Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
A relação entre indivíduo e sociedade na Sociologia
1.
2. Em 2015, o projeto de emenda constitucional (PEC) que propunha a redução da
maioridade penal no Brasil de 18 para 16 anos suscitou o debate em torno da
responsabilidade individual dos adolescentes por seus atos. Grupos contrários à
medida afirmavam, entre outros argumentos, que adolescentes infratores não
surgem ao acaso, mas são fruto das injustiças sociais que agravam as condições de
pobreza nas quais sobrevive grande parte da população brasileira.
3. A vida em sociedade exige que os indivíduos se conformem aos comportamentos e
valores socialmente instituídos em cada cultura e momento histórico. Integrar
determinado grupo, morar em uma metrópole ou na zona rural são alguns dos
fatores que influenciam a formação dos diferentes valores e comportamentos
individuais. Graças a sua força e abrangência, essa influência pode ser
interpretada como restritiva da individualidade humana.
4. Uma evidência da força com que os padrões sociais se impõem aos indivíduos se
manifesta quando alguém decide ir contra tais padrões. Quando uma regra ou lei é
transgredida, a sociedade imediatamente aciona diferentes meios de coerção
social, que podem ir de uma simples repreensão até a privação da liberdade. Se
uma instituição de ensino obriga os alunos a usar uniforme, quem não cumprir a
regra poderá ser impedido de entrar na escola. Se, em uma manifestação pública,
pessoas decidirem tirar as roupas como meio de protesto, poderão ser detidas por
contrariarem convenções sociais.
5. É comum ouvirmos explicações sobre o que as pessoas fazem ou deixam de fazer
compostas por frases do tipo “a sociedade me impõe isto ou aquilo" ou "a sociedade
me reprime", ou ouvirmos alguém dizendo que é um absurdo ser obrigado a
trabalhar de calças compridas em um dia de verão, no Brasil, ou que seria bom se
a semana fosse mais curta e se o fim de semana não acabasse tão rapidamente.
Em geral, essas conversas terminam com as mesmas lamentações e as mesmas
dúvidas com que começam. Por causa da dificuldade de explicar as razões de todas
essas regras e normas presentes em nossa vida, muitas vezes colocamos a culpa na
sociedade. Mas, afinal, como é possível entender a sociedade? O que a constitui e
como podemos observá-la?
A relação entre o indivíduo e a sociedade é um tema fundamental nas Ciências
Sociais. O reconhecimento do indivíduo como elemento distinto da sociedade com
base na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, criada no contexto da
Revolução Francesa, cristalizou uma mudança que vinha ocorrendo desde o início
da Era Moderna. No que se refere à análise sociológica, a compreensão dessa
relação é fundamental para entendermos se a sociedade é formada com base na
ação individual ou se, ao contrário, a ação individual é determinada pela
organização social - ou seja, se há um determinismo social.
6. Se usássemos como exemplo o padrão básico da alimentação brasileira,
poderíamos colocar a questão da seguinte forma: o arroz com feijão tornou-se a
base da alimentação no Brasil porque a maioria das pessoas gosta dessa
combinação ou, por motivos exteriores às vontades individuais, esse prato se
tornou um padrão e assim se impôs? Afinal, quem é o agente que estabelece os
padrões das relações sociais?
7. Como a sociedade pode ser externa aos indivíduos? Como as regras podem estar acima
da nossa vontade ou da decisão racional de obedecer a elas? Podemos responder a
essas perguntas se pensarmos que os padrões sociais atuam no comportamento social
do mesmo modo como os padrões gramaticais organizam a fala e a escrita. As regras
gramaticais e o vocabulário de uma língua são exteriores à intenção de quem fala e de
seu discurso. Quando conversamos, não refletimos sobre as regras gramaticais que
utilizamos, as quais nos permitem ser compreendidos. Chamamos estrutura social
essas regras que nos regem independentemente da consciência que temos delas; são os
princípios segundo os quais não pensamos ao agir e falar, mas sem os quais não
estabelecemos relações sociais, não nos comunicamos.
8. O conceito de estrutura foi desenvolvido com base na análise da influência da
organização social sobre as maneiras individuais de agir e de pensar. Assim como
a comunicação verbal não pode acontecer sem uma estrutura mínima, a existência
da vida em sociedade exige dos indivíduos a conformidade a certos
comportamentos e valores.
9. Mas nem todos que teorizaram sobre a sociedade aceitaram a ideia de que as
relações sociais são organizadas tendo como referência estruturas invisíveis que
determinam os comportamentos sociais sem que os indivíduos tomem consciência
delas. Outra linha de pensamento encontrou na ação individual, e no sentido a ela
atribuído pelo agente social, a única variável capaz de ser observada para a
construção da ciência sociológica. Com base nesse ponto de vista, pensar a
sociedade ou suas estruturas como instituições que existem fora dos indivíduos
seria incoerente, já que não é possível observar a sociedade como uma entidade
capaz de agir; conseguimos observar somente as ações individuais, isto é, dos
agentes sociais em constante interação.
