O documento discute a noção de conteúdo mental como uma ferramenta teórica útil para a filosofia da mente. Apresenta diferentes tipos de conteúdos mentais e discute como a atribuição de representações a entes dotados de mente pode ajudar a explicar seu comportamento. Também aborda a estrutura das atribuições de estados mentais e a individuação de representações.
2. O que veremos nesta aula
A noção de abstração nas artes e ciências.
O conceito de representação em filosofia da mente
Estrutura dos estados mentais e dos conteúdos mentais
Avaliação de conteúdos representacionais
Identificação de tipos de estados mentais
3. Burge sobre o conteúdo mental
“O conteúdo representacional é uma abstração estruturada que
pode ser avaliada como verdadeira ou falsa, ou como
perceptualmente correta ou incorreta. … Ele ajuda a identificar-o-
tipo do estado mental com este conteúdo. Ou, para dizer de
outro modo, ele é parte do tipo psicológico do qual o estado
mental associado é uma instância.”
– Burge, Foundations of Mind, p. 2.
5. Abstração na arte: capa do 1º número da New Yorker com o dandi
Eustace Tilley em desenho de Rea Irvin. Homenagem de 2002 por
Christoph Niemann.
6. O abstratômetro de Christoph Niemann – tal como apresentado na
série Abstract.
7. “Both in art and in logic (which carries scientific abstraction to
its highest development), ‘abstraction’ is the recognition of a
relational structure, or form, apart from the specific thing (or
event, fact, image, etc.) in which it is exemplified.”
– Susanne K. Langer. “Abstraction in Science and Abstraction in Art.” From Structure,
Method and Meaning: Essays in Honor of Henry M. Sheffer, ed. Paul Henle, Horace M.
Kallen, and Susanne K. Langer (New York: Liberal Arts Press, 1951), 171-182; reprinted
as the Appendix to Susanne K. Langer, Problems of Art (New York: Scribner’s, 1957),
163-180.
Abstração na arte e na lógica
8. Conteúdo mental como abstração
Trata-se de uma estrutura explicativa útil para a filosofia da
mente, a psicologia e as neurociências, não exatamente de um
tipo de ente que exista aí fora.
O que há (no mundo ou nas mentes) não é, literalmente,
conteúdo mental, mas sim aquilo que é investigado
abstratamente como conteúdo mental.
O conceito de conteúdo mental é uma ferramenta teórica do
filósofo, do psicólogo e do neurocientista.
9. Variedades de conteúdo
Representacional: algo na mente que está por alguma outra coisa.
Fenomênico: o como-é de uma sensação ou emoção.
OBS. Não confundir o como-é (what’s like) da consciência
fenomênica com o representar-como (representation-as).
11. Representacionalismo
“Some readers coming to this work from the history of philosophy may be
inclined to associate the term ‘representation’ or even ‘representational
content’ … with traditional views according to which representations are the
immediate objects of perceptual reference. On such views, representations are
perceived. Or they are objects of perceptual awareness, or of some other
awareness. Representations, on such views, are themselves represented: they
are representata. Such views are often termed ‘representationalist’.
I have absolutely no sympathy for such views.”
– Burge, Origins of objectivity, p. 30–31.
12. Representações como atos em vez de objetos
“Representation is rather like shooting. Some shots do not hit
anything, but they remain shootings.”
– Burge, Origins of objectivity, p. 45.
Brentano já falava da flecha da intencionalidade.
13. O que representamos?
Indivíduos: objetos e eventos delimitados no espaço-tempo –
itens irrepetíveis. Elementos singulares da realidade. O modo de
representação é a referência.
Propriedades: aspectos de certos objetos e eventos que são ao
menos similares a aspectos de outros objetos e eventos.
Elementos gerais da realidade. O modo de representação é a
predicação.
15. A normatividade estrutura-como da
representação
Representar é representar-como. Isso abre uma dimensão
normativa na representação, pois é possível errar no como:
S1 percebe uma mosca como uma mosca. (Percepção correta.)
S1 percebe uma bagana de cigarro como uma mosca. (Percepção
incorreta.)
Cf. Burge, Origins of objectivity, p. 34.
16. A estrutura-como e a individuação de
representações
S1 percebe uma mosca como uma mosca. (A representação – o
estado mental individuado – é sobre moscas.)
S1 percebe uma bagana de cigarro como uma mosca. (A
representação é sobre moscas.)
S2 percebe uma bagana de cigarro como uma bagana de cigarro.
(A representação é sobre baganas de cigarro.)
Cf. Burge, Origins of objectivity, p. 35.
17. Falhas na representação
Há insucesso representacional quando S representa um
indivíduo ou propriedade como-F, mas o indivíduo ou
propriedade não é um F.
Note que nesse caso há o ato de representar algo como-F, e isso é
suficiente para haver representação do tipo-F, mesmo que a
representação esteja errada, mesmo que não exista o indivíduo
ou propriedade mirado.
Cf. Burge, Origins of objectivity, p. 42–43.
18. Três modos de errar na representação
Atribuição errônea (trocada) de uma propriedade a um
indivíduo.
Ausência de indivíduo a ser representado.
Indicação de propriedade inexistente.
Cf. Burge, Origins of objectivity, p. 44.
19. Metafísica da individuação
Individuação de um indivíduo: se o indivíduo x e o indivíduo y
têm exatamente as mesmas propriedades, então x=y. (Lei de
Leibniz)
Individuação de uma propriedade tout court: se a propriedade F
e a propriedade G têm exatamente a mesma extensão, então
F=G.
Individuação de um tipo de representação: se S representa x
como-F e y como-F, então as representações de x e y por S são do
mesmo tipo.
20. Anti-individualismo do representar-como
No mais das vezes, são fatores causais (alheios a deliberações)
que levam S a representar um indivíduo x ou uma propriedade F
como-F ou como-G.
Fatores causais filogenéticos.
Fatores causais ontogenéticos.
21. Anti-individualismo e filogênese
Animais representam certos aspectos salientes do ambiente
presente do ambiente como
abrigo/perigo/alimento/prole/competidor/cônjuge por (eis a
origem causal) transmissão genética.
22. Anti-individualismo e ontogênese
Animais sociais dotados de cultura transmitem aos mais jovens
modos de representar certos aspectos salientes do ambiente. Os
jovens adotam sem reflexão (mas com sucesso ou fracasso
adaptativo) as representações culturalmente recebidas.
Cf. Tomasello, Michael. 2003. Origens Culturais da Aquisição do Conhecimento
Humano. Traduzido por Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes.
23. Encapsulamento representacional
Perceber x como-Fperceptual não causa, por si só, conceber x como-
Fconceitual.
A atribuição perceptual de propriedade pode divergir da
atribuição conceitual de propriedade.
“Perception lacks propositional structure. So perceptual
attributives are not concepts, and perceptions are not thoughts.”
– Burge, Origins of objectivity, p. 36.
24. Grão mais fino
Perceber x como-Fperceptual é mais refinado que conceber x como-
Fconceitual. Posso perceber diferenças entre duas coisas que
conceituo da mesma maneira.
Cf. Burge, Origins of objectivity, p. 40.
25. Constâncias perceptuais
Podemos perceber uma parede como branca (do mesmo tom de
branco) sob inúmeras condições de iluminação.
A questão aqui diz respeito ao conteúdo representacional, não
necessariamente ao conteúdo fenomênico.
Cf. Burge, Origins of objectivity, p. 41.
26. Tipos de sucesso representacional
Percepção: acurácia
Pergunta: resposta
Ordem: obediência
Intenção: ação
Pensamento: verdade (ou ao menos poder ser V ou F)
Cf. Burge, Origins of objectivity, p. 39.
30. Por que atribuímos estados mentais?
Atribuímos estados mentais aos outros e a nós mesmos para dar
sentido às ações e aos comportamentos (papel causal e/ou
explicativo dos estados mentais).
“Eu gritei com você porque estava muito estressadoemoção
autoatribuída. Saiba que eu te amo.”
“Martins entrou por aquela porta porque achavacrença atribuída que
o xerox ficava naquela direção.”
31. Estrutura da atribuição de estado mental
César acredita que vai chover. (Evento de t1)
Martins deseja que não chova. (Evento de t2)
Cléber imagina que choveu ontem. (Evento de t3)
César acredita que não vai chover. (Evento de t4)
Sujeito S a quem
se atribui o
estado mental
Atitude ψ
especificada na
atribuição de
estado mental
Conteúdo p da
atitude mental
atribuída
Momento t de
ocorrência do
evento mental
atribuído ao
sujeito
32. Atitudes e conteúdos mentais
Esquema de atribuição de estado mental a outros: S ψ que p em
t.
ψ = atitude mental: achar que, duvidar que, querer que, temer
que, esperar que, imaginar que, lembrar que.
p = conteúdo mental: filmes 8mm são coisa de hipster, fitas
betamax são coisas de hipster.
Metafísica da mente: individuamos estados mentais por sujeito S
+ atitude ψ + conteúdo p + tempo t. Estados mentais são eventos.
33. Terminologia
O “t” com o maior índice indica o presente, o “t” com o menor
índice indica o passado mais distante.
Crenças e conhecimentos são representações, mas
“representação”, na análise proposta, não precisa ser nem crença,
nem conhecimento. Pode ser mera experiência.
34. Individuação, identidade
Lei de Leibniz: para qualquer coisa x, e para qualquer coisa y, se
x tem exatamente as mesmas propriedades que y, então x=y.
Se o estado mental do sujeito S x tem a atitude ψ1, o conteúdo p
e se deu no tempo t1, e o estado mental y do sujeito S tem a
mesma atitude, o mesmo conteúdo e o mesmo tempo, então x=y.
Caso contrário (atitude ψ2 ou conteúdo q ou tempo t diferente),
x≠y.
36. Em resumo
A noção de conteúdo mental é uma ferramenta teórica.
A atribuição de uma representação a um ente dotado de mente
ajuda a explicar seu comportamento.