1) Foi constatada a ausência de citação de um litisconsorte necessário no processo, Frederico Alexandre Medeiros, proprietário de um imóvel na área em questão.
2) Devido a essa ausência de citação de litisconsorte necessário, o processo foi declarado nulo desde a citação.
3) Os autos retornaram à origem para que o autor promova a citação do litisconsorte faltante, sob pena de extinção do processo.
Demolição de imóveis irregulares em área ambiental protegida
1. Tribunal de Justiça
RIO GRANDE DO NORTE
FL.______________
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte
Apelação Cível n° 2011.002862-4
Origem: 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN.
Apte/apdo: Município de Natal.
Procurador: Aldo de Medeiros Lima Filho. 1662/RN
Apte/apdo: Flávio Leite D. Rezende
Advogado: Araken Barbosa de Farias Filho
Litis. Pass.: Lourival Tomaz de Brito, Francisco de Assis da Silva, João Inácio de Melo,
José Marconi Guimarães, Ozete Barbosa de M. Souza, Josileide M. Ataíde Nascimento,
Manoel dos Santos
Advogados: Carlos Roberto de Araújo, Antonio Carlos P. Nunes, Alexandre Cunha de
Carvalho, Rychardson de M. Bernardo e outros.
Apelado: Ministério Público
Relator: Desembargador Vivaldo Pinheiro.
EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL.
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL SUSCITADA
PELO RELATOR. LITISCONSORTE NECESSÁRIO.
AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. ACOLHIMENTO.
1. Constatada a ausência de citação de litisconsorte necessário,
impõe-se a nulidade processual a partir de quando deveria ter se
realizado o indispensável ato. Precedentes.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as
acima identificadas:
Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível
deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, e em dissonância com o parecer
ministerial, acolher a preliminar de nulidade processual suscitada pelo Relator, nos termos do
seu voto, que fica fazendo parte integrante deste.
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RELATÓRIO
Tratam-se de Apelações interpostas pelo Município de Natal e
por Flávio Leite Dantas de Rezende contra sentença proferida pelo juiz da 2ª Vara da Fazenda
Pública da Comarca de Natal que, nos autos de Ação Civil Pública, determinou ao Município
a demolição dos imóveis construídos na área correspondente a ZPA 10, no prazo de noventa
dias, bem como que realizasse a recuperação da área degradada no prazo de dez meses, a
contar do trânsito em julgado da decisão.
Em suas razões (fls. 394/402), o Município de Natal alegou que
a sentença se deu além do pedido, violando os artigos 459 e 460 do Código de Processo Civil,
uma vez que o pleito se restringia à demolição das construções irregulares constantes da
referida área, e não de todos os imóveis.
Disse, ainda, que o prazo fixado na sentença para a demolição e
recuperação da zona ambiental é por demais exíguo, existindo um impedimento técnico por
parte do município para cumpri-lo, tendo em vista a necessidade de instauração de processos
administrativos para a correta identificação das construções irregulares, o que demanda tempo
superior ao estabelecido como prazo.
Juntou documentos às fls. 403/404.
Flávio Leite D. de Rezende alegou às fls. 405/416 que o seu
imóvel não pode ser considerado construção irregular pois possui Escritura Pública de Cessão
de Direitos Aquisitivos e Carta de Aforamento.
Sustentou que a sentença feriu a razoabilidade ao buscar a
proteção de pequena área ambiental ao custo do desabrigo de várias famílias. Disse que os
direitos em conflito são de índole constitucional (princípio da dignidade da pessoa humana,
direito à moradia e direito ambiental) e não foram devidamente sopesados.
Afirmou não ser mais possível o reflorestamento da área.
Alternativamente, pediu a fixação de indenização pela
demolição de sua moradia, a ser paga pelo Município.
Em contrarrazão às fls. 418/122, o Município de Natal disse não
ser devida indenização pela futura demolição das residências, uma vez que suas construções
ocorreram de forma irregular, sem o competente Alvará.
O Ministério Público, em contrarrazões (fls. 423/425v) pediu,
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em síntese, a manutenção da sentença.
A Décima Sexta Procuradoria de Justiça, em substituição à
Vigésima Procuradoria, opinou, em resumo, pelo desprovimento dos apelos.
Lourival Tomaz de Brito requereu habilitação nos autos (fls.
443/444), que restou deferida (fls. 453) por este Relator.
É o breve relato.
VOTO
I. PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL, SUSCITADA PELO RELATOR.
Após uma detida análise dos autos, constatei a ausência de
pressuposto de desenvolvimento regular do processo: citação de litisconsorte passivo
necessário, o que enseja a nulidade processual a partir de quando deveria ter se realizado o
indispensável ato.