A vida em sociedade exige que os indivíduos se conformem aos comportamentos e
valores socialmente instituídos em cada cultura e momento histórico. Integrar
determinado grupo, morar em uma metrópole ou na zona rural são alguns dos
fatores que influenciam a formação dos diferentes valores e comportamentos
individuais. Graças a sua força e abrangência, essa influência pode ser
interpretada como restritiva da individualidade humana.
10. Um padrão social que conforma as diferentes maneiras de vestir, por exemplo, só
existe quando os indivíduos escolhem as roupas que usam e compartilham opiniões e
crenças a respeito do vestuário (uniforme na escola, terno em um casamento, bermuda
indivíduos que levam em conta as opiniões e crenças dos outros, isto é, são ações
sociais porque se considera a reação dos demais indivíduos. Tendo em mente essa
perspectiva, o sociólogo só pode analisar as ações individuais e a compreensão que os
indivíduos têm de suas ações. Os padrões sociais mudam de acordo com as opiniões e
crenças compartilhadas pelos indivíduos ao longo da história, como pode ser observado
nas diferentes maneiras de vestir adotadas pelas sucessivas gerações.
Para além das perspectivas de análise da sociedade, concentradas ora na estrutura
social, ora na ação individual, a Sociologia contemporânea preocupa-se em analisar a
influência recíproca entre sociedade e indivíduo, isto é, propõe que a estrutura social é
tanto o meio quanto o resultado das práticas que constituem os diferentes sistemas
sociais. A seguir, veremos como essas perspectivas a respeito da relação entre indivíduo
e sociedade foram construídas e como surgiram os principais conceitos produzidos por
elas para fundamentar a compreensão sociológica dos diferentes temas das realidades
sociais.
11. Como é possível que os indivíduos, com suas peculiaridades e diferenças, convivam em
sociedade de maneira organizada? Quem é o responsável pelo funcionamento e pela
maneira como se apresentam as diferentes instituições sociais, como a família, a escola
e o Estado? Serão os indivíduos capazes de rebelar-se contra as regras sociais e
transformá-las? Ou, ao contrário, as regras sociais exercem uma força que restringe a
capacidade de ação deles?
Ao discutir a relação entre o indivíduo e a sociedade, a partir do final do século XIX, a
Sociologia produziu três matrizes de resposta a essa questão, as quais podem ser
simplificadas e compreendidas mediante o seguinte esquema:
I) a sociedade determina os indivíduos, como evidenciam os fatos sociais,
II ) a sociedade é compreendida como resultado da ação social dos indivíduos; e
III) a sociedade e os indivíduos são expressão das contradições de classe e determinam-
se reciprocamente de acordo com os limites estabelecidos pelas condições materiais de
existência em dado período histórico.
12. FATO SOCIAL
Esse princípio de objetividade na Sociologia foi estabelecido e
sistematizado em um primeiro momento pelo sociólogo
francês Émile Durkheim. Ele reconheceu na sociedade um
conjunto de fenômenos que poderiam ser compreendidos
separadamente das consciências dos indivíduos nos quais se
manifestavam e por meio dos quais eram representados.
Durkheim chamou esses fenômenos de fatos sociais.
13. Os fatos sociais são formas de agir cuja manifestação coletiva constitui aquilo que
entendemos como sociedade, a qual surge, assim, como um dado autônomo que pode
ser descrito, interpretado e explicado pela ciência com base em uma metodologia
própria: o método sociológico.
Por fatos sociais entende-se o conjunto de normas e regras coletivas que orientam e
condicionam a ação individual. Os fatos sociais são identificados por três
características principais: são exteriores aos indivíduos (existem independentemente
de sua vontade ou reflexão), coercitivos (impõem penalidades aqueles que não
cumprem suas normas) e gerais (estão presentes no conjunto de dada sociedade).
14. Para entendermos melhor esse conceito podemos pensar no exemplo das leis, que
são independentemente da vontade do indivíduo. Todos os membros de uma
coletividade têm de cumpri-las, mesmo que possuam opinião pessoal desfavorável
(por isso elas lhes são exteriores). O descumprimento da lei prevê punição ao
transgressor (por isso são coercitivas) Ao mesmo tempo, as leis servem de
orientação para a conduta de toda a população (por isso são gerais).
