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Grupo I
PARTE A
Lê o excerto do conto que se segue.
António Barrasquinho, o Batola, é um tipo bem achado. Não faz nada, levanta-se quando calha, e ainda vem
dormindo lá dos fundos da casa.
É a mulher quem abre a venda e avia aquela meia dúzia de fregueses de todas as manhãzinhas. Feito isto,
volta à lida da casa. Muito alta, grave, um rosto ossudo e um sossego de maneiras que se vê logo que é ela quem ali
põe e dispõe.
Pois quando entra para os fundos casa, vem saindo o Batola com a cara redonda amarfanhada num bocejo.
Que pessoas tão diferentes! Ele quase lhe não chega ao ombro, atarracado, as pernas arqueadas. De chapeirão
caído para a nuca, lenço vermelho amarrado ao pescoço, vem tropeçando nos caixotes até que lá consegue
encostar-se ao umbral da porta. Fica assim um pedaço, a oscilar o corpo, enquanto vai passando as mãos pela cara,
como que para afastar os restos do sono. Os olhos, semicerrados, abrem-se-lhe um pouco mais para os campos.
Mas fecha-os logo, diante daquela monotonia desolada. […]
E os dias passam agora rápidos para António Barrasquinho, o Batola. Até começou a levantar-se cedo e a
aviar os fregueses de todas as manhãzinhas. Assim, pode continuar as conversas da véspera. Que o Batola é, de
todos, o que mais vaticínios faz sobre as coisas da guerra. Muito antes do meio-dia já ele começa a consultar o
velho relógio, preso por um fio de ouro ao colete. […]
E os dias custaram tão pouco a passar que o fim do mês caiu de surpresa em cima da aldeia da Alcaria. Era já
no dia seguinte que a telefonia deixaria de ouvir-se. Iam todos, de novo, recuar para muito longe, lá para o fim do
mundo, onde sempre tinham vivido.
Foi a primeira noite em que os homens saíram da venda mudos e taciturnos. Fora esperava-os o negrume
fechado. E eles voltavam para a escuridão, iam ser, outra vez, o rebanho que se levanta com o dia, lavra, cava a
terra, ceifa e recolhe vergado pelo cansaço e pela noite. Mais nada que o abandono e a solidão. A esperança de
melhor vida para todos, que a voz poderosa do homem desconhecido levava até à aldeia, apagava-se nessa noite
para não mais se ouvir. […]
– António – murmurava ela, adiantando-se até ao meio da venda. – Eu queria pedir-te uma coisa…
Suspenso, o homem aguarda. Então, ela desabafa, inclinado o rosto ossudo, onde os olhos negros brilham
com uma quase expressão de ternura:
– Olha… Se tu quisesses, a gente ficava com o aparelho. Sempre é uma companhia neste deserto.
Manuel da Fonseca, «Sempre é uma Companhia» in O Fogo e as Cinzas
Responde agora às questões que se seguem de forma clara, completa e com correção linguística.
1. Demonstra, exemplificando, a evolução psicológica do Batola ao longo do texto.
2. Explicita o valor da telefonia para os habitantes da aldeia, recorrendo a expressões textuais pertinentes.
3. Comenta um dos efeitos de sentido sugerido pelo recurso expressivo presente em «iam ser, outra vez, o
rebanho».
2020/2021
Português – 12º ANO – TURMA A
TESTE DE AVALIAÇÃO ESCRITA – 15.03.2021
PARTE B
Lê o excerto do conto que se segue.
O passageiro tinha subido, já noite fechada, das entranhas da carvoeira1
, para se esconder numa claraboia do
convés, sob a qual havia espaço suficiente para um homem se deitar, como num esquife2
. (Já ali tinham viajado
outros, durante dias e até semanas, e um deles, por sinal, apanhado pela dura invernia do Norte – os cordames3
eram estendais de gelo! – com as roupinhas leves em que vinha do Brasil, ficara tolhido4
para o resto dos seus
dias.) Não comia desde que, manhã cedo, lhe tinham levado o café amargoso e a bucha de pão; a fome roía-o, e
depois do calor abafante das caldeiras, o frio húmido da noite inteiriçou-o. Ali encaixado, ouviu vozes de comando,
risos, passos de homens que desciam a prancha, os ecos de ferro do navio despejado. Esperou que, tudo
sossegado, o viessem pôr em liberdade. Mas o tempo corria, naquela imobilidade, e a impaciência dele cresceu:
Que raio esperavam eles para o tirar da toca? Iriam esquecê-lo, deixá-lo a bordo sozinho, metido naquela urna, a
morrer de fome e frio?... Haveria dificuldades imprevistas ao seu desembarque?... A noite avançava com um vagar
exasperante, e ele tinha pressa. Apertava ao corpo, para se aquecer, o saco onde encerrava os parcos5
haveres.
Tinha entrevisto na noite, ao chegar ali, os perfis dos barracões do porto, mais longe fábricas, prédios, o
clarão mortiço da cidade. Estava na América, a dois passos do trabalho e do pão, a um salto do seu destino. E o
coração batia-lhe de anseio. Já tinha regularizado contas com os marujos que o tinham posto a bordo, escondido e
alimentado. Se havia mais alguém por trás deles, isso não era da sua conta. Restava-lhe algumas dolas6
no fundo de
um bolso das calças. Junto delas, retinha na palma da mão suada um papel puído7
, com um endereço, esse ponto
perdido na imensidade da América desconhecida: Patchogue ou coisa assim, para lá de Nova York, em Long Island,
a quantas léguas seria aquilo de Baltimore, e quanto teria ele de palmilhar às cegas, para alcançar o seu destino?!
(Se lá chegasse...) E uma data de números, de portas e ruas, isso ele não entendia, não entendia nada, não sabia
patavina de inglês, só sabia que estava ali à espera que dispusessem dele, para começar vida nova, ou então...
Sozinho, diante do desconhecido. Não conhecia ninguém, nesta terra envolta em noite e humidade. Inquietava-o
pensar em tudo isso, ali imóvel, impotente, com o coração do tamanho dum feijão a zumbir-lhe no peito apertado.
José Rodrigues Miguéis, «O Viajante Clandestino» in Gente da Terceira Classe
4. Explicita três aspetos que evidenciem a dureza da viagem protagonizada pelo «passageiro», tendo em conta o
primeiro parágrafo do texto. Ilustre a sua resposta com transcrições pertinentes.
5. Justifica a ansiedade manifestada pela personagem, a partir de «Esperou que, tudo sossegado […]».
1
Carvoeira: lugar, no navio, destinado a guardar o carvão para as caldeiras.
2
Esquife: caixão.
3
Cordames: cordas do navio.
4
Tolhido: paralisado
5
Parcos: poucos.
6
Dolas: dólares (numa pronúncia incorreta).
7
Puído : gasto pelo uso.
GRUPO II
Lê atentamente a carta que se segue.
Lourenço Marques, 21 de novembro de 1884
Excelentíssimo Senhor
Conselheiro José d’Almeida
[…]
Por todas estas inquietações, vou com o coração apertado para Nkokolani, a mais de quinhentas milhas daqui,
nesse vasto sertão de Inhambane. Espero que se cumpram as promessas de converter aquele inacabado posto
num verdadeiro aquartelamento. E tenho fé em que me enviem um contingente de angolas para que possa exercer
as minhas funções de forma pronta e cabal.
Disse-me a italiana – que conhece intimamente muitos dos nossos oficiais – que devo esquecer as promessas
que me foram feitas. Porque, segundo ela, apenas na aparência sou um militar. Para chegar a esta certeza, bastou-
lhe, segundo disse, a serenidade do meu olhar. Descontando a leviandade deste juízo, a verdade é que Dona Bianca
foi enunciando outras razões para o seu apressado parecer. Perguntou-me a quem eu respondia e tomei a
liberdade de lhe dizer que o Conselheiro José d'Almeida era o superior a quem prestava contas. Ela riu-se. E depois
comentou, com algum cinismo: você nunca irá disparar um tiro. E terá sorte se não dispararem contra si!
E acrescentou que sabia de outros casos em que se ficou eternamente à espera de um prometido posto militar.
Já à despedida, a italiana prometeu que me visitaria em Nkokolani. Faria essa viagem porque sabia que Mouzinho
havia sido destacado para o regimento de Inhambane. Ela queria reencontrar aquele cavaleiro, como se outro
destino a sua vida não tivesse.
Fiquei a pensar no vaticínio de Bianca e receio haver nele algum fundamento. Todos aqui sabem do meu
passado republicano, todos sabem da razão da minha presença em terras africanas. A minha participação na
revolta de 31 de Janeiro, na cidade do Porto, não será segredo também para Dona Bianca. Não me posso queixar
do que me coube por pena, perante o veredicto destinado à maioria dos revoltados, encarcerados com penas de
ilimitada duração. No meu caso, decidiram pela deportação para o remoto sertão de lnhambane. Atuaram na
esperança de que ali encontrasse uma prisão sem grades e, por isso, mais asfixiante que qualquer outro cárcere.
Tiveram, todavia, a prudência de me confiar uma falsa missão militar. A italiana está coberta de razão: dentro
desta farda não está um soldado. Está um degredado que, apesar de tudo, aceita o encargo dos seus deveres. Não
tenho, porém, nenhum ensejo de dar a vida por este Portugal mesquinho envelhecido. Por este Portugal que me
fez sair de Portugal. A minha pátria é outra e ela está ainda por nascer. Sei o quanto estes desabafos ultrapassam o
tom que devia nortear este relatório. Mas espero que Vossa Excelência entenda a absoluta solidão em que me
encontro e como esse isolamento me começa a roubar a capacidade de discernir. […]
Mia Couto, Mulheres de Cinza (2015)
1. A oração «que conhece intimamente muitos dos nossos oficiais» (l.9) classifica-se como subordinada
A. adjetiva relativa explicativa.
B. adjetiva relativa restritiva.
C. adverbial causal.
D. substantiva relativa.
2. Nas linhas 9 e 10, concretiza-se um processo de coesão
A. referencial (elipse).
B. referencial (catáfora).
C. referencial (anáfora).
D. lexical.
5
10
15
20
25
30
3. Na passagem «você nunca irá disparar um tiro» (l.14) está presente um valor modal de
A. certeza.
B. possibilidade.
C. probabilidade.
D. obrigação.
4. O complexo verbal «havia [tinha] sido destacado» (l.17) encontra-se no
A. pretérito perfeito composto do conjuntivo.
B. pretérito perfeito composto do indicativo.
C. pretérito mais-que-perfeito composto do conjuntivo.
D. pretérito mais-que-perfeito composto do indicativo.
5. O segmento «de razão» (l.25) desempenha a função sintática de
A. complemento do nome.
B. complemento do adjetivo.
C. complemento oblíquo.
D. modificador do grupo verbal.
6. Na expressão «Portugal mesquinho envelhecido» (l.27), está presente uma
A. hipérbole.
B. hipálage.
C. sinestesia.
D. personificação.
7. O segmento «de discernir» (l.30) desempenha a função sintática de
A. complemento direto.
B. complemento oblíquo.
C. modificador do nome restritivo.
D. complemento do nome.
8. Classifica a oração «que devo esquecer as promessas» (ll.9-10).
9. Identifica a função sintática desempenhada pelo segmento «a sua vida» (l.18).
10. Refere o processo de formação do vocábulo «envelhecido» (l.27).
GRUPO III
Num texto bem estruturado, com um mínimo de 200 e um máximo de 300 palavras, faz a apreciação crítica do
cartoon apresentado.
O teu texto deve incluir:
– a descrição da imagem, destacando elementos significativos da sua composição;
– um comentário crítico, fundamentando a tua apreciação e utilizando um discurso valorativo;
– uma conclusão adequada aos pontos de vista desenvolvidos.
- FIM -
Cotações:
Grupo I ………………………………...100 pontos
(20 pontos cada item)
Grupo II …………………………………50 pontos
(5 pontos cada item)
Grupo III ………………………………..50 pontos
Total ………………………………….. 200 pontos

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A solidão do degredado em terras africanas

  • 1. Grupo I PARTE A Lê o excerto do conto que se segue. António Barrasquinho, o Batola, é um tipo bem achado. Não faz nada, levanta-se quando calha, e ainda vem dormindo lá dos fundos da casa. É a mulher quem abre a venda e avia aquela meia dúzia de fregueses de todas as manhãzinhas. Feito isto, volta à lida da casa. Muito alta, grave, um rosto ossudo e um sossego de maneiras que se vê logo que é ela quem ali põe e dispõe. Pois quando entra para os fundos casa, vem saindo o Batola com a cara redonda amarfanhada num bocejo. Que pessoas tão diferentes! Ele quase lhe não chega ao ombro, atarracado, as pernas arqueadas. De chapeirão caído para a nuca, lenço vermelho amarrado ao pescoço, vem tropeçando nos caixotes até que lá consegue encostar-se ao umbral da porta. Fica assim um pedaço, a oscilar o corpo, enquanto vai passando as mãos pela cara, como que para afastar os restos do sono. Os olhos, semicerrados, abrem-se-lhe um pouco mais para os campos. Mas fecha-os logo, diante daquela monotonia desolada. […] E os dias passam agora rápidos para António Barrasquinho, o Batola. Até começou a levantar-se cedo e a aviar os fregueses de todas as manhãzinhas. Assim, pode continuar as conversas da véspera. Que o Batola é, de todos, o que mais vaticínios faz sobre as coisas da guerra. Muito antes do meio-dia já ele começa a consultar o velho relógio, preso por um fio de ouro ao colete. […] E os dias custaram tão pouco a passar que o fim do mês caiu de surpresa em cima da aldeia da Alcaria. Era já no dia seguinte que a telefonia deixaria de ouvir-se. Iam todos, de novo, recuar para muito longe, lá para o fim do mundo, onde sempre tinham vivido. Foi a primeira noite em que os homens saíram da venda mudos e taciturnos. Fora esperava-os o negrume fechado. E eles voltavam para a escuridão, iam ser, outra vez, o rebanho que se levanta com o dia, lavra, cava a terra, ceifa e recolhe vergado pelo cansaço e pela noite. Mais nada que o abandono e a solidão. A esperança de melhor vida para todos, que a voz poderosa do homem desconhecido levava até à aldeia, apagava-se nessa noite para não mais se ouvir. […] – António – murmurava ela, adiantando-se até ao meio da venda. – Eu queria pedir-te uma coisa… Suspenso, o homem aguarda. Então, ela desabafa, inclinado o rosto ossudo, onde os olhos negros brilham com uma quase expressão de ternura: – Olha… Se tu quisesses, a gente ficava com o aparelho. Sempre é uma companhia neste deserto. Manuel da Fonseca, «Sempre é uma Companhia» in O Fogo e as Cinzas Responde agora às questões que se seguem de forma clara, completa e com correção linguística. 1. Demonstra, exemplificando, a evolução psicológica do Batola ao longo do texto. 2. Explicita o valor da telefonia para os habitantes da aldeia, recorrendo a expressões textuais pertinentes. 3. Comenta um dos efeitos de sentido sugerido pelo recurso expressivo presente em «iam ser, outra vez, o rebanho». 2020/2021 Português – 12º ANO – TURMA A TESTE DE AVALIAÇÃO ESCRITA – 15.03.2021
  • 2. PARTE B Lê o excerto do conto que se segue. O passageiro tinha subido, já noite fechada, das entranhas da carvoeira1 , para se esconder numa claraboia do convés, sob a qual havia espaço suficiente para um homem se deitar, como num esquife2 . (Já ali tinham viajado outros, durante dias e até semanas, e um deles, por sinal, apanhado pela dura invernia do Norte – os cordames3 eram estendais de gelo! – com as roupinhas leves em que vinha do Brasil, ficara tolhido4 para o resto dos seus dias.) Não comia desde que, manhã cedo, lhe tinham levado o café amargoso e a bucha de pão; a fome roía-o, e depois do calor abafante das caldeiras, o frio húmido da noite inteiriçou-o. Ali encaixado, ouviu vozes de comando, risos, passos de homens que desciam a prancha, os ecos de ferro do navio despejado. Esperou que, tudo sossegado, o viessem pôr em liberdade. Mas o tempo corria, naquela imobilidade, e a impaciência dele cresceu: Que raio esperavam eles para o tirar da toca? Iriam esquecê-lo, deixá-lo a bordo sozinho, metido naquela urna, a morrer de fome e frio?... Haveria dificuldades imprevistas ao seu desembarque?... A noite avançava com um vagar exasperante, e ele tinha pressa. Apertava ao corpo, para se aquecer, o saco onde encerrava os parcos5 haveres. Tinha entrevisto na noite, ao chegar ali, os perfis dos barracões do porto, mais longe fábricas, prédios, o clarão mortiço da cidade. Estava na América, a dois passos do trabalho e do pão, a um salto do seu destino. E o coração batia-lhe de anseio. Já tinha regularizado contas com os marujos que o tinham posto a bordo, escondido e alimentado. Se havia mais alguém por trás deles, isso não era da sua conta. Restava-lhe algumas dolas6 no fundo de um bolso das calças. Junto delas, retinha na palma da mão suada um papel puído7 , com um endereço, esse ponto perdido na imensidade da América desconhecida: Patchogue ou coisa assim, para lá de Nova York, em Long Island, a quantas léguas seria aquilo de Baltimore, e quanto teria ele de palmilhar às cegas, para alcançar o seu destino?! (Se lá chegasse...) E uma data de números, de portas e ruas, isso ele não entendia, não entendia nada, não sabia patavina de inglês, só sabia que estava ali à espera que dispusessem dele, para começar vida nova, ou então... Sozinho, diante do desconhecido. Não conhecia ninguém, nesta terra envolta em noite e humidade. Inquietava-o pensar em tudo isso, ali imóvel, impotente, com o coração do tamanho dum feijão a zumbir-lhe no peito apertado. José Rodrigues Miguéis, «O Viajante Clandestino» in Gente da Terceira Classe 4. Explicita três aspetos que evidenciem a dureza da viagem protagonizada pelo «passageiro», tendo em conta o primeiro parágrafo do texto. Ilustre a sua resposta com transcrições pertinentes. 5. Justifica a ansiedade manifestada pela personagem, a partir de «Esperou que, tudo sossegado […]». 1 Carvoeira: lugar, no navio, destinado a guardar o carvão para as caldeiras. 2 Esquife: caixão. 3 Cordames: cordas do navio. 4 Tolhido: paralisado 5 Parcos: poucos. 6 Dolas: dólares (numa pronúncia incorreta). 7 Puído : gasto pelo uso.
  • 3. GRUPO II Lê atentamente a carta que se segue. Lourenço Marques, 21 de novembro de 1884 Excelentíssimo Senhor Conselheiro José d’Almeida […] Por todas estas inquietações, vou com o coração apertado para Nkokolani, a mais de quinhentas milhas daqui, nesse vasto sertão de Inhambane. Espero que se cumpram as promessas de converter aquele inacabado posto num verdadeiro aquartelamento. E tenho fé em que me enviem um contingente de angolas para que possa exercer as minhas funções de forma pronta e cabal. Disse-me a italiana – que conhece intimamente muitos dos nossos oficiais – que devo esquecer as promessas que me foram feitas. Porque, segundo ela, apenas na aparência sou um militar. Para chegar a esta certeza, bastou- lhe, segundo disse, a serenidade do meu olhar. Descontando a leviandade deste juízo, a verdade é que Dona Bianca foi enunciando outras razões para o seu apressado parecer. Perguntou-me a quem eu respondia e tomei a liberdade de lhe dizer que o Conselheiro José d'Almeida era o superior a quem prestava contas. Ela riu-se. E depois comentou, com algum cinismo: você nunca irá disparar um tiro. E terá sorte se não dispararem contra si! E acrescentou que sabia de outros casos em que se ficou eternamente à espera de um prometido posto militar. Já à despedida, a italiana prometeu que me visitaria em Nkokolani. Faria essa viagem porque sabia que Mouzinho havia sido destacado para o regimento de Inhambane. Ela queria reencontrar aquele cavaleiro, como se outro destino a sua vida não tivesse. Fiquei a pensar no vaticínio de Bianca e receio haver nele algum fundamento. Todos aqui sabem do meu passado republicano, todos sabem da razão da minha presença em terras africanas. A minha participação na revolta de 31 de Janeiro, na cidade do Porto, não será segredo também para Dona Bianca. Não me posso queixar do que me coube por pena, perante o veredicto destinado à maioria dos revoltados, encarcerados com penas de ilimitada duração. No meu caso, decidiram pela deportação para o remoto sertão de lnhambane. Atuaram na esperança de que ali encontrasse uma prisão sem grades e, por isso, mais asfixiante que qualquer outro cárcere. Tiveram, todavia, a prudência de me confiar uma falsa missão militar. A italiana está coberta de razão: dentro desta farda não está um soldado. Está um degredado que, apesar de tudo, aceita o encargo dos seus deveres. Não tenho, porém, nenhum ensejo de dar a vida por este Portugal mesquinho envelhecido. Por este Portugal que me fez sair de Portugal. A minha pátria é outra e ela está ainda por nascer. Sei o quanto estes desabafos ultrapassam o tom que devia nortear este relatório. Mas espero que Vossa Excelência entenda a absoluta solidão em que me encontro e como esse isolamento me começa a roubar a capacidade de discernir. […] Mia Couto, Mulheres de Cinza (2015) 1. A oração «que conhece intimamente muitos dos nossos oficiais» (l.9) classifica-se como subordinada A. adjetiva relativa explicativa. B. adjetiva relativa restritiva. C. adverbial causal. D. substantiva relativa. 2. Nas linhas 9 e 10, concretiza-se um processo de coesão A. referencial (elipse). B. referencial (catáfora). C. referencial (anáfora). D. lexical. 5 10 15 20 25 30
  • 4. 3. Na passagem «você nunca irá disparar um tiro» (l.14) está presente um valor modal de A. certeza. B. possibilidade. C. probabilidade. D. obrigação. 4. O complexo verbal «havia [tinha] sido destacado» (l.17) encontra-se no A. pretérito perfeito composto do conjuntivo. B. pretérito perfeito composto do indicativo. C. pretérito mais-que-perfeito composto do conjuntivo. D. pretérito mais-que-perfeito composto do indicativo. 5. O segmento «de razão» (l.25) desempenha a função sintática de A. complemento do nome. B. complemento do adjetivo. C. complemento oblíquo. D. modificador do grupo verbal. 6. Na expressão «Portugal mesquinho envelhecido» (l.27), está presente uma A. hipérbole. B. hipálage. C. sinestesia. D. personificação. 7. O segmento «de discernir» (l.30) desempenha a função sintática de A. complemento direto. B. complemento oblíquo. C. modificador do nome restritivo. D. complemento do nome. 8. Classifica a oração «que devo esquecer as promessas» (ll.9-10). 9. Identifica a função sintática desempenhada pelo segmento «a sua vida» (l.18). 10. Refere o processo de formação do vocábulo «envelhecido» (l.27).
  • 5. GRUPO III Num texto bem estruturado, com um mínimo de 200 e um máximo de 300 palavras, faz a apreciação crítica do cartoon apresentado. O teu texto deve incluir: – a descrição da imagem, destacando elementos significativos da sua composição; – um comentário crítico, fundamentando a tua apreciação e utilizando um discurso valorativo; – uma conclusão adequada aos pontos de vista desenvolvidos. - FIM - Cotações: Grupo I ………………………………...100 pontos (20 pontos cada item) Grupo II …………………………………50 pontos (5 pontos cada item) Grupo III ………………………………..50 pontos Total ………………………………….. 200 pontos