Verifica-se às fls. 64 ss, que a Secretaria Especial de Meio
Ambiente e Urbanismo do Município de Natal, em atendimento à solicitação do Ministério
Público (fl. 62), fez um levantamento das construções clandestinas da área em questão,
individualizando os proprietários e os respectivos imóveis.
Considerando os documentos à fl. 136v e fl. 184, vê-se que fora
identificada a construção no terreno “K”, na R. Ex-combatente Jaime da Silva, s/n, bairro Mãe
Luíza, como de propriedade do Sr. Frederico Alexandre Medeiros, que não chegou a ser
citado, como se verifica à fl. 331v (2º vol.), pelo motivo de não residir no endereço constante
do mandado, qual seja, R. Largo do Farol, 100, bairro Mãe Luíza, o que revela ter havido um
equívoco na indicação do endereço do litisconsorte, não tendo sido tomada qualquer
providência para a sua sanação.
Ora, o Sr. Frederico Alexandre Medeiros, sendo um dos
proprietários de imóvel irregularmente construído, é pessoa diretamente atingida pelo
resultado da demanda, donde patente o seu interesse jurídico no deslinde do caso, devendo lhe
ser facultada a defesa do seu interesse, em atenção aos princípios da ampla defesa e
contraditório, figurando nesta lide como litisconsorte passivo necessário, nos termos do art.
47 do Código de Processo Civil. Verbis:
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Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de
lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a
lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a
eficácia da sentença dependerá da citação de todos os
litisconsortes no processo.
Devido à redação não técnica do dispositivo legal, valho-me das
palavras de Nelson Nery Jr. (Código de Processo Civil Comentado, 11ª ed., p. 273) a respeito
do litisconsórcio necessário:
“... o litisconsórcio pode ser classificado em necessário e
facultativo. É necessário quando a lei ou a natureza da relação
jurídica discutida em juízo determina sua formação,
independentemente da vontade da parte.”
Há precedentes desta Corte em julgados semelhantes, em que
não houve a citação de litisconsorte necessário, e, consequentemente, foi determinada a
nulidade processual: Ap. Cível nº 2010.014405-9, Rel. Des. Expedito Ferreira, j. 23/08/2011;
Ap. Cível nº 2008.009761-2, Rel. Des. Amaury Moura Sobrinho, j. 05/03/2009; Ap. Cível nº
2008.000665-9 Rel. Des. Cláudio Santos, j. 10/04/2008. A título de ilustração, colaciono a
seguinte ementa:
EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NULIDADE DO
PROCESSO, POR AUSÊNCIA DE FORMAÇÃO DE
LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO, SUSCITADA
PELO RELATOR. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA E,
COMO TAL, ARGÜÍVEL EX OFFICIO. SERVIDOR
PÚBLICO APOSENTADO. AÇÃO ORDINÁRIA AJUIZADA
UNICAMENTE EM FACE DO ESTADO. INTELIGÊNCIA
DA LEI COMPLEMENTAR Nº 308/2005. PRETENSÃO QUE,
EM CASO DE SER ACOLHIDA, REPERCUTIRÁ NA
ESFERA JURÍDICA DO IPERN, ANTE AS ATRIBUIÇÕES A
ESTE CONFERIDAS PELO CITADO DIPLOMA LEGAL.
INTEGRAÇÃO À LIDE. NECESSIDADE. PRELIMINAR
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QUE SE ACOLHE, PARA DECRETAR A INVALIDADE DO
PROCESSO E DETERMINAR A CITAÇÃO DO
LITISCONSORTE NECESSÁRIO, NOS TERMOS DO ART.
47 DO CPC, FICANDO PREJUDICADO O EXAME DO
APELO. (Ap. Cível 2010.002525-4 – Rel. Cláudio Santos, j.
09/11/2010)
Por pertinente, colaciono, ainda, o seguinte julgado do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal:
“Ementa: AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE.
QUERELA NULLITATIS INSANABILIS.
DESCONSTITUIÇÃO DE SITUAÇÃO JURÍDICA
FORMADA ENTRE AUTOR E RÉU. LITISCONSÓRCIO
PASSIVO NECESSÁRIO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO
RÉU DO PROCESSO QUE SE PRETENDE RECONHECER A
NULIDADE. RETORNO À ORIGEM.
1. O escopo da tutela jurisdicional buscada em uma querela
nullitatis insanabilis lança-se sobre situação jurídica construída
por norma jurídica concreta, materializada em sentença judicial.
Por ser a relação processual (processo) uma espécie de relação
jurídica que liga autor e réu, certo é que, em uma querela
nullitatis insanabilis, a solução jurisdicional atingirