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Poesia e heteronímia em Fernando Pessoa
               Manoel Neves
ASPECTOS TÉCNICOS
                               definindo a heteronímia pessoana
                                        heterônimo                   ≠ pseudônimo
Heterônimo	
  é	
  o	
  nome	
  imaginário	
  que	
  um	
  criador	
  iden3fica	
  como	
  o	
  autor	
  de	
  obras	
  suas	
  e	
  que,	
  à	
  
diferença	
   do	
   pseudônimo,	
   designa	
   alguém	
   com	
   qualidades	
   e	
   tendências	
   marcadamente	
  
diferentes	
  das	
  desse	
  criador	
  

                                   ortônimo               Fernando Pessoa                      o literato

                                  heterônimo                  Ricardo Reis                     o clássico

                                  heterônimo              Álvaro de Campos                    o moderno

                                  heterônimo                 Alberto Caeiro            o homem do campo
polo da objetividade, sensação
       Alberto Caeiro
         presente,	
  vida	
  simples	
  
       cultura	
  elementar	
  [campo]	
  

         Ricardo Reis
          passado	
  classicizante	
  
      cultura	
  humanís3ca	
  [formal]	
  

    Álvaro de Campos
      presente	
  [grandes	
  cidades]	
  
      conflitos	
  modernos	
  [crises]	
  

polo da subjetividade, pensar
ALBERTO CAEIRO
              o poeta do campo

                 características
              prega a simplicidade da vida

              eliminação do ato de pensar

            o mais importante é ver e sentir

o mundo se reduz às coisas que se percebem pelo sentido

    a sensação é a forma de conhecimento do mundo

sem subjetivismo ou idealização, apenas o presente vive

        linguagem simples e vocabulário limitado
ALBERTO CAEIRO
                          O guardador de rebanhos V
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?                           forma: versos livres e brancos [simplicidade]
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.                               anti-intelectualismo
Que idéia tenho eu das coisas?                          [pensar é doença, viver ≠ pensar]
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma            defende-se a ausência de especulação
E sobre a criação do Mundo?
                                                     [não à filosofia, à mística ou metafísica]
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas                   incisivo e agressivo discurso anti-cristão
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
                                                   busca da objetividade absoluta de si mesmo
O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
ALBERTO CAEIRO
                          O guardador de rebanhos, IX
Sou guardador de rebanhos
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés                        forma: versos livres e brancos [simplicidade]
E com o nariz e a boca.                                  anti-intelectualismo
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
                                               [pensar não é necessário; deve-se sentir]
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor                 a felicidade consiste em apenas viver
Me sinto triste de gozá-lo tanto.
E me deito ao comprido na erva,                   a metafísica e o pensar não inúteis
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado no realidade
Sei a verdade e sou feliz.
ALBERTO CAEIRO
     Se, depois de eu morrer, quiserem...
Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas – a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso fui o único poeta da Natureza.

   forma: versos livres e brancos [despojamento e simplicidade]

     filosofia anti-filosófica: não preciso pensar, basta sentir.
RICARDO REIS
   um erudito em defesa da tradição

                  características
     locus amoenus, carpe diem e aurea mediocritas

         busca do equilíbrio contido dos árcades

                  indiferente à vida social

  valoriza a vida campestre e a simplicidade das coisas

       sente-se fruto da vida cristã, em decadência

fatalidade: acredita que a vida passa e a morte é inevitável

linguagem clássica, vocabulário erudito, formas tradicionais
RICARDO REIS
                       Para ser grande, sê inteiro
                      Para ser grande, sê inteiro: nada
                      Teu exagera ou exclui.
                      Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
                      No mínimo que fazes.
                      Assim como em cada lago a lua toda
                      Brilha, porque alta vive.

                            forma: métrica: 10-6-10-6-10-6

defende-se a tese segundo a qual deve-se aceitar o sofrimento, encontrar nele a nobreza

                     pode-se abdicar de tudo, menos de si próprio;

                   deve-se abdicar do ilusório [que traz humilhação]
RICARDO REIS
             Acima da verdade estão os deuses
                  Acima da verdade estão os deuses.
                  Nossa ciência é uma falhada cópia
                  Da certeza com que eles
                  Sabem que há o Universo.

                        forma: métrica: 10-6-10-6-10-6

crença que o destino humano é controlado pelos deuses [ponto de vista clássico]

                paganismo de caráter erudito [herança clássica]
RICARDO REIS
              As rosas amo do jardim de Adônis
                   As rosas amo dos jardins de Adónis,
                   Essas volucres amo, Lídia, rosas,
                   Que em o dia em que nascem,
                   Em esse dia morrem.
                   A luz para elas é eterna, porque
                   Nascem nascido já o Sol, e acabam
                   Antes que Apolo deixe
                   O seu curso visível.
                   Assim façamos nossa vida um dia ,
                   Inscientes, Lídia, voluntariamente
                   Que há noite antes e após
                   O pouco que duramos.

                      forma: métrica: 10-6 [caráter clássico]

epicurismo: a vida deve ser aproveitada intensamente no dia de hoje [carpe diem]

                constatação que a vida é breve [primeira estrofe]

  constatação de que para as rosas de Adônis a vida é eterna [segunda estrofe]

transposição do que é referido para a vida do locutor, carpe diem [terceira estrofe]
RICARDO REIS
                     As rosas amo do jardim de Adônis
                          Não consentem os deuses mais que a vida.
                          Tudo pois refusemos, que nos alce
                          A irrespiráveis píncaros,
                          Perenes sem ter flores.
                          Só de aceitar tenhamos a ciência,
                          E, enquanto bate o sangue em nossas fontes,
                          Nem se engelha conosco
                          O mesmo amor, duremos,
                          Como vidros, às luzes transparentes
                          E deixando escorrer a chuva triste,
                          Só mornos ao sol quente,
                          E refletindo um pouco.

                             forma: métrica: 10-6 [caráter clássico]

        tema: aceitação do que a vida nos apresenta e recusa aos prazeres passageiros

prazeres, fama e riquezas [sem beleza e sem alegria] devem ser evitados: crítica ao artificialismo

           a única sabedoria é aceitar e passar a vida com a única intenção de durar

                           vidro: metáfora da aceitação transparente
ÁLVARO DE CAMPOS
                 a energia futurista
                   características
              homem voltado para o presente

                    saudades da infância

decadentismo simbolista + futurismo + pessimismo, desilusão

espírito moderno: máquina, multidão e velocidade [futurismo]

    sensações obtidas a partir da vida urbana e industrial

 caráter prosaico [versos longos e observação do cotidiano]

               ausência de rima e de métrica
ÁLVARO DE CAMPOS
                 Ode triunfal, fragmento
À	
  dolorosa	
  luz	
  das	
  grandes	
  lâmpadas	
  eléctricas	
  da	
  fábrica	
  
                           Tenho	
  febre	
  e	
  escrevo.	
  
     Escrevo	
  rangendo	
  os	
  dentes,	
  fera	
  para	
  a	
  beleza	
  disto,	
  
Para	
  a	
  beleza	
  disto	
  totalmente	
  desconhecida	
  dos	
  an3gos.	
  	
  
             Ó	
  rodas,	
  ó	
  engrenagens,	
  r-­‐r-­‐r-­‐r-­‐r-­‐r-­‐r	
  eterno!	
  
        Forte	
  espasmo	
  re3do	
  dos	
  maquinismos	
  em	
  fúria!	
  
                        Em	
  fúria	
  fora	
  e	
  dentro	
  de	
  mim,	
  
              Por	
  todos	
  os	
  meus	
  nervos	
  dissecados	
  fora,	
  
      Por	
  todas	
  as	
  papilas	
  fora	
  de	
  tudo	
  com	
  que	
  eu	
  sinto!	
  
       Tenho	
  os	
  lábios	
  secos,	
  ó	
  grandes	
  ruídos	
  modernos,	
  
               De	
  vos	
  ouvir	
  demasiadamente	
  de	
  perto,	
  
E	
  arde-­‐me	
  a	
  cabeça	
  de	
  vos	
  querer	
  cantar	
  com	
  um	
  excesso	
  
          De	
  expressão	
  de	
  todas	
  as	
  minhas	
  sensações,	
  
     Com	
  um	
  excesso	
  contemporâneo	
  de	
  vós,	
  ó	
  máquinas!	
  	
  
ÁLVARO DE CAMPOS
                                   Ode triunfal, fragmento
           Em	
  febre	
  e	
  olhando	
  os	
  motores	
  como	
  a	
  uma	
  Natureza	
  tropical	
  –	
  
                       Grandes	
  trópicos	
  humanos	
  de	
  ferro	
  e	
  fogo	
  e	
  força	
  –	
  
                Canto,	
  e	
  canto	
  o	
  presente,	
  e	
  também	
  o	
  passado	
  e	
  o	
  futuro,	
  
                       Porque	
  o	
  presente	
  é	
  todo	
  o	
  passado	
  e	
  todo	
  o	
  futuro	
  	
  
           E	
  há	
  Platão	
  e	
  Virgílio	
  dentro	
  das	
  máquinas	
  e	
  das	
  luzes	
  eléctricas	
  
               Só	
  porque	
  houve	
  outrora	
  e	
  foram	
  humanos	
  Virgílio	
  e	
  Platão,	
  	
  
                E	
  pedaços	
  do	
  Alexandre	
  Magno	
  do	
  século	
  talvez	
  cinquenta,	
  	
  
    Átomos	
  que	
  hão-­‐de	
  ir	
  ter	
  febre	
  para	
  o	
  cérebro	
  do	
  Ésquilo	
  do	
  século	
  cem,	
  	
  
Andam	
  por	
  estas	
  correias	
  de	
  transmissão	
  e	
  por	
  estes	
  êmbolos	
  e	
  por	
  estes	
  volantes,	
  
                       Rugindo,	
  rangendo,	
  ciciando,	
  estrugindo,	
  ferreando,	
  	
  
         Fazendo-­‐me	
  um	
  acesso	
  de	
  carícias	
  ao	
  corpo	
  numa	
  só	
  carícia	
  à	
  alma.	
  	
  
                 Ah,	
  poder	
  exprimir-­‐me	
  todo	
  como	
  um	
  motor	
  se	
  exprime!	
  
                                      Ser	
  completo	
  como	
  uma	
  máquina!	
  
              Poder	
  ir	
  na	
  vida	
  triunfante	
  como	
  um	
  automóvel	
  úl3mo-­‐modelo!	
  
