O documento descreve a insuficiência adrenal, incluindo suas causas, sintomas e tratamento. Resumidamente: (1) A insuficiência adrenal ocorre quando as glândulas adrenais não produzem cortisol ou aldosterona suficientes; (2) Pode ser primária, secundária ou terciária; (3) Causa fadiga, perda de peso e hipotensão; (4) O diagnóstico é feito por exames de sangue e imagem; (5) O tratamento envolve reposição de glicocorticoides
2. Glândulas Adrenais
As glândulas adrenais estão localizadas acima dos rins e medem cerca de 5 cm cada.
São compostas por uma medula e um córtex:
• Medula (central): adrenalina, noradrenalina e dopamina
• Córtex (periférico): subdividido em 3 zonas
Zona glomerulosa (mais externa): aldosterona
Zona fasciculada: cortisol
Zona reticular: desenvolvimento na vida pós-natal, produz esteroides androgênicos e glicocorticoides
3.
4. Hormônios Adrenais
Catecolaminas:
• Derivados da tirosina e sua liberação representa resposta direta à estimulação nervosa simpática da medula suprarrenal
• Fundamentais na resposta de estresse a uma agressão física ou psicológica: alerta, dilatação de pupilas, piloereção, sudorese,
dilatação brônquica, taquicardia, inibição da atividade de musculatura lisa e constrição de esfíncteres no trato gastrointestinal
Androgênios:
• Dehidroepiandrosterona (DHEA), androstenediona, estrógenos e progesterona
Mineralocorticoides:
• A aldosterona age na regulação da homeostase dos eletrólitos no líquido extracelular
• Aumenta a reabsorção de sódio e, consequentemente, de água
5. Hormônios Adrenais
Glicocorticoides:
• Cortisol é o principal
• Sua síntese é estimulada pelo ACTH hipofisário, por sua vez regulado pelo CRH
hipotalâmico
• Efeitos do cortisol:
Anti-inflamatório e antialérgico: redução da hiperemia, da resposta celular, da
migração de neutrófilos e macrófagos, da exsudação, da formação de fibroblastos e
da liberação de histamina
Aumento da gliconeogênese e da glicogenólise, aumento do catabolismo proteico,
estimula lipólise e facilita de hormônios ativadores da lipase (glucagon, adrenalina e
GH)
6. Insuficiência Adrenal
Caracterizada pela falência da glândula na produção de cortisol,
podendo também afetar a produção de aldosterona.
Dividida em:
• Primária (Doença de Addison): defeito da produção está localizado na própria
adrenal
Somente nessa haverá deficiência de aldosterona
• Secundária: defeito localizado na hipófise
• Terciária: defeito localizado no hipotálamo
Insuficiência adrenal central
Primária
Secundária
Terciária
7. Epidemiologia
A insuficiência adrenal primária (IAP) é considerada doença rara:
• Prevalência crescente no Ocidente, com 100 a 140 casos por 1 milhão de habitantes
• No restante do mundo, dados escassos e parecem indicar uma prevalência menor
• Inexistem dados epidemiológicos disponíveis no Brasil
8. Etiologias
Insuficiência Adrenal Primária:
• Autoimunidade (70 a 90% dos casos da Europa e EUA)
• Doenças infecciosas (tuberculose, paracoccidioidomicose)
• Adrenalectomia
• Neoplasia
• Doenças genéticas (hiperplasia adrenal congênita)
• Medicamentosa: anticoagulantes (hemorragia adrenal), etomidato (inibição da síntese de cortisol),
anticonvulsivantes (aumento do catabolismo), antibióticos
9. Etiologias
Insuficiência Adrenal Secundária:
• Qualquer doença que envolva a hipófise e interfira na secreção de corticotrofina (ACTH) pode estar envolvida na sua
etiologia
Insuficiência Adrenal Terciária:
• Anormalidade hipotalâmicas que reduzam secreção do hormônio liberador de corticotrofina (CRH): tumores,
doenças infiltrativas, radiação craniana
• As causas mais comuns são aquelas relacionadas à diminuição abrupta do excesso de cortisol:
Exógeno: interrupção de glicocorticoides em altas doses
Endógeno: correção de hipercortisolismo na Síndrome de Cushing
10. Quadro Clínico
Crônico:
• Manifestações inespecíficas: fadiga, perda ponderal, náuseas, vômitos, dor abdominal, artralgia, mialgia
• Específicos: hiperpigmentação (betalipotrofina) e hipotensão postural (deficiência de aldosterona)
Agudo:
• Ocasionada pela repentina falha na produção de cortisol e aldosterona
• Decorrente de infecção, trauma, cirurgia ou outros fatores
Achados laboratoriais:
• Hiponatremia (IAP/IAC), hipercalemia (IAP), aumento da creatinina (IRA pré-renal decorrente de
hipovolemia), hipercalcemia, anemia normocrômica, linfocitose, eosinofilia, hipoglicemia
11. Quadro Clínico
Deficiência de mineralocorticoides:
• Como os mineralocorticoides estimulam a reabsorção de sódio e a excreção de potássio, a deficiência resulta em aumento da
excreção de sódio e diminuição da excreção de potássio (hiponatremia e hipercalemia)
• Perda de sódio e água na urina causa desidratação grave, hipertonicidade plasmática, acidose, diminuição do volume circulatório,
hipotensão e, com o tempo, colapso circulatório
Deficiência de glicocorticoides:
• Causa hipotensão e sensibilidade à insulina, além de distúrbios no metabolismo de carboidratos, gorduras e proteínas. Na ausência
de cortisol, há formação insuficiente de carboidratos a partir de proteínas, resultando em hipoglicemia e diminuição do glicogênio
hepático. A disfunção neuromuscular resulta em fraqueza. Diminui a resistência a infecções, traumas e outros estresses. A fraqueza do
miocárdio e a desidratação reduzem o débito cardíaco, podendo ocorrer insuficiência circulatória.
• A diminuição do cortisol no sangue leva ao aumento da produção de ACTH pela hipófise e aumento da betalipotrofina no sangue, que
possui atividade estimulante de melanócitos e acarreta na hiperpigmentação de pele e mucosas (IAP)
12. Diagnóstico
Confirmar a baixa secreção de cortisol sérico e determinar a etiologia da IA a partir dos níveis de
ACTH plasmático.
Dosagem do cortisol sérico basal:
• Realizado pela manhã, entre 6 e 9h (lembrar de suspender uso de estradiol)
• Diagnóstico de IA provável se cortisol sérico basal pela manhã for ≤ 3-5 mcg/dL associado à elevação de ACTH
plasmático em pelo menos 2 vezes acima do LSN (> 100 pg/dL)
Exame de Imagem:
• TC de abdome superior com cortes finos para avaliar se presença de massas ou calcificações adrenais e biópsia caso
haja lesões
13. Diagnóstico
Se cortisol sérico basal entre 5 e 15 mcg/dL: realizar teste de estímulo da função adrenal
(cortrosina, teste de hipoglicemia insulínica ou teste com hormônio estimulador de ACTH)
Teste de hipoglicemia insulínica:
• Hipoglicemia estimula liberação de CRH e ACTH
• Insulina 0,05-0,1 UI/kg para atingir glicemia de 40 mg/dL e dosar cortisol 0, 30’, 60’ e 90’ (normal se ≥ 18 mcg/dL)
• Contraindicações: cardiopatia, histórico de convulsão, doença vascular cerebral e crianças com peso abaixo de 20 kg
14. Diagnóstico
Pacientes com diagnóstico de IAP devem ser avaliados para deficiência de mineralocorticoide
através da dosagem de aldosterona e renina plasmáticas
• Aldosterona < 3 ng/dL com renina elevada são diagnóstico de Hipoaldosteronismo
Observações:
• Se cortisol ≥ 15 mcg/dL, alto valor preditivo para resposta normal em testes de estímulo
• DHEAS baixo para sexo e faixa etária pode contribuir para diagnóstico de IA, mas é pouco específico acima de 50 anos devido ao declínio
fisiológico
• Cortisol salivar e cortisol urinário de 24h não têm valor diagnóstico na IA
15.
16. Insuficiência Adrenal Central
Diagnóstico:
• Cortisol sérico basal ≤ 3 mcg/dL com ACTH plasmático baixo/normal
• Teste de estímulo se cortisol entre 3 e 15 mcg/dL
Exame de Imagem:
• Ressonância magnética de hipófise e hipotálamo para avaliar a presença ou
progressão de lesões ou haste
17. Insuficiência Adrenal Central
Avaliar se supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal:
• Uso diário de 5 mg de prednisona por 30 dias ou 20 mg por 2 semanas
• Cirurgia hipofisária
• Radioterapia de sistema nervoso central
• Hipopituitarismo: GH, fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 ou
somatomedina C, LH, FSH, estradiol (mulheres), testosterona total ou livre
(homens), TSH, T4L e prolactina
18.
19. Tratamento
Fármacos:
• Glicocorticoide:
Prednisona: comprimidos de 5 e 20 mg
Prednisolona: solução oral de 1 mg/mL e 3 mg/mL
Hidrocortisona: pó para solução injetável de 100 e 500 mg
• Mineralocorticoide:
Fludrocortisona: comprimido de 0,1 mg
20. Tratamento
Fundamentado em:
• Suprir a deficiência de glicocorticoides na IAP e IAC, além de suprir deficiência de mineralocorticoide da IAP
• Reposição de glicocorticoide que mimetize o ciclo circadiano de secreção de cortisol
• Utilização da menor dose possível para controle dos sintomas
Prednisona ou prednisolona:
• IAP: 5 a 7,5 mg/dia
• IAC: 2,5 a 5 mg/dia
• Dobrar dose em situações de estresse: síndrome febril ≥ 38,5°C, gastroenterite com desidratação (ou preparo de
colonoscopia), parto, cirurgia com anestesia geral e grandes traumas
• Na IAP, associar fludrocortisona 0,1mg/dia VO devido à incapacidade de produção de mineralocorticoide
21. Insuficiência Adrenal Aguda
Quadro clínico e manejo:
• Dor abdominal com hipotensão refratária à expansão volêmica e vasopressores
• Ataque com hidrocortisona 100mg IV e manutenção com 50mg 6/6h (sem necessidade de fludrocortisona)
• Infusão de 1000 mL salina isotônica na 1ª hora, seguida por hidratação conforme necessidade (4 a 6 litros em 24h)
• Quando hidratação adequada e boa perfusão periférica, transicionar glicocorticoide para via oral e iniciar mineralocorticoide
Investigação:
• Hemograma, sódio, potássio, cálcio iônico, ureia, creatinina, TSH, T4L, glicemia, gasometria venosa
• Dosagem pareada de cortisol e ACTH
22. Seguimento
Preferencialmente com endocrinologista, com intervalo de 2 a 6 meses entre consultas:
• Identificar menor dose necessária na reposição de glicocorticoide
• A reposição de glicocorticoide não deve ser avaliada pela dosagem de ACTH e cortisol sérico
• Falta de glicocorticoide: hipotensão arterial, hipotensão ortostática e sonolência
• Excesso de glicocorticoide: fragilidade capilar, giba, estrias violáceas, fácies de lua cheia, fraqueza muscular proximal,
hipertensão
Impactos: osteoporose, miopatia, hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes, esteato-hepatite, infecções
oportunistas, catarata e deficiência no crescimento de crianças
23. Seguimento
Monitoramento da reposição de glicocorticoide:
• Pesquisa de hipotensão postural, sódio, potássio e creatinina a cada 6 meses no 1º ano e após anualmente
• Dosagem de renina plasmática ou atividade da renina
• Objetivos:
Normalizar os níveis de sódio (135 a 145 mEq/L) e potássio (3,5 a 4,5 mEq/L)
Não suprimir renina e manter pressão arterial em níveis normais: revisar dose de fludrocortisona
Paciente com insuficiência adrenal deve ser bem instruído dos sinais de descompensação aguda
e portar identificação informando dessa condição com contatos de emergência.
24. Referências
Arlt, W., & the Society for Endocrinology Clinical Committee. (2016). SOCIETY FOR ENDOCRINOLOGY ENDOCRINE EMERGENCY
GUIDANCE: Emergency management of acute adrenal insufficiency (adrenal crisis) in adult patients, Endocrine Connections,
5(5), G1-G3. Retrieved Jun 20, 2023, from https://doi.org/10.1530/EC-16-0054
Bornstein, S. R., Allolio, B., Arlt, W., Barthel, A., Don-Wauchope, A., Hammer, G. D., Husebye, E. S., Merke, D. P., Murad, M. H.,
Stratakis, C. A., & Torpy, D. J. (2016). Diagnosis and Treatment of Primary Adrenal Insufficiency: An Endocrine Society Clinical
Practice Guideline. The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, 101(2), 364–389. https://doi.org/10.1210/jc.2015-1710
https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/consultas/relatorios/2020/relatorio_pcdt_insuficiencia_adrenal_cp_39_2020.pdf