal, a qual é
monogâmica. Dessa maneira às emoções complexas consideram uma gama maior e mais
complexas de elementos, pois além do próprio agente da emoção, a de ponderar acerca do
conceito e o entorno do sujeito, podendo assim ocorrer interpretações acerca das próprias
emoções, além das inferências.
Destarte, notam-se os aspectos tanto racionais, sensoriais, quanto próprios da emoção.
Racionais no sentido de haver em alguns casos crenças que subjazem os julgamentos.
Sensoriais, pois é o próprio sujeito que sente internamente a emoção, podendo sofrer
mudanças corporais ou não. E quanto à própria característica da emoção, remete-se a esta não
possuindo uma característica definida, e por isso mesmo, é percebida a (até o presente
momento) sua indefinição (comparada aos demais estados mentais).
2.2 AUTOCONHECIMENTO
Cotidianamente, possuímos diversos estados mentais e corporais. Considerando que
os estados ​corporais ​são, em sua maioria, perceptíveis à própria pessoa e também a terceiros,
e estados ​mentais (sensações, crenças, desejos e emoções) são “perceptíveis” apenas aos
respectivos sujeitos que os portam, por que atribuímos estados mentais a nós mesmos e às
outras pessoas? Não poderíamos conceber que as outras pessoas são meros robôs, com seus
inputs e ​outputs​? Em certa medida, isso não parece plausível, pois figura que ocorre algo no
processo que se inicia nos ​inputs e se encerra nos ​outputs​. Portanto, para darmos sentido aos
comportamentos e ações nossas e dos outros, atribuímos estados mentais a nós mesmos a aos
outros. Por exemplo, em um experimento realizado por Perner & Ruffman (2005) no qual se
estudou dois grupos de bebês, o grupo A tinha sua visão bloqueada por um venda, a qual
fornecia uma experiência visual opaca e o grupo B um tanto transparente, acerca de um
vídeo. Neste, um ator, na mesma situação que ambos os grupos, intenta encontrar uma caixa,
a qual era movida por um fantoche. Assim após retirarem a venda e observarem o ator,
novamente, os bebês com a visão opaca (grupo B), por meio de análise do movimento ocular
dos bebês, tiveram a expectativa de que o ator vendado encontrasse a caixa que estava à sua
esquerda, já o outro grupo não criou tais expectativas. Dessa forma,
(...) os bebês no presente estudo codificaram que o ator poderia ou não ver o
deslocamento do objeto quando ela usava a venda, e os bebês foram capazes de
usar essa informação para antecipar corretamente o comportamento futuro do ator.
(SENJU et al., 2011, p. 880)11
Portanto, no início da vida já temos indícios de que atribuímos estados mentais às outras
pessoas, na expectativa de entender as ações e comportamentos dos outros. Essa habilidade
genuína de atribuir estados mentais precoces de crença, por parte dos bebês, se inicia pelo
menos aos dezoito meses de vida (Cf. SENJU et al., 2011, p. 880).
Destarte vejamos o seguinte exemplo para melhor compreender o que é o estado
corporal. Ao entrar para tomar banho, se a temperatura da água estiver a 70ºC, posso me
auto-atribuir a sensação de calor muito intenso. Assim, sairei debaixo do chuveiro para não
lesionar minha pele. Desta forma, ao ter a sensação da água escaldante em minha pele, posso
auto-atribuir o estado mental ​de muito calor. No exemplo, temos um conhecimento de si12
11
“​Thus, at the very least, infants in the present study encoded that the actor either could or could not see the
displacement of the object when she wore the blindfold, and the infants were able to use this information to
correctly anticipate the actor’s future behavior.” (SENJU et al., 2011, p. 880)
12
​Outra concepção de estado mental é de Steven Klein, a saber que “Estado Mental: X é um estado mental
somente se e somente se existe "algo como" para o organismo ter o estado mental. Um estado mental contém os
aspectos de conteúdo (por exemplo, objetos de consciência - ou o que às vezes é chamado de aproximação ou
intencionalidade) e aspectos qualitativos (isto é, a sensação subjetiva do conteúdo). É, portanto, o resultado
experiencial de um processo (ou conjunto de processos) que pode ter aspectos não-experienciais que sustentam
sua realização. Embora essas pré-condições não-experienciais sejam necessárias para a realização do estado
mental, elas são não-mentais no sentido de que são mecanismos que ajudam a tornar possível a experiência, mas
não a experiência ​per se​, isto é, como ela é sentida. Eles concebivelmente poderiam continuar sem que haja
qualquer experiência. Uma analogia pode ajudar: uma peça consiste em muita atividade de trás das cenas, mas,
caracterizado por elementos – meu corpo, minha pele – que se salientam por sua
espacialidade, ou seja, um conhecimento de estados, eventos ou processos corporais. Ao
sentir a água escaldante, chego à conclusão de que a água escaldante pode lesionar minha
pele. Com isso, meu conhecimento é de um estado corporal, que se caracteriza por sua
espacialidade, pois meu corpo e minha pele ocupam espaço. Logo, a espacialidade se
apresenta como um critério para a classificação do estado corporal do tipo sensação e
percepção.
Todavia, conseguiremos sustentar o critério da espacialidade para classificar os
estados mentais de sensações e de percepções? As sensações se dão quando outros corpos
estimulam nossos corpos. Disso, não segue nem que sensações sejam espaciais, nem que
sejam corporais. Por exemplo, se há sensação de desconforto neste momento e logo lembro
do conforto anteriormente, não estamos mais no campo da pura sensação, pois estamos no
âmbito da memória. ​Desta forma, existem algumas objeções ao critério da espacialidade. Por
exemplo, sentir coceira no pé ou dor na mão. Tal sensação ocorre nos membros do meu
corpo, entretanto o meu estado mental também está no pé ou na mão? O estado mental da
coceira ou dor se materializam no espaço, mas os estados mentais em si mesmos não, pois ao
que parece a coceira e a dor são estados de sensações do sujeito, e sensações não são, elas
mesmas, espaciais. Portanto há diferença em relatar a sensação e localizar o objeto físico no
espaço.
Entretanto há uma pequena dúvida com relação à sensação da dor. Para tentar
solucionar tal problema, façamos um exercício de pensamento. Uma neurocientista faz uma
observação no seu sistema nervoso quanto à experiência de dor no seu dedão do pé direito
que está dentro da sua meia. A 'dor' não se encontra na sua meia, mesmo que seu pé e seu
dedão estejam nela. A 'dor' no cérebro também não se encontra no seu pé, apesar de neste
estar localizado o dedo polegar. A 'dor' se encontra no dedo polegar do pé, assim a
neurocientista teria de encontrar no seu cérebro algo correspondente a dor do seu polegar do
pé direito, já que, se abrir o dedo não irá encontrar a 'dor' naquele local. Desta forma,
verificamos que as experiências da 'dor' são subjetivas e não podem ser medidas nem mesmo
localizadas espacialmente como os objetos físicos. “As qualidades das nossas experiências
estritamente falando, nenhuma dessa atividade é a peça ​per se ​(agradeço a Galen Strawson por chamar minha
atenção para essa analogia). Todos os estados mentais são experienciais no sentido descrito a seguir.” (KLEIN,
2014, p. 5)
conscientes parecem não ter nada a ver com as qualidades dos objetos materiais – de facto,
parecem ser diferentes das qualidades de qualquer objecto material concebível.” (HEIL,
2001, p. 32).
Uma possível consequência do exposto acima é que, a sensação, no caso a dor e as
demais, só são sensações quando conscientes: “Ter consciência ou percepção delas faz parte
integral da própria existência delas. Não é algo opcional ou um extra.” (MASLIN, 2009, p.
18)13
Vejamos o caso dos membros-fantasmas. Em tais casos as pessoas sentem dores em
membros que foram amputados. Assim, elas possuem estados mentais classificados como
sensações do tipo dor. Mas como explicar tais dores em locais físicos inexistentes?
Suponhamos que as dores existem fisicamente, se assim fosse, há algo de errado mentalmente
com as pessoas que dizem sentir dor em membros amputados. Mas se supormos que a dor
não está no objeto físico, mas sim na mente (semelhante à alma ou espírito), poderíamos
explicar a dor no membro fantasma. Consequentemente, “embora experimentemos dores e
outras sensações como ocorrendo em várias localizações do corpo, não se segue que
experiências de dor ocorram nessas localizações.” (HEIL, 2001, p. 31). Portanto, a
localização espacial não é uma marca das diversas sensações e percepções que temos. Isso
retira o fato de que sensações possuem uma localização, por exemplo, ao sentir fome, eu sei
que meu abdômen produz ruídos, pois carece de alimento e não é minha cabeça ou pernas
que fazem o barulho. Desta forma, a fome não é caracterizada pelo barulho produzido pelos
movimentos ocorridos no abdômen, mas sim um estado mental.
Destarte percebemos que não há um consenso se estados mentais ocupam ou não
espaço. Assim, de um lado estão os materialistas (estados corporais) e de outro os dualistas
(estados mentais). Para os primeiro toda causa e efeito têm que estar no espaço-tempo e ter
contato físico direto. Por exemplo, uma bola que bate na parede e retorna para mim. O fato
de a bola bater na parede seria a causa e o contato físico direto desta com a parede, fazendo-a
voltar para mim, é considerado seu efeito. Com isso surgem as críticas aos dualistas, os quais
13
“​Em um caso relatado por Lockwood em Mind, Brain and the Quantum, Oxford, Oxford University Express,
1989, traz um experimento em que uma pessoa foi hipnotizada e colocou sua mão esquerda em um balde com
água gelada. Quando questionado dizia não sentir dor, mas quando solicitado para escrever com a mão direita
dizia sentir dor. Caso semelhante é a blindsight (visão cega). Oliver Sacks em An Anthropologist on Mars,
London, Picador, 1995, relata um caso de visão cega, em que uma pessoa sofre dano cerebral por falta de
oxigênio e assim insiste em que está cega, entretanto desvia dos objetos, pega outros objetos, mas nega ter visão.
Assim ele age como se enxergasse algo, pois ao que parece sua visão recebe e da resposta, mas sua consciência
não processa.” (MASLIN, 2009, p. 37)
teriam sua causa no âmbito mental, não estando no espaço-tempo. Uma possível resposta dos
dualistas aos materialistas é de que o que precisa ser contíguo é um efeito físico com outros
objetos, por exemplo, a chuva com o guarda-chuva, a causa seria no âmbito mental, acerca da
previsão do tempo para a formulação da crença de que irá chover e com isso passar a usar um
guarda-chuva (Cf. WEINTRAUB, 1999).
Para melhor compreender o que sejam os estados mentais vejamos o seguinte
exemplo de Bonjour:
Suponha que eu saia pela porta da frente e pare na metade do caminho em direção
ao meu carro, pois percebo que está frio e úmido, que há nuvens escuras e que o
vento parece estar aumentando; eu decido que provavelmente irá chover e esfriar,
de modo que eu volto para casa para buscar um casaco e um guarda-chuva; tendo
feito isso, vou ao carro novamente. Aqui temos vários estados mentais: sensações
de frio, umidade, escuridão e tempo ventoso; crenças perceptivas sobre tudo isso e
ainda a crença de que vai chover e esfriar; e supostamente um desejo de não me
molhar ou sentir frio. Há também vários estados físicos ou materiais: além da
condição física do meu ambiente, há o comportamento físico do meu corpo
andando, parando, virando a cabeça e andando outra vez, juntamente com a
condição física do meu corpo e dos vários órgãos sensoriais: o frio e a umidade da
minha pele, as ondas de luz atingindo meus olhos, e assim por diante.
(BONJOUR; BAKER, 2010b, p. 199)
Note que podemos extrair uma lista de estados mentais classificados como sensações, as
quais estão relacionadas ao corpo (cf. MASLIN, 2009) ou seja, sensações, as quais nos
proporcionam experiências ​passivas sobre o próprio entorno. Alguns tipos de sensações14 15
são, por exemplo, sensação de frio, sensação de calor, sensação de prazer ou sensação de dor.
Também se encontram, no texto citado acima de Bonjour e Baker, exemplos de crenças
perceptuais, tais como​, eu creio que irá chover, eu creio que a chuva irá resfriar o ambiente.
Há ainda estados mentais conativos, por exemplo, eu desejo que pare de chover. Podemos
salientar alguns estados emocionais, tais como, eu estou com medo de me molhar. Outros
estados mentais que não percebemos como tais são os Estados de Quase-percepção, tais
14
Uma concepção de experiência é a seguinte “A experiência é o aspecto qualitativo dos estados mentais que
você está tendo agora. A experiência é o que a maioria dos filósofos tem em mente quando falam sobre
consciência. No meu uso, toda experiência é experiência consciente. Enquanto alguns que usam o termo
"experiência" têm em mente a sensação (por exemplo, a dor) e a percepção (por exemplo, aquela árvore ali), a
experiência, como uso o termo, pode tomar como objeto intencional coisas como pensamento, memória e outros
conteúdos mentais. Desta forma, a experiência pode ser tanto cognitiva quanto sensorial.”(KLEIN, 2014, p. 5)
15
“Sensory states are different from perceptual ones in that they are not objective. That is to say, they do not
represent external elements of reality as such. Take smell, for instance. In many cases, it seems to afford a
manifold of stimuli without attributing them to some relevantly stable distal cause. For such a reason, sensory
states do not have veridicality conditions. They are not correct or incorrect, true or false representations of
something out there.” (COLIVA, 2016, p. 25)
como: eu imagino que irá chover. Finalizando, há estados mentais ativos, os quais,
deliberadamente os formamos, como os julgamentos. Por exemplo, eu julgo que chuva é boa.
Destarte, passemos à classificação dos estados mentais, conforme Bonjour e Baker
(2010b) e Maslin (2009), os estados mentais podem ser classificados como: sensações,
sentimentos, crenças, desejos (estados conativos), emoções , cognições, percepções (não são16
necessariamente conscientes, posso ter a percepção de algo, mas não estar consciente disso),
estado quase-perceptual e julgamentos. Tais elementos são introdutórios e necessários para
minimamente diferenciar os estados mentais.
Por conseguinte, nos auto-atribuímos diversos tipos de pensamentos, sensações e
emoções a nós mesmos e aos demais. Isso em contexto filosófico pode ser atribuído o termo
de “atribuição de estados mentais”. Ao especificarmos tais estados mentais temos crenças,
desejos e emoções. Com isso o termo “atitude proposicional” é introduzido por Russell em
seu livro ​A Filosofia do Atomismo Lógico​, de 1918/1919:
Que tipo de nome devemos dar a verbos como “acreditar” e “desejar” e assim por
diante? Minha inclinação é chamá-los “verbos proposicionais”. Esse é apenas um
nome sugerido por conveniência, porque eles são verbos que têm a forma de
relacionar um objeto a uma proposição. Como eu tenho explicado, isto não é o que
eles realmente fazem, mas é conveniente chamá-los verbos proposicionais. É
claro, você pode chamá-los de “atitudes”, mas eu não gosto disso porque este é um
termo psicológico, e embora todas as instâncias de nossa experiência sejam
psicológicas, não há razão para supor que todos os verbos de que estou tratando
sejam psicológicos. (RUSSELL, 2009, p. 103)17
Desta forma, na tradição filosófica, tem-se utilizado o termo “atitude proposicional” à classe
de estados mentais que possuem duas características, a saber: intencionalidade e forma lógica
proposicional (cf. OLIVEIRA, 2014).
Cabe realizar uma pequena e importante diferenciação quanto ao uso do termo
“intencionalidade”. Ele não é aqui empregado conforme nosso uso comum, isto é, no sentido
16
“A emoção e as várias reações com ela relacionadas estão alinhadas com o corpo, enquanto os sentimentos
estão alinhados com a mente.” (DAMÁSIO, 2004, p. 15) “Mas na tentativa de compreender a cadeia complexa
dos acontecimentos que começa na emoção e termina no sentimento, separar a parte do processo que se torna
pública da que sempre se mantém privada ajuda a clarificar as idéias. À parte pública do processo como ​emoção
e à parte privada ​sentimentos, de acordo com o significado de sentimento que apresentei no capítulo 1.”
(DAMÁSIO, 2004, P. 34-35)
17
“​What sort of name shall we give to verbs like “believe” and “wish” and so forth? I should be inclined to call
them “propositional verbs”. This is merely a suggested name for convenience, because they are verbs which
have the form of relating an object to a proposition. As I have been explaining, that is not what they really do,
but it is convenient to call them propositional verbs. Of course you might call them “attitudes”, but I should not
like that because it is a psychological term, and although all the instances in our experience are psychological,
there is no reason to suppose that all the verbs I am talking of are psychological.” (RUSSELL, 2009, p. 103)
de a nossa atitude ter uma intenção ou não, se nossas ações têm um “objetivo, propósito” (por
exemplo, se juiz realiza sua declaração acerca de um homicídio enquanto doloso, sem a
intenção, sem desejo; e culposo, com a intenção). No presente contexto, o termo
“intencionalidade” é empregado de acordo com o significado trazido por Franz Brentano
ainda no fim do século XIX e retomada por John Searle na década de 1980, acerca dos
estados mentais serem sobre alguma coisa. Por exemplo, se creio que o time de futebol
brasileiro Sport Club Internacional será rebaixado para a terceira divisão de um campeonato,
minha crença é sobre alguma coisa, ou seja, possui um objeto. Entretanto, cabe ressaltar que
há estados mentais, os quais não possuem objetos determinados, assim como certos estados
de desejos, tais como vontade de comer, o qual pode não possuir um objeto definido (cf.
OLIVEIRA, 2014, p. 36).
A segunda característica acerca das atitudes proposicionais é a forma lógica
proposicional. Desta forma, os estados mentais, além de possuírem intencionalidade, também
possuem sujeito, verbo e proposição. Assim Russell chamou de “verbos proposicionais”, tais
como crer/acreditar e querer/ desejar, os quais compõem a estrutura lógica da frase. Portanto,
“Uma atitude proposicional é, então, o estado mental de ter alguma atitude, postura,
perspectiva ou opinião sobre uma proposição ou sobre o estado potencial de coisas em que
essa proposição é verdadeira (...).” (SCHWITZGEBEL, 2015). A forma lógica18
proposicional também significa que pode ser avaliado como verdadeiro ou falso, pois uma
proposição é uma estrutura com significado que pode ser avaliada como verdadeira ou falsa.
Assim sendo, uma atitude proposicional é um estado mental cujo conteúdo pode ser avaliado
como verdadeiro ou falso.
Portanto podemos elaborar um esquema sobre os estados mentais da seguinte forma:
18
“​A propositional attitude, then, is the mental state of having some attitude, stance, take, or opinion about a
proposition or about the potential state of affairs in which that proposition is true—a mental state of the sort
canonically expressible in the form “S A that P”, where S picks out the individual possessing the mental state, A
picks out the attitude, and P is a sentence expressing a proposition.” (SCHWITZGEBEL, 2015)
Se analisarmos as sensações enquanto estados mentais, as mesmas não possuem
intencionalidade, quanto à proposição lógica, pois as nossas sensações, por exemplo, “de dor
na perna”, possuem um objeto, a perna. Contudo, não se pode questionar quanto à veracidade
da dor, isto é, se é verdadeira ou falsa. Os desejos, por exemplo, “de comer algo”, não possui
um objeto definido no mundo, mas é sobre algo, com isso possuindo intencionalidade. Sobre
as crenças, podemos afirmar que possuem um objeto, por exemplo, “eu acredito em
duendes”, a crença é sobre duendes e pode-se verificar se a crença é verdadeira ou falsa
acerca dos duendes, com isso possuindo intencionalidade.
A fim de evitar confusões terminológicas, vejamos o termo autoconsciência.
Abordamos a problemática do agir racional do agente baseado nos próprios estados mentais.
Não estamos a versar sobre o autoconhecimento do tipo auto-ajudo, de descobrir o próprio
caráter, sua personalidade, estamos inquirindo acerca do autoconhecimento dos próprios
mentais, os quais podem ser os mais diversos, por exemplo, de que quando o agente for
questionado sobre se acredita que haverá uma terceira guerra mundial ele responda com
conhecimento de si. Ou será que ele tem mera consciência de si? Neste ponto, faz-se
importante realizar uma distinção entre autoconhecimento e autoconsciência. Segundo
Brie-Gertler,
Autoconhecimento ​é o conhecimento de seus próprios estados mentais - por
exemplo, o conhecimento de suas próprias experiências, pensamentos, crenças ou
desejos atuais.
Autoconsciência ​é a capacidade de identificar-se (o "eu"), e distinguir-se formar
outras coisas. (2011, p. 2)19
19
“​Self-Knowldge is knowledge of one’s own mental states-e.g., knowledge of one’s own current experiences,
thoughts, beliefs, or desire. ​Self-awareness is the ability to identify oneself (the “I”), and to distinguish oneself
from others things.”(GERTLER, 2011, p. 2)
O conhecimento dos estados mentais é o conhecimento dos próprios conteúdos dos mesmos,
ou seja, o autoconhecimento ocupa-se na identificação dos estados mentais e seus conteúdos.
Já a autoconsciência ocupa-se em “como essa referência é alcançada e como se concebe,
basicamente, o eu.​” ​(GERTLER, 2011, p. 8). Desta forma, a identificação do ​self ​com o20
conteúdo estado mental não é escopo da autoconsciência, pois sua ocupação tem um caráter
de identificação do sujeito, ou seja, identidade pessoal, de como o sujeito faz referência a si
mesmo.
2.2.1 Características do Autoconhecimento
Até agora descrevemos o que são estados corporais, mentais, atitude proposicional e
autoconhecimento de crenças. Mas o que entendemos pela noção de autoconhecimento?
Conforme Brie-Gertler, o “Autoconhecimento é o conhecimento de seus próprios estados
mentais - por exemplo, o conhecimento de suas próprias experiências, pensamentos, crenças
ou desejos atuais.” (2011, p. 2). Desta forma, ao expressarmos uma crença, por exemplo, “S
acredita que p”, contém oito características, a saber: a) autoridade de primeira pessoa,
consistindo em afirmar que quando uma pessoa expressa um estado mental, ela está na
melhor posição para fazer a auto-atribuição do estado mental e tem autoridade para tal; b)
caráter apriorístico, ou seja, não há necessidade de investigação empírica, ou realizar
inferências para se saber que está em determinado estado mental intencional; c) capacidade
cognitivo-discriminativa, consistindo na capacidade de uma pessoa estabelecer diferenças e
semelhanças entre estados mentais iguais e diferentes; d) transparência do conteúdo, isto é, os
conteúdos expressos nos estados mentais é dominado pelo sujeito; e) infalibilidade, destarte
os estados mentais de primeira pessoa atuais não podem estar errados e são incorrigíveis; f)
onisciência, é que cada estado mental é conhecido pelo agente que o formula; g) assimetria
entre a primeira e a terceira pessoa, consiste na diferença do acesso que tenho aos meus
próprios estados mentais e o acesso que os outros têm aos meus estados mentais, os quais
necessitam de observação para tal, e eu não; e h) impossibilidade do uso equivocado do
pronome “eu”, ou seja, uma pessoa em seu estado mental normal não comete erro de
20
“Expressions of self-knowledge typically involve reference to the self or ‘I’, as in ‘I feel a tickle’ or ‘I intend
to quit exercising’. The problem of self-awareness concern how this reference is achieved, and how one
conceives, most basically, of the self. These questions are not addressed by theories of self-knowledge. a theory
of self-knowledge explains how one detects those sensations, thoughts, or attitudes that are in fact one's own. it
is a further question how one identifies those mental states as one's own - that is, how one recognizes them as
‘mine’.” (GERTLER, 2011, p.8)
identificação ao usar o termo referencial “eu” (Cf. SILVA FILHO, 2013, p. 33, n.2). Vale
ressaltar que tais características estão disputa pelos filósofos e tal caracterização serve de
forma introdutória para a abordagem do autoconhecimento de crenças, o qual é o escopo da
investigação.
Notemos que a noção de autoconhecimento de Gertler (2011) é sobre estados mentais
atuais. Destarte temos dois tipos de ​acesso ​aos próprios estados mentais, um direto e outro
indireto. No direto, não necessitamos de inferência, interpretação ou evidência. Por exemplo,
“eu acredito que não vai chover agora” não necessito de intermediário para formular a crença
de que não irá chover agora. Já no indireto, ele ocorre por via inferência, interpretativa ou
sobre evidência. Por exemplo, eu afirmo “vai chover hoje”, para a formulação de tal estado
mental de crença sobre o mundo eu observo o céu ou evidências que me levem a afirmar que
irá chover, entretanto posso estar errado, pois minha visão pode me enganar.
Considerando que no decorrer de nossa vida, formulamos diversas crenças, de que “eu
creio que os seres humanos são bons por natureza”, “eu acredito que irá chover agora”, “eu
acredito que o grêmio irá ser campeão”, entre outras. Todavia, eu possuo todas crenças em
minha mente neste exato momento? Facilmente podemos afirmar que não, que eu esteja
agora escrevendo esse projeto, não passa em meu estado mental que “eu creio que os seres
humanos são bons por natureza” (a não ser agora que julguei necessário para melhor explicar
a resposta). Com isso conforme Coliva (2016, p. 27), nós possuímos estados mentais
disposicionais e como comprometimento. Os estados mentais disposicionais se caracterizam
por:
(a) esses estados mentais não são o resultado de uma deliberação consciente, como
um julgamento, sobre a parte de um sujeito, baseada na consideração e, em
particular, na avaliação (ou mesmo ser capaz de avaliar) de evidências a favor de P
(ou de P vale a pena perseguir, seria bom se P acontecesse, etc.);
(b) esses estados mentais não estão dentro do controle direto de alguém, sendo
antes algo que se encontra selado;
(c) portanto, esses estados mentais não são algo de que alguém será considerado
racionalmente responsável. (COLIVA, 2016, P. 28)21
21
“​(a) these mental states are not the result of a conscious deliberation, like a judgement, on a subject’s part,
based on considering and, in particular, on assessing (or even being able to assess) evidence in favour of P (or of
P is worth pursuing, it would be good if P happened, etc.); (b) these mental states are not within one’s direct
control, being rather something one finds oneself saddled with; (c) hence, these mental states are not something
one will be held rationally responsible for.” (COLIVA, 2016, p. 28)
Assim possuo muitos estados mentais do tipo crença, entretanto estão, por assim dizer, à
minha disposição, em estado latente, os quais, em um certo momento, por uma determinada
forma, eu os acesso. Já os estados mentais por compromisso são diferentes dos
disposicionais, a saber,
(a ') que eles são o resultado de uma ação - a ação mental de julgar que P é o caso
(ou vale a pena perseguir / ter) - na parte do sujeito, com base na consideração e,
portanto, na avaliação da evidência para P (vale a pena perseguir / ter);
(b ') que esses estados mentais são (pelo menos) limitados normativamente - ou
seja, devem responder aos princípios que governam o raciocínio teórico e prático;
(c ') e, em particular, elas são tão limitadas (também) do ponto de vista do sujeito;
(d ') que eles são estados mentais para os quais o sujeito é mantido racionalmente
responsável. (COLIVA, 2016, P. 31-32)22
Tais estados mentais de crença por comprometimento são deliberadas pelo agente epistêmico,
ou seja, eles têm uma atitude proposicional perante uma evidência, a qual o agente avalia que
vale a pena ter, ou é o caso. Consequentemente, o agente segue certas normas racionais, e
com isso assume responsabilidade racional acerca dos estados mentais.
Com isso temos dois tipos de estados mentais do tipo crença, os disposicionais e os de
comprometimento. Mas como ter ​acesso a tais estados mentais? Por exemplo, "Qual é o
maior desses dois números: 2.000.450 ou 3.000.450?" é uma crença disposicional, esta a
minha disposição, pois o sujeito não esta consciente desse estado mental (mas posso acessar o
estado mental disposicional por intermédio de testemunhas, memória, ou quando sou
questionado), assim não estando sob meu controle e portanto eu não seria responsável pelo
estado mental disposicional. Logo eu não estando consciente desse estado mental, não teria
um acesso direto a ele. Agora vejamos a seguinte crença, “eu acredito que não irá chover
hoje”, e ao olhar para fora verifico o céu nublado, isso me leva persistir na crença que
formulei, destarte por meio de princípios que governam a razão teórica e prática (pela minha
experiência as nuvens passam sobre minha cidade sem chover), e pelo meu ponto de vista,
me responsabilizando pela minha crença.
22
“​(a’) that they are the result of an action—the mental action of judging that P is the case (or worth
pursuing/having)—on the subject’s part, on the basis of considering and hence of assessing evidence for P (is
worth pursuing/having); (b’) that these mental states are (at least) normatively constrained —that is, they must
respond to the principles governing theoretical and practical reasoning; (c’) and, in particular, they are so
constrained (also) from the subject’s own point of view; (d’) that they are mental states for which the subject is
held rationally responsible.”(COLIVA, 2016, P. 31-32)
Imaginemos, hipoteticamente, um mundo no qual não haja mentiras e omissões, em
que todas expressões de meus estados mentais sejam verdadeiros e sou obrigado, por um
princípio de dever, a manifestar tudo que penso. Desta forma todas minhas crenças serão
conhecidas, pois toda expressão de um estado mental do tipo crença é verdadeira e
necessária. Neste mundo teremos privacidade acerca dos estados mentais? Ao que parece
não. E terei ​acesso privilegiado ​aos meus estados mentais, do tipo crença? Ao que representa,
não, ou seja, todos meus pensamentos estarão expostos na minha vitrine para os curiosos. Tal
hipótese mostra-se absurda, sendo que a mentira é compreendida aqui enquanto expressão de
um estado mental, contrário ao que ocorre em nossa mente. Assim, acesso privilegiado
decorre da característica da assimetria entre primeira e terceira do autoconhecimento de
crenças, a qual afirma que há uma diferença entre eu acessar meus próprios estados e
conteúdos mentais, por meio de método não disponível às outras pessoas, e o acesso de
terceiros, os quais precisam observar minha ações e interpretar minhas palavras.
Posso conhecer os estados mentais das outras pessoas ao observá-las, ou interpretar
suas palavras. Mas quanto ao que expresso, posso ter uma crença qualquer e desconhecer que
eu a tenha? Por exemplo, possuo a crença de que haverá uma terceira guerra mundial, mas
não a tenho à disposição em minha consciência para utilizá-la quando indagado. Isso é
possível? Segundo a tese da translucidez não, pois nós não podemos ser ignorantes quanto
aos próprios estados mentais (Maslin 2009, p.28). No presente momento podemos não dispor
do estado mental, entretanto ele permanece como uma crença em potencial, para quando
necessário ser utilizada. Consequentemente não há possibilidade de erro quanto à
auto-atribuição do estado mental, por exemplo, de que “eu acredito que o céu está azul”,
minha crença está correta enquanto a auto-atribuição de que a possuo, pois ela está em minha
mente no presente momento, logo tendo um ​acesso direto e privilegiado​. Entretanto, é
possível que ao verificar tal autoatribuição no mundo externo ela possa estar errada. Portanto,
segundo a tese da translucidez, a auto-atribuição de estado mental é translúcida e infalível.
Ter ​acesso ​e ter ​conhecimento ​sobre algo são elementos diferentes, os quais tentarei
explicar. Para tanto sigo a mesma linha de raciocínio do exemplo trazido pelo filósofo Gareth
Evans (1982, p.225), a saber, “quando sou questionado se ‘você acha que vai chover hoje?’
eu respondo a essa questão afirmando que ‘conforme o céu nublado, tudo indica que irá
chover’, mas quando questionado se ‘você acredita que irá chover hoje?’ eu respondo
negando que irá chover (mesmo após olhar para o céu nublado), pois por experiência às
nuvens somente passam pela cidade sem chover nela.”. Mesmo que nesse exemplo eu utilize
o mesmo procedimento, o ponto de partida para a resposta é diferente, ou seja, na primeira
pergunta eu verifico se tenho ​acesso ​a uma evidência da qual formulo um estado mental. Já
na segunda pergunta eu verifico se tenho ​conhecimento ​(com base em minha experiência)
sobre meu estado mental.
Factualmente temos acesso aos nossos próprios estados mentais. Como anteriormente
afirmado não podemos ignorar o nosso próprio estado mental, nem seus conteúdos, pois
estamos corretos ao nos auto-atribuirmos um estado mental de crença. Destarte posso ter
acesso a um determinado estado mental, sem conhecer todo o conteúdo do mesmo, por
exemplo, “eu acredito que xinforinfulas são verdes”, nesse caso tenho acesso ao conteúdo
mental ​xinforinfula​, mas não conheço tal conteúdo. Logo eu acesso meus próprios estados
mentais, mesmo que sem ser de forma racional, ou seja, sem compreender os conteúdos
mentais da crença em questão.
Com o exemplo acima podemos afirmar que temos autoconhecimento das próprias
crenças de forma racional? Podemos afirmar que temos acesso, no entanto sem conhecer todo
estado mental de forma clara e distinta. Destarte a caracterização da ação humana, a saber, a
racionalidade. Contudo, Silva Filho (2013, p. 23) afirma que na vida ordinária, ou seja, no
âmbito da linguagem comum que mesmo com um conhecimento incompleto sobre os
conteúdos mentais (de não possuir o conhecimento, no exemplo acima, do que uma
xinforinfula​), ainda sim os agentes possam ter o autoconhecimento das próprias crenças, pois
mesmo não compreendendo a totalidade dos conteúdos mentais de um estado mental, ainda
expressamos nossos conteúdos, isto é, não deixamos de o fazer, nem mesmo de nos
autoatribuir o estado mental. Pois o “a noção de autoconhecimento que parece mais atrativa
não é, a rigor, uma modalidade de conhecimento, mas uma característica da posição de
primeira pessoa em contextos práticos e morais.” (SILVA FILHO, 2013, p. 23).
Ao considerarmos o autoconhecimento das próprias crenças como uma posição de
primeira pessoa, verificamos a autoridade da primeira pessoa. Considerando, pois, o acesso
direto e privilegiado, a pessoa, ao afirmar ter determinado estado mental, presume-se que ela
está correta ao se auto-atribuir esse estado mental e está autorizada a fazer. Supomos que eu
expresse a seguinte crença em uma conversa num contexto linguístico comum “eu acredito
que sou uma boa pessoa”, e a outra pessoa afirma que eu estou errado, que não estou
pensando nisso, que na verdade eu queria expressar minha crença de eu sou uma pessoa ruim.
Em um contexto linguístico comum, não se duvida quanto a própria auto-atribuição de
estados mentais de crenças, poderá meu inquiridor alegar outras justificativas para negar
minha crença, mas essas não se referem ao meu autoconhecimento, ou seja, não colocam em
jogo minha autoridade de primeira pessoa.
2.2.2 Métodos do autoconhecimento
2.2.2.1 Método da introspecção
Há algumas formas para investigar acerca dos estados mentais. Considerando-se às
diversas formas de conhecer, para se estabelecer um diferencial entre os estados mentais,
vejamos o método de introspecção para o conhecimento de crenças e sensações, a qual visa o
conhecimento das próprias atitudes proposicionais. Assim, podemos nos perguntar, mas
como podemos conhecer nossas próprias crenças e sensações? Para tanto, há dois métodos
empíricos, a saber, método introspectivo, e do sentido interno. Uma dessas formas é o método
da Introspecção. Tal modelo é como uma espécie de “olhar para dentro”, possibilitando
verificar o próprio estado mental de crença e com isso possibilitar a afirmação de que temos
autoconhecimento sobre esse estado mental do tipo crença. Assim o sentido interno fica
relegado ao conhecimento das próprias sensações (o qual será melhor exposto no próximo
tópico).
A introspecção é uma espécie de “olhar para dentro”. Desta maneira, na medida em
que penso, pode-se afirmar que instrospecto, por exemplo, eu penso “eu acredito que vai
chover hoje”, conforme esse método eu posso introspectar sobre meu estado mental, sem
precisar verificar meu entorno, pois o estado mental estaria acessível ao meu “olho interno”.
Tal comparação nos leva a observação de que além de “introspectar” sobre o próprio
pensamento, também “introspectamos” sobre o nosso entorno, da nossa experiência sensorial
(Cf. MEDEIROS, 2013, p. 11).
Cabe ressaltar que não introspectamos acerca dos estados internos das outras pessoas.
Tal método de autoconhecimento é característico da própria pessoa, ou seja, pertence a um
ponto de vista de primeira pessoa. Imaginar o contrário é um tanto interessante. Suponhamos
que nossos estados mentais de crença sejam transparentes quanto às outras pessoas. Além de
os outros conhecerem-me na mesma medida que me conheço, não haveria mentiras, pois
todos os nossos pensamentos seriam claros como águas cristalinas. Dessa forma, teríamos
acesso imediato e privilegiado aos pensamentos dos outros, por exemplo, não haveria
possibilidade de omissão perante as ações dos outros. Entretanto, isso não é caso.
Em sua pesquisa, Medeiros (2013), nos elucida sobre várias definições acerca do
termo “introspecção”, na qual William James, The Principles – 1890, define como um olhar
para nossa própria mente e relatar o que lá encontrar. Já com Bertrand Russell, The Analysis
of Mind – 1921, compara introspecção com o sonho, o qual se acessa de forma diferente do
que a sensação. Com David Armstrong, A Materialist Theory of the Mind – 1968, sua
definição se refina no ponto em que o introspectar, que é um processo mental, tem como
objeto de análise outros objetos mentais. Eric Schwitzgebel, em Introspection, What?- 2012,
ressalta que a introspecção é um esforço cognitivo, de voltar nossa atenção para se chegar a
um julgamento sobre experiências atuais ou passadas, que são capacidades únicas da primeira
pessoa (MEDEIROS, 2013, 13-14). Assim, conforme o filósofo, ele descreve características
comuns às definições acima citadas, a saber,
Em todas estas definições temos a satisfação da condição de mentalidade, seja
falando do exame de nossos ​pensamentos e sentimentos​, seja na observação de
nossos próprios ​processos mentais​, cognição reflexiva imediata dos ​estados da
mente, estados da consciência​ ou eventos ​mentais​ ocorrentes. (p. 14)
Assim, a introspecção versa sobre nossos próprios estados mentais, estabelecendo com isso o
que será observado interiormente. Percebe-se que tal ato de introspectar ocorre nos processos
mentais imediatos, ou seja, em nossos estados de consciência imediatos e conscientes .23
As teorias da introspecção se dividem em perceptuais e não-perceptuais. Na primeira,
há caracterizações sobre a teoria, para tanto cito algumas realizadas por alguns filósofos.
Segundo, William James (1890), no sentido que “descobrimos” nosso estado mental;
conforme John Locke (1689/1975) quando “observamos” nossa própria mente com as
“percepções” próprias dela, estamos, enquanto sujeito, passivos aos nossos próprios estados
23
Segundo William James, The Principles – 1890: “The word introspection need hardly be defined – it means,
of course, the looking into our own minds and reporting what we there discover. Everyone agrees that we there
discover states of consciousness .” (p. 185, apud MEDEIROS, 2013, p.13) e Eric Schwitzgebel, Introspection,
What?- 2012: I am inclined to recommend the following view: introspection is the dedication of central
cognitive resources, or attention, to the task of arriving at a judgment about one ́s current,,or very recently past,
conscious experience, using or attempting to use some capacities that are unique to first-person case (...), with
the aim or intention that one’s judgment reflect some relatively direct sensitivity to the target state” (p.42-43,
apud MEDEIROS, 2013, p.14).
mentais; e também “Armstrong nos tornamos conscientes de que um estado de crença, desejo
ou dúvida acontece em nossa mente.” (MEDEIROS, 2013, p. 17).
A teoria da introspecção não-perceptual rejeita a possibilidade de se observar/
perceber o estado mental, conforme a teoria anteriormente mencionada.
Na definição de Shoemaker citada acima, a relação entre o ato de introspectar e o
estado mental introspectado (…). Que os estados mentais de um sujeito sejam
acessíveis introspectivamente não é um traço contingente, causalmente
relacionado. Ter um desejo e crer que se tem um desejo é uma relação constitutiva,
não-contingente. (MEDEIROS, 2013, p. 17)
Portanto, o modelo não-perceptual rejeita a analogia entre externo e interno para o
conhecimento dos estados mentais, destarte os estados mentais do agente não são
contingentes, mas constitutivos do sujeito e assim não se enquadrando nas características,
externo e interno.
Uma possível crítica sobre a introspecção para ambas, perceptual e não-perceptual é
questionar-se acerca de qual sensação (ou “olho interno”) estamos a abordar. Essa sensação
demanda um órgão sensório, tal como olhos e ouvidos? Mas é possível existir um órgão
sensório que fique observando nossos pensamentos? Esse órgão sensorial teria de ficar a todo
momento em operação, e se for um órgão dos sentidos, em um certo momento ele entra em
repouso, tal qual nossos olhos ao dormirmos.
Sendo a introspecção a agenciadora de nossa vida mental, assim ela seria uma forma
de conhecer a experiência interna. Entretanto, utilizar a metáfora do “olho interno” não
parece adequada, pois podemos afirmar que há experiência visual, mas não há experiência
introspectiva. Segundo Moran (2001),
A primeira dessas dificuldades é o embaraço original do "olho interior" e a
preocupação de que ele não pode ser descontado como outra coisa senão uma
metáfora enganosa. Não há nenhum órgão perceptivo da introspecção, em
qualquer coisa como a maneira como há órgãos identificáveis da visão e da
audição e similares. (…) Não há na visão de ninguém a consciência de uma dor de
cabeça mediada por uma aparência da dor de cabeça. E no caso de atitudes como a
crença, simplesmente não há nada quasi-experiência no início para começar. (p.
13-14)24
24
“The first such difficulty is the original embarrassment of the ‘inner eye’ and the concern that it cannot be
cashed out as anything other than a misleading metaphor. There is no perceptual organ of introspection, in
anything like the way there are identifiable organs of sight and hearing and the like. Further, something like a
person’s sensation of red is not to be analyzed into an independent object accompanied by an act of perceiving
it. Aside from familiar ontological problems with the reification of sense data, and regress problems with the
idea of ‘the perception of an appearance,’ there simply doesn’t even seem to be any ‘appearance’ or perceptual
presentation of one’s belief or sensation that would be the experiential basis for the quasi-perceptual judgment,
for example, that one has a headache, or believes that Wagner died happy. While ‘representationalism’ is a
Neste ponto, percebemos uma clara confusão ontológica, consistindo na compreensão de que
a experiência perceptual de um objeto vem descolada do ​qualia do próprio objeto, e na
experiência introspectiva haveria uma quasi-experiência introspectiva como base para a
própria experiência introspectiva, se ela fosse o caso. Entretanto, tal confusão se desfaz na
medida em que refletimos acerca da própria experiência cotidiana, na medida em que
percebemos a tonalidade da cor de algo, o objeto já traz a nossa experiência sensória a
compreensão da sua tonalidade, por exemplo, da sua vermelhidão, assim não há uma
experiência anterior a experiência.
2.2.2.2 Método do sentido interno
Semelhante ao método da introspecção o método do sentido interno possui algumas
semelhanças com relação ao primeiro. O sentido interno é similar a uma percepção, ou seja,
possui um processo de monitoramento do que ocorre dentro da mente, assim tem-se um
auto-escaneamento das representações mentais que entram e saem da mente. Entretanto, a
“Percepção é obtida através de órgãos dedicados, como olhos e ouvidos, enquanto não há
nenhum órgão (literal) de introspecção.” (GERTLER, 2015). Com isso, pode-se afirmar que25
o sentido interno, semelhantemente à introspecção, partilha de sua forma de obter as
informações, isto é, ambas obtêm as informações através da “atenção”, a qual se envolveria
com o estado almejado, mas percepção demanda experiência sensível. Assim qual é a
sensação de um pensamento? É semelhante à sensação de frio, ou fome, ou à vermelhidão de
uma maçã? Ao que parece, tais experiências carecem de experiência sensível, dessa forma
podendo-se somente serem almejada para conhecerem os estados mentais referentes a
sensações, enquanto experiências internas.
Uma outra visão sobre o sentido interno pode ser esboçada, na qual compõem os
filósofos Lycan e Armstrong. Para ambos, o autoconhecimento é um produto confiável, o
qual sonda as atitudes proposicionais de primeira e segunda ordem. Para tanto, a origem da
sondagem ocorre no cérebro e opera no nível subpessoal. Destarte por meio da “atenção” o
controversial thesis about the ordinary perception of objects in the world, on nobody’s view is the awareness of
one’s headache mediated by an appearance of the headache. And in the case of attitudes like belief, there is
simply nothing quasi-experiential in the offing to begin with.” (MORAN, 2001, p. 13-14)
25
“Perception is achieved through dedicated organs such as eyes and ears, whereas there is no (literal) organ of
introspection.” (GERTLER, 2015)
sentido interno acompanha o pensamento em ação, entretanto isso não embasa sob como o
mesmo em nível subpessoal se monitora os pensamentos e como essa atenção poderia denotar
autoridade e transparência. (Cf. COLIVA, 2016, p. 93). Tal atenção opera em todos
pensamentos, mas como operaria com as razões em nível “subpessoal”? Como proceder com
as emoções que por vezes não têm objeto de atenção?
2.2.2.3 Método da transparência
Contrapondo-se ao método empirista, no método que apresentarei não há um “olho
interno”, mas um olho externo. Assim, podemos questionar, conhecemos as razões para
nossas atitudes proposicionais olhando para fora?
(...) ao fazer uma auto-atribuição de crença, os olhos estão, por assim dizer, ou às
vezes literalmente, dirigidos para fora – para o mundo. Se alguém me pergunta
‘Você acha que está para acontecer uma terceira guerra?’, eu devo atentar,
respondendo a ele, precisamente para os mesmos fenômenos externos que eu iria
atentar se eu estivesse respondendo a pergunta ‘Será que está para acontecer uma
terceira guerra mundial?’. Eu me encontro numa posição para responder a
pergunta se eu acredito que p em que colocando em operação os mesmos
procedimentos para responder à pergunta se p. (EVANS, 1982, p.225 apud SILVA
FILHO, 2013, p. 89)
Gareth Evans reflete acerca dos estados mentais, enquanto a observação de um sujeito sobre
seu entorno, a partir do ponto de vista do sujeito, ora olhando para dentro de si, ou seja, para
suas crenças, ora olhando para fora de si, isto é, para o seu entorno. Desta forma o estado
mental de crença é transparente ao agente no sentido de que, para responder a pergunta sobre
a crença sobre se eu acredito que haverá terceira guerra mundial (a qual necessita do olhar
para dentro) envolve as mesmas razões para responder a pergunta se vai ocorrer um terceira
guerra mundial (a qual necessita de um olhar para fora), mas ambas são sobre o mundo, ou
seja, uma mesma referência sob análise de razões diferentes para as respostas.
Analisemos o exemplo a seguir. Se me perguntarem “Você acredita que vai chover
hoje?” eu olho para fora de casa, vejo que o céu está nublado, mas respondo que não irá
chover. Note que a pergunta busca verificar qual meu estado mental, diferentemente da
pergunta “Será que vai chover hoje?” o qual intenta verificar sobre o mundo, pois, mesmo
que chova, não dependerá de minha crença se irá ou não chover. Com isso Richard Moran
desenvolve o “método da transparência”, no qual o filósofo afirma que,
De dentro da perspectiva em primeira pessoa, reconheço as duas questões como
distintas em virtude de reconhecer que o que minhas crenças são direcionadas é
um mundo independente, e elas podem, portanto, não se conformar a ele. (...) A
alegação, então, é que uma pergunta em primeira pessoa sobre a crença de alguém
é respondida por referência (ou consideração) às mesmas razões que justificariam
uma resposta à pergunta correspondente sobre o mundo​. ​(MORAN, 2001, p. 62)26
Com isso, a transparência reside no método da transparência salientada por Richard Moran, a
partir de Gareth Evans. Destarte se observa, conforme Silva Filho, o aspecto racional do
método da transparência no autoconhecimento das próprias crenças, a saber,
(...) se eu sou agente racional, eu posso conhecer minha atitude acerca de p e quais
as justificações disponho para garantir a verdade de p; ao rever e considerar
minhas justificações, posso, posteriormente, expressar a minha atitude intencional
acerca de p. (2013, p. 94)
Considerando minha capacidade, preservada pelo método da transparência, do agente
racional, o qual é capaz de ter uma crença de segunda ordem, ou seja, de que o agente sabe
que sabe que p. Assim ele possui a justificação para acreditar em tal crença e assim
auto-atribuir a si determinado estado mental.
Destarte, para Moran, a Condição de Transparência deve comportar o ajuste de
mundo-mente e mente-mundo. Em outras palavras para que se possa ter uma atitude
proposicional Transparente ela tem de ter as mesmas justificações para as afirmações sobre
minha crenças. Por exemplo, “eu acredito que o céu é azul”, e sobre a realidade do mundo
independente de minha crença, isto é, sobre a verdade de P, por exemplo, (consequente do
exemplo anterior) que o céu tenha a cor azul (MORAN, 2001, p. 66).