15. O sistema formal de educação é um bom exemplo
de fato social. As disciplinas já ensinadas e
estabelecidas há gerações impõem-se
independentemente das vontades individuais (a
Educação Básica hoje, além de um direito, é uma
obrigação); essas regras exercem coerção sobre os
indivíduos (no sistema escolar, por exemplo,
aqueles que não conseguem determinada nota são
reprovados) e são gerais (ou seja, são seguidas pela
maioria dos indivíduos que participam do sistema).
16. Podemos, assim, reconhecer muitos fatos sociais em nossa vida cotidiana. A maneira
como agimos nos diferentes ambientes (em casa, na escola, na rua), o modo como
falamos (nosso idioma, o sotaque, as gírias, as formalidades), a forma como nos
vestimos (calças compridas, bermuda, saia, combinação de cores e acessórios), a
intimidade com que nos relacionamos com as outras pessoas, por exemplo, podem ser
observados de forma desprendida da vontade individual (o fato de sentar-se em fileiras
na sala de aula, as gírias próprias dos jovens durante as conversas no recreio, o
uniforme escolar etc.). Esses comportamentos, ainda que pareçam ou sejam sentidos
como escolhas individuais, são estabelecidos socialmente.
17. Essa força exterior, que se impõe a todos os indivíduos e permite descrevê-los mediante
generalizações observadas em suas características externas (os jovens, as mulheres, os
moradores da cidade, os trabalhadores do campo, os professores, os técnicos, os
militares etc.), é, segundo Durkheim, o próprio objeto da Sociologia. Nesse sentido, ele
entende que a sociedade é anterior aos indivíduos, pois os comportamentos gerais e as
dinâmicas sociais existem antes deles e os conformam para além de suas
características singulares.
As relações sociais como objeto de estudo da Sociologia podem ser compreendidas com
base na ideia de que o todo (a sociedade) é mais complexo que a soma de suas partes
(os indivíduos). É possível entender essa proposição tomando como exemplo qualquer
máquina complexa.
18. Assim, em uma caixa encontramos todas as peças de um automóvel, mas cada
peça separadamente não constitui um carro. Para que de fato exista um carro (isto
é, para que ele funcione e seja reconhecido por sua forma característica e função
estabelecida), é necessário que essas peças sejam montadas da maneira planejada,
a fim de que cada uma contribua para a existência do todo; uma peça mal colocada
comprometeria o objetivo final, e então não haveria um carro (porque não
exerceria sua função de meio de transporte).
19. A mesma ideia poderia ser utilizada para o funcionamento de um organismo vivo,
se pensarmos em órgãos em vez de peças. Cada órgão cumpre sua função para
manter o organismo funcionando, isto é, vivo e saudável Assim, mais uma vez, o
"todo" pode ser“ mais que a soma das partes"; da mesma maneira, uma sociedade,
como uma máquina ou um organismo vivo, tem primazia sobre os indivíduos,
ainda que não possa se manifestar senão por intermédio deles.
20. Quando a sociedade é comparada a uma máquina ou a um organismo vivo, quando os
indivíduos são tomados como "peças" ou "Órgãos" que contribuem para o
funcionamento de algo maior, surge outro tema importante nesta perspectiva
sociológica: a questão da ordem e da função. A sociedade seria dotada de uma ordem
que direciona as partes de acordo com funções específicas que concorrem para sua
manutenção, sua reprodução e seu aperfeiçoamento; ou seja, existiria uma ordem na
disposição das peças para que a máquina realizasse sua função.
Esse funcionamento é obtido somente quando os elementos que constituem a sociedade
estão unidos, coesos. É por isso que a questão da ordem é compreendida com base no
conceito de coesão social, quando cada elemento atua de modo que os demais também
trabalhem adequadamente e todos juntos constituam um organismo maior, dizemos
que são solidários uns aos outros e ao todo. Assim, o tema da ordem social deve ser
compreendido tendo por base a ideia de coesão social, que resulta da ação solidária das
partes, a solidariedade social.
21. Instituições como a religião, a escola e a família, por exemplo, são avaliadas por
Durkheim como elementos fundamentais na construção da solidariedade social,
enquanto as manifestações de insatisfação de trabalhadores, as revoltas e as taxas
elevadas de criminalidade são consideradas desvios dos padrões que estabelecem uma
vida social saudável; um processo de interrupção da solidariedade a que ele chamou
anomia (nómos é uma palavra grega que significa “norma, regra, lei"; logo, anomia é a
ausência de regras).
A anomia é um exemplo extremo de patologia social (o patológico opõe-se ao normal, no
campo da Medicina). De acordo com Durkheim, a anomia acontece quando os
elementos que constituem a sociedade deixam de funcionar para cumprir seu objetivo
existencial; assim, caracteriza-se como uma patologia, uma disfunção social.