                  Poder	
  ao	
  menos	
  penetrar-­‐me	
  fisicamente	
  de	
  tudo	
  isto,	
  
              Rasgar-­‐me	
  todo,	
  abrir-­‐me	
  completamente,	
  tornar-­‐me	
  passento	
  
                        A	
  todos	
  os	
  perfumes	
  de	
  óleos	
  e	
  calores	
  e	
  carvões	
  
                       Desta	
  flora	
  estupenda,	
  negra,	
  ar3ficial	
  e	
  insaciável!	
  
ÁLVARO DE CAMPOS
                                                    Ode triunfal
                                               aspectos formais
                                             presença	
  de	
  onomatopeias	
  
                                                 versos	
  livres	
  e	
  brancos	
  
                                                     poesia	
  discursiva	
  

                                                  características
          culto	
  da	
  máquina	
  e	
  da	
  vida	
  moderna	
  [sons,	
  luzes,	
  fábrica,	
  sons	
  do	
  mundo];	
  
passeio	
  ver3ginoso	
  pela	
  paisagem	
  de	
  um	
  mundo	
  povoado	
  por	
  máquinas,	
  circuito	
  e	
  cores;	
  
                               velocidade	
  e	
  ver3gem	
  agressiva	
  do	
  progresso;	
  
                                     o	
  locutor	
  compara-­‐se	
  a	
  uma	
  máquina;	
  
              a	
  par3r	
  da	
  observação	
  da	
  máquina,	
  o	
  locutor	
  faz	
  reflexões	
  filosóficas;	
  
             a	
  valorização	
  da	
  máquina	
  dá	
  lugar	
  ao	
  desencanto,	
  ao	
  cansaço	
  da	
  vida.	
  
ÁLVARO DE CAMPOS
                                        Tabacaria, fragmento
Não	
  sou	
  nada.	
  
Nunca	
  serei	
  nada.	
  
Não	
  posso	
  querer	
  ser	
  nada.	
  
À	
  parte	
  isso,	
  tenho	
  em	
  mim	
  todos	
  os	
  sonhos	
  do	
  mundo.	
  
ÁLVARO DE CAMPOS
                                      Tabacaria, fragmento
Janelas	
  do	
  meu	
  quarto,	
  
Do	
  meu	
  quarto	
  de	
  um	
  dos	
  milhões	
  do	
  mundo	
  que	
  ninguém	
  sabe	
  quem	
  é	
  
(E	
  se	
  soubessem	
  quem	
  é,	
  o	
  que	
  saberiam?),	
  
Dais	
  para	
  o	
  mistério	
  de	
  uma	
  rua	
  cruzada	
  constantemente	
  por	
  gente,	
  
Para	
  uma	
  rua	
  inacessível	
  a	
  todos	
  os	
  pensamentos,	
  
Real,	
  impossivelmente	
  real,	
  certa,	
  desconhecidamente	
  certa,	
  
Com	
  o	
  mistério	
  das	
  coisas	
  por	
  baixo	
  das	
  pedras	
  e	
  dos	
  seres	
  
Com	
  a	
  morte	
  a	
  pôr	
  umidade	
  nas	
  paredes	
  e	
  cabelos	
  brancos	
  nos	
  homens.	
  
Com	
  o	
  Des3no	
  a	
  conduzir	
  a	
  carroça	
  de	
  tudo	
  pela	
  estrada	
  de	
  nada.	
  
Estou	
  hoje	
  vencido,	
  como	
  se	
  soubesse	
  a	
  verdade.	
  
Estou	
  hoje	
  lúcido,	
  como	
  se	
  es3vesse	
  para	
  morrer,	
  
E	
  não	
  3vesse	
  mais	
  irmandade	
  com	
  as	
  coisas	
  
Senão	
  uma	
  despedida,	
  tornando-­‐se	
  esta	
  casa	
  e	
  este	
  lado	
  da	
  rua	
  
A	
  fileira	
  de	
  carruagens	
  de	
  um	
  comboio,	
  e	
  uma	
  par3da	
  apitada	
  
De	
  dentro	
  da	
  minha	
  cabeça,	
  
E	
  uma	
  sacudidela	
  dos	
  meus	
  nervos	
  e	
  um	
  ranger	
  de	
  ossos	
  na	
  ida.	
  
ÁLVARO DE CAMPOS
                                          Tabacaria, fragmento
Estou	
  hoje	
  perplexo,	
  como	
  quem	
  pensou	
  e	
  achou	
  e	
  esqueceu.	
  
Estou	
  hoje	
  dividido	
  entre	
  a	
  lealdade	
  que	
  devo	
  
À	
  Tabacaria	
  do	
  outro	
  lado	
  da	
  rua,	
  como	
  coisa	
  real	
  por	
  fora,	
  
E	
  à	
  sensação	
  de	
  que	
  tudo	
  é	
  sonho,	
  como	
  coisa	
  real	
  por	
  dentro.	
  
Falhei	
  em	
  tudo.	
  
Como	
  não	
  fiz	
  propósito	
  nenhum,	
  talvez	
  tudo	
  fosse	
  nada.	
  
A	
  aprendizagem	
  que	
  me	
  deram,	
  
Desci	
  dela	
  pela	
  janela	
  das	
  traseiras	
  da	
  casa.	
  
Fui	
  até	
  ao	
  campo	
  com	
  grandes	
  propósitos.	
  
Mas	
  lá	
  encontrei	
  só	
  ervas	
  e	
  árvores,	
  
E	
  quando	
  havia	
  gente	
  era	
  igual	
  à	
  outra.	
  
Saio	
  da	
  janela,	
  sento-­‐me	
  numa	
  cadeira.	
  
Em	
  que	
  hei	
  de	
  pensar?	
  
ÁLVARO DE CAMPOS
                                        Tabacaria, fragmento
Que	
  sei	
  eu	
  do	
  que	
  serei,	
  eu	
  que	
  não	
  sei	
  o	
  que	
  sou?	
  
Ser	
  o	
  que	
  penso?	
  Mas	
  penso	
  ser	
  tanta	
  coisa!	
  
E	
  há	
  tantos	
  que	
  pensam	
  ser	
  a	
  mesma	
  coisa	
  que	
  não	
  pode	
  haver	
  tantos!	
  
Gênio?	
  Neste	
  momento	
  
Cem	
  mil	
  cérebros	
  se	
  concebem	
  em	
  sonho	
  gênios	
  como	
  eu,	
  
E	
  a	
  história	
  não	
  marcará,	
  quem	
  sabe?,	
  nem	
  um,	
  
Nem	
  haverá	
  senão	
  estrume	
  de	
  tantas	
  conquistas	
  futuras.	
  
Não,	
  não	
  creio	
  em	
  mim.	
  
Em	
  todos	
  os	
  manicômios	
  há	
  doidos	
  malucos	
  com	
  tantas	
  certezas!	
  
Eu,	
  que	
  não	
  tenho	
  nenhuma	
  certeza,	
  sou	
  mais	
  certo	
  ou	
  menos	
  certo?	
  
Não,	
  nem	
  em	
  mim...	
  
Em	
  quantas	
  mansardas	
  e	
  não-­‐mansardas	
  do	
  mundo.	
  
Não	
  estão	
  nesta	
  hora	
  gênios-­‐para-­‐si-­‐mesmos	
  sonhando.	
  
Quantas	
  aspirações	
  altas	
  e	
  nobres	
  e	
  lúcidas	
  -­‐	
  
Sim,	
  verdadeiramente	
  altas	
  e	
  nobres	
  e	
  lúcidas	
  -­‐,	
  
E	
  quem	
  sabe	
  se	
  realizáveis,	
  
Nunca	
  verão	
  a	
  luz	
  do	
  sol	
  real	
  nem	
  acharão	
  ouvidos	
  de	
  gente?	
  
ÁLVARO DE CAMPOS
                                         Tabacaria, fragmento
O	
  mundo	
  é	
  para	
  quem	
  nasce	
  para	
  o	
  conquistar	
  
E	
  não	
  para	
  quem	
  sonha	
  que	
  pode	
  conquistá-­‐lo,	
  ainda	
  que	
  tenha	
  razão.	
  
Tenho	
  sonhado	
  mais	
  que	
  o	
  que	
  Napoleão	
  fez.	
  
Tenho	
  apertado	
  ao	
  peito	
  hipoté3co	
  mais	
  humanidades	
  do	
  que	
  Cristo,	
  
Tenho	
  feito	
  filosofias	
  em	
  segredo	
  que	
  nenhum	
  Kant	
  escreveu.	
  
Mas	
  sou,	
  e	
  talvez	
  serei	
  sempre,	
  o	
  da	
  mansarda,	
  
Ainda	
  que	
  não	
  more	
  nela;	
  
Serei	
  sempre	
  o	
  que	
  não	
  nasceu	
  para	
  isso;	
  
Serei	
  sempre	
  só	
  o	
  que	
  3nha	
  qualidades;	
  
Serei	
  sempre	
  o	
  que	
  esperou	
  que	
  lhe	
  abrissem	
  a	
  porta	
  ao	
  pé	
  de	
  uma	
  parede	
  sem	
  porta,	
  
ÁLVARO DE CAMPOS
                                            Tabacaria, fragmento
E	
  cantou	
  a	
  can3ga	
  do	
  Infinito	
  numa	
  capoeira,	
  
E	
  ouviu	
  a	
  voz	
  de	
  Deus	
  num	
  paço	
  tapado.	
  
Crer	
  em	
  mim?	
  Não,	
  nem	
  em	
  nada.	
  
Derrame-­‐me	
  a	
  Natureza	
  sobre	
  a	
  cabeça	
  ardente	
  
O	
  seu	
  sol,	
  a	
  sua	
  chuva,	
  o	
  vento	
  que	
  me	
  acha	
  o	
  cabelo,	
  
E	
  o	
  resto	
  que	
  venha	
  se	
  vier,	
  ou	
  3ver	
  que	
  vir,	
  ou	
  não	
  venha.	
  
Escravos	
  cardíacos	
  das	
  estrelas,	
  
Conquistamos	
  todo	
  o	
  mundo	
  antes	
  de	
  nos	
  levantar	
  da	
  cama;	
  
Mas	
  acordamos	
  e	
  ele	
  é	
  opaco,	
  
Levantamo-­‐nos	
  e	
  ele	
  é	
  alheio,	
  
Saímos	
  de	
  casa	
  e	
  ele	
  é	
  a	
  terra	
  inteira,	
  
Mais	
  o	
  sistema	
  solar	
  e	
  a	
  Via	
  Láctea	
  e	
  o	
  Indefinido.	
  
ÁLVARO DE CAMPOS
                                                      Tabacaria
                                              aspectos formais
                                                versos	
  livres	
  e	
  brancos	
  
                              versos	
  longos,	
  enjambement	
  e	
  discursividade.	
  

                                                 características
                                                   lirismo	
  metaksico;	
  
                                     visão	
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  [niilista]	
  da	
  existência;	
  
                 o	
  mundo	
  é	
  nada	
  e	
  o	
  eu	
  é	
  tudo	
  [subje3vidade	
  e	
  individualismo];	
  
          subje3vismo:	
  dimensão	
  da	
  solidão	
  interior	
  ante	
  a	
  imensidão	
  do	
  mundo;	
  
   parte-­‐se	
  do	
  real,	
  do	
  mundo	
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                    o	
  futurismo	
  aparece	
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  e	
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  melancólico	
  e	
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  e	
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  existência:	
  final	
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  poema.	
  
ÁLVARO DE CAMPOS
                  Tabacaria, fragmento
    Não sou nada.
    Nunca serei nada.
    Não posso querer ser nada.
    À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

                   forma: versos livres e brancos

tom metafísico: visão niilista [pessimismo e desilusão] da existência
FERNANDO PESSOA [ortônimo]
                      a dor de existir

                      características
       identidade perdida e incapacidade de auto-definição

                 consciência do absurdo de existir

             recusa da realidade enquanto aparência

oposições: sentir-pensar, pensamento-vontade, esperança-desilusão

   niilismo: egoísmo, solidão, ceticismo, tédio, angústia, náusea

                  intelectualização das emoções

                        simplicidade formal
FERNANDO PESSOA
                            Autopsicografia
                     O poeta é um fingidor
                     Finge tão completamente
                     Que chega a fingir que é dor
                     A dor que deveras sente
                     E os que leem o que escreve,
                     Na dor lida sentem bem,
                     Não as duas que ele teve,
                     Mas só a que eles não têm
                     E assim nas calhas de roda
                     Gira, a entreter a razão,
                     Esse comboio de corda
                     Que se chama coração

                 forma: três quadras com versos heptassílabos

  tema: uma escrita analítica do eu, da alma [teoria da escrita e da recepção]

  primeira estrofe: poesia é a invenção [que se articula a partir do sentimento]

segunda estrofe: por vezes, o leitor projeta no texto seus próprios sentimentos

terceira estrofe: discute-se a relação razão x emoção [predomínio do emocional]
FERNANDO PESSOA
                             Sou um evadido
                      Sou um evadido.
                      Logo que nasci
                      Fecharam-me em mim,
                      Ah, mas eu fugi.
                      Se a gente se cansa
                      Do mesmo lugar,
                      Do mesmo ser
                      Por que não se cansar?
                      Minha alma procura-me
                      Mas eu ando a monte
                      Oxalá que ela
                      Nunca me encontre.
                      Ser um é cadeia,
                      Ser eu é não ser.
                      Viverei fugindo
                      Mas vivo a valer.

           forma: quatro quadras com predomínio da redondilha menor
tema: tentativa de definição do eu [eu desadaptado = por isso foge], cansaço do eu.

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Poesia e heteronímia em Fernando Pessoa

  • 1. Poesia e heteronímia em Fernando Pessoa Manoel Neves
  • 2. ASPECTOS TÉCNICOS definindo a heteronímia pessoana heterônimo ≠ pseudônimo Heterônimo  é  o  nome  imaginário  que  um  criador  iden3fica  como  o  autor  de  obras  suas  e  que,  à   diferença   do   pseudônimo,   designa   alguém   com   qualidades   e   tendências   marcadamente   diferentes  das  desse  criador   ortônimo Fernando Pessoa o literato heterônimo Ricardo Reis o clássico heterônimo Álvaro de Campos o moderno heterônimo Alberto Caeiro o homem do campo
  • 3. polo da objetividade, sensação Alberto Caeiro presente,  vida  simples   cultura  elementar  [campo]   Ricardo Reis passado  classicizante   cultura  humanís3ca  [formal]   Álvaro de Campos presente  [grandes  cidades]   conflitos  modernos  [crises]   polo da subjetividade, pensar
  • 4. ALBERTO CAEIRO o poeta do campo características prega a simplicidade da vida eliminação do ato de pensar o mais importante é ver e sentir o mundo se reduz às coisas que se percebem pelo sentido a sensação é a forma de conhecimento do mundo sem subjetivismo ou idealização, apenas o presente vive linguagem simples e vocabulário limitado
  • 5. ALBERTO CAEIRO O guardador de rebanhos V Há metafísica bastante em não pensar em nada. O que penso eu do mundo? forma: versos livres e brancos [simplicidade] Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso. anti-intelectualismo Que idéia tenho eu das coisas? [pensar é doença, viver ≠ pensar] Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma defende-se a ausência de especulação E sobre a criação do Mundo? [não à filosofia, à mística ou metafísica] Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos E não pensar. É correr as cortinas incisivo e agressivo discurso anti-cristão Da minha janela (mas ela não tem cortinas). busca da objetividade absoluta de si mesmo O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério! O único mistério é haver quem pense no mistério.
  • 6. ALBERTO CAEIRO O guardador de rebanhos, IX Sou guardador de rebanhos O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés forma: versos livres e brancos [simplicidade] E com o nariz e a boca. anti-intelectualismo Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la [pensar não é necessário; deve-se sentir] E comer um fruto é saber-lhe o sentido. Por isso quando num dia de calor a felicidade consiste em apenas viver Me sinto triste de gozá-lo tanto. E me deito ao comprido na erva, a metafísica e o pensar não inúteis E fecho os olhos quentes, Sinto todo o meu corpo deitado no realidade Sei a verdade e sou feliz.
  • 7. ALBERTO CAEIRO Se, depois de eu morrer, quiserem... Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, Não há nada mais simples. Tem só duas datas – a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra todos os dias são meus. Sou fácil de definir. Vi como um danado. Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma. Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei. Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver. Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras; Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento. Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais. Um dia deu-me o sono como a qualquer criança. Fechei os olhos e dormi. Além disso fui o único poeta da Natureza. forma: versos livres e brancos [despojamento e simplicidade] filosofia anti-filosófica: não preciso pensar, basta sentir.
  • 8. RICARDO REIS um erudito em defesa da tradição características locus amoenus, carpe diem e aurea mediocritas busca do equilíbrio contido dos árcades indiferente à vida social valoriza a vida campestre e a simplicidade das coisas sente-se fruto da vida cristã, em decadência fatalidade: acredita que a vida passa e a morte é inevitável linguagem clássica, vocabulário erudito, formas tradicionais
  • 9. RICARDO REIS Para ser grande, sê inteiro Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim como em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive. forma: métrica: 10-6-10-6-10-6 defende-se a tese segundo a qual deve-se aceitar o sofrimento, encontrar nele a nobreza pode-se abdicar de tudo, menos de si próprio; deve-se abdicar do ilusório [que traz humilhação]
  • 10. RICARDO REIS Acima da verdade estão os deuses Acima da verdade estão os deuses. Nossa ciência é uma falhada cópia Da certeza com que eles Sabem que há o Universo. forma: métrica: 10-6-10-6-10-6 crença que o destino humano é controlado pelos deuses [ponto de vista clássico] paganismo de caráter erudito [herança clássica]
  • 11. RICARDO REIS As rosas amo do jardim de Adônis As rosas amo dos jardins de Adónis, Essas volucres amo, Lídia, rosas, Que em o dia em que nascem, Em esse dia morrem. A luz para elas é eterna, porque Nascem nascido já o Sol, e acabam Antes que Apolo deixe O seu curso visível. Assim façamos nossa vida um dia , Inscientes, Lídia, voluntariamente Que há noite antes e após O pouco que duramos. forma: métrica: 10-6 [caráter clássico] epicurismo: a vida deve ser aproveitada intensamente no dia de hoje [carpe diem] constatação que a vida é breve [primeira estrofe] constatação de que para as rosas de Adônis a vida é eterna [segunda estrofe] transposição do que é referido para a vida do locutor, carpe diem [terceira estrofe]