Mesmo com a clareza acerca do método da transparência ainda sim é possível tecer
algumas críticas. Um dos autores que realiza tal crítica é Peter Carruthers (2011), em seu
livro “​The Opacity of Mind: An Integrative Theory of Self-Knowledge”, explicitando a
oposição da seguinte forma,
Um problema com esta sugestão é que parece ter apenas uma gama limitada de
aplicação. Pois mesmo se a proposta funciona para o caso de julgamento e de
crença, é muito difícil ver como se poderia estender para explicar o nosso
conhecimento dos nossos objetivos próprios, decisões e intenções - e muito menos
26
“From within the first-person perspective I acknowledge the two questions as distinct in virtue of
acknowledging that what my beliefs are directed upon is an independent world, and they may therefore fail to
conform to it. So, rather than reducibility or indistinguishability, the relation of transparency these writers are
pointing toward concerns a claim about how a set of questions is to be answered, what sorts of reasons are to be
taken as relevant. The claim, then, is that a first-person present-tense question about one’s belief is answered by
reference to (or consideration of) the same reasons that would justify an answer to the corresponding question
about the world.” (MORAN, 2001, p. 62)
o nosso conhecimento de nossas próprias atitudes de se perguntando, supondo,
temendo e assim por diante. Pois em tais casos, é duvidoso que haja qualquer
pergunta sobre o mundo, encontrar a resposta para o que vai me dizer o que eu
quero, decidir, a intenção, ou medo. No caso de desejo que eu posso perguntar se
algo é bom, por exemplo. Mas, em seguida, a inferência de, 'X é bom' para, 'Eu
quero X' parece instável. Da mesma forma, no caso de medo que eu posso
perguntar se algo é perigoso, ou se tenho medo dela. Mas, novamente, a inferência
de 'X está com medo' para, 'eu temo X' parece igualmente infundada. Eu posso
muito bem reconhecer que algo está com medo, sem ter medo dela. (p. 81)27
Neste ponto, percebemos que o método da transparência parece ser aplicável somente às
crenças. No tocante aos desejos não há uma implicação direta entre a atitude proposicional
de, por exemplo, “eu creio que sorvete é bom” e o estado mental “eu quero sorvete”. E
consequentemente a explicação de nossas ações. O mesmo vale para alguns estados
emocionais.
2.2.2.3 Método do agencialismo
Brie Gertler, filósofa norte-americana, ressalta a definição da agência racional para o
autoconhecimento dos próprios estados mentais, esclarecendo acerca do método agencialista
para o autoconhecimento. Destarte, agência racional se define como
Nossa capacidade de conformar nossas atitudes com nossas razões e de nos
comprometer com essas atitudes por meio de expressões (Burge 1996; Moran
2001; Bilgrami 2006; Boyle 2009). Eu vou me referir a esta posição como
agencialismo sobre autoconhecimento.” (2016, p. 1)28
Assim, compreendemos que, para o método agencialista, nossas atitudes têm de estar em
conformidade com nossas razões, ou seja, nossas atitudes no mundo ao nosso entorno
derivam de nossas próprias razões evitando assim uma contradição entre ter um estado
mental e agir segundo outro estado mental diferente do que causou a ação.
27
“One problem with this suggestion is that it appears to have only a limited range of application. For even if the
proposal works for the case of judgment and belief, it is very hard to see how one might extend it to account for
our knowledge of our own goals, decisions, or intentions—let alone our knowledge of our own attitudes of
wondering, supposing, fearing, and so on. For in such cases it is doubtful whether there is any question about the
world, finding the answer to which will tell me what I want, decide, intend, or fear. In the case of desire I can
ask whether something is good, for example. But then the inference from, “X is good” to, “I want X” appears
shaky. Likewise in the case of fear I can ask whether something is dangerous, or fearful. But again the inference
from, “X is fearful” to, “I fear X” seems equally unsound. I can perfectly well recognize that something is
fearful without being afraid of it.” (CARRUTHERS, 2011, p. 81)
28
“Critics who press this objection contend that our capacity for self-knowledge derives from our rational
agency—our ability to conform our attitudes to our reasons, and to commit ourselves to those attitudes through
avowals (Burge 1996; Moran 2001; Bilgrami 2006; Boyle 2009). I’ll refer to this position às agentialism about
self-knowledge.” (GERTLER, 2016, p. 1)
Gertler versa sobre o autoconhecimento quanto a sua justificação. Tal justificação
pode ser tanto empírica quanto ​a priori​. A primeira toma como justificação para seus
próprios estados mentais, a empiria, ou seja, as percepções empíricas que obtemos por meio
de nossos sentidos externos. Por exemplo, “eu sei que não esta chovendo” e meu interlocutor
me questiona “como você sabe disso?” e eu respondo “porque eu estou vendo”, destarte eu
olho para fora e verifico que o céu esta azul e sem nuvens. Portanto justifico meus estados
mentais por meio de minhas percepções, isto é, retiro da empiria minha justificativa. É
possível também por meio de testemunho justificar minha crença de que não esta chovendo
na Europa, por exemplo, acessando um site sobre o clima e assim ter uma justificativa,
entretanto não é a mesma forma de justificação perceptual, mas é empírico, pois o
testemunho é externo a mim, em outras palavras, de alguma maneira através dos sentidos. Já
a justificação enquanto ​a priori (sem empiria), ocorre por meio de dedução lógica, por
exemplo, (1) Todos os homens são mortais, (2) Sócrates é um homem, (3) logo Sócrates é
mortal. Tal conclusão é possível, pois, sem mesmo conhecer Sócrates, posso saber de sua
existência, não possuir conhecimento perceptual sobre ele e mesmo assim ter um
conhecimento lógico dedutivo de que ele é mortal.
Para demonstrar que a visão empírica sobre o autoconhecimento se mostra
insuficiente, analisemos o seguinte argumento:
1. Como agentes racionais, somos obrigados a satisfazer determinadas normas
racionais.
2. Satisfazendo algumas dessas normas racionais requer raciocínio criticamente
sobre as atitudes.
3 *.Não se pode raciocinar criticamente sobre as atitudes, a menos que se pode
conhecer as atitudes não-empiricamente.
4 *.Podemos satisfazer as nossas obrigações, como agentes racionais, só se
podemos conhecer nossas atitudes não-empiricamente. (1-3 *)
5. "S é obrigado a A" implica "S podem A".
6 *.Como agentes racionais, podemos conhecer as nossas atitudes
não-empiricamente. (A partir de 4 * & 5). (GERTLER, 2016, p. 8, )29
No ponto 3, percebemos a afirmação de que o agencialismo propõe para o empirismo,
segundo Gertler, que somente se pode raciocinar criticamente sobre as atitudes se é possível
conhecer as atitudes não-empiricamente, isto é, pela razão. Para tanto a filósofa traz o
29
“1. As rational agents, we are obligated to satisfy certain rational norms. 2. Satisfying some of those rational
norms requires reasoning critically about one’s attitudes. 3*. One cannot reason critically about one’s attitudes
unless one can know one’s attitudes non-empirically. 4*. We can satisfy our obligations, as rational agents, only
if we can know our attitudes non-empirically. (from 1–3*) 5. “S is obligated to A” implies “S can A”. 6*. As
rational agents, we can know our attitudes non-empirically. (from 4* & 5).” (GERTLER, 2016, p. 8)
exemplo de Burge do seu artigo “Our Entitlement to Self-Knowledge”, o qual versa sobre um
jurado que sabe que o réu é culpado, entretanto a evidência para isso é fraca, destarte ele tem
motivos para suspender sua crenças, entretanto o jurado busca refletir, não sobre suas razões,
mas sobre quais razões serão eficazes para suspender sua crença. Portanto não se trata de uma
auto-reflexão, de um raciocínio crítico. No raciocínio genuinamente crítico a crença
injustificada seria imediatamente eliminada, ou seja, as crenças são sensíveis as razões de
maneira direta sem intermediários. (GERTLER, 2016, p. 8)
A disparidade das atitudes com nossas crenças racionais muitas vezes ficam aquém de
nossa auto-reflexão crítica. No exemplo do jurado que mesmo procurando racionalmente
alguma forma de manter sua crença racional fraca sobre algo por ele percebido por seu
sentidos, ele demonstra a divergência de sua percepção e sua formação da crença com base
nos seus sentidos perceptuais. Dado tal compreensão, manter sua crenças violaria as normas
racionais com relação às suas próprias percepções.
Para tornar mais claro este assunto, segue outro exemplo. Uma pessoa apaixonada por
determinado time de futebol, digamos que o time X jogou mal e, mesmo assim, para o
apaixonado o time X ainda é fantástico, afirmando que seu time é bom, quando na realidade
perdeu. Percebe-se que sua crença racional não se encontra em conformidade com as
evidências, e não parece contribuir para uma auto-reflexão crítica sobre suas percepções
denotando a insuficiência para o agencialismo. Destarte parte da racionalidade se mantém
consistente enquanto interna à própria crença, de crer que o time é bom, isso não constitui
uma irracionalidade, entretanto quando estipulada a relação causal da crença demonstra a
incoerência com as evidências, a saber de que o time não jogou bem, pois perdeu. Assim o
empirismo não parece resistir às exigências do agencialismo e tal método por vezes não é
seguido fielmente, ou seja, a agência racional não é seguida com rigidez.
2.2.2.5 Método inferencialista
Acerca do método inferencialista sobre o autoconhecimento dos próprios estados
mentais temos duas versões, a saber, de Gopnik’s e Cassam .30 31
30
Veja em Gopnik, A. (1983). How we know our minds: The illusion of first-person knowledge of
intentionality. Behavioral and Brain Sciences , 16 , 1–15. Reprinted in Goldman, A. (ed) (1993). Readings in
philosophy and cognitive science. Cambridge MA: MIT Press.
31
Veja em CASSAM, Quassim. Self-Knowledge for humans. Oxford: Oxford University Press, 2014.
Gopink’s (1983) aborda o autoconhecimento somente enquanto conhecimento das
atitudes proposicionais manifestas, ou seja, considera o comportamento manifesto como base
para as inferências que compõem o autoconhecimento. Considerando o modelo observacional
para a inferência dos estados mentais, com isso também considera que crianças podem
realizar atribuição de estados mentais aos outros, pois fizeram auto-atribuição de estados
mentais para si mesmas. Entretanto como tais crianças realizariam inferências complexas,
como por exemplo, sobre o ​amor​? Considerando-se a emoção amor como emoção complexa.
Ainda Gopink’s considera que possuindo teoria da mente dos outros, tais como cientistas têm
teorias sobre a ciência, seria uma questão de prática para, por assim dizer, ver os estados
mentais. Descartes utiliza esse termo de forma metafórica, pois nem a criança, nem os
teóricos experientes dos estados mentais viriam algo, tal como um estado mental. Gopink’s
recai em um behaviorismo grosseiro, ou seja, perante o exemplo do desejo de comer um
sorvete se corre o risco de se pressupor a crença de que o sorvete satisfaz meu desejo de
comer sorvete. (COLIVA, 2016, p. 85-86).
Já Quassim Cassam (2014) afirma que o autoconhecimento é holístico e não linear, e
sua suposta circularidade é genuína e não viciosa (p. 169). Por exemplo, para saber que tenho
uma atitude proposicional A, tenho que que acreditar em A, ou para saber que seu sentimento
é F, necessita-se saber o sentimento de F, para o filósofo isso não é benéfico, pois não auxilia
na explicação do estado mental. Todavia, se, por exemplo, para Katerine, não necessita saber
que ela anseia por outra criança, a fim de saber que ela anseia por outra criança, pois ela
necessita de outras interpretações sobre sua vida mental para interpretar seus sentimentos.
Isso, conforme Cassam (2014, p. 169) é um círculo benigno.
Em contraste, o círculo vicioso versa sobre as atitudes ocorrentes. Por exemplo, eu
julgo que P. Mas como conheço meus próprios julgamentos? Isso é mais difícil de se
estabelecer. Pois para Cassam é possível que “Você pense ou diga às palavras corretas no seu
discurso interno mas sua ação mental não tem as conexões corretas para para que ele
constitua seu julgamento que P​.” (2014, p. 169).32
Coliva critica a posição de Cassam de que temos um “incentivo interno” ao, por
exemplo, desejar um sorvete, pois interpretamos o contexto e obtemos o desejo, ou seja,
temos uma inferência com uma interpretação. Isto é, ao desejar um sorvete temos outras
32
“You think or say the right words in inner speech but your mental action doesn’t have the right connections
for it to constitute your judging that P”. (CASSAM, 2014, p. 169)
interpretações de nosso contexto que nos incentivam a ter tal desejo. Entretanto, Coliva, alega
que, ao desejarmos algo não parece que temos o “incentivo interno” enquanto instância
anterior ao próprio desejo. (2016, p.87). Destarte, operações inferenciais ocorrem em nível
sub-pessoal (incentivo interno). Assim, a filósofa afirma que, ao se levar para o nível
subpessoal - para saber que tenho determinado sentimento, tenho que conhecer aquele
sentimento, conhecer os conceitos, interpretar o contexto - no qual as inferências não são
bases epistemológicas para auto-atribuições de estados mentais, no caso, do desejo. Com isso
tal inferencialismo não explana claramente acerca do autoconhecimento.
2.2.2.6 Método da simulação de outras mentes
Nas teorias da da simulação conhecer os próprios estados mentais seria uma questão
de simulação, ou seja, simular outras mentes e assim emitir julgamentos sobre elas. Assim
criando tanto a perspectiva de terceira-pessoa quanto a da primeira-pessoa. Na teoria da
simulação não aborda diretamente o autoconhecimento, contudo há uma compreensão a ser
elucidada no que tange a simulação do conhecimento de nós mesmos em situações
hipotéticas e da natureza das atitudes proposicionais.
Gordon (1995) se interessa na situação hipotética, a qual pode prever nossos
comportamentos. Por exemplo, se questionado sobre “o que você vai fazer se haver uma
terceira guerra mundial?” eu poderia responder essa questão afirmando que vou pra guerra.
Para o filósofo isso preveria minhas ações, ou seja, anteciparia o conhecimento sobre meu
próprio estado mental. Com isso, em certa medida, eu obteria um conhecimento prévio acerca
do meu estado mental, assim podendo afirmar ter em alguma medida autoconhecimento, ou
autoconhecimento hipotético, uma vez que já conheço meu estado mental na situação
hipotética. Entretanto para Gordon, não se pode explicar a confiabilidade nas previsões, pois
podemos nos surpreender com respostas atípicas a essas simulações (1995, p. 63). Portanto,
com tais simulações adquirimos somente pistas sobre o conhecimento de nossos estados
mentais, sendo que os seres humanos muitas vezes são imprevisíveis
Dessa maneira quando o enfoque recai sobre auto-atribuições psicológicas, tais como
“eu acredito, que”, “eu desejo que”, “eu estou sentindo”, os filósofos Goldman e Gordon
entram em desacordo. O ponto de conflito se encontra no fato que, segundo Goldman,
aprendemos conceitos psicológicos introspectivamente e em primeira pessoa. Ou seja,
identificamos de forma introspectiva em qual estado mental estou, e simulando outras mentes
e aplica-se essas atitudes proposicionais aos demais (herda-se nesse ponto de Goldman toda a
problemática da introspecção). Já Gordon objeta quanto ao apelo a introspecção e a criação
de terceiras-pessoas, e quanto a necessidade de conhecer os próprios estados mentais
(COLIVA, 2016, p. 90-91). Para tanto, o filósofo traz uma visão alternativa favorecida pelos
defensores da teoria-teoria, a qual é, a saber,
(...) um número de leis ou princípios "folclóricos" que conectam estados mentais
com estímulos sensoriais, respostas comportamentais e outros estados mentais. Aqui
estão alguns exemplos supostos:
Lei de visão : Se ​S é na frente do objeto ​O​, ​S dirige seu olhar para ​O , sistema visual
de ​S está funcionando corretamente, e as condições ambientais são ótimas, em
seguida, ​ceteris paribus S​ verá ​O​ .
Lei do silogismo prático : Se ​S deseja um determinado resultado ​G e ​S acredita que
através da realização de uma determinada ação ​A ela obterá ​G​, em seguida, ​ceteris
paribus S​ vai decidirá executar ​A​. (BARLASSINA; GORDON, 2017, p.22)33
Destarte, nota-se leis e princípios que ligariam inferências a outros estados mentais. Também
no sentido de atribuir inferências a terceira-pessoa, algo que a simulação da teoria-teoria
poderia explicar devido ao conhecimento de mente que se tem que possuir para poder explicar
às outras mentes. Entretanto para Gordon às crianças aprendem a utilizar os conteúdos
psicológicos, não por introspecção, nem por inferência, mas na utilização diária. Contudo, às
crianças não possuem claramente, por exemplo, o conteúdo conceitual do “eu”, entretanto
utilizam no seu dia-a-dia. Ou seja, às crianças aprenderam um pedaço do comportamento
linguístico que não envolve posse real dos conceitos, por exemplo, “eu desejo P”, a criança
não sabe o que significa P, nem a referência do “eu” . Logo, ao simular os outros e usar o
aprendizado, teremos continuidade semântica das inferências individualizadas, que mesmo
não possuindo o conhecimento completo sobre o conteúdo semântico, se adequa ao uso
necessário para o contexto.
Para dar plena posse dos conteúdo Gordon exige que saiba a distinção entre fato e a
representação do sujeito. Por exemplo, uma criança fala “eu quero sorvete”, pois aprendeu o
que seja sorvete em um determinado contexto, entretanto, para que ela tenha posse do
conceito terá de separar o fato, seu desejo, do sorvete, algo que para uma criança é algo
33
“(...) ​a number of “folk” laws or principles connecting mental states with sensory stimuli, behavioural
responses, and other mental states. ​Law of sight​: If S is in front of object O, S directs her eye-gaze to O, S’s
visual system is properly functioning, and the environmental conditions are optimal, then ceteris paribus S will
see O. Law of the practical syllogism: If S desires a certain outcome G and S believes that by performing a
certain action A she will obtain G, then ceteris paribus S will decide to perform A.” ​(BARLASSINA;
GORDON, 2017, p.22)
complexo, pois ela não entende o que seria desejo, ou mesmo a referência do pronome “eu”.
Para o autor, com relação às crianças, em suas simulações não compreenderiam a referẽncia
do “eu”. Por vezes, se confundindo com às outras simulações, pois projeta sua mente em
outra pessoa, sendo que a simulação ocorre em nível de primeira-pessoa.
Contudo a simulação é útil para o exercício do autoconhecimento. Pois ela fornece
simulações hipotéticas e (ou não) futuras, mas podendo ser falíveis. Isso não denotaria
irracionalidade no agente, o qual pode não atentar para alguns aspectos das simulações, tanto
quanto na vida real não realizar uma interpretação adequada do seu entorno. Assim o
autoconhecimento por via de simulação é falível, colocando em questão a autoridade de
primeira pessoa, visto que a simulação é uma fonte para o autoconhecimento de terceira
pessoa.
2.3 AUTOCONHECIMENTO EMOCIONAL
Segundo o exposto acima, podemos autoconhecer os próprios estados mentais, ou
seja, atitudes proposicionais, pensamentos, sensações, crenças, desejos, julgamentos e
emoções. Entretanto, cabe adequar o método próprio de cada estado segundo suas
características. Dessa forma, passo a analisar os limites e possibilidades metodológicas do
autoconhecimento emocional.
Autoconhecimento emocional refere-se ao conhecimento das próprias emoções. Se
compreendermos as emoções enquanto processos cognitivos relativos às crenças, então o
método da transparência basta para sua efetivação. Assim, ao estarmos de posse das
justificações sobre nossos estados mentais emocionais, estaríamos nos autoconhecendo
emocionalmente. Mas como justificar a emoção da depressão? Quais seriam as justificativas,
eu as teria claramente dispostas em minha mente? Se a depressão não possui objeto externo
particular que possa ser atribuído um padrão de correção, como justificar as atitudes mentais?
Parece não ser o caso.
Agora, se considerarmos as emoções enquanto processos fenomênicos, o que
obteríamos são somente sensações? Vejamos, por exemplo, a análise da felicidade e alegria
de Schwitzgebel
Os estados emocionais de alegria, raiva e medo são sempre ou só às vezes
fenomenalmente sentidos como parte do fluxo da experiência consciente de
alguém? Sua fenomenologia, seu caráter experimental é sempre mais ou
menos o mesmo ou difere muito de caso a caso? Por exemplo, a alegria está
às vezes na cabeça, às vezes é mais visceral, às vezes uma excitação, às
vezes expansividade- ou, em vez disso, a alegria tem sempre um centro
único, consistente, distintivo e identificável? A consciência emocional é
simplesmente a experiência da excitação corporal e outros estados
corporais, como William James parece sugerir? Ou, como muitas pessoas
pensam, pode incluir ou mesmo ser exaurida por algo menos literalmente
visceral? A experiência emocional é consistentemente localizada no espaço
(por exemplo, os lugares particulares no interior do corpo e da cabeça de
alguém)? (2008, p. 249).
Digamos que sim, a emoção é a excitação corporal, conforme James nos recorda. Assim, o
método do sentido interno faz jus a duas formas de perceber as próprias sensações do corpo.
O sujeito foca ação sobre si mesmo e passa a se autoconhecer emocionalmente. Entretanto, se
a sensação não possui representação no mundo, como ela poderia assumir uma objetividade,
por exemplo, com relação à emoção de inveja? Sendo que a inveja está relacionada a algo
externo ao próprio sujeito? Aqui o sentido interno não parece ser o caso.
Suponhamos que as emoções são constitutivas, ou seja, por via do agencialismo. Do
agencialismo, segue-se que as ações têm de estar em conformidade com as razões, assim as
ações devem estar em conformidade com as próprias razões das emoções. Desta forma, se as
emoções forem se constituindo enquanto razões, acabam por deixar escapar alguns aspectos
nos quais as razões por vezes não se encaixam. Por exemplo, pessoas com crises de pânico,
se você perguntar o que ela sente, esta não saberá responder, pois somente sente uma forte
dor no corpo, um sentimento de que irá morrer, mesmo sem saber o por quê. Nesse exemplo,
a razão fica de fora e, consequentemente, não se consegue obter conformidade com as
próprias ações, devido a uma falta de referência para as próprias emoções.
3. OBJETIVOS E FORMULAÇÃO DA TESE
3.1 OBJETIVOS GERAIS
Este projeto visa encontrar respostas para as seguintes questões:
● Qual a ontologia das emoções?
● Concebendo as emoções como experiências sensoriais, é possível o autoconhecimento?
● Concebendo as emoções como desejos, é possível autoconhecimento?
● Concebendo as emoções juízos cognitivos e avaliativos (crenças), é possível o
autoconhecimento?
● Conforme a resposta às perguntas anteriores, quais são as possibilidades e limites para o
autoconhecimento emocional?
● Conforme a resposta às perguntas anteriores, por qual(ais) metodologia(s) podemos obter
autoconhecimento emocional?
3.2 TESES/HIPÓTESES PRINCIPAIS
A hipótese principal a ser investigada é que há diversos tipos de emoções, as quais
possuem características distintas. Assim, tais características afirmam ou negam a
possibilidade de um ou mais métodos para o autoconhecimento das emoções. Há muita
concorrência quanto aos tipos de emoções que existem e em quais categorias elas se
encaixam, se são emoções básicas ou “complexos, coordenados e automatizados” (GOLDIE,
2000, p. 105-106) ou emoções básicas, às quais o agente é portador do conceito da emoção
presente e sujeito das próprias emoções. Contudo, o agente nas emoções básicas não realiza
interpretações sobre a própria emoção, a qual pode vir a ser modificada, sendo isso o caso das
emoções complexas (COLIVA, 2016, p. 229-230). Destarte, à medida que se obtêm maior
clareza acerca da ontologia e classificação das emoções, é possível especificar com maior
precisão seus detalhes para, a partir desse ponto, verificar a melhor metodologia para se
autoconhecer emocionalmente.
Consequentemente, após o delineamento das estruturas das emoções, obter-se-á com
mais clareza o caminho para se conhecer as emoções, tanto quanto verificar as emoções que
ainda não possuem estrutura conhecida. Assim, atinge-se um pluralismo metodológico para
os diversos tipos de emoções, ou seja, um pluralismos metodológico do autoconhecimento
emocional.
Considerando-se que há diversos tipos de estados mentais, conforme uma pesquisa
mais recente publicada no livro intitulado ​The varieties of self-knowledge, da filósofa Anna
Coliva (2016), defende-se o pluralismo sobre o autoconhecimento dos próprios estados
Autoconhecimento emocional pluralista
Autoconhecimento emocional pluralista
Autoconhecimento emocional pluralista
Autoconhecimento emocional pluralista
Autoconhecimento emocional pluralista
Autoconhecimento emocional pluralista
Autoconhecimento emocional pluralista
Autoconhecimento emocional pluralista

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Projeto de Dissertação de Mestrado em Filosofia
Projeto de Dissertação de Mestrado em Filosofia Projeto de Dissertação de Mestrado em Filosofia
Projeto de Dissertação de Mestrado em Filosofia Jocilaine Moreira
 
Hip gadotti-110922094326-phpapp02 (1)
Hip gadotti-110922094326-phpapp02 (1)Hip gadotti-110922094326-phpapp02 (1)
Hip gadotti-110922094326-phpapp02 (1)ERILENE OLIVEIRA
 
Planejamento anual filosofia- 3 em
Planejamento anual  filosofia- 3 emPlanejamento anual  filosofia- 3 em
Planejamento anual filosofia- 3 emIlca Guimarães
 
Atividade diagnostica filosofia e religiao 1 3 serie
Atividade diagnostica filosofia e religiao 1   3 serieAtividade diagnostica filosofia e religiao 1   3 serie
Atividade diagnostica filosofia e religiao 1 3 serieEscola Estadual de São Paulo
 
Introdução à Fenomenologia de Husserl.pdf
Introdução à Fenomenologia de Husserl.pdfIntrodução à Fenomenologia de Husserl.pdf
Introdução à Fenomenologia de Husserl.pdfFelipe Pinho
 
AULA 01 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO.ppt
AULA 01 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO.pptAULA 01 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO.ppt
AULA 01 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO.pptJuarezNeto13
 
Aula 1: Pós Médio- Um mundo de possibilidades
Aula 1: Pós Médio-  Um mundo de possibilidadesAula 1: Pós Médio-  Um mundo de possibilidades
Aula 1: Pós Médio- Um mundo de possibilidadesSmioVeiga
 
Questões de Sociologia - Ensino Médio - Discursiva - Objetiva
Questões de Sociologia - Ensino Médio - Discursiva - ObjetivaQuestões de Sociologia - Ensino Médio - Discursiva - Objetiva
Questões de Sociologia - Ensino Médio - Discursiva - ObjetivaDarlan Campos
 
Psicologia da Educação
Psicologia da Educação Psicologia da Educação
Psicologia da Educação Carlos Caldas
 
Mapa conceitual - Ética
Mapa conceitual - ÉticaMapa conceitual - Ética
Mapa conceitual - ÉticaGilberto Cotrim
 
Mapa conceitual - Estética
Mapa conceitual - EstéticaMapa conceitual - Estética
Mapa conceitual - EstéticaGilberto Cotrim
 

Mais procurados (20)

Escritos de educação por Pierre Bourdieu
Escritos de educação por Pierre BourdieuEscritos de educação por Pierre Bourdieu
Escritos de educação por Pierre Bourdieu
 
Projeto de Dissertação de Mestrado em Filosofia
Projeto de Dissertação de Mestrado em Filosofia Projeto de Dissertação de Mestrado em Filosofia
Projeto de Dissertação de Mestrado em Filosofia
 
Ideologia
IdeologiaIdeologia
Ideologia
 
Introdução à filosofia
Introdução à filosofiaIntrodução à filosofia
Introdução à filosofia
 
Vigiar e punir
Vigiar e punirVigiar e punir
Vigiar e punir
 
Hip gadotti-110922094326-phpapp02 (1)
Hip gadotti-110922094326-phpapp02 (1)Hip gadotti-110922094326-phpapp02 (1)
Hip gadotti-110922094326-phpapp02 (1)
 
Planejamento anual filosofia- 3 em
Planejamento anual  filosofia- 3 emPlanejamento anual  filosofia- 3 em
Planejamento anual filosofia- 3 em
 
Aula - Introdução à Psicologia 1
Aula - Introdução à Psicologia 1Aula - Introdução à Psicologia 1
Aula - Introdução à Psicologia 1
 
Atividade diagnostica filosofia e religiao 1 3 serie
Atividade diagnostica filosofia e religiao 1   3 serieAtividade diagnostica filosofia e religiao 1   3 serie
Atividade diagnostica filosofia e religiao 1 3 serie
 
O Que é PolíTica
O Que é PolíTicaO Que é PolíTica
O Que é PolíTica
 
Pedagogia da autonomia
Pedagogia da autonomia Pedagogia da autonomia
Pedagogia da autonomia
 
Introdução à Fenomenologia de Husserl.pdf
Introdução à Fenomenologia de Husserl.pdfIntrodução à Fenomenologia de Husserl.pdf
Introdução à Fenomenologia de Husserl.pdf
 
AULA 01 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO.ppt
AULA 01 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO.pptAULA 01 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO.ppt
AULA 01 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO.ppt
 
Desenvolvimentismo - Aula 16
Desenvolvimentismo - Aula 16Desenvolvimentismo - Aula 16
Desenvolvimentismo - Aula 16
 
Aula 1: Pós Médio- Um mundo de possibilidades
Aula 1: Pós Médio-  Um mundo de possibilidadesAula 1: Pós Médio-  Um mundo de possibilidades
Aula 1: Pós Médio- Um mundo de possibilidades
 
Questões de Sociologia - Ensino Médio - Discursiva - Objetiva
Questões de Sociologia - Ensino Médio - Discursiva - ObjetivaQuestões de Sociologia - Ensino Médio - Discursiva - Objetiva
Questões de Sociologia - Ensino Médio - Discursiva - Objetiva
 
Introdução às Ciências Humanas
Introdução às Ciências HumanasIntrodução às Ciências Humanas
Introdução às Ciências Humanas
 
Psicologia da Educação
Psicologia da Educação Psicologia da Educação
Psicologia da Educação
 
Mapa conceitual - Ética
Mapa conceitual - ÉticaMapa conceitual - Ética
Mapa conceitual - Ética
 
Mapa conceitual - Estética
Mapa conceitual - EstéticaMapa conceitual - Estética
Mapa conceitual - Estética
 

Semelhante a Autoconhecimento emocional pluralista

AUTOCONHECIMENTO ENQUANTO POSSIBILIDADE EPISTEMOLÓGICA
AUTOCONHECIMENTO ENQUANTO POSSIBILIDADE EPISTEMOLÓGICAAUTOCONHECIMENTO ENQUANTO POSSIBILIDADE EPISTEMOLÓGICA
AUTOCONHECIMENTO ENQUANTO POSSIBILIDADE EPISTEMOLÓGICARobson Barcelos
 
A dimensão pessoal e social da Ética.pdf
A dimensão pessoal e social da Ética.pdfA dimensão pessoal e social da Ética.pdf
A dimensão pessoal e social da Ética.pdfjmapinho
 
O estilo emocional do cerebro - richard j. davidson[1]
O estilo emocional do cerebro   - richard j. davidson[1]O estilo emocional do cerebro   - richard j. davidson[1]
O estilo emocional do cerebro - richard j. davidson[1]Sueli Oliveira
 
Apontamentos cristianismo e cultura
Apontamentos cristianismo e culturaApontamentos cristianismo e cultura
Apontamentos cristianismo e culturaZé Santos
 
Espiritualidade e religiosidadade: articulações
Espiritualidade e religiosidadade: articulaçõesEspiritualidade e religiosidadade: articulações
Espiritualidade e religiosidadade: articulaçõesJozy Anne Aguiar
 
Conceito de relacionamento intrapessoal
Conceito de relacionamento intrapessoalConceito de relacionamento intrapessoal
Conceito de relacionamento intrapessoalProfessorRogerioSant
 
O mal estar na civilização
O mal estar na civilizaçãoO mal estar na civilização
O mal estar na civilizaçãoJorge Miklos
 
PPT - 200822MULHER AGUIA2.0.pptx
PPT - 200822MULHER AGUIA2.0.pptxPPT - 200822MULHER AGUIA2.0.pptx
PPT - 200822MULHER AGUIA2.0.pptxMatildePaulo1
 
Diálogos Sexualidade.pptx
Diálogos Sexualidade.pptxDiálogos Sexualidade.pptx
Diálogos Sexualidade.pptxssuserbfbaf4
 
A construção da identidade social
A construção da identidade socialA construção da identidade social
A construção da identidade socialJosé Luiz Costa
 
Causas da obsessão pedro vieira
Causas da obsessão   pedro vieiraCausas da obsessão   pedro vieira
Causas da obsessão pedro vieiraFrancisco de Morais
 
A importancia do que pensamos
A importancia do que pensamosA importancia do que pensamos
A importancia do que pensamosAndrea Leite
 
JUNG E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE personalidade.ppt
JUNG E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE personalidade.pptJUNG E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE personalidade.ppt
JUNG E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE personalidade.pptalinerabelo31
 
Conhecimento de si mesmo
Conhecimento de si mesmoConhecimento de si mesmo
Conhecimento de si mesmoHelio Cruz
 
Projeto de vida (aula 1)
Projeto de vida (aula 1)Projeto de vida (aula 1)
Projeto de vida (aula 1)Maritza Cirilo
 
Desenvolvimento da autoconsciência 12
Desenvolvimento da autoconsciência 12Desenvolvimento da autoconsciência 12
Desenvolvimento da autoconsciência 12Fatoze
 

Semelhante a Autoconhecimento emocional pluralista (20)

AUTOCONHECIMENTO ENQUANTO POSSIBILIDADE EPISTEMOLÓGICA
AUTOCONHECIMENTO ENQUANTO POSSIBILIDADE EPISTEMOLÓGICAAUTOCONHECIMENTO ENQUANTO POSSIBILIDADE EPISTEMOLÓGICA
AUTOCONHECIMENTO ENQUANTO POSSIBILIDADE EPISTEMOLÓGICA
 
A dimensão pessoal e social da Ética.pdf
A dimensão pessoal e social da Ética.pdfA dimensão pessoal e social da Ética.pdf
A dimensão pessoal e social da Ética.pdf
 
O estilo emocional do cerebro - richard j. davidson[1]
O estilo emocional do cerebro   - richard j. davidson[1]O estilo emocional do cerebro   - richard j. davidson[1]
O estilo emocional do cerebro - richard j. davidson[1]
 
Apontamentos cristianismo e cultura
Apontamentos cristianismo e culturaApontamentos cristianismo e cultura
Apontamentos cristianismo e cultura
 
Espiritualidade e religiosidadade: articulações
Espiritualidade e religiosidadade: articulaçõesEspiritualidade e religiosidadade: articulações
Espiritualidade e religiosidadade: articulações
 
Conceito de relacionamento intrapessoal
Conceito de relacionamento intrapessoalConceito de relacionamento intrapessoal
Conceito de relacionamento intrapessoal
 
O mal estar na civilização
O mal estar na civilizaçãoO mal estar na civilização
O mal estar na civilização
 
Desenvindividual
DesenvindividualDesenvindividual
Desenvindividual
 
PPT - 200822MULHER AGUIA2.0.pptx
PPT - 200822MULHER AGUIA2.0.pptxPPT - 200822MULHER AGUIA2.0.pptx
PPT - 200822MULHER AGUIA2.0.pptx
 
Diálogos Sexualidade.pptx
Diálogos Sexualidade.pptxDiálogos Sexualidade.pptx
Diálogos Sexualidade.pptx
 
6 teorias psicanalíticas
6 teorias psicanalíticas6 teorias psicanalíticas
6 teorias psicanalíticas
 
A construção da identidade social
A construção da identidade socialA construção da identidade social
A construção da identidade social
 
Causas da obsessão pedro vieira
Causas da obsessão   pedro vieiraCausas da obsessão   pedro vieira
Causas da obsessão pedro vieira
 
A importancia do que pensamos
A importancia do que pensamosA importancia do que pensamos
A importancia do que pensamos
 
JUNG E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE personalidade.ppt
JUNG E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE personalidade.pptJUNG E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE personalidade.ppt
JUNG E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE personalidade.ppt
 
Conhecimento de si mesmo
Conhecimento de si mesmoConhecimento de si mesmo
Conhecimento de si mesmo
 
Apostila obsessão lar rubataiana -2009 .doc - 10 doc
Apostila obsessão   lar rubataiana -2009 .doc - 10 docApostila obsessão   lar rubataiana -2009 .doc - 10 doc
Apostila obsessão lar rubataiana -2009 .doc - 10 doc
 
REFORMA INTIMA DE QUE FORMA FAZE-LA.pptx
REFORMA INTIMA DE QUE FORMA FAZE-LA.pptxREFORMA INTIMA DE QUE FORMA FAZE-LA.pptx
REFORMA INTIMA DE QUE FORMA FAZE-LA.pptx
 
Projeto de vida (aula 1)
Projeto de vida (aula 1)Projeto de vida (aula 1)
Projeto de vida (aula 1)
 
Desenvolvimento da autoconsciência 12
Desenvolvimento da autoconsciência 12Desenvolvimento da autoconsciência 12
Desenvolvimento da autoconsciência 12
 

Mais de Robson Barcelos

Representação e conteúdo mental
Representação e conteúdo mentalRepresentação e conteúdo mental
Representação e conteúdo mentalRobson Barcelos
 
Consciência de acesso e consciência fenomênica
Consciência de acesso e consciência fenomênicaConsciência de acesso e consciência fenomênica
Consciência de acesso e consciência fenomênicaRobson Barcelos
 
Teorias constitutivas do autoconhecimento
Teorias constitutivas do autoconhecimentoTeorias constitutivas do autoconhecimento
Teorias constitutivas do autoconhecimentoRobson Barcelos
 
Coliva’s constitutive theory of self knowledge
Coliva’s constitutive theory of self knowledgeColiva’s constitutive theory of self knowledge
Coliva’s constitutive theory of self knowledgeRobson Barcelos
 
Schirmerdossantos.expressivismo
Schirmerdossantos.expressivismoSchirmerdossantos.expressivismo
Schirmerdossantos.expressivismoRobson Barcelos
 
Pronto projeto-filo-cesar-autoconhecimento-pronto
Pronto projeto-filo-cesar-autoconhecimento-prontoPronto projeto-filo-cesar-autoconhecimento-pronto
Pronto projeto-filo-cesar-autoconhecimento-prontoRobson Barcelos
 
Defesa mono esp gest ufsm
Defesa mono esp gest ufsmDefesa mono esp gest ufsm
Defesa mono esp gest ufsmRobson Barcelos
 
QUANDO A VIOLÊNCIA INFANTO-JUVENIL INDAGA A PEDAGOGIA. Miguel Arroyo
QUANDO A VIOLÊNCIA INFANTO-JUVENIL INDAGA A PEDAGOGIA. Miguel ArroyoQUANDO A VIOLÊNCIA INFANTO-JUVENIL INDAGA A PEDAGOGIA. Miguel Arroyo
QUANDO A VIOLÊNCIA INFANTO-JUVENIL INDAGA A PEDAGOGIA. Miguel ArroyoRobson Barcelos
 

Mais de Robson Barcelos (10)

Representação e conteúdo mental
Representação e conteúdo mentalRepresentação e conteúdo mental
Representação e conteúdo mental
 
Consciência de acesso e consciência fenomênica
Consciência de acesso e consciência fenomênicaConsciência de acesso e consciência fenomênica
Consciência de acesso e consciência fenomênica
 
Teorias constitutivas do autoconhecimento
Teorias constitutivas do autoconhecimentoTeorias constitutivas do autoconhecimento
Teorias constitutivas do autoconhecimento
 
Coliva’s constitutive theory of self knowledge
Coliva’s constitutive theory of self knowledgeColiva’s constitutive theory of self knowledge
Coliva’s constitutive theory of self knowledge
 
Emoções
EmoçõesEmoções
Emoções
 
Schirmerdossantos.expressivismo
Schirmerdossantos.expressivismoSchirmerdossantos.expressivismo
Schirmerdossantos.expressivismo
 
Pronto projeto-filo-cesar-autoconhecimento-pronto
Pronto projeto-filo-cesar-autoconhecimento-prontoPronto projeto-filo-cesar-autoconhecimento-pronto
Pronto projeto-filo-cesar-autoconhecimento-pronto
 
Emoções
EmoçõesEmoções
Emoções
 
Defesa mono esp gest ufsm
Defesa mono esp gest ufsmDefesa mono esp gest ufsm
Defesa mono esp gest ufsm
 
QUANDO A VIOLÊNCIA INFANTO-JUVENIL INDAGA A PEDAGOGIA. Miguel Arroyo
QUANDO A VIOLÊNCIA INFANTO-JUVENIL INDAGA A PEDAGOGIA. Miguel ArroyoQUANDO A VIOLÊNCIA INFANTO-JUVENIL INDAGA A PEDAGOGIA. Miguel Arroyo
QUANDO A VIOLÊNCIA INFANTO-JUVENIL INDAGA A PEDAGOGIA. Miguel Arroyo
 

Último

Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Ilda Bicacro
 
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)ElliotFerreira
 
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de HotéisAbout Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéisines09cachapa
 
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxSlides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptx
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptxJOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptx
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptxTainTorres4
 
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteCOMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteVanessaCavalcante37
 
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...IsabelPereira2010
 
INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de Professor
INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de ProfessorINTERVENÇÃO PARÁ - Formação de Professor
INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de ProfessorEdvanirCosta
 
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfplanejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfmaurocesarpaesalmeid
 
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de..."É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...Rosalina Simão Nunes
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...azulassessoria9
 
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfPRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfprofesfrancleite
 
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdfFicha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdfFtimaMoreira35
 
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãConstrução (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãIlda Bicacro
 
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇJaineCarolaineLima
 
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕESCOMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕESEduardaReis50
 
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...azulassessoria9
 
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividadesRevolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividadesFabianeMartins35
 

Último (20)

Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
 
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
 
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de HotéisAbout Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
 
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULACINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
 
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxSlides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
 
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptx
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptxJOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptx
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptx
 
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteCOMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
 
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
 
INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de Professor
INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de ProfessorINTERVENÇÃO PARÁ - Formação de Professor
INTERVENÇÃO PARÁ - Formação de Professor
 
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfplanejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
 
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de..."É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
 
Aula sobre o Imperialismo Europeu no século XIX
Aula sobre o Imperialismo Europeu no século XIXAula sobre o Imperialismo Europeu no século XIX
Aula sobre o Imperialismo Europeu no século XIX
 
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfPRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
 
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdfFicha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
 
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãConstrução (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
 
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
 
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕESCOMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
 
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
 
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividadesRevolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
 

Autoconhecimento emocional pluralista

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA LIMITES E POSSIBILIDADES DA ABORDAGEM PLURALISTA SOBRE O AUTOCONHECIMENTO DAS EMOÇÕES PROJETO DE TESE DE DOUTORADO Róbson da Rosa Barcelos Santa Maria, RS, Brasil 2017
  • 2. SUMÁRIO 0. Dados de identificação 3 1. INTRODUÇÃO 4 2. REVISÃO DA LITERATURA 7 2.1 EMOÇÕES 7 2.1.1 Características das emoções 8 2.2 AUTOCONHECIMENTO 11 2.2.1 Características do Autoconhecimento 19 2.2.2 Métodos do autoconhecimento 23 2.2.2.1 Método da introspecção 23 2.2.2.2 Método do sentido interno 27 2.2.2.3 Método da transparência 27 2.2.2.3 Método do agencialismo 30 2.2.2.5 Método inferencialista 32 2.2.2.6 Método da simulação de outras mentes 34 2.3 AUTOCONHECIMENTO EMOCIONAL 36 3. OBJETIVOS E FORMULAÇÃO DA TESE 37 3.1 OBJETIVOS GERAIS 37 3.2 TESES/HIPÓTESES PRINCIPAIS 38 3.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 40 4. METODOLOGIA E PLANO DE TRABALHO 41 5. CRONOGRAMA DE ATIVIDADES 42 6. JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA 43 7. REFERÊNCIAS 44
  • 3. 0. Dados de identificação Nome do candidato: Róbson da Rosa Barcelos E-mail: robigolrobson@gmail.com Título do projeto: Graus de liberdade: ​Limites e possibilidades da abordagem pluralista sobre o autoconhecimento das emoções. Curso: Doutorado em filosofia Área de concentração: Filosofia Teórica e Prática Linha de pesquisa: Ética Normativa e Metaética Orientador pretendido: Flávio Williges Tempo para a execução previsto: 4 anos
  • 4. 1. INTRODUÇÃO N​ossa vida mental se constitui de diferentes estados mentais, sendo que um dos estados que compõem (nossa vida mental) são os estados emocionais ou emoções. Contudo, podemos afirmar que realmente temos estas emoções que sentimos? Ou será que estamos enganados e as outras pessoas conhecem melhor do que eu mesmo meus sentimentos? Posso estar enganado quanto à minha própria emoção? Ou seja, como podemos conhecer nossa emoção? Estamos a lidar aqui com dois aspectos filosóficos fundamentais: a natureza das emoções e sua significação em nossa vida moral, política e epistêmica e nossa capacidade de conhecê-las. Para tornar as dificuldades envolvidas nestes dois pontos mais clara, convém abordar, ainda que preliminarmente, a literatura em torno do chamado problema do autoconhecimento emocional. Concernente ao autoconhecimento não se caracteriza por conhecer meus gostos pessoais, nem se gosto mais de baunilha ou chocolate, mas segundo Schwitzgebel, (...) não são essas as atitudes (se prefiro baunilha ou chocolate) com as quais mais me importo- ou pelo menos elas não são as mais relevantes para o meu autoconhecimento no sentido moralmente impregnado de “autoconhecimento” da recomendação do oráculo de Delfos: “conhece-te a ti mesmo”. Supostamente o oráculo não estava interessado no coeficiente de conhecimento que as pessoas têm de suas atitudes em relação ao tempo que faz na Califórnia no mês de abril. À medida que a injunção “conhece-te a ti mesmo” pertence ao autoconhecimento de atitudes, devem ser atitudes como os nossos valores centrais e seus pressupostos fundamentais sobre o mundo e sobre outras pessoas. (2012, p. 191).1 O autoconhecimento emocional tem sido caracterizado por Schwitzgebel e Cassam como uma modalidade de autoconhecimento substancial, uma vez que não diz respeito ao conhecimento de estados mentais triviais como minhas preferências pessoas (se prefiro sorvete de baunilha a sorvete de chocolate) ou crenças triviais (acredito que chove muito em Santa Maria nesta época do ano), mas a estados mentais substanciais, uma vez que são reveladores de nossos valores, disposições, etc. No livro ​Self-knowledge for Humans​, Quasim Cassam procura investigar acerca dos estados mentais substanciais, ou seja, “nossos desejos 1 “But those aren’t the attitudes I care about most – or at least they’re not the ones most critical to my self-knowledge in the morally-loaded sense of “self-knowledge”, in the sense of the Delphic oracle’s recommendation to ‘know thyself’. The oracle was presumably not concerned about whether people knew their attitudes toward the April weather. To the extent the injunction to know oneself pertains to self-knowledge of attitudes, it must be attitudes like your central values and your general background assumptions about the world and about other people. And about such matters, I believe (I think I believe!) our self-knowledge is rather poor.” (SCHWITZGEBEL, 2012, 11-12)
  • 5. mais profundos, esperanças, medos, traços de caráter, emoções, habilidades, e valores, e aquilo que nos faz felizes” (CASSAM, 2014, p. vii). Assim, o autor parte da discussão da2 tese segundo a qual o autoconhecimento de ​emoções e traços de caráter ​difere significativamente do autoconhecimento de outros estados mentais triviais como ​sensações e pensamentos ocorrentes​. Por exemplo, ao levar um tiro não necessito de nenhuma inferência para sentir a dor, mas para saber que sinto ciúmes necessito acreditar que “posso ser traído pela minha esposa, por isso fico enciumado quando ela sai de casa”. Cassam (2014) sustenta que o conhecimento de estados mentais substanciais depende de evidências, enquanto formas de autoconhecimento trivial não parecem exigí-lo. Pois posso estar me enganando quanto a minha visão, ou sensação, entretanto, não me engano quanto à experiência subjetiva ou fenomenal de minha visão. Dessa forma, não parece correto sustentar que podemos ter dúvidas sinceras sobre a qualidade subjetiva de nossas próprias experiências conscientes mais comuns, ou seja, tais estados mentais comuns são transparentes a nós mesmos. Com isso, possuímos ​transparência ​do autoconhecimento trivial em relação ao conhecimento do mundo exterior, derivado do fato do estado mental não depender de evidência comportamental e também não exigir nenhum esforço particular para ser conhecido, pois segundo Quassim Cassam, (...) suponha que você creia que esteja usando meias e saiba que é nisso que você acredita. Para saber se você está usando meias, você precisa de evidências de que está usando meias (senti-las em seus pés), mas para saber que você ​acredita ​que está usando meias você não precisa de evidências (2014, p. viii)3 Desta forma, o autoconhecimento dos próprios estados mentais triviais não necessitam de uma evidência para serem conhecidas pelo próprio sujeito. Entretanto, para se ter autoconhecimento substancial, não é suficiente consultar aspectos fenomênicos de nossas experiências subjetivas para saber, por exemplo, se temos determinados traços de caráter. Com isso, o filósofo afirma que o autoconhecimento substancial envolve fatores externos, tais 2 “There is also knowledge of your deepest desires, hopes, and fears, knowledge your character, emotions, abilities, and values, and knowledge of what makes you happy.”(CASSAM, 2014, vii) 3 “​It's unlike substantial self knowledge or ordinary worldly knowledge since it isn't based on evidence. To know are wearing socks you need evidence that you are wearing socks (you can feel them on your feet) but to know that you believe you are wearing socks you don't need evidence that you believe you are wearing socks. To know that you have a particular character trait, say fastidiousness, you need behavioural evidence from which you can infer that say fastidiousness, you are fastidious.”​ (Cassam, 2014, p. viii)
  • 6. como reações emocionais, atitudes comportamentais diversas, as quais deverão ser manifestadas em contextos relevantes: Tome o caso de saber que você não é um racista. Não ser racista não é apenas uma questão de acreditar que todas as raças são iguais ou ter os desejos apropriados. Ele também tem a ver com a forma como você age, isto é, com o fato de você tratar as pessoas de maneira diferente de acordo com a raça. Então, saber que você não é racista também é, em parte, uma questão de saber como você age, de saber se você coloca seu dinheiro onde está sua boca. Mas o conhecimento de como você trata as pessoas de diferentes raças só pode ser substancial, e é por isso que saber que você não é um racista qualifica como substancial auto-conhecimento. (Cassam, 2014, p. 33).4 Através disso, temos clara a dificuldade em autoconhecer as próprias emoções e traços de caráter, pois não ser racista não é somente afirmar que não é racista para não ser, porque se o contrário fosse verdadeiro, então qualquer afirmação, por exemplo que sou eu um astronauta, seria verdadeira. Entretanto, para não ser racista temos de agir conforme a crença de que não sou racista. Essa discussão constitui o ponto de partida para a pesquisa proposta neste projeto, que tem dois objetivos principais. O primeiro versa sobre a concepção e ontologia das emoções nas teorias sobre as emoções, as quais são categorizadas como cognitivistas, perceptivas e/ou narrativas. Assim as teorias consideram que emoções são redutíveis a sentimentos; emoções são redutíveis a desejos; e emoções são redutíveis a juízos cognitivos e avaliativos (crenças) (Cf. Ben-Ze’Ev, Aaron. 2004, p. 450). Entretanto, ao descrever a emoção do luto (grief), Goldie considera justamente que o luto é um tipo de emoção com certas características próprias, não redutível a nenhum único estado mental. Ele inclui “pensamentos, juízos, sentimentos, memórias, imaginação, ações” (GOLDIE, 2012, p. 62). Eis a dificuldade5 quanto ao reducionismo entorno da emoção. Entretanto isso abre espaço para a construção de diferentes caracterizações e consequentemente distintos métodos para diferentes tipos de emoções. Desta forma, constituindo o segundo objetivo, intentará constituir um pluralismo acerca das formas de autoconhecimento emocional. No que segue, inicio por revisar a 4 ​“Take the case of knowing that you are not a racist. Not being a racist isn’t just a matter of believing that all races are equal or having the appropriate desires. It also has to do with how you act, that is, with whether you treat people differently according to race. So knowing that you aren’t a racist is also partly a matter of knowing how you act, of knowing whether you put your money where your mouth is. But knowledge of how you treat people of different races can only be substantial, and that is why knowing that you are not a racist qualifies as substantial self-knowledge.” (CASSAM, 2014, p.33) 5 “It includes characteristic thoughts, judgements, feelings, memories, imaginings, actions, expressive actions, habitual actions, and much else besides, unfolding over time, but none of which is essential at any particular time.” (GOLDIE, 2012, p. 62)
  • 7. literatura de base para essa discussão, passando em seguida à formulação mais detalhada dos objetivos e hipóteses iniciais, e concluindo com a apresentação da metodologia, cronograma e justificativa da pesquisa proposta. 2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1 EMOÇÕES Em nossa vida mental um dos aspectos mais importantes que a qualificam e significam são as emoções. Contudo, qual a ontologia das emoções? Conforme De Souza (2014), as emoções “Podem ser processos fisiológicos, ou percepções de processos fisiológicos, ou estados neuropsicológicos, ou disposições adaptativas, julgamentos avaliativos ou estados computacionais, ou mesmo fatos sociais ou processos dinâmicos.” (p.6 10). Dessa forma, na tradição filosófica há diversas teorias sobre as emoções. A saber, estas são as teorias cognitivas, perceptivas e narrativas. As teorias cognitivas caracterizam as emoções como cognições associadas, isto é, ocorrem processos cognitivos subjacentes à emoção, podendo ser conscientes ou não, mas que possuem atitude proposicional. Já os teóricos da percepção se caracterizam por ser subjetiva, ou seja, com a direção de ajuste mente-mundo. E as teorias narrativas, as quais visam ajustar as teorias cognitivas e perceptivas, na medida em que considera o poder de direção das emoções sobre nossas percepções, já está baseada em estruturas essencialmente dramáticas ou narrativas (Cf. DE SOUZA, 2014). Por exemplo, a emoção de ciúmes ou de raiva não se constituiria no momento presente, sem que houvesse uma base cognitiva, ou seja, um histórico de ações que me levem a ter ciúmes. Dessa maneira, percebemos alguns problemas para a atribuição de um estado mental do tipo emoção ao próprio sujeito. Conforme as teorias cognitivas, as emoções possuem a característica de serem atitudes proposicionais, assim podem juízos, segundo Robert Solomon (1980), Jerome Neu (2000) e Martha Nussbaum (2001), por exemplo, ao ter raiva de alguém 6 “They might be physiological processes, or perceptions of physiological processes, or neuro​psychological states, or adaptive dispositions, or evaluative judgments, or computational states, or even social facts or dynamical processes.” (DE SOUZA, 2014, p. 10)
  • 8. ser o meu julgamento sobre aquela pessoa. Assim a emoções podem ser descritas como “conjuntos de crenças e desejos (Marks 1982), julgamentos afetados (Broad 1971, Lyons 1980) e como complexos de crenças, desejos e sentimentos (Oakley, 1992).” (DE SOUZA,7 2013, p. 7). Tal concepção exclui animais e crianças carentes de linguagem de terem emoções. Já segundo as teorias perceptivas das emoções, a inquietação versa sobre a suposta subjetividade. Logo, ao que parece, a subjetividade é referente a experiência que o sujeito traz em sua mente. Assim, afirmar que as emoções são subjetivas é, em certa medida, possibilitar a comparação com alucinações, mais do que as próprias percepções, sendo que para se obter as experiências pressupõe-se que haja um objetivo. Outra dificuldade reside na sua passividade, ou seja, como o mundo é não está em nosso poder. Dessa maneira, somente podemos esperar que nossas emoções, se possuem alguma objetividade no mundo, não deveriam estar em nosso poder. Portanto “(...) não podemos mais arbitrariamente escolher experimentar uma emoção do que podemos adotar uma crença à vontade. (Gordon 1987).”8 (DE SOUZA, 2014, p. 9) Conectando ambas as posições, cognitivistas e perceptivistas, a teoria narrativa intenta realizar uma união, ou, ao menos, um tratado de paz. Por exemplo, imaginem o cenário de trabalho comum, no qual, durante seis dias por semana, adentra-se numa sala e o funcionário se isola do mundo. Ele até chega ligar para sua casa, onde sua esposa trabalha, executando as tarefas domésticas.. Entretanto, por diversas vezes, ele liga e ouve vozes de outras pessoas na sua casa, e ao retornar ao seu lar, a sua esposa sempre está dormindo, ocorrendo um afastamento entre o casal. Com isso ele passa a ficar com ciúmes das vozes, e de qualquer companhia que a esposa possa ter durante a sua ausência. Notemos, nesse exemplo, que a partir de percepções do próprio sujeito se constitui a crença de que ele poderia estar sendo traído. Em vistas disso, este tem ciúmes e, conforme sua experiência, aquela situação denotaria uma traição por parte de sua esposa. Assim, a emoção de ciúmes não surge em segundos, mas sim na sua própria percepção, na construção da crença e na formulação da emoção. 7 ​“Emotions have been described as sets of beliefs and desires (Marks 1982), affect-​laden judgments (Broad 1971; Lyons 1980), and as complexes of beliefs, desires, and feelings (Oakley 1992).”(DE SOUZA, 2013, p. 7) 8 ​“​(...) we can ​no more arbitrarily choose to experience an emotion than we can adopt a belief at will. (Gordon 1987).” (DE SOUZA, 2014, p. 9)
  • 9. 2.1.1 Características das emoções Exposto acerca das teorias das emoções, passemos agora às características das emoções. Considerando que as pessoas, mesmo tendo sensações como calor e frio, percepções de como ver um carro, assim como atitudes proposicionais, sendo elas disposições e compromissos, elas podem ainda sentir emoções. Por exemplo, ter medo de um leão, sentir amor pela pessoa amada, ou ódio, entre outros. (Cf. COLIVA, 2016) Com isso William James em seu artigo intitulado “What is emotion?” de 1884 define o que seria a emoção. Para o autor, sua tese é “que as mudanças corporais seguem diretamente a percepção do fato excitante e que nossas sensações de algumas mudanças que ocorrem é a emoção.” (1884, p. 189-190). Dessa forma, há o fato excitante, ou seja, uma9 afetação que o mundo realiza em nossas percepções, nossos cinco sentidos externos. Consequentemente nossas sensações registram algumas mudanças ocorridas, isto é, a própria emoção, em outras palavras a sensação de mudança na expressão corporal é a própria emoção. Com isso Annalisa Coliva (2016) afirma que James classifica emoção como sensação. Destarte ela critica tal tese contrapondo, por exemplo, com a emoção de amor pelos próprios filhos. Assim, tal emoção seria uma sensação de amor? Isso parece estranho. Vejamos outro exemplo, a depressão seria como uma tristeza em relação a vida num todo, isso carece de uma afetação em minha percepção especificando qual modificação, qual emoção eu teria. Desta forma, percepções possuem objetos externos no mundo, assim, na depressão o sujeito possui uma tristeza somente e suas sensações internas, as quais carecem de representação, até mesmo para se definir quais afetações está a sentir no seu âmago para se qualificar como um ser depressivo. Coliva (2016) segue na comparação de emoção, agora com julgamento. Neste ponto, nota-se, mesmo que implicitamente, um julgamento da pessoa para ter a emoção. Por exemplo, de ter um cachorro em minha frente latindo, eu realizo tal julgamento de que o cachorro é perigoso para mim e assim possuo a emoção. Entretanto parece ser a situação, isto é, o medo do cachorro que me faz julgar (e optar pelo melhor julgamento que disponha) para agir, assim a emoção parece estar anterior ao julgamento. 9 “My thesis on the contrary is that the bodily changes follow directly the perception of the exciting fact, and that our feeling of the same changes as they occur is the emotion.” (JAMES, 1884, p. 189-190)
  • 10. A próxima caracterização que contribui para sua definição (mesmo que uma definição negativa, ou seja, aquilo que ela não é) Coliva menciona Deonna e Teroni (2012) acerca da emoção como um “Felt Bodily Attitudes” (Sentir Atitudes Corporais). Assim, minha emoção seria provocada pela visão de um cão latindo, com atitudes agressivas e o pêlo eriçado, etc. Mas como explicar as atitudes do que se apresenta ao depressivo? Neste ponto ao que parece não há algo no mundo me afetando, ou seja, não há objetos no mundo que me forneçam bases epistemológicas para que o depressivo possa avaliar mediante seus padrões de correções e justificações, pois tudo parece ser causa para sua emoção. Desta maneira, não há um objeto em particular, mas sim o mundo. Com isso, não há padrão de correção, devido a tudo ser razão para a emoção, não há algo para se contrapor e dizer que aquilo não é motivo para depressão. Além disso, não há padrão de justificação, devido à incapacidade do sujeito de elencar justificativas para sua depressão. Se fosse possível, a justificação da depressão poderia ser realizada numa semelhança, conforme Deonna e Teroni (2012), “as crenças, das quais nós também exigimos razões (que pode ou não justificá-las) e diferem de percepções que podem ser ditas corretas ou incorretas, mas não são justificadas por razões.” (p. 22).10 A última caracterização que a filósofa nos traz é a emoção como percepção de propriedades avaliativas. Com isso, a própria percepção nos daria possibilidade avaliativa sobre a situação e assim afirmar ter, por exemplo, medo de um cachorro, pois teria a propriedade de periculosidade diante do cão. Com relação ao depressivo, teria uma propriedade de depressividade, ou de um esvaziamento de sentido do mundo, a qual poderia advir da imaginação do sujeito. Destarte Coliva sugere que as emoções são avaliadas ao longo de uma dimensão não como racionais ou não, mas derivadas. Isto significa dizer que diante de determinada situação seguimos nosso melhor julgamento. Por exemplo, ter medo de um cão pequeno é irracional diante do nosso melhor julgamento, enquanto temer um cão grande e agressivo é racional, pois esta em conformidade com nosso melhor julgamento. Com isso, demonstrando a diferença entre emoções e percepção, sendo que nossas percepções se caracterizam em termos de verídicas ou ilusórias, e não conforme nosso julgamento. Pois ao se perceber o cão pequeno não tratamos de estabelecer a racionalidade/irracionalidade da minha emoção gerada 10 “​In this last respect, emotions resemble beliefs, for which we also often request reasons (that may or may not justify them), and differ from perceptions that can be said to be correct or incorrect but which are not justified by reasons.” (Deonna e Teroni 2012, p. 22)
  • 11. pela percepção, mas busco verificar a ilusão ou veracidade de minha percepção. (COLIVA, 2016, p. 46). Cabe ressaltar também uma diferenciação entre emoções básicas e complexas. Vejamos, por exemplo, o caso do medo. Aos dois anos uma criança fica com medo diante de um cão e tende a fugir, ou ir para o colo dos pais. Seus pais lhe dizem, “não tenha medo, é um cachorro pequeno não irá lhe fazer mal”. Assim com o passar do tempo ela ainda sente medo na presença de um cachorro, mas não grita, nem tende a fugir. Destarte o agente da emoção é portador do conceito de medo, o qual é o elemento mais relevantes que constitui a emoção. Mas o agente ainda continua a sentir medo, ou seja, ele desfruta se sua emoção básica e é sujeito dela. (Cf. COLIVA, 2016, p. 231) Diferentemente das emoções básica, às complexas consideram mais elementos para sua composição. No caso do ​amor. ​Quando jovem na balada ao ver a menina esbelta tem a sensação de euforia, fica mais nervoso do que o normal e acredita estar amando aquela menina. Entretanto, ao olhar para a mão percebe que esta com uma garrafa de cerveja, e com isso infere que esta bêbado, pois ao olhar outra mulher na mesma balada acaba por amá-la também, assim confrontando com sua própria concepção de amor conjugal, a qual é monogâmica. Dessa maneira às emoções complexas consideram uma gama maior e mais complexas de elementos, pois além do próprio agente da emoção, a de ponderar acerca do conceito e o entorno do sujeito, podendo assim ocorrer interpretações acerca das próprias emoções, além das inferências. Destarte, notam-se os aspectos tanto racionais, sensoriais, quanto próprios da emoção. Racionais no sentido de haver em alguns casos crenças que subjazem os julgamentos. Sensoriais, pois é o próprio sujeito que sente internamente a emoção, podendo sofrer mudanças corporais ou não. E quanto à própria característica da emoção, remete-se a esta não possuindo uma característica definida, e por isso mesmo, é percebida a (até o presente momento) sua indefinição (comparada aos demais estados mentais). 2.2 AUTOCONHECIMENTO Cotidianamente, possuímos diversos estados mentais e corporais. Considerando que os estados ​corporais ​são, em sua maioria, perceptíveis à própria pessoa e também a terceiros, e estados ​mentais (sensações, crenças, desejos e emoções) são “perceptíveis” apenas aos respectivos sujeitos que os portam, por que atribuímos estados mentais a nós mesmos e às
  • 12. outras pessoas? Não poderíamos conceber que as outras pessoas são meros robôs, com seus inputs e ​outputs​? Em certa medida, isso não parece plausível, pois figura que ocorre algo no processo que se inicia nos ​inputs e se encerra nos ​outputs​. Portanto, para darmos sentido aos comportamentos e ações nossas e dos outros, atribuímos estados mentais a nós mesmos a aos outros. Por exemplo, em um experimento realizado por Perner & Ruffman (2005) no qual se estudou dois grupos de bebês, o grupo A tinha sua visão bloqueada por um venda, a qual fornecia uma experiência visual opaca e o grupo B um tanto transparente, acerca de um vídeo. Neste, um ator, na mesma situação que ambos os grupos, intenta encontrar uma caixa, a qual era movida por um fantoche. Assim após retirarem a venda e observarem o ator, novamente, os bebês com a visão opaca (grupo B), por meio de análise do movimento ocular dos bebês, tiveram a expectativa de que o ator vendado encontrasse a caixa que estava à sua esquerda, já o outro grupo não criou tais expectativas. Dessa forma, (...) os bebês no presente estudo codificaram que o ator poderia ou não ver o deslocamento do objeto quando ela usava a venda, e os bebês foram capazes de usar essa informação para antecipar corretamente o comportamento futuro do ator. (SENJU et al., 2011, p. 880)11 Portanto, no início da vida já temos indícios de que atribuímos estados mentais às outras pessoas, na expectativa de entender as ações e comportamentos dos outros. Essa habilidade genuína de atribuir estados mentais precoces de crença, por parte dos bebês, se inicia pelo menos aos dezoito meses de vida (Cf. SENJU et al., 2011, p. 880). Destarte vejamos o seguinte exemplo para melhor compreender o que é o estado corporal. Ao entrar para tomar banho, se a temperatura da água estiver a 70ºC, posso me auto-atribuir a sensação de calor muito intenso. Assim, sairei debaixo do chuveiro para não lesionar minha pele. Desta forma, ao ter a sensação da água escaldante em minha pele, posso auto-atribuir o estado mental ​de muito calor. No exemplo, temos um conhecimento de si12 11 “​Thus, at the very least, infants in the present study encoded that the actor either could or could not see the displacement of the object when she wore the blindfold, and the infants were able to use this information to correctly anticipate the actor’s future behavior.” (SENJU et al., 2011, p. 880) 12 ​Outra concepção de estado mental é de Steven Klein, a saber que “Estado Mental: X é um estado mental somente se e somente se existe "algo como" para o organismo ter o estado mental. Um estado mental contém os aspectos de conteúdo (por exemplo, objetos de consciência - ou o que às vezes é chamado de aproximação ou intencionalidade) e aspectos qualitativos (isto é, a sensação subjetiva do conteúdo). É, portanto, o resultado experiencial de um processo (ou conjunto de processos) que pode ter aspectos não-experienciais que sustentam sua realização. Embora essas pré-condições não-experienciais sejam necessárias para a realização do estado mental, elas são não-mentais no sentido de que são mecanismos que ajudam a tornar possível a experiência, mas não a experiência ​per se​, isto é, como ela é sentida. Eles concebivelmente poderiam continuar sem que haja qualquer experiência. Uma analogia pode ajudar: uma peça consiste em muita atividade de trás das cenas, mas,
  • 13. caracterizado por elementos – meu corpo, minha pele – que se salientam por sua espacialidade, ou seja, um conhecimento de estados, eventos ou processos corporais. Ao sentir a água escaldante, chego à conclusão de que a água escaldante pode lesionar minha pele. Com isso, meu conhecimento é de um estado corporal, que se caracteriza por sua espacialidade, pois meu corpo e minha pele ocupam espaço. Logo, a espacialidade se apresenta como um critério para a classificação do estado corporal do tipo sensação e percepção. Todavia, conseguiremos sustentar o critério da espacialidade para classificar os estados mentais de sensações e de percepções? As sensações se dão quando outros corpos estimulam nossos corpos. Disso, não segue nem que sensações sejam espaciais, nem que sejam corporais. Por exemplo, se há sensação de desconforto neste momento e logo lembro do conforto anteriormente, não estamos mais no campo da pura sensação, pois estamos no âmbito da memória. ​Desta forma, existem algumas objeções ao critério da espacialidade. Por exemplo, sentir coceira no pé ou dor na mão. Tal sensação ocorre nos membros do meu corpo, entretanto o meu estado mental também está no pé ou na mão? O estado mental da coceira ou dor se materializam no espaço, mas os estados mentais em si mesmos não, pois ao que parece a coceira e a dor são estados de sensações do sujeito, e sensações não são, elas mesmas, espaciais. Portanto há diferença em relatar a sensação e localizar o objeto físico no espaço. Entretanto há uma pequena dúvida com relação à sensação da dor. Para tentar solucionar tal problema, façamos um exercício de pensamento. Uma neurocientista faz uma observação no seu sistema nervoso quanto à experiência de dor no seu dedão do pé direito que está dentro da sua meia. A 'dor' não se encontra na sua meia, mesmo que seu pé e seu dedão estejam nela. A 'dor' no cérebro também não se encontra no seu pé, apesar de neste estar localizado o dedo polegar. A 'dor' se encontra no dedo polegar do pé, assim a neurocientista teria de encontrar no seu cérebro algo correspondente a dor do seu polegar do pé direito, já que, se abrir o dedo não irá encontrar a 'dor' naquele local. Desta forma, verificamos que as experiências da 'dor' são subjetivas e não podem ser medidas nem mesmo localizadas espacialmente como os objetos físicos. “As qualidades das nossas experiências estritamente falando, nenhuma dessa atividade é a peça ​per se ​(agradeço a Galen Strawson por chamar minha atenção para essa analogia). Todos os estados mentais são experienciais no sentido descrito a seguir.” (KLEIN, 2014, p. 5)
  • 14. conscientes parecem não ter nada a ver com as qualidades dos objetos materiais – de facto, parecem ser diferentes das qualidades de qualquer objecto material concebível.” (HEIL, 2001, p. 32). Uma possível consequência do exposto acima é que, a sensação, no caso a dor e as demais, só são sensações quando conscientes: “Ter consciência ou percepção delas faz parte integral da própria existência delas. Não é algo opcional ou um extra.” (MASLIN, 2009, p. 18)13 Vejamos o caso dos membros-fantasmas. Em tais casos as pessoas sentem dores em membros que foram amputados. Assim, elas possuem estados mentais classificados como sensações do tipo dor. Mas como explicar tais dores em locais físicos inexistentes? Suponhamos que as dores existem fisicamente, se assim fosse, há algo de errado mentalmente com as pessoas que dizem sentir dor em membros amputados. Mas se supormos que a dor não está no objeto físico, mas sim na mente (semelhante à alma ou espírito), poderíamos explicar a dor no membro fantasma. Consequentemente, “embora experimentemos dores e outras sensações como ocorrendo em várias localizações do corpo, não se segue que experiências de dor ocorram nessas localizações.” (HEIL, 2001, p. 31). Portanto, a localização espacial não é uma marca das diversas sensações e percepções que temos. Isso retira o fato de que sensações possuem uma localização, por exemplo, ao sentir fome, eu sei que meu abdômen produz ruídos, pois carece de alimento e não é minha cabeça ou pernas que fazem o barulho. Desta forma, a fome não é caracterizada pelo barulho produzido pelos movimentos ocorridos no abdômen, mas sim um estado mental. Destarte percebemos que não há um consenso se estados mentais ocupam ou não espaço. Assim, de um lado estão os materialistas (estados corporais) e de outro os dualistas (estados mentais). Para os primeiro toda causa e efeito têm que estar no espaço-tempo e ter contato físico direto. Por exemplo, uma bola que bate na parede e retorna para mim. O fato de a bola bater na parede seria a causa e o contato físico direto desta com a parede, fazendo-a voltar para mim, é considerado seu efeito. Com isso surgem as críticas aos dualistas, os quais 13 “​Em um caso relatado por Lockwood em Mind, Brain and the Quantum, Oxford, Oxford University Express, 1989, traz um experimento em que uma pessoa foi hipnotizada e colocou sua mão esquerda em um balde com água gelada. Quando questionado dizia não sentir dor, mas quando solicitado para escrever com a mão direita dizia sentir dor. Caso semelhante é a blindsight (visão cega). Oliver Sacks em An Anthropologist on Mars, London, Picador, 1995, relata um caso de visão cega, em que uma pessoa sofre dano cerebral por falta de oxigênio e assim insiste em que está cega, entretanto desvia dos objetos, pega outros objetos, mas nega ter visão. Assim ele age como se enxergasse algo, pois ao que parece sua visão recebe e da resposta, mas sua consciência não processa.” (MASLIN, 2009, p. 37)
  • 15. teriam sua causa no âmbito mental, não estando no espaço-tempo. Uma possível resposta dos dualistas aos materialistas é de que o que precisa ser contíguo é um efeito físico com outros objetos, por exemplo, a chuva com o guarda-chuva, a causa seria no âmbito mental, acerca da previsão do tempo para a formulação da crença de que irá chover e com isso passar a usar um guarda-chuva (Cf. WEINTRAUB, 1999). Para melhor compreender o que sejam os estados mentais vejamos o seguinte exemplo de Bonjour: Suponha que eu saia pela porta da frente e pare na metade do caminho em direção ao meu carro, pois percebo que está frio e úmido, que há nuvens escuras e que o vento parece estar aumentando; eu decido que provavelmente irá chover e esfriar, de modo que eu volto para casa para buscar um casaco e um guarda-chuva; tendo feito isso, vou ao carro novamente. Aqui temos vários estados mentais: sensações de frio, umidade, escuridão e tempo ventoso; crenças perceptivas sobre tudo isso e ainda a crença de que vai chover e esfriar; e supostamente um desejo de não me molhar ou sentir frio. Há também vários estados físicos ou materiais: além da condição física do meu ambiente, há o comportamento físico do meu corpo andando, parando, virando a cabeça e andando outra vez, juntamente com a condição física do meu corpo e dos vários órgãos sensoriais: o frio e a umidade da minha pele, as ondas de luz atingindo meus olhos, e assim por diante. (BONJOUR; BAKER, 2010b, p. 199) Note que podemos extrair uma lista de estados mentais classificados como sensações, as quais estão relacionadas ao corpo (cf. MASLIN, 2009) ou seja, sensações, as quais nos proporcionam experiências ​passivas sobre o próprio entorno. Alguns tipos de sensações14 15 são, por exemplo, sensação de frio, sensação de calor, sensação de prazer ou sensação de dor. Também se encontram, no texto citado acima de Bonjour e Baker, exemplos de crenças perceptuais, tais como​, eu creio que irá chover, eu creio que a chuva irá resfriar o ambiente. Há ainda estados mentais conativos, por exemplo, eu desejo que pare de chover. Podemos salientar alguns estados emocionais, tais como, eu estou com medo de me molhar. Outros estados mentais que não percebemos como tais são os Estados de Quase-percepção, tais 14 Uma concepção de experiência é a seguinte “A experiência é o aspecto qualitativo dos estados mentais que você está tendo agora. A experiência é o que a maioria dos filósofos tem em mente quando falam sobre consciência. No meu uso, toda experiência é experiência consciente. Enquanto alguns que usam o termo "experiência" têm em mente a sensação (por exemplo, a dor) e a percepção (por exemplo, aquela árvore ali), a experiência, como uso o termo, pode tomar como objeto intencional coisas como pensamento, memória e outros conteúdos mentais. Desta forma, a experiência pode ser tanto cognitiva quanto sensorial.”(KLEIN, 2014, p. 5) 15 “Sensory states are different from perceptual ones in that they are not objective. That is to say, they do not represent external elements of reality as such. Take smell, for instance. In many cases, it seems to afford a manifold of stimuli without attributing them to some relevantly stable distal cause. For such a reason, sensory states do not have veridicality conditions. They are not correct or incorrect, true or false representations of something out there.” (COLIVA, 2016, p. 25)
  • 16. como: eu imagino que irá chover. Finalizando, há estados mentais ativos, os quais, deliberadamente os formamos, como os julgamentos. Por exemplo, eu julgo que chuva é boa. Destarte, passemos à classificação dos estados mentais, conforme Bonjour e Baker (2010b) e Maslin (2009), os estados mentais podem ser classificados como: sensações, sentimentos, crenças, desejos (estados conativos), emoções , cognições, percepções (não são16 necessariamente conscientes, posso ter a percepção de algo, mas não estar consciente disso), estado quase-perceptual e julgamentos. Tais elementos são introdutórios e necessários para minimamente diferenciar os estados mentais. Por conseguinte, nos auto-atribuímos diversos tipos de pensamentos, sensações e emoções a nós mesmos e aos demais. Isso em contexto filosófico pode ser atribuído o termo de “atribuição de estados mentais”. Ao especificarmos tais estados mentais temos crenças, desejos e emoções. Com isso o termo “atitude proposicional” é introduzido por Russell em seu livro ​A Filosofia do Atomismo Lógico​, de 1918/1919: Que tipo de nome devemos dar a verbos como “acreditar” e “desejar” e assim por diante? Minha inclinação é chamá-los “verbos proposicionais”. Esse é apenas um nome sugerido por conveniência, porque eles são verbos que têm a forma de relacionar um objeto a uma proposição. Como eu tenho explicado, isto não é o que eles realmente fazem, mas é conveniente chamá-los verbos proposicionais. É claro, você pode chamá-los de “atitudes”, mas eu não gosto disso porque este é um termo psicológico, e embora todas as instâncias de nossa experiência sejam psicológicas, não há razão para supor que todos os verbos de que estou tratando sejam psicológicos. (RUSSELL, 2009, p. 103)17 Desta forma, na tradição filosófica, tem-se utilizado o termo “atitude proposicional” à classe de estados mentais que possuem duas características, a saber: intencionalidade e forma lógica proposicional (cf. OLIVEIRA, 2014). Cabe realizar uma pequena e importante diferenciação quanto ao uso do termo “intencionalidade”. Ele não é aqui empregado conforme nosso uso comum, isto é, no sentido 16 “A emoção e as várias reações com ela relacionadas estão alinhadas com o corpo, enquanto os sentimentos estão alinhados com a mente.” (DAMÁSIO, 2004, p. 15) “Mas na tentativa de compreender a cadeia complexa dos acontecimentos que começa na emoção e termina no sentimento, separar a parte do processo que se torna pública da que sempre se mantém privada ajuda a clarificar as idéias. À parte pública do processo como ​emoção e à parte privada ​sentimentos, de acordo com o significado de sentimento que apresentei no capítulo 1.” (DAMÁSIO, 2004, P. 34-35) 17 “​What sort of name shall we give to verbs like “believe” and “wish” and so forth? I should be inclined to call them “propositional verbs”. This is merely a suggested name for convenience, because they are verbs which have the form of relating an object to a proposition. As I have been explaining, that is not what they really do, but it is convenient to call them propositional verbs. Of course you might call them “attitudes”, but I should not like that because it is a psychological term, and although all the instances in our experience are psychological, there is no reason to suppose that all the verbs I am talking of are psychological.” (RUSSELL, 2009, p. 103)
  • 17. de a nossa atitude ter uma intenção ou não, se nossas ações têm um “objetivo, propósito” (por exemplo, se juiz realiza sua declaração acerca de um homicídio enquanto doloso, sem a intenção, sem desejo; e culposo, com a intenção). No presente contexto, o termo “intencionalidade” é empregado de acordo com o significado trazido por Franz Brentano ainda no fim do século XIX e retomada por John Searle na década de 1980, acerca dos estados mentais serem sobre alguma coisa. Por exemplo, se creio que o time de futebol brasileiro Sport Club Internacional será rebaixado para a terceira divisão de um campeonato, minha crença é sobre alguma coisa, ou seja, possui um objeto. Entretanto, cabe ressaltar que há estados mentais, os quais não possuem objetos determinados, assim como certos estados de desejos, tais como vontade de comer, o qual pode não possuir um objeto definido (cf. OLIVEIRA, 2014, p. 36). A segunda característica acerca das atitudes proposicionais é a forma lógica proposicional. Desta forma, os estados mentais, além de possuírem intencionalidade, também possuem sujeito, verbo e proposição. Assim Russell chamou de “verbos proposicionais”, tais como crer/acreditar e querer/ desejar, os quais compõem a estrutura lógica da frase. Portanto, “Uma atitude proposicional é, então, o estado mental de ter alguma atitude, postura, perspectiva ou opinião sobre uma proposição ou sobre o estado potencial de coisas em que essa proposição é verdadeira (...).” (SCHWITZGEBEL, 2015). A forma lógica18 proposicional também significa que pode ser avaliado como verdadeiro ou falso, pois uma proposição é uma estrutura com significado que pode ser avaliada como verdadeira ou falsa. Assim sendo, uma atitude proposicional é um estado mental cujo conteúdo pode ser avaliado como verdadeiro ou falso. Portanto podemos elaborar um esquema sobre os estados mentais da seguinte forma: 18 “​A propositional attitude, then, is the mental state of having some attitude, stance, take, or opinion about a proposition or about the potential state of affairs in which that proposition is true—a mental state of the sort canonically expressible in the form “S A that P”, where S picks out the individual possessing the mental state, A picks out the attitude, and P is a sentence expressing a proposition.” (SCHWITZGEBEL, 2015)
  • 18. Se analisarmos as sensações enquanto estados mentais, as mesmas não possuem intencionalidade, quanto à proposição lógica, pois as nossas sensações, por exemplo, “de dor na perna”, possuem um objeto, a perna. Contudo, não se pode questionar quanto à veracidade da dor, isto é, se é verdadeira ou falsa. Os desejos, por exemplo, “de comer algo”, não possui um objeto definido no mundo, mas é sobre algo, com isso possuindo intencionalidade. Sobre as crenças, podemos afirmar que possuem um objeto, por exemplo, “eu acredito em duendes”, a crença é sobre duendes e pode-se verificar se a crença é verdadeira ou falsa acerca dos duendes, com isso possuindo intencionalidade. A fim de evitar confusões terminológicas, vejamos o termo autoconsciência. Abordamos a problemática do agir racional do agente baseado nos próprios estados mentais. Não estamos a versar sobre o autoconhecimento do tipo auto-ajudo, de descobrir o próprio caráter, sua personalidade, estamos inquirindo acerca do autoconhecimento dos próprios mentais, os quais podem ser os mais diversos, por exemplo, de que quando o agente for questionado sobre se acredita que haverá uma terceira guerra mundial ele responda com conhecimento de si. Ou será que ele tem mera consciência de si? Neste ponto, faz-se importante realizar uma distinção entre autoconhecimento e autoconsciência. Segundo Brie-Gertler, Autoconhecimento ​é o conhecimento de seus próprios estados mentais - por exemplo, o conhecimento de suas próprias experiências, pensamentos, crenças ou desejos atuais. Autoconsciência ​é a capacidade de identificar-se (o "eu"), e distinguir-se formar outras coisas. (2011, p. 2)19 19 “​Self-Knowldge is knowledge of one’s own mental states-e.g., knowledge of one’s own current experiences, thoughts, beliefs, or desire. ​Self-awareness is the ability to identify oneself (the “I”), and to distinguish oneself from others things.”(GERTLER, 2011, p. 2)
  • 19. O conhecimento dos estados mentais é o conhecimento dos próprios conteúdos dos mesmos, ou seja, o autoconhecimento ocupa-se na identificação dos estados mentais e seus conteúdos. Já a autoconsciência ocupa-se em “como essa referência é alcançada e como se concebe, basicamente, o eu.​” ​(GERTLER, 2011, p. 8). Desta forma, a identificação do ​self ​com o20 conteúdo estado mental não é escopo da autoconsciência, pois sua ocupação tem um caráter de identificação do sujeito, ou seja, identidade pessoal, de como o sujeito faz referência a si mesmo. 2.2.1 Características do Autoconhecimento Até agora descrevemos o que são estados corporais, mentais, atitude proposicional e autoconhecimento de crenças. Mas o que entendemos pela noção de autoconhecimento? Conforme Brie-Gertler, o “Autoconhecimento é o conhecimento de seus próprios estados mentais - por exemplo, o conhecimento de suas próprias experiências, pensamentos, crenças ou desejos atuais.” (2011, p. 2). Desta forma, ao expressarmos uma crença, por exemplo, “S acredita que p”, contém oito características, a saber: a) autoridade de primeira pessoa, consistindo em afirmar que quando uma pessoa expressa um estado mental, ela está na melhor posição para fazer a auto-atribuição do estado mental e tem autoridade para tal; b) caráter apriorístico, ou seja, não há necessidade de investigação empírica, ou realizar inferências para se saber que está em determinado estado mental intencional; c) capacidade cognitivo-discriminativa, consistindo na capacidade de uma pessoa estabelecer diferenças e semelhanças entre estados mentais iguais e diferentes; d) transparência do conteúdo, isto é, os conteúdos expressos nos estados mentais é dominado pelo sujeito; e) infalibilidade, destarte os estados mentais de primeira pessoa atuais não podem estar errados e são incorrigíveis; f) onisciência, é que cada estado mental é conhecido pelo agente que o formula; g) assimetria entre a primeira e a terceira pessoa, consiste na diferença do acesso que tenho aos meus próprios estados mentais e o acesso que os outros têm aos meus estados mentais, os quais necessitam de observação para tal, e eu não; e h) impossibilidade do uso equivocado do pronome “eu”, ou seja, uma pessoa em seu estado mental normal não comete erro de 20 “Expressions of self-knowledge typically involve reference to the self or ‘I’, as in ‘I feel a tickle’ or ‘I intend to quit exercising’. The problem of self-awareness concern how this reference is achieved, and how one conceives, most basically, of the self. These questions are not addressed by theories of self-knowledge. a theory of self-knowledge explains how one detects those sensations, thoughts, or attitudes that are in fact one's own. it is a further question how one identifies those mental states as one's own - that is, how one recognizes them as ‘mine’.” (GERTLER, 2011, p.8)
  • 20. identificação ao usar o termo referencial “eu” (Cf. SILVA FILHO, 2013, p. 33, n.2). Vale ressaltar que tais características estão disputa pelos filósofos e tal caracterização serve de forma introdutória para a abordagem do autoconhecimento de crenças, o qual é o escopo da investigação. Notemos que a noção de autoconhecimento de Gertler (2011) é sobre estados mentais atuais. Destarte temos dois tipos de ​acesso ​aos próprios estados mentais, um direto e outro indireto. No direto, não necessitamos de inferência, interpretação ou evidência. Por exemplo, “eu acredito que não vai chover agora” não necessito de intermediário para formular a crença de que não irá chover agora. Já no indireto, ele ocorre por via inferência, interpretativa ou sobre evidência. Por exemplo, eu afirmo “vai chover hoje”, para a formulação de tal estado mental de crença sobre o mundo eu observo o céu ou evidências que me levem a afirmar que irá chover, entretanto posso estar errado, pois minha visão pode me enganar. Considerando que no decorrer de nossa vida, formulamos diversas crenças, de que “eu creio que os seres humanos são bons por natureza”, “eu acredito que irá chover agora”, “eu acredito que o grêmio irá ser campeão”, entre outras. Todavia, eu possuo todas crenças em minha mente neste exato momento? Facilmente podemos afirmar que não, que eu esteja agora escrevendo esse projeto, não passa em meu estado mental que “eu creio que os seres humanos são bons por natureza” (a não ser agora que julguei necessário para melhor explicar a resposta). Com isso conforme Coliva (2016, p. 27), nós possuímos estados mentais disposicionais e como comprometimento. Os estados mentais disposicionais se caracterizam por: (a) esses estados mentais não são o resultado de uma deliberação consciente, como um julgamento, sobre a parte de um sujeito, baseada na consideração e, em particular, na avaliação (ou mesmo ser capaz de avaliar) de evidências a favor de P (ou de P vale a pena perseguir, seria bom se P acontecesse, etc.); (b) esses estados mentais não estão dentro do controle direto de alguém, sendo antes algo que se encontra selado; (c) portanto, esses estados mentais não são algo de que alguém será considerado racionalmente responsável. (COLIVA, 2016, P. 28)21 21 “​(a) these mental states are not the result of a conscious deliberation, like a judgement, on a subject’s part, based on considering and, in particular, on assessing (or even being able to assess) evidence in favour of P (or of P is worth pursuing, it would be good if P happened, etc.); (b) these mental states are not within one’s direct control, being rather something one finds oneself saddled with; (c) hence, these mental states are not something one will be held rationally responsible for.” (COLIVA, 2016, p. 28)
  • 21. Assim possuo muitos estados mentais do tipo crença, entretanto estão, por assim dizer, à minha disposição, em estado latente, os quais, em um certo momento, por uma determinada forma, eu os acesso. Já os estados mentais por compromisso são diferentes dos disposicionais, a saber, (a ') que eles são o resultado de uma ação - a ação mental de julgar que P é o caso (ou vale a pena perseguir / ter) - na parte do sujeito, com base na consideração e, portanto, na avaliação da evidência para P (vale a pena perseguir / ter); (b ') que esses estados mentais são (pelo menos) limitados normativamente - ou seja, devem responder aos princípios que governam o raciocínio teórico e prático; (c ') e, em particular, elas são tão limitadas (também) do ponto de vista do sujeito; (d ') que eles são estados mentais para os quais o sujeito é mantido racionalmente responsável. (COLIVA, 2016, P. 31-32)22 Tais estados mentais de crença por comprometimento são deliberadas pelo agente epistêmico, ou seja, eles têm uma atitude proposicional perante uma evidência, a qual o agente avalia que vale a pena ter, ou é o caso. Consequentemente, o agente segue certas normas racionais, e com isso assume responsabilidade racional acerca dos estados mentais. Com isso temos dois tipos de estados mentais do tipo crença, os disposicionais e os de comprometimento. Mas como ter ​acesso a tais estados mentais? Por exemplo, "Qual é o maior desses dois números: 2.000.450 ou 3.000.450?" é uma crença disposicional, esta a minha disposição, pois o sujeito não esta consciente desse estado mental (mas posso acessar o estado mental disposicional por intermédio de testemunhas, memória, ou quando sou questionado), assim não estando sob meu controle e portanto eu não seria responsável pelo estado mental disposicional. Logo eu não estando consciente desse estado mental, não teria um acesso direto a ele. Agora vejamos a seguinte crença, “eu acredito que não irá chover hoje”, e ao olhar para fora verifico o céu nublado, isso me leva persistir na crença que formulei, destarte por meio de princípios que governam a razão teórica e prática (pela minha experiência as nuvens passam sobre minha cidade sem chover), e pelo meu ponto de vista, me responsabilizando pela minha crença. 22 “​(a’) that they are the result of an action—the mental action of judging that P is the case (or worth pursuing/having)—on the subject’s part, on the basis of considering and hence of assessing evidence for P (is worth pursuing/having); (b’) that these mental states are (at least) normatively constrained —that is, they must respond to the principles governing theoretical and practical reasoning; (c’) and, in particular, they are so constrained (also) from the subject’s own point of view; (d’) that they are mental states for which the subject is held rationally responsible.”(COLIVA, 2016, P. 31-32)
  • 22. Imaginemos, hipoteticamente, um mundo no qual não haja mentiras e omissões, em que todas expressões de meus estados mentais sejam verdadeiros e sou obrigado, por um princípio de dever, a manifestar tudo que penso. Desta forma todas minhas crenças serão conhecidas, pois toda expressão de um estado mental do tipo crença é verdadeira e necessária. Neste mundo teremos privacidade acerca dos estados mentais? Ao que parece não. E terei ​acesso privilegiado ​aos meus estados mentais, do tipo crença? Ao que representa, não, ou seja, todos meus pensamentos estarão expostos na minha vitrine para os curiosos. Tal hipótese mostra-se absurda, sendo que a mentira é compreendida aqui enquanto expressão de um estado mental, contrário ao que ocorre em nossa mente. Assim, acesso privilegiado decorre da característica da assimetria entre primeira e terceira do autoconhecimento de crenças, a qual afirma que há uma diferença entre eu acessar meus próprios estados e conteúdos mentais, por meio de método não disponível às outras pessoas, e o acesso de terceiros, os quais precisam observar minha ações e interpretar minhas palavras. Posso conhecer os estados mentais das outras pessoas ao observá-las, ou interpretar suas palavras. Mas quanto ao que expresso, posso ter uma crença qualquer e desconhecer que eu a tenha? Por exemplo, possuo a crença de que haverá uma terceira guerra mundial, mas não a tenho à disposição em minha consciência para utilizá-la quando indagado. Isso é possível? Segundo a tese da translucidez não, pois nós não podemos ser ignorantes quanto aos próprios estados mentais (Maslin 2009, p.28). No presente momento podemos não dispor do estado mental, entretanto ele permanece como uma crença em potencial, para quando necessário ser utilizada. Consequentemente não há possibilidade de erro quanto à auto-atribuição do estado mental, por exemplo, de que “eu acredito que o céu está azul”, minha crença está correta enquanto a auto-atribuição de que a possuo, pois ela está em minha mente no presente momento, logo tendo um ​acesso direto e privilegiado​. Entretanto, é possível que ao verificar tal autoatribuição no mundo externo ela possa estar errada. Portanto, segundo a tese da translucidez, a auto-atribuição de estado mental é translúcida e infalível. Ter ​acesso ​e ter ​conhecimento ​sobre algo são elementos diferentes, os quais tentarei explicar. Para tanto sigo a mesma linha de raciocínio do exemplo trazido pelo filósofo Gareth Evans (1982, p.225), a saber, “quando sou questionado se ‘você acha que vai chover hoje?’ eu respondo a essa questão afirmando que ‘conforme o céu nublado, tudo indica que irá chover’, mas quando questionado se ‘você acredita que irá chover hoje?’ eu respondo negando que irá chover (mesmo após olhar para o céu nublado), pois por experiência às
  • 23. nuvens somente passam pela cidade sem chover nela.”. Mesmo que nesse exemplo eu utilize o mesmo procedimento, o ponto de partida para a resposta é diferente, ou seja, na primeira pergunta eu verifico se tenho ​acesso ​a uma evidência da qual formulo um estado mental. Já na segunda pergunta eu verifico se tenho ​conhecimento ​(com base em minha experiência) sobre meu estado mental. Factualmente temos acesso aos nossos próprios estados mentais. Como anteriormente afirmado não podemos ignorar o nosso próprio estado mental, nem seus conteúdos, pois estamos corretos ao nos auto-atribuirmos um estado mental de crença. Destarte posso ter acesso a um determinado estado mental, sem conhecer todo o conteúdo do mesmo, por exemplo, “eu acredito que xinforinfulas são verdes”, nesse caso tenho acesso ao conteúdo mental ​xinforinfula​, mas não conheço tal conteúdo. Logo eu acesso meus próprios estados mentais, mesmo que sem ser de forma racional, ou seja, sem compreender os conteúdos mentais da crença em questão. Com o exemplo acima podemos afirmar que temos autoconhecimento das próprias crenças de forma racional? Podemos afirmar que temos acesso, no entanto sem conhecer todo estado mental de forma clara e distinta. Destarte a caracterização da ação humana, a saber, a racionalidade. Contudo, Silva Filho (2013, p. 23) afirma que na vida ordinária, ou seja, no âmbito da linguagem comum que mesmo com um conhecimento incompleto sobre os conteúdos mentais (de não possuir o conhecimento, no exemplo acima, do que uma xinforinfula​), ainda sim os agentes possam ter o autoconhecimento das próprias crenças, pois mesmo não compreendendo a totalidade dos conteúdos mentais de um estado mental, ainda expressamos nossos conteúdos, isto é, não deixamos de o fazer, nem mesmo de nos autoatribuir o estado mental. Pois o “a noção de autoconhecimento que parece mais atrativa não é, a rigor, uma modalidade de conhecimento, mas uma característica da posição de primeira pessoa em contextos práticos e morais.” (SILVA FILHO, 2013, p. 23). Ao considerarmos o autoconhecimento das próprias crenças como uma posição de primeira pessoa, verificamos a autoridade da primeira pessoa. Considerando, pois, o acesso direto e privilegiado, a pessoa, ao afirmar ter determinado estado mental, presume-se que ela está correta ao se auto-atribuir esse estado mental e está autorizada a fazer. Supomos que eu expresse a seguinte crença em uma conversa num contexto linguístico comum “eu acredito que sou uma boa pessoa”, e a outra pessoa afirma que eu estou errado, que não estou pensando nisso, que na verdade eu queria expressar minha crença de eu sou uma pessoa ruim.
  • 24. Em um contexto linguístico comum, não se duvida quanto a própria auto-atribuição de estados mentais de crenças, poderá meu inquiridor alegar outras justificativas para negar minha crença, mas essas não se referem ao meu autoconhecimento, ou seja, não colocam em jogo minha autoridade de primeira pessoa. 2.2.2 Métodos do autoconhecimento 2.2.2.1 Método da introspecção Há algumas formas para investigar acerca dos estados mentais. Considerando-se às diversas formas de conhecer, para se estabelecer um diferencial entre os estados mentais, vejamos o método de introspecção para o conhecimento de crenças e sensações, a qual visa o conhecimento das próprias atitudes proposicionais. Assim, podemos nos perguntar, mas como podemos conhecer nossas próprias crenças e sensações? Para tanto, há dois métodos empíricos, a saber, método introspectivo, e do sentido interno. Uma dessas formas é o método da Introspecção. Tal modelo é como uma espécie de “olhar para dentro”, possibilitando verificar o próprio estado mental de crença e com isso possibilitar a afirmação de que temos autoconhecimento sobre esse estado mental do tipo crença. Assim o sentido interno fica relegado ao conhecimento das próprias sensações (o qual será melhor exposto no próximo tópico). A introspecção é uma espécie de “olhar para dentro”. Desta maneira, na medida em que penso, pode-se afirmar que instrospecto, por exemplo, eu penso “eu acredito que vai chover hoje”, conforme esse método eu posso introspectar sobre meu estado mental, sem precisar verificar meu entorno, pois o estado mental estaria acessível ao meu “olho interno”. Tal comparação nos leva a observação de que além de “introspectar” sobre o próprio pensamento, também “introspectamos” sobre o nosso entorno, da nossa experiência sensorial (Cf. MEDEIROS, 2013, p. 11). Cabe ressaltar que não introspectamos acerca dos estados internos das outras pessoas. Tal método de autoconhecimento é característico da própria pessoa, ou seja, pertence a um ponto de vista de primeira pessoa. Imaginar o contrário é um tanto interessante. Suponhamos que nossos estados mentais de crença sejam transparentes quanto às outras pessoas. Além de
  • 25. os outros conhecerem-me na mesma medida que me conheço, não haveria mentiras, pois todos os nossos pensamentos seriam claros como águas cristalinas. Dessa forma, teríamos acesso imediato e privilegiado aos pensamentos dos outros, por exemplo, não haveria possibilidade de omissão perante as ações dos outros. Entretanto, isso não é caso. Em sua pesquisa, Medeiros (2013), nos elucida sobre várias definições acerca do termo “introspecção”, na qual William James, The Principles – 1890, define como um olhar para nossa própria mente e relatar o que lá encontrar. Já com Bertrand Russell, The Analysis of Mind – 1921, compara introspecção com o sonho, o qual se acessa de forma diferente do que a sensação. Com David Armstrong, A Materialist Theory of the Mind – 1968, sua definição se refina no ponto em que o introspectar, que é um processo mental, tem como objeto de análise outros objetos mentais. Eric Schwitzgebel, em Introspection, What?- 2012, ressalta que a introspecção é um esforço cognitivo, de voltar nossa atenção para se chegar a um julgamento sobre experiências atuais ou passadas, que são capacidades únicas da primeira pessoa (MEDEIROS, 2013, 13-14). Assim, conforme o filósofo, ele descreve características comuns às definições acima citadas, a saber, Em todas estas definições temos a satisfação da condição de mentalidade, seja falando do exame de nossos ​pensamentos e sentimentos​, seja na observação de nossos próprios ​processos mentais​, cognição reflexiva imediata dos ​estados da mente, estados da consciência​ ou eventos ​mentais​ ocorrentes. (p. 14) Assim, a introspecção versa sobre nossos próprios estados mentais, estabelecendo com isso o que será observado interiormente. Percebe-se que tal ato de introspectar ocorre nos processos mentais imediatos, ou seja, em nossos estados de consciência imediatos e conscientes .23 As teorias da introspecção se dividem em perceptuais e não-perceptuais. Na primeira, há caracterizações sobre a teoria, para tanto cito algumas realizadas por alguns filósofos. Segundo, William James (1890), no sentido que “descobrimos” nosso estado mental; conforme John Locke (1689/1975) quando “observamos” nossa própria mente com as “percepções” próprias dela, estamos, enquanto sujeito, passivos aos nossos próprios estados 23 Segundo William James, The Principles – 1890: “The word introspection need hardly be defined – it means, of course, the looking into our own minds and reporting what we there discover. Everyone agrees that we there discover states of consciousness .” (p. 185, apud MEDEIROS, 2013, p.13) e Eric Schwitzgebel, Introspection, What?- 2012: I am inclined to recommend the following view: introspection is the dedication of central cognitive resources, or attention, to the task of arriving at a judgment about one ́s current,,or very recently past, conscious experience, using or attempting to use some capacities that are unique to first-person case (...), with the aim or intention that one’s judgment reflect some relatively direct sensitivity to the target state” (p.42-43, apud MEDEIROS, 2013, p.14).
  • 26. mentais; e também “Armstrong nos tornamos conscientes de que um estado de crença, desejo ou dúvida acontece em nossa mente.” (MEDEIROS, 2013, p. 17). A teoria da introspecção não-perceptual rejeita a possibilidade de se observar/ perceber o estado mental, conforme a teoria anteriormente mencionada. Na definição de Shoemaker citada acima, a relação entre o ato de introspectar e o estado mental introspectado (…). Que os estados mentais de um sujeito sejam acessíveis introspectivamente não é um traço contingente, causalmente relacionado. Ter um desejo e crer que se tem um desejo é uma relação constitutiva, não-contingente. (MEDEIROS, 2013, p. 17) Portanto, o modelo não-perceptual rejeita a analogia entre externo e interno para o conhecimento dos estados mentais, destarte os estados mentais do agente não são contingentes, mas constitutivos do sujeito e assim não se enquadrando nas características, externo e interno. Uma possível crítica sobre a introspecção para ambas, perceptual e não-perceptual é questionar-se acerca de qual sensação (ou “olho interno”) estamos a abordar. Essa sensação demanda um órgão sensório, tal como olhos e ouvidos? Mas é possível existir um órgão sensório que fique observando nossos pensamentos? Esse órgão sensorial teria de ficar a todo momento em operação, e se for um órgão dos sentidos, em um certo momento ele entra em repouso, tal qual nossos olhos ao dormirmos. Sendo a introspecção a agenciadora de nossa vida mental, assim ela seria uma forma de conhecer a experiência interna. Entretanto, utilizar a metáfora do “olho interno” não parece adequada, pois podemos afirmar que há experiência visual, mas não há experiência introspectiva. Segundo Moran (2001), A primeira dessas dificuldades é o embaraço original do "olho interior" e a preocupação de que ele não pode ser descontado como outra coisa senão uma metáfora enganosa. Não há nenhum órgão perceptivo da introspecção, em qualquer coisa como a maneira como há órgãos identificáveis da visão e da audição e similares. (…) Não há na visão de ninguém a consciência de uma dor de cabeça mediada por uma aparência da dor de cabeça. E no caso de atitudes como a crença, simplesmente não há nada quasi-experiência no início para começar. (p. 13-14)24 24 “The first such difficulty is the original embarrassment of the ‘inner eye’ and the concern that it cannot be cashed out as anything other than a misleading metaphor. There is no perceptual organ of introspection, in anything like the way there are identifiable organs of sight and hearing and the like. Further, something like a person’s sensation of red is not to be analyzed into an independent object accompanied by an act of perceiving it. Aside from familiar ontological problems with the reification of sense data, and regress problems with the idea of ‘the perception of an appearance,’ there simply doesn’t even seem to be any ‘appearance’ or perceptual presentation of one’s belief or sensation that would be the experiential basis for the quasi-perceptual judgment, for example, that one has a headache, or believes that Wagner died happy. While ‘representationalism’ is a
  • 27. Neste ponto, percebemos uma clara confusão ontológica, consistindo na compreensão de que a experiência perceptual de um objeto vem descolada do ​qualia do próprio objeto, e na experiência introspectiva haveria uma quasi-experiência introspectiva como base para a própria experiência introspectiva, se ela fosse o caso. Entretanto, tal confusão se desfaz na medida em que refletimos acerca da própria experiência cotidiana, na medida em que percebemos a tonalidade da cor de algo, o objeto já traz a nossa experiência sensória a compreensão da sua tonalidade, por exemplo, da sua vermelhidão, assim não há uma experiência anterior a experiência. 2.2.2.2 Método do sentido interno Semelhante ao método da introspecção o método do sentido interno possui algumas semelhanças com relação ao primeiro. O sentido interno é similar a uma percepção, ou seja, possui um processo de monitoramento do que ocorre dentro da mente, assim tem-se um auto-escaneamento das representações mentais que entram e saem da mente. Entretanto, a “Percepção é obtida através de órgãos dedicados, como olhos e ouvidos, enquanto não há nenhum órgão (literal) de introspecção.” (GERTLER, 2015). Com isso, pode-se afirmar que25 o sentido interno, semelhantemente à introspecção, partilha de sua forma de obter as informações, isto é, ambas obtêm as informações através da “atenção”, a qual se envolveria com o estado almejado, mas percepção demanda experiência sensível. Assim qual é a sensação de um pensamento? É semelhante à sensação de frio, ou fome, ou à vermelhidão de uma maçã? Ao que parece, tais experiências carecem de experiência sensível, dessa forma podendo-se somente serem almejada para conhecerem os estados mentais referentes a sensações, enquanto experiências internas. Uma outra visão sobre o sentido interno pode ser esboçada, na qual compõem os filósofos Lycan e Armstrong. Para ambos, o autoconhecimento é um produto confiável, o qual sonda as atitudes proposicionais de primeira e segunda ordem. Para tanto, a origem da sondagem ocorre no cérebro e opera no nível subpessoal. Destarte por meio da “atenção” o controversial thesis about the ordinary perception of objects in the world, on nobody’s view is the awareness of one’s headache mediated by an appearance of the headache. And in the case of attitudes like belief, there is simply nothing quasi-experiential in the offing to begin with.” (MORAN, 2001, p. 13-14) 25 “Perception is achieved through dedicated organs such as eyes and ears, whereas there is no (literal) organ of introspection.” (GERTLER, 2015)
  • 28. sentido interno acompanha o pensamento em ação, entretanto isso não embasa sob como o mesmo em nível subpessoal se monitora os pensamentos e como essa atenção poderia denotar autoridade e transparência. (Cf. COLIVA, 2016, p. 93). Tal atenção opera em todos pensamentos, mas como operaria com as razões em nível “subpessoal”? Como proceder com as emoções que por vezes não têm objeto de atenção? 2.2.2.3 Método da transparência Contrapondo-se ao método empirista, no método que apresentarei não há um “olho interno”, mas um olho externo. Assim, podemos questionar, conhecemos as razões para nossas atitudes proposicionais olhando para fora? (...) ao fazer uma auto-atribuição de crença, os olhos estão, por assim dizer, ou às vezes literalmente, dirigidos para fora – para o mundo. Se alguém me pergunta ‘Você acha que está para acontecer uma terceira guerra?’, eu devo atentar, respondendo a ele, precisamente para os mesmos fenômenos externos que eu iria atentar se eu estivesse respondendo a pergunta ‘Será que está para acontecer uma terceira guerra mundial?’. Eu me encontro numa posição para responder a pergunta se eu acredito que p em que colocando em operação os mesmos procedimentos para responder à pergunta se p. (EVANS, 1982, p.225 apud SILVA FILHO, 2013, p. 89) Gareth Evans reflete acerca dos estados mentais, enquanto a observação de um sujeito sobre seu entorno, a partir do ponto de vista do sujeito, ora olhando para dentro de si, ou seja, para suas crenças, ora olhando para fora de si, isto é, para o seu entorno. Desta forma o estado mental de crença é transparente ao agente no sentido de que, para responder a pergunta sobre a crença sobre se eu acredito que haverá terceira guerra mundial (a qual necessita do olhar para dentro) envolve as mesmas razões para responder a pergunta se vai ocorrer um terceira guerra mundial (a qual necessita de um olhar para fora), mas ambas são sobre o mundo, ou seja, uma mesma referência sob análise de razões diferentes para as respostas. Analisemos o exemplo a seguir. Se me perguntarem “Você acredita que vai chover hoje?” eu olho para fora de casa, vejo que o céu está nublado, mas respondo que não irá chover. Note que a pergunta busca verificar qual meu estado mental, diferentemente da pergunta “Será que vai chover hoje?” o qual intenta verificar sobre o mundo, pois, mesmo que chova, não dependerá de minha crença se irá ou não chover. Com isso Richard Moran desenvolve o “método da transparência”, no qual o filósofo afirma que,
  • 29. De dentro da perspectiva em primeira pessoa, reconheço as duas questões como distintas em virtude de reconhecer que o que minhas crenças são direcionadas é um mundo independente, e elas podem, portanto, não se conformar a ele. (...) A alegação, então, é que uma pergunta em primeira pessoa sobre a crença de alguém é respondida por referência (ou consideração) às mesmas razões que justificariam uma resposta à pergunta correspondente sobre o mundo​. ​(MORAN, 2001, p. 62)26 Com isso, a transparência reside no método da transparência salientada por Richard Moran, a partir de Gareth Evans. Destarte se observa, conforme Silva Filho, o aspecto racional do método da transparência no autoconhecimento das próprias crenças, a saber, (...) se eu sou agente racional, eu posso conhecer minha atitude acerca de p e quais as justificações disponho para garantir a verdade de p; ao rever e considerar minhas justificações, posso, posteriormente, expressar a minha atitude intencional acerca de p. (2013, p. 94) Considerando minha capacidade, preservada pelo método da transparência, do agente racional, o qual é capaz de ter uma crença de segunda ordem, ou seja, de que o agente sabe que sabe que p. Assim ele possui a justificação para acreditar em tal crença e assim auto-atribuir a si determinado estado mental. Destarte, para Moran, a Condição de Transparência deve comportar o ajuste de mundo-mente e mente-mundo. Em outras palavras para que se possa ter uma atitude proposicional Transparente ela tem de ter as mesmas justificações para as afirmações sobre minha crenças. Por exemplo, “eu acredito que o céu é azul”, e sobre a realidade do mundo independente de minha crença, isto é, sobre a verdade de P, por exemplo, (consequente do exemplo anterior) que o céu tenha a cor azul (MORAN, 2001, p. 66). Mesmo com a clareza acerca do método da transparência ainda sim é possível tecer algumas críticas. Um dos autores que realiza tal crítica é Peter Carruthers (2011), em seu livro “​The Opacity of Mind: An Integrative Theory of Self-Knowledge”, explicitando a oposição da seguinte forma, Um problema com esta sugestão é que parece ter apenas uma gama limitada de aplicação. Pois mesmo se a proposta funciona para o caso de julgamento e de crença, é muito difícil ver como se poderia estender para explicar o nosso conhecimento dos nossos objetivos próprios, decisões e intenções - e muito menos 26 “From within the first-person perspective I acknowledge the two questions as distinct in virtue of acknowledging that what my beliefs are directed upon is an independent world, and they may therefore fail to conform to it. So, rather than reducibility or indistinguishability, the relation of transparency these writers are pointing toward concerns a claim about how a set of questions is to be answered, what sorts of reasons are to be taken as relevant. The claim, then, is that a first-person present-tense question about one’s belief is answered by reference to (or consideration of) the same reasons that would justify an answer to the corresponding question about the world.” (MORAN, 2001, p. 62)
  • 30. o nosso conhecimento de nossas próprias atitudes de se perguntando, supondo, temendo e assim por diante. Pois em tais casos, é duvidoso que haja qualquer pergunta sobre o mundo, encontrar a resposta para o que vai me dizer o que eu quero, decidir, a intenção, ou medo. No caso de desejo que eu posso perguntar se algo é bom, por exemplo. Mas, em seguida, a inferência de, 'X é bom' para, 'Eu quero X' parece instável. Da mesma forma, no caso de medo que eu posso perguntar se algo é perigoso, ou se tenho medo dela. Mas, novamente, a inferência de 'X está com medo' para, 'eu temo X' parece igualmente infundada. Eu posso muito bem reconhecer que algo está com medo, sem ter medo dela. (p. 81)27 Neste ponto, percebemos que o método da transparência parece ser aplicável somente às crenças. No tocante aos desejos não há uma implicação direta entre a atitude proposicional de, por exemplo, “eu creio que sorvete é bom” e o estado mental “eu quero sorvete”. E consequentemente a explicação de nossas ações. O mesmo vale para alguns estados emocionais. 2.2.2.3 Método do agencialismo Brie Gertler, filósofa norte-americana, ressalta a definição da agência racional para o autoconhecimento dos próprios estados mentais, esclarecendo acerca do método agencialista para o autoconhecimento. Destarte, agência racional se define como Nossa capacidade de conformar nossas atitudes com nossas razões e de nos comprometer com essas atitudes por meio de expressões (Burge 1996; Moran 2001; Bilgrami 2006; Boyle 2009). Eu vou me referir a esta posição como agencialismo sobre autoconhecimento.” (2016, p. 1)28 Assim, compreendemos que, para o método agencialista, nossas atitudes têm de estar em conformidade com nossas razões, ou seja, nossas atitudes no mundo ao nosso entorno derivam de nossas próprias razões evitando assim uma contradição entre ter um estado mental e agir segundo outro estado mental diferente do que causou a ação. 27 “One problem with this suggestion is that it appears to have only a limited range of application. For even if the proposal works for the case of judgment and belief, it is very hard to see how one might extend it to account for our knowledge of our own goals, decisions, or intentions—let alone our knowledge of our own attitudes of wondering, supposing, fearing, and so on. For in such cases it is doubtful whether there is any question about the world, finding the answer to which will tell me what I want, decide, intend, or fear. In the case of desire I can ask whether something is good, for example. But then the inference from, “X is good” to, “I want X” appears shaky. Likewise in the case of fear I can ask whether something is dangerous, or fearful. But again the inference from, “X is fearful” to, “I fear X” seems equally unsound. I can perfectly well recognize that something is fearful without being afraid of it.” (CARRUTHERS, 2011, p. 81) 28 “Critics who press this objection contend that our capacity for self-knowledge derives from our rational agency—our ability to conform our attitudes to our reasons, and to commit ourselves to those attitudes through avowals (Burge 1996; Moran 2001; Bilgrami 2006; Boyle 2009). I’ll refer to this position às agentialism about self-knowledge.” (GERTLER, 2016, p. 1)
  • 31. Gertler versa sobre o autoconhecimento quanto a sua justificação. Tal justificação pode ser tanto empírica quanto ​a priori​. A primeira toma como justificação para seus próprios estados mentais, a empiria, ou seja, as percepções empíricas que obtemos por meio de nossos sentidos externos. Por exemplo, “eu sei que não esta chovendo” e meu interlocutor me questiona “como você sabe disso?” e eu respondo “porque eu estou vendo”, destarte eu olho para fora e verifico que o céu esta azul e sem nuvens. Portanto justifico meus estados mentais por meio de minhas percepções, isto é, retiro da empiria minha justificativa. É possível também por meio de testemunho justificar minha crença de que não esta chovendo na Europa, por exemplo, acessando um site sobre o clima e assim ter uma justificativa, entretanto não é a mesma forma de justificação perceptual, mas é empírico, pois o testemunho é externo a mim, em outras palavras, de alguma maneira através dos sentidos. Já a justificação enquanto ​a priori (sem empiria), ocorre por meio de dedução lógica, por exemplo, (1) Todos os homens são mortais, (2) Sócrates é um homem, (3) logo Sócrates é mortal. Tal conclusão é possível, pois, sem mesmo conhecer Sócrates, posso saber de sua existência, não possuir conhecimento perceptual sobre ele e mesmo assim ter um conhecimento lógico dedutivo de que ele é mortal. Para demonstrar que a visão empírica sobre o autoconhecimento se mostra insuficiente, analisemos o seguinte argumento: 1. Como agentes racionais, somos obrigados a satisfazer determinadas normas racionais. 2. Satisfazendo algumas dessas normas racionais requer raciocínio criticamente sobre as atitudes. 3 *.Não se pode raciocinar criticamente sobre as atitudes, a menos que se pode conhecer as atitudes não-empiricamente. 4 *.Podemos satisfazer as nossas obrigações, como agentes racionais, só se podemos conhecer nossas atitudes não-empiricamente. (1-3 *) 5. "S é obrigado a A" implica "S podem A". 6 *.Como agentes racionais, podemos conhecer as nossas atitudes não-empiricamente. (A partir de 4 * & 5). (GERTLER, 2016, p. 8, )29 No ponto 3, percebemos a afirmação de que o agencialismo propõe para o empirismo, segundo Gertler, que somente se pode raciocinar criticamente sobre as atitudes se é possível conhecer as atitudes não-empiricamente, isto é, pela razão. Para tanto a filósofa traz o 29 “1. As rational agents, we are obligated to satisfy certain rational norms. 2. Satisfying some of those rational norms requires reasoning critically about one’s attitudes. 3*. One cannot reason critically about one’s attitudes unless one can know one’s attitudes non-empirically. 4*. We can satisfy our obligations, as rational agents, only if we can know our attitudes non-empirically. (from 1–3*) 5. “S is obligated to A” implies “S can A”. 6*. As rational agents, we can know our attitudes non-empirically. (from 4* & 5).” (GERTLER, 2016, p. 8)
  • 32. exemplo de Burge do seu artigo “Our Entitlement to Self-Knowledge”, o qual versa sobre um jurado que sabe que o réu é culpado, entretanto a evidência para isso é fraca, destarte ele tem motivos para suspender sua crenças, entretanto o jurado busca refletir, não sobre suas razões, mas sobre quais razões serão eficazes para suspender sua crença. Portanto não se trata de uma auto-reflexão, de um raciocínio crítico. No raciocínio genuinamente crítico a crença injustificada seria imediatamente eliminada, ou seja, as crenças são sensíveis as razões de maneira direta sem intermediários. (GERTLER, 2016, p. 8) A disparidade das atitudes com nossas crenças racionais muitas vezes ficam aquém de nossa auto-reflexão crítica. No exemplo do jurado que mesmo procurando racionalmente alguma forma de manter sua crença racional fraca sobre algo por ele percebido por seu sentidos, ele demonstra a divergência de sua percepção e sua formação da crença com base nos seus sentidos perceptuais. Dado tal compreensão, manter sua crenças violaria as normas racionais com relação às suas próprias percepções. Para tornar mais claro este assunto, segue outro exemplo. Uma pessoa apaixonada por determinado time de futebol, digamos que o time X jogou mal e, mesmo assim, para o apaixonado o time X ainda é fantástico, afirmando que seu time é bom, quando na realidade perdeu. Percebe-se que sua crença racional não se encontra em conformidade com as evidências, e não parece contribuir para uma auto-reflexão crítica sobre suas percepções denotando a insuficiência para o agencialismo. Destarte parte da racionalidade se mantém consistente enquanto interna à própria crença, de crer que o time é bom, isso não constitui uma irracionalidade, entretanto quando estipulada a relação causal da crença demonstra a incoerência com as evidências, a saber de que o time não jogou bem, pois perdeu. Assim o empirismo não parece resistir às exigências do agencialismo e tal método por vezes não é seguido fielmente, ou seja, a agência racional não é seguida com rigidez. 2.2.2.5 Método inferencialista Acerca do método inferencialista sobre o autoconhecimento dos próprios estados mentais temos duas versões, a saber, de Gopnik’s e Cassam .30 31 30 Veja em Gopnik, A. (1983). How we know our minds: The illusion of first-person knowledge of intentionality. Behavioral and Brain Sciences , 16 , 1–15. Reprinted in Goldman, A. (ed) (1993). Readings in philosophy and cognitive science. Cambridge MA: MIT Press. 31 Veja em CASSAM, Quassim. Self-Knowledge for humans. Oxford: Oxford University Press, 2014.
  • 33. Gopink’s (1983) aborda o autoconhecimento somente enquanto conhecimento das atitudes proposicionais manifestas, ou seja, considera o comportamento manifesto como base para as inferências que compõem o autoconhecimento. Considerando o modelo observacional para a inferência dos estados mentais, com isso também considera que crianças podem realizar atribuição de estados mentais aos outros, pois fizeram auto-atribuição de estados mentais para si mesmas. Entretanto como tais crianças realizariam inferências complexas, como por exemplo, sobre o ​amor​? Considerando-se a emoção amor como emoção complexa. Ainda Gopink’s considera que possuindo teoria da mente dos outros, tais como cientistas têm teorias sobre a ciência, seria uma questão de prática para, por assim dizer, ver os estados mentais. Descartes utiliza esse termo de forma metafórica, pois nem a criança, nem os teóricos experientes dos estados mentais viriam algo, tal como um estado mental. Gopink’s recai em um behaviorismo grosseiro, ou seja, perante o exemplo do desejo de comer um sorvete se corre o risco de se pressupor a crença de que o sorvete satisfaz meu desejo de comer sorvete. (COLIVA, 2016, p. 85-86). Já Quassim Cassam (2014) afirma que o autoconhecimento é holístico e não linear, e sua suposta circularidade é genuína e não viciosa (p. 169). Por exemplo, para saber que tenho uma atitude proposicional A, tenho que que acreditar em A, ou para saber que seu sentimento é F, necessita-se saber o sentimento de F, para o filósofo isso não é benéfico, pois não auxilia na explicação do estado mental. Todavia, se, por exemplo, para Katerine, não necessita saber que ela anseia por outra criança, a fim de saber que ela anseia por outra criança, pois ela necessita de outras interpretações sobre sua vida mental para interpretar seus sentimentos. Isso, conforme Cassam (2014, p. 169) é um círculo benigno. Em contraste, o círculo vicioso versa sobre as atitudes ocorrentes. Por exemplo, eu julgo que P. Mas como conheço meus próprios julgamentos? Isso é mais difícil de se estabelecer. Pois para Cassam é possível que “Você pense ou diga às palavras corretas no seu discurso interno mas sua ação mental não tem as conexões corretas para para que ele constitua seu julgamento que P​.” (2014, p. 169).32 Coliva critica a posição de Cassam de que temos um “incentivo interno” ao, por exemplo, desejar um sorvete, pois interpretamos o contexto e obtemos o desejo, ou seja, temos uma inferência com uma interpretação. Isto é, ao desejar um sorvete temos outras 32 “You think or say the right words in inner speech but your mental action doesn’t have the right connections for it to constitute your judging that P”. (CASSAM, 2014, p. 169)
  • 34. interpretações de nosso contexto que nos incentivam a ter tal desejo. Entretanto, Coliva, alega que, ao desejarmos algo não parece que temos o “incentivo interno” enquanto instância anterior ao próprio desejo. (2016, p.87). Destarte, operações inferenciais ocorrem em nível sub-pessoal (incentivo interno). Assim, a filósofa afirma que, ao se levar para o nível subpessoal - para saber que tenho determinado sentimento, tenho que conhecer aquele sentimento, conhecer os conceitos, interpretar o contexto - no qual as inferências não são bases epistemológicas para auto-atribuições de estados mentais, no caso, do desejo. Com isso tal inferencialismo não explana claramente acerca do autoconhecimento. 2.2.2.6 Método da simulação de outras mentes Nas teorias da da simulação conhecer os próprios estados mentais seria uma questão de simulação, ou seja, simular outras mentes e assim emitir julgamentos sobre elas. Assim criando tanto a perspectiva de terceira-pessoa quanto a da primeira-pessoa. Na teoria da simulação não aborda diretamente o autoconhecimento, contudo há uma compreensão a ser elucidada no que tange a simulação do conhecimento de nós mesmos em situações hipotéticas e da natureza das atitudes proposicionais. Gordon (1995) se interessa na situação hipotética, a qual pode prever nossos comportamentos. Por exemplo, se questionado sobre “o que você vai fazer se haver uma terceira guerra mundial?” eu poderia responder essa questão afirmando que vou pra guerra. Para o filósofo isso preveria minhas ações, ou seja, anteciparia o conhecimento sobre meu próprio estado mental. Com isso, em certa medida, eu obteria um conhecimento prévio acerca do meu estado mental, assim podendo afirmar ter em alguma medida autoconhecimento, ou autoconhecimento hipotético, uma vez que já conheço meu estado mental na situação hipotética. Entretanto para Gordon, não se pode explicar a confiabilidade nas previsões, pois podemos nos surpreender com respostas atípicas a essas simulações (1995, p. 63). Portanto, com tais simulações adquirimos somente pistas sobre o conhecimento de nossos estados mentais, sendo que os seres humanos muitas vezes são imprevisíveis Dessa maneira quando o enfoque recai sobre auto-atribuições psicológicas, tais como “eu acredito, que”, “eu desejo que”, “eu estou sentindo”, os filósofos Goldman e Gordon entram em desacordo. O ponto de conflito se encontra no fato que, segundo Goldman, aprendemos conceitos psicológicos introspectivamente e em primeira pessoa. Ou seja, identificamos de forma introspectiva em qual estado mental estou, e simulando outras mentes
  • 35. e aplica-se essas atitudes proposicionais aos demais (herda-se nesse ponto de Goldman toda a problemática da introspecção). Já Gordon objeta quanto ao apelo a introspecção e a criação de terceiras-pessoas, e quanto a necessidade de conhecer os próprios estados mentais (COLIVA, 2016, p. 90-91). Para tanto, o filósofo traz uma visão alternativa favorecida pelos defensores da teoria-teoria, a qual é, a saber, (...) um número de leis ou princípios "folclóricos" que conectam estados mentais com estímulos sensoriais, respostas comportamentais e outros estados mentais. Aqui estão alguns exemplos supostos: Lei de visão : Se ​S é na frente do objeto ​O​, ​S dirige seu olhar para ​O , sistema visual de ​S está funcionando corretamente, e as condições ambientais são ótimas, em seguida, ​ceteris paribus S​ verá ​O​ . Lei do silogismo prático : Se ​S deseja um determinado resultado ​G e ​S acredita que através da realização de uma determinada ação ​A ela obterá ​G​, em seguida, ​ceteris paribus S​ vai decidirá executar ​A​. (BARLASSINA; GORDON, 2017, p.22)33 Destarte, nota-se leis e princípios que ligariam inferências a outros estados mentais. Também no sentido de atribuir inferências a terceira-pessoa, algo que a simulação da teoria-teoria poderia explicar devido ao conhecimento de mente que se tem que possuir para poder explicar às outras mentes. Entretanto para Gordon às crianças aprendem a utilizar os conteúdos psicológicos, não por introspecção, nem por inferência, mas na utilização diária. Contudo, às crianças não possuem claramente, por exemplo, o conteúdo conceitual do “eu”, entretanto utilizam no seu dia-a-dia. Ou seja, às crianças aprenderam um pedaço do comportamento linguístico que não envolve posse real dos conceitos, por exemplo, “eu desejo P”, a criança não sabe o que significa P, nem a referência do “eu” . Logo, ao simular os outros e usar o aprendizado, teremos continuidade semântica das inferências individualizadas, que mesmo não possuindo o conhecimento completo sobre o conteúdo semântico, se adequa ao uso necessário para o contexto. Para dar plena posse dos conteúdo Gordon exige que saiba a distinção entre fato e a representação do sujeito. Por exemplo, uma criança fala “eu quero sorvete”, pois aprendeu o que seja sorvete em um determinado contexto, entretanto, para que ela tenha posse do conceito terá de separar o fato, seu desejo, do sorvete, algo que para uma criança é algo 33 “(...) ​a number of “folk” laws or principles connecting mental states with sensory stimuli, behavioural responses, and other mental states. ​Law of sight​: If S is in front of object O, S directs her eye-gaze to O, S’s visual system is properly functioning, and the environmental conditions are optimal, then ceteris paribus S will see O. Law of the practical syllogism: If S desires a certain outcome G and S believes that by performing a certain action A she will obtain G, then ceteris paribus S will decide to perform A.” ​(BARLASSINA; GORDON, 2017, p.22)
  • 36. complexo, pois ela não entende o que seria desejo, ou mesmo a referência do pronome “eu”. Para o autor, com relação às crianças, em suas simulações não compreenderiam a referẽncia do “eu”. Por vezes, se confundindo com às outras simulações, pois projeta sua mente em outra pessoa, sendo que a simulação ocorre em nível de primeira-pessoa. Contudo a simulação é útil para o exercício do autoconhecimento. Pois ela fornece simulações hipotéticas e (ou não) futuras, mas podendo ser falíveis. Isso não denotaria irracionalidade no agente, o qual pode não atentar para alguns aspectos das simulações, tanto quanto na vida real não realizar uma interpretação adequada do seu entorno. Assim o autoconhecimento por via de simulação é falível, colocando em questão a autoridade de primeira pessoa, visto que a simulação é uma fonte para o autoconhecimento de terceira pessoa. 2.3 AUTOCONHECIMENTO EMOCIONAL Segundo o exposto acima, podemos autoconhecer os próprios estados mentais, ou seja, atitudes proposicionais, pensamentos, sensações, crenças, desejos, julgamentos e emoções. Entretanto, cabe adequar o método próprio de cada estado segundo suas características. Dessa forma, passo a analisar os limites e possibilidades metodológicas do autoconhecimento emocional. Autoconhecimento emocional refere-se ao conhecimento das próprias emoções. Se compreendermos as emoções enquanto processos cognitivos relativos às crenças, então o método da transparência basta para sua efetivação. Assim, ao estarmos de posse das justificações sobre nossos estados mentais emocionais, estaríamos nos autoconhecendo emocionalmente. Mas como justificar a emoção da depressão? Quais seriam as justificativas, eu as teria claramente dispostas em minha mente? Se a depressão não possui objeto externo particular que possa ser atribuído um padrão de correção, como justificar as atitudes mentais? Parece não ser o caso. Agora, se considerarmos as emoções enquanto processos fenomênicos, o que obteríamos são somente sensações? Vejamos, por exemplo, a análise da felicidade e alegria de Schwitzgebel Os estados emocionais de alegria, raiva e medo são sempre ou só às vezes fenomenalmente sentidos como parte do fluxo da experiência consciente de alguém? Sua fenomenologia, seu caráter experimental é sempre mais ou menos o mesmo ou difere muito de caso a caso? Por exemplo, a alegria está
  • 37. às vezes na cabeça, às vezes é mais visceral, às vezes uma excitação, às vezes expansividade- ou, em vez disso, a alegria tem sempre um centro único, consistente, distintivo e identificável? A consciência emocional é simplesmente a experiência da excitação corporal e outros estados corporais, como William James parece sugerir? Ou, como muitas pessoas pensam, pode incluir ou mesmo ser exaurida por algo menos literalmente visceral? A experiência emocional é consistentemente localizada no espaço (por exemplo, os lugares particulares no interior do corpo e da cabeça de alguém)? (2008, p. 249). Digamos que sim, a emoção é a excitação corporal, conforme James nos recorda. Assim, o método do sentido interno faz jus a duas formas de perceber as próprias sensações do corpo. O sujeito foca ação sobre si mesmo e passa a se autoconhecer emocionalmente. Entretanto, se a sensação não possui representação no mundo, como ela poderia assumir uma objetividade, por exemplo, com relação à emoção de inveja? Sendo que a inveja está relacionada a algo externo ao próprio sujeito? Aqui o sentido interno não parece ser o caso. Suponhamos que as emoções são constitutivas, ou seja, por via do agencialismo. Do agencialismo, segue-se que as ações têm de estar em conformidade com as razões, assim as ações devem estar em conformidade com as próprias razões das emoções. Desta forma, se as emoções forem se constituindo enquanto razões, acabam por deixar escapar alguns aspectos nos quais as razões por vezes não se encaixam. Por exemplo, pessoas com crises de pânico, se você perguntar o que ela sente, esta não saberá responder, pois somente sente uma forte dor no corpo, um sentimento de que irá morrer, mesmo sem saber o por quê. Nesse exemplo, a razão fica de fora e, consequentemente, não se consegue obter conformidade com as próprias ações, devido a uma falta de referência para as próprias emoções. 3. OBJETIVOS E FORMULAÇÃO DA TESE 3.1 OBJETIVOS GERAIS Este projeto visa encontrar respostas para as seguintes questões: ● Qual a ontologia das emoções? ● Concebendo as emoções como experiências sensoriais, é possível o autoconhecimento?
  • 38. ● Concebendo as emoções como desejos, é possível autoconhecimento? ● Concebendo as emoções juízos cognitivos e avaliativos (crenças), é possível o autoconhecimento? ● Conforme a resposta às perguntas anteriores, quais são as possibilidades e limites para o autoconhecimento emocional? ● Conforme a resposta às perguntas anteriores, por qual(ais) metodologia(s) podemos obter autoconhecimento emocional? 3.2 TESES/HIPÓTESES PRINCIPAIS A hipótese principal a ser investigada é que há diversos tipos de emoções, as quais possuem características distintas. Assim, tais características afirmam ou negam a possibilidade de um ou mais métodos para o autoconhecimento das emoções. Há muita concorrência quanto aos tipos de emoções que existem e em quais categorias elas se encaixam, se são emoções básicas ou “complexos, coordenados e automatizados” (GOLDIE, 2000, p. 105-106) ou emoções básicas, às quais o agente é portador do conceito da emoção presente e sujeito das próprias emoções. Contudo, o agente nas emoções básicas não realiza interpretações sobre a própria emoção, a qual pode vir a ser modificada, sendo isso o caso das emoções complexas (COLIVA, 2016, p. 229-230). Destarte, à medida que se obtêm maior clareza acerca da ontologia e classificação das emoções, é possível especificar com maior precisão seus detalhes para, a partir desse ponto, verificar a melhor metodologia para se autoconhecer emocionalmente. Consequentemente, após o delineamento das estruturas das emoções, obter-se-á com mais clareza o caminho para se conhecer as emoções, tanto quanto verificar as emoções que ainda não possuem estrutura conhecida. Assim, atinge-se um pluralismo metodológico para os diversos tipos de emoções, ou seja, um pluralismos metodológico do autoconhecimento emocional. Considerando-se que há diversos tipos de estados mentais, conforme uma pesquisa mais recente publicada no livro intitulado ​The varieties of self-knowledge, da filósofa Anna Coliva (2016), defende-se o pluralismo sobre o autoconhecimento dos próprios estados