22. Diferentemente do conceito de estrutura social, compreendido como o conjunto
de princípios que explicam os comportamentos e as instituições sociais, reduz a
importância dos indivíduos nos processos de transformação da sociedade, outra
posição teórica e metodológica enfatizou que o único elemento da sociedade que
pode ser observado são os indivíduos, suas ações e a compreensão que eles
próprios têm de suas ações. Cabe à Sociologia descrever esses comportamentos
e compreensões e interpretá-los.
As escolhas que orientam as ações individuais são motivadas por alguns fatores
que podem ser classificados pela Sociologia. Quando um cidadão obedece a
ordem de um policial, quando um pai se sacrifica em defesa de um filho ou
quando um fiel jejua por orientação religiosa, é possível encontrar princípios
racionais, afetivos e tradicionais na origem dessas ações. Quem propôs e
desenvolveu essa perspectiva de análise foi o sociólogo Max Weber. Segundo ele,
a ação dos indivíduos em sua interação com a sociedade é a unidade mínima da
análise sociológica.
23. Na concepção de Weber a sociedade existe porque é vivenciada e compreendida por
indivíduos racionais que tomam suas decisões conforme sua história e cultura.
Uma vez que só é possível observar esses indivíduos, ou a ação consciente deles,
Weber elege como objeto de estudo da Sociologia o sentido da ação social. As
normas sociais - que Durkheim entendia como fatos sociais -, de acordo com
Weber, existem mente por causa do sentido atribuído a elas pelos indivíduos, isto
é, não têm valor em si mesmas. A sociedade é moldada pelo conjunto de decisões de
muitos indivíduos, que reconhecem essas regras, atribuem-lhes sentido e
manifestam as razões para obedecer a elas de forma consciente.
Brasil Uganda
24. No entanto, nem todas as decisões tomadas por vários indivíduos ao mesmo tempo
são exemplos de ação social. Para serem vistas como unidade mínima de análise
da Sociologia, é necessário que tenham relação com aquelas tomadas pelos demais
indivíduos. O que isso quer dizer? Considere uma rua repleta de pedestres, em que
todos abrem seus guarda-chuvas ao começar a chover. Essa decisão não é uma
ação social; ao abrir seu próprio guarda-chuva, o indivíduo não leva em
consideração a decisão dos outros (por mais que a ação pareça coletiva e
coordenada para quem a observa, por exemplo, do alto de um prédio).
25. Da mesma maneira, a colisão entre dois ciclistas não é um acontecimento
diferente de um fenômeno natural e não pode ser considerada uma ação social. No
entanto, são tidas como ações sociais as tentativas dos ciclistas de desviar um do
outro a fim de evitar ou se esforçar para prestar socorro após a colisão, já que a
ação de um indivíduo só tem sentido se estiver relacionada à ação (ou
possibilidade de ação) de outro.
26. A ação social, portanto, é diferente de um simples comportamento social, pois carrega um sentido a ela
atribuído pelo indivíduo. Assim, a ação social como instrumento de análise sociológica é definida como
toda ação realizada pelos indivíduos levando em conta a expectativa de outra ação dos demais. Dessa
forma, da perspectiva da teoria da ação social, a Sociologia não é entendida como uma realidade
exterior aos indivíduos ou explicada por leis, como ocorre nas Ciências Naturais. A cientificidade da
Sociologia residiria em sua capacidade de compreender racionalmente as ações e as relações sociais
Na construção de uma teoria da ação social, a observação da realidade levou à identificação de quatro
tipos fundamentais de ação social que orientam a explicação das causas dos fenômenos sociais:
tradicional;
afetiva;
racional orientada a valores;
racional orientada a fins.
A Sociologia fundamentada nessa perspectiva tem se concentrado principalmente na análise das duas
últimas.
27. é motivada por um hábito arraigado ou por um costume. Isto é, quando se
pergunta ao ator social por que ele realiza determinada ação (como cumprimentar
alguém com um aperto de mão), ele responde que é porque sempre o fez e também
porque seus pais e antepassados sempre o fizeram. Um exemplo de ação
tradicional é o hábito de benzer-se ao passar em frente a uma igreja, como fazem
muitos católicos. Essa ação, que identifica e integra uma comunidade religiosa
específica, quando realizada de modo espontâneo, encontra explicação em um
hábito sobre o qual não se faz uma reflexão racional. Ela já se transformou em um
modo de agir consolidado.
28. é determinada por afetos ou estados emocionais. Como exemplo, podemos
imaginar um indivíduo que reage a uma agressão ou ofensa de maneira
igualmente agressiva. Ela consiste em uma reação momentânea a uma situação
inesperada. Em outro contexto, a reação poderia ser completamente diferente.
29. orientada a valores é determinada pela crença um
valor importante para o indivíduo, sem considerar
as consequências das ações em defesa desse valor.