  • 12. RICARDO REIS As rosas amo do jardim de Adônis Não consentem os deuses mais que a vida. Tudo pois refusemos, que nos alce A irrespiráveis píncaros, Perenes sem ter flores. Só de aceitar tenhamos a ciência, E, enquanto bate o sangue em nossas fontes, Nem se engelha conosco O mesmo amor, duremos, Como vidros, às luzes transparentes E deixando escorrer a chuva triste, Só mornos ao sol quente, E refletindo um pouco. forma: métrica: 10-6 [caráter clássico] tema: aceitação do que a vida nos apresenta e recusa aos prazeres passageiros prazeres, fama e riquezas [sem beleza e sem alegria] devem ser evitados: crítica ao artificialismo a única sabedoria é aceitar e passar a vida com a única intenção de durar vidro: metáfora da aceitação transparente
  • 13. ÁLVARO DE CAMPOS a energia futurista características homem voltado para o presente saudades da infância decadentismo simbolista + futurismo + pessimismo, desilusão espírito moderno: máquina, multidão e velocidade [futurismo] sensações obtidas a partir da vida urbana e industrial caráter prosaico [versos longos e observação do cotidiano] ausência de rima e de métrica
  • 14. ÁLVARO DE CAMPOS Ode triunfal, fragmento À  dolorosa  luz  das  grandes  lâmpadas  eléctricas  da  fábrica   Tenho  febre  e  escrevo.   Escrevo  rangendo  os  dentes,  fera  para  a  beleza  disto,   Para  a  beleza  disto  totalmente  desconhecida  dos  an3gos.     Ó  rodas,  ó  engrenagens,  r-­‐r-­‐r-­‐r-­‐r-­‐r-­‐r  eterno!   Forte  espasmo  re3do  dos  maquinismos  em  fúria!   Em  fúria  fora  e  dentro  de  mim,   Por  todos  os  meus  nervos  dissecados  fora,   Por  todas  as  papilas  fora  de  tudo  com  que  eu  sinto!   Tenho  os  lábios  secos,  ó  grandes  ruídos  modernos,   De  vos  ouvir  demasiadamente  de  perto,   E  arde-­‐me  a  cabeça  de  vos  querer  cantar  com  um  excesso   De  expressão  de  todas  as  minhas  sensações,   Com  um  excesso  contemporâneo  de  vós,  ó  máquinas!    
  • 15. ÁLVARO DE CAMPOS Ode triunfal, fragmento Em  febre  e  olhando  os  motores  como  a  uma  Natureza  tropical  –   Grandes  trópicos  humanos  de  ferro  e  fogo  e  força  –   Canto,  e  canto  o  presente,  e  também  o  passado  e  o  futuro,   Porque  o  presente  é  todo  o  passado  e  todo  o  futuro     E  há  Platão  e  Virgílio  dentro  das  máquinas  e  das  luzes  eléctricas   Só  porque  houve  outrora  e  foram  humanos  Virgílio  e  Platão,     E  pedaços  do  Alexandre  Magno  do  século  talvez  cinquenta,     Átomos  que  hão-­‐de  ir  ter  febre  para  o  cérebro  do  Ésquilo  do  século  cem,     Andam  por  estas  correias  de  transmissão  e  por  estes  êmbolos  e  por  estes  volantes,   Rugindo,  rangendo,  ciciando,  estrugindo,  ferreando,     Fazendo-­‐me  um  acesso  de  carícias  ao  corpo  numa  só  carícia  à  alma.     Ah,  poder  exprimir-­‐me  todo  como  um  motor  se  exprime!   Ser  completo  como  uma  máquina!   Poder  ir  na  vida  triunfante  como  um  automóvel  úl3mo-­‐modelo!   Poder  ao  menos  penetrar-­‐me  fisicamente  de  tudo  isto,   Rasgar-­‐me  todo,  abrir-­‐me  completamente,  tornar-­‐me  passento   A  todos  os  perfumes  de  óleos  e  calores  e  carvões   Desta  flora  estupenda,  negra,  ar3ficial  e  insaciável!  
  • 16. ÁLVARO DE CAMPOS Ode triunfal aspectos formais presença  de  onomatopeias   versos  livres  e  brancos   poesia  discursiva   características culto  da  máquina  e  da  vida  moderna  [sons,  luzes,  fábrica,  sons  do  mundo];   passeio  ver3ginoso  pela  paisagem  de  um  mundo  povoado  por  máquinas,  circuito  e  cores;   velocidade  e  ver3gem  agressiva  do  progresso;   o  locutor  compara-­‐se  a  uma  máquina;   a  par3r  da  observação  da  máquina,  o  locutor  faz  reflexões  filosóficas;   a  valorização  da  máquina  dá  lugar  ao  desencanto,  ao  cansaço  da  vida.  
  • 17. ÁLVARO DE CAMPOS Tabacaria, fragmento Não  sou  nada.   Nunca  serei  nada.   Não  posso  querer  ser  nada.   À  parte  isso,  tenho  em  mim  todos  os  sonhos  do  mundo.  
  • 18. ÁLVARO DE CAMPOS Tabacaria, fragmento Janelas  do  meu  quarto,   Do  meu  quarto  de  um  dos  milhões  do  mundo  que  ninguém  sabe  quem  é   (E  se  soubessem  quem  é,  o  que  saberiam?),   Dais  para  o  mistério  de  uma  rua  cruzada  constantemente  por  gente,   Para  uma  rua  inacessível  a  todos  os  pensamentos,   Real,  impossivelmente  real,  certa,  desconhecidamente  certa,   Com  o  mistério  das  coisas  por  baixo  das  pedras  e  dos  seres   Com  a  morte  a  pôr  umidade  nas  paredes  e  cabelos  brancos  nos  homens.   Com  o  Des3no  a  conduzir  a  carroça  de  tudo  pela  estrada  de  nada.   Estou  hoje  vencido,  como  se  soubesse  a  verdade.   Estou  hoje  lúcido,  como  se  es3vesse  para  morrer,   E  não  3vesse  mais  irmandade  com  as  coisas   Senão  uma  despedida,  tornando-­‐se  esta  casa  e  este  lado  da  rua   A  fileira  de  carruagens  de  um  comboio,  e  uma  par3da  apitada   De  dentro  da  minha  cabeça,   E  uma  sacudidela  dos  meus  nervos  e  um  ranger  de  ossos  na  ida.  