Como exemplo desse tipo de ação podemos citar
alguém que aja de acordo com sua convicção
política e, ao defender suas ideias em uma
manifestação pública, desencadeie uma repressão
que, na prática, vai contra seu objetivo. Apesar de
produzir efeitos contrários aos objetivos, a ação é
racionalmente elaborada; o ator social considera
suas consequências positivas e negativas, mas a
orienta conforme seus valores, dos quais não pode
abrir mão, independentemente dos resultados
negativos que possa vir a provocar.
30. é aquela determinada pelo cálculo racional que
estabelece fins objetivos e organiza os meios
necessários para alcançá-los. Um exemplo de ação
racional orientada a fins é a estratégia de um
jovem para ser aprovado nos exames de ingresso no
Ensino Superior. O aluno define as ações
necessárias para atingir esse objetivo, organiza-as
racionalmente, pesando prós e contras para sua
realização, e opta pela estratégia de ação mais
eficiente para atingir a meta planejada.
31. Nessa concepção, a relação entre indivíduo e sociedade é construída com base na
primazia da ação do indivíduo (ação social) em relação à estrutura social,
compreendida aqui apenas como a regularidade de fatos ou padrões observados na
ação social. As normas da sociedade não são a estrutura que sustenta a ação dos
indivíduos, porque não podem ser observadas; o único elemento que a Sociologia pode
analisar são as decisões pessoais dos indivíduos que interagem mediante as relações
sociais.
a sociedade é nessa perspectiva, o resultado do conjunto das relações construídas pelos
indivíduos com base no sentido a elas atribuído. O sistema econômico, exemplo,
funciona apenas porque os indivíduos compartilham a crença sobre o uso e o valor da
moeda e agem de acordo com essa crença ao aceitar cédulas, cheques e cartões de
débito e crédito como meio de pagamento por seu crença no setor financeiro deixasse
de se compartilhada esse sistema económico sofreria transformações, pois as pessoas
não mais aceitariam determinados meios de pagamento por suas mercadorias ou
serviços.
32. Em outras palavras, a sociedade não existe como um fim em si mesmo ou como uma
estrutura que se organiza independentemente da consciência subjetiva de seus
agentes, mas como expressão histórica dos valores e da racionalidade dos indivíduos
que a constituem.
As leis, por exemplo, são elaboradas por meio de um processo que começa nas
consciências individuais. Ao interagirem uns com os outros, os indivíduos percebem a
necessidade de estabelecer uma regra comum de conduta. Então, é criada uma lei
regula determinado aspecto da conduta desses indivíduos. Assim, a estrutura legal
existe porque os indivíduos, no processo de interação social, chegaram a essa. Contudo,
as leis estão subordinadas às particularidades desse processo em lugares e tempos
históricos.
33. O objeto de estudo da Sociologia, no entanto, nem sempre é definido sobre
um dos polos da relação entre indivíduo e sociedade. Se a estrutura social
se manifesta individualmente, e se a ação social consciente dos indivíduos
conforma determinada organização social, também é possível compreender
a sociedade como uma totalidade, constituída pelas ações individuais
limitadas por condições históricas específicas. Segundo essa perspectiva, os
seres humanos só podem ser pensados com relação ao que produzem
materialmente, e a sociedade, compreendida como resultado da ação
recíproca entre os indivíduos. Por exemplo, na Antiguidade, quem vivesse
em uma comunidade nômade caçadora e coletora seria incapaz de fazer
escolhas que não fossem determinadas por sua condição material de
existência. Isso quer dizer que esse indivíduo não poderia, por exemplo,
reivindicar uma casa para si ou a propriedade do que caçasse ou coletasse,
já que em sua comunidade essas possibilidades não se apresentariam.
34. Quem definiu as bases para a compreensão do
objeto da Sociologia tendo em mente os aspectos
materiais e históricos que ligam o indivíduo à
sociedade foi o filósofo Karl Marx . Segundo ele,
"os homens fazem sua própria história, mas não a
fazem como querem e, sim, limitados pelas
condições materiais e históricas de sua
existência". Por isso, não é possível afirmar que os
indivíduos têm primazia sobre a sociedade ou o
contrário, pois sua ação na vida social, assim
como a estrutura na qual estão inseridos, é
resultado de determinada situação histórico-
social. Do mesmo modo que o nômade não poderia
optar por uma residência fixa, o trabalhador
moderno também não é livre para escolher suas
condições de trabalho (quantas horas deve
trabalhar ou o valor do seu salário). Tanto as
horas de trabalho quanto o salário dependem das
condições materiais de determinado momento
histórico.
35. Nessa perspectiva, a base dessa sociedade é definida pelo
modo como é organizada a produção das condições
materiais de existência, ou seja, quem planta o alimento,
quem constrói as casas, quem fabrica as roupas. Isso não
quer dizer que a sociedade também não seja constituída
por práticas culturais e políticas, como a religião, as
artes e a organização dos governos. No entanto, tais
manifestações se constituem a partir da base material
que organiza a vida econômica.
Analisando a organização da produção nas sociedades
modernas capitalistas na Europa do século XIX, Marx
chamou a atenção para o fato de que a posição social dos
indivíduos estava definida por sua relação com os meios
de produção. O fato de serem proprietários desses meios
(donos das terras, fábricas, máquinas) ou meros
trabalhadores seria o elemento fundamental para
determinar a divisão da sociedade em grupos com
interesses antagônicos, as classes sociais.
36. Segundo Marx, podemos definir classe social como a posição que um grupo de
indivíduos ocupa no processo de produção: de um lado, os proprietários dos meios de
produção e, de outro, os produtores (trabalhadores). Nessa perspectiva, a propriedade
privada dos meios de produção seria a causa maior da dominação de uma classe sobre
a outra ao longo da história, com base na exploração do trabalho. Se o trabalhador não
dispõe de mais nada além da própria força de trabalho, está submetido ao poder do
patrão, que definira quanto e de que forma ele vai trabalhar, assim como o valor de
seu salário, de acordo com as leis existentes e a capacidade de negociação dos
trabalhadores organizados. Na sociedade capitalista que Marx analisou, burguesia e
proletariado eram as classes que protagonizaram o conflito, em meio a uma profunda
desigualdade.
37. Marx desenvolveu uma teoria orientada pela ideia de conflito, estabelecendo a
classe social como unidade de análise sociológica que permite pensar a relação
entre indivíduo e sociedade de maneira recíproca. Ou seja, não é possível pensar o
indivíduo sem considerar sua constituição em uma classe social e as diferenças de
poder e dominação definidas a partir de sua posição nas relações de produção. Do
mesmo modo, não é possível pensar a sociedade sem compreendê-la como
resultado de um processo histórico marcado por contradições.
38. Dois indivíduos que tenham nascido na
mesma cidade e no mesmo dia, mas que
pertençam a classes sociais diferentes, terão
sua trajetória de vida individual marcada
pelas classes das quais fazem parte. Assim,
o filho de uma família de operários terá
muito mais possibilidade de seguir a mesma
profissão dos pais do que de se tornar
empresário. Por sua vez, o filho de uma
família de empresários terá muito mais
possibilidade de tornar-se também
empresário do que de vir a ser operário. Isso
significa que a classe social na qual o
indivíduo nasce é fator determinante do
possível curso de sua vida profissional.
39. De acordo com Marx, os homens produzem a própria vida por meio das relações de
produção. E as leis existem para garantir o controle e a continuidade dessas relações
estabelecidas em determinado momento histórico. Assim, nas sociedades
contemporâneas, a propriedade privada é defendida pela legislação como direito
inviolável. Marx postula que as leis sempre representam as ideias da classe
dominante. Quando passou de classe dominada a classe dominante, a burguesia criou
novas leis que regulavam a vida social e que refletiam as ideias da nova classe
dirigente. Em nossos dias, modificações na organização do sistema de produção geram
novas legislações que tentam dar legitimidade ao modo como as classes dominantes
pretendem interferir na realidade.
40. Marx procurou mostrar como os antagonismos entre classes, tidos como o motor da
história poderiam levar a grandes transformações. O pensador alemão acreditava
na emergência de uma sociedade sem classes, em que a propriedade dos meios de
produção seria coletiva, e não privilégio de um pequeno grupo, mas para isso seria
necessária a tomada de consciência por parte dos trabalhadores e sua organização
para superação do conflito que os mantém em situação de opressão.
41. A concepção sobre a relação entre o indivíduo e a sociedade na Sociologia
contemporânea está, assim como na Sociologia clássica, relacionada à experiência
social de época e articula as diferentes percepções sobre o papel e os limites da
ação individual.
O sociólogo alemão Norbert Elias, recontextualizando a discussão entre ação
individual e estrutura social, afirma que não existe dicotomia entre indivíduo e
sociedade. seja, não é suficiente para a compreensão da sociedade contemporânea
uma teoria se refira aos conceitos de indivíduo e sociedade como termos
antagônicos. Essa é e proveitoso processo de influência mútua, em que o indivíduo
constrói a estrutura e é falsa questão que gera problemas na interpretação da vida
social, na qual há um constante simultaneamente formado por ela.
42.
Nesse sentido, o indivíduo elabora estratégias para alcançar objetivos, mas
objetivos que são socialmente validados pelas estruturas sociais construídas
historicamente. Considere-se o exemplo das leis, que especificam limites para a
escolha individual mesmo tempo que protegem os indivíduos. Em muitos casos,
tais leis existem para garantir o direito individual diante da pressão coletiva ou
podem, de maneira oposta, servir como defesa da maioria contra uma minoria que
tenta impor sua vontade.
43. Um traço comum na Sociologia contemporânea é o esforço para construir uma teoria
capaz de interpretar o indivíduo e a sociedade como partes inseparáveis da mesma
realidade. O sociólogo britânico Anthony Giddens avalia que o indivíduo na
modernidade age de modo dialético em relação às estruturas. Em uma releitura das
teorias sociológicas clássicas, Giddens defende que os agentes (indivíduos) são
influenciados pelas estruturas em seu cotidiano ao mesmo tempo que recriam essas
mesmas estruturas mediante um processo de reflexão sobre sua própria prática. Em
nosso exemplo, isso significa dizer que os indivíduos, ao cumprirem as leis, refletem
sobre sua aplicabilidade na realidade social, adaptando-a continuamente às
necessidades individuais e coletivas da sociedade em que vivem, o que pode alterar as
próprias leis que deram origem a essa reflexão.
44. Giddens defende que o modo de vida que teve início no século XVII chegou a seu
ápice, de maneira que estaríamos experimentando um momento de radicalização
da modernidade. Essa radicalização das formas de relacionamentos e das
instituições nos traria algumas “consequências da modernidade", isto é,
viveríamos em uma época de incertezas, por um lado, e de reflexividade, por outro.
Tais incertezas seriam situações de risco às quais estão submetidos os sujeitos nas
sociedades contemporâneas, como uma epidemia global ou uma guerra. A
radicalização também daria maior reflexividade (incorporação reelaborada das
situações e informações do cotidiano) aos indivíduos, tendo em mente que estes
reexaminam constantemente as práticas sociais, o que lhes confere maior
autonomia.
45. De acordo com o sociólogo Richard Sennett, a valorização da ação individual diante das
regulações coletivas deve ser percebida como parte da construção de uma sociedade de
consumo que trouxe consequências profundas ao modo como o indivíduo enfrentou as
transformações ocorridas nas últimas décadas. Ele menciona que a sociedade
contemporânea se constitui historicamente em um duplo movimento. O primeiro deles
valoriza a sociedade em sua esfera pública e é marcado pela criação de regras coletivas
que permitem a convivência entre indivíduos e grupos de tradições e formações
distintas. O segundo movimento, caracterizado pela valorização progressiva da esfera
pessoal, que aos poucos substitui o domínio da esfera pública, resulta, atualmente, na
perda da conexão dos indivíduos com a coletividade, dificultando que suas ações visem
um horizonte comum.
X
46. Se usarmos novamente as leis como exemplo, veremos que a maioria delas foi
criada como meio de organizar a vida comum na sociedade contemporânea. O
objetivo de boa parte das leis é o estabelecimento dos direitos individuais e
coletivos, das condutas básicas no espaço público e do respeito e da mediação das
diferenças entre grupos e indivíduos. No entanto, a redução da importância da
coletividade na construção das referências que orientam as ações sociais
cotidianas tem dificultado a aplicação efetiva de muitas leis.
47. Observemos o caso do respeito às leis de trânsito. Trata-se de normas que devem
ser seguidas por todos os motoristas e pedestres como meio de garantir os direitos
e a segurança de toda a coletividade. No entanto, muitas vezes, por causa de
situações particulares (estar atrasado para um compromisso, vontade de reduzir o
tempo da viagem ou até mesmo por comodidade), diversos condutores de veículos
ultrapassam o limite de velocidade permitido, não obedecem à sinalização ou
estacionam irregularmente. Essas práticas causam transtornos e prejuízos para a
sociedade. A explicação para tal postura pode ser a percepção de que as próprias
necessidades são mais importantes do que o cumprimento de regras coletivas.
48. O sociólogo carioca José Maurício Domingues afirma que a discussão desse tema
tem como pano de fundo a sociabilidade moderna, que ocorre essencialmente no
espaço da cidade.
No ambiente urbano, as interações entre indivíduo e sociedade desenvolvem
identidades pessoais e coletivas construídas em um processo de equilíbrio entre a
interpretação da realidade que o indivíduo experimenta e as condições materiais
da vida cotidiana. Assim, nesse contexto, ele, o indivíduo, alterna suas ações entre
as escolhas, que devem ser de sua responsabilidade, e o pertencimento a
diferentes coletividades. Podemos então dizer que cada indivíduo se relaciona com
as leis por perspectivas diferentes, ora vendo-as de uma lógica particular (ou seja,
como se impõem a ele), ora de uma lógica coletiva (a determinação sobre todos os
demais, incluindo ele mesmo), o que, em certa medida, explica a dualidade que
observamos no cumprimento das leis.
49. O debate sobre a relação entre indivíduo e sociedade - seja nos autores clássicos, seja
nos contemporâneos - evidencia uma característica central da Sociologia: a percepção
de que as experiências pessoais não se limitam às consciências individuais, mas devem
ser interpretadas como parte da experiência social.
Charles Wright Mills denominou essa característica social como imaginação
sociológica. Esse conceito significa, na prática, ir além das experiências e observações
individuais para compreender temas coletivos, de maior amplitude. Sem sair do
exemplo do trânsito, podemos considerar que a pressa é um fato de importância
pessoal; entretanto, o uso da imaginação sociológica permite compreendê-la não
apenas como problema individual, mas como preocupação social.
50.
Correr no trânsito, apesar de ser uma solução imediata ao problema da urgência
que se tem em realizar algo, pode ocasionar algum tipo de acidente, envolvendo
outras pessoas. Nessa perspectiva, o autor propõe que a Sociologia deve permitir
que o indivíduo relacione seu cotidiano com a realidade histórico-social, fazendo
com que reflita acerca da implicação de suas ações.
Em um contexto em que as transformações das últimas décadas têm trazido
numerosos desafios para os indivíduos em seu cotidiano, cabe à ciência da
sociedade o papel de compreender as conexões que existem entre a experiência
pessoal e a vida coletiva.
51. Sociólogo alemão (1897-1990), Norbert Elias foi
tardiamente considerado um dos principais representantes
da Sociologia contemporânea, em decorrência de suas
análises a respeito da influência exercida pelas
transformações históricas sobre o comportamento
individual e vice-versa. Desenvolveu sua carreira
acadêmica na Inglaterra depois de fugir da Alemanha
nazista, em 1933. Foi professor da Universidade de Gana,
na África, nos anos 1960, e terminou a vida em Amsterdā,
na Holanda. Suas principais e mais conhecidas obras são O
processo civilizador e A sociedade dos indivíduos. Norbert
Elias propôs a sociedade dos indivíduos como forma de
superar a dicotomia clássica entre indivíduo e sociedade.
52. O sociólogo britânico Anthony Giddens (1938-) defende em
sua obra que a ação humana e a estrutura social são
interdependentes e reproduzidas por meio de princípios
estruturais característicos das sociedades, como suas
instituições. A estrutura, como a linguagem, restringe e
facilita a ação do indivíduo, simultaneamente. Mediante o
conceito de reflexividade, seus estudos procuram analisar o
impacto das mudanças promovidas pela sociedade sobre o
indivíduo e as instituições, que à luz da informação e dos
processos de autoavaliação se transformam. Giddens chamou
o estágio contemporâneo da modernidade de "modernidade
tardia", e apresentou a "terceira via" como alternativa a
posições políticas de esquerda e de direita.
Segundo Anthony Giddens, a estrutura social não constitui
entrave nem limite para a ação individual
53. Richard Sennett, sociólogo estadunidense (1943-), dedica sua
pesquisa à vida na cidade e à influência das transformações
recentes do capitalismo sobre os indivíduos. No primeiro
aspecto, demonstra como a constituição do chamado homem
público foi uma necessidade das cidades modernas
industriais, apontando em seguida como esse homem público
vem perdendo espaço para uma hipervalorização da
individualidade ligada ao consumo. Sua preocupação está em
descobrir como indivíduos e grupos podem tornar-se
intérpretes de suas próprias ações, independentemente dos
obstáculos que as sociedades podem colocar em seu caminho.
Algumas de suas principais e mais conhecidas obras são A
corrosão do caráter e A cultura do novo capitalismo.
Richard Sennett analisa o impacto das mudanças no
capitalismo sobre o caráter individual.
54. ( Texas, 28 de agosto de 1916 — Nova Iorque, 20 de março de
1962) Sociòlogo norte-americano, mestre em artes, Filosofia e
Sociologia pela Universidade do Texas. Doutorou-se em
Sociologia e Antropologia pela Universidade de Wisconsin. Foi
professor de Sociologia das Universidades de Maryland e
Columbia.
Ficou conhecido por seu livro “A Imaginação Sociológica,”
publicado em 1959.
Influenciado pelos trabalhos de Marx e Weber, dirigiu sua
atividade científica para a elaboração de uma nova sociologia
comparada. O principal objeto é a análise dos tempos atuais
considerados como uma fase transitória entre a Idade
Moderna e o período posterior o que chamou de Quarta Época.
Segundo ele, o capitalismo e o socialismo não foram capazes
de prever e controlar intensos processos de mudança social.
55. Sociedade em movimento. – 2. ed. – São Paulo: Moderna, 2016. Vários autores.