  • 19. ÁLVARO DE CAMPOS Tabacaria, fragmento Estou  hoje  perplexo,  como  quem  pensou  e  achou  e  esqueceu.   Estou  hoje  dividido  entre  a  lealdade  que  devo   À  Tabacaria  do  outro  lado  da  rua,  como  coisa  real  por  fora,   E  à  sensação  de  que  tudo  é  sonho,  como  coisa  real  por  dentro.   Falhei  em  tudo.   Como  não  fiz  propósito  nenhum,  talvez  tudo  fosse  nada.   A  aprendizagem  que  me  deram,   Desci  dela  pela  janela  das  traseiras  da  casa.   Fui  até  ao  campo  com  grandes  propósitos.   Mas  lá  encontrei  só  ervas  e  árvores,   E  quando  havia  gente  era  igual  à  outra.   Saio  da  janela,  sento-­‐me  numa  cadeira.   Em  que  hei  de  pensar?  
  • 20. ÁLVARO DE CAMPOS Tabacaria, fragmento Que  sei  eu  do  que  serei,  eu  que  não  sei  o  que  sou?   Ser  o  que  penso?  Mas  penso  ser  tanta  coisa!   E  há  tantos  que  pensam  ser  a  mesma  coisa  que  não  pode  haver  tantos!   Gênio?  Neste  momento   Cem  mil  cérebros  se  concebem  em  sonho  gênios  como  eu,   E  a  história  não  marcará,  quem  sabe?,  nem  um,   Nem  haverá  senão  estrume  de  tantas  conquistas  futuras.   Não,  não  creio  em  mim.   Em  todos  os  manicômios  há  doidos  malucos  com  tantas  certezas!   Eu,  que  não  tenho  nenhuma  certeza,  sou  mais  certo  ou  menos  certo?   Não,  nem  em  mim...   Em  quantas  mansardas  e  não-­‐mansardas  do  mundo.   Não  estão  nesta  hora  gênios-­‐para-­‐si-­‐mesmos  sonhando.   Quantas  aspirações  altas  e  nobres  e  lúcidas  -­‐   Sim,  verdadeiramente  altas  e  nobres  e  lúcidas  -­‐,   E  quem  sabe  se  realizáveis,   Nunca  verão  a  luz  do  sol  real  nem  acharão  ouvidos  de  gente?  
  • 21. ÁLVARO DE CAMPOS Tabacaria, fragmento O  mundo  é  para  quem  nasce  para  o  conquistar   E  não  para  quem  sonha  que  pode  conquistá-­‐lo,  ainda  que  tenha  razão.   Tenho  sonhado  mais  que  o  que  Napoleão  fez.   Tenho  apertado  ao  peito  hipoté3co  mais  humanidades  do  que  Cristo,   Tenho  feito  filosofias  em  segredo  que  nenhum  Kant  escreveu.   Mas  sou,  e  talvez  serei  sempre,  o  da  mansarda,   Ainda  que  não  more  nela;   Serei  sempre  o  que  não  nasceu  para  isso;   Serei  sempre  só  o  que  3nha  qualidades;   Serei  sempre  o  que  esperou  que  lhe  abrissem  a  porta  ao  pé  de  uma  parede  sem  porta,  
  • 22. ÁLVARO DE CAMPOS Tabacaria, fragmento E  cantou  a  can3ga  do  Infinito  numa  capoeira,   E  ouviu  a  voz  de  Deus  num  paço  tapado.   Crer  em  mim?  Não,  nem  em  nada.   Derrame-­‐me  a  Natureza  sobre  a  cabeça  ardente   O  seu  sol,  a  sua  chuva,  o  vento  que  me  acha  o  cabelo,   E  o  resto  que  venha  se  vier,  ou  3ver  que  vir,  ou  não  venha.   Escravos  cardíacos  das  estrelas,   Conquistamos  todo  o  mundo  antes  de  nos  levantar  da  cama;   Mas  acordamos  e  ele  é  opaco,   Levantamo-­‐nos  e  ele  é  alheio,   Saímos  de  casa  e  ele  é  a  terra  inteira,   Mais  o  sistema  solar  e  a  Via  Láctea  e  o  Indefinido.  
  • 23. ÁLVARO DE CAMPOS Tabacaria aspectos formais versos  livres  e  brancos   versos  longos,  enjambement  e  discursividade.   características lirismo  metaksico;   visão  nega3va  [niilista]  da  existência;   o  mundo  é  nada  e  o  eu  é  tudo  [subje3vidade  e  individualismo];   subje3vismo:  dimensão  da  solidão  interior  ante  a  imensidão  do  mundo;   parte-­‐se  do  real,  do  mundo  moderno,  da  máquina  para  fazer  reflexões  filosóficos;   o  futurismo  aparece  pela  referência  à  carruagem  e  ao  apito   tom  melancólico  e  nega3vista  acerca  do  mundo,  do  eu  e  da  existência:  final  do  poema.  
  • 24. ÁLVARO DE CAMPOS Tabacaria, fragmento Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. forma: versos livres e brancos tom metafísico: visão niilista [pessimismo e desilusão] da existência
  • 25. FERNANDO PESSOA [ortônimo] a dor de existir características identidade perdida e incapacidade de auto-definição consciência do absurdo de existir recusa da realidade enquanto aparência oposições: sentir-pensar, pensamento-vontade, esperança-desilusão niilismo: egoísmo, solidão, ceticismo, tédio, angústia, náusea intelectualização das emoções simplicidade formal
  • 26. FERNANDO PESSOA Autopsicografia O poeta é um fingidor Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração forma: três quadras com versos heptassílabos tema: uma escrita analítica do eu, da alma [teoria da escrita e da recepção] primeira estrofe: poesia é a invenção [que se articula a partir do sentimento] segunda estrofe: por vezes, o leitor projeta no texto seus próprios sentimentos terceira estrofe: discute-se a relação razão x emoção [predomínio do emocional]
  • 27. FERNANDO PESSOA Sou um evadido Sou um evadido. Logo que nasci Fecharam-me em mim, Ah, mas eu fugi. Se a gente se cansa Do mesmo lugar, Do mesmo ser Por que não se cansar? Minha alma procura-me Mas eu ando a monte Oxalá que ela Nunca me encontre. Ser um é cadeia, Ser eu é não ser. Viverei fugindo Mas vivo a valer. forma: quatro quadras com predomínio da redondilha menor tema: tentativa de definição do eu [eu desadaptado = por isso foge], cansaço do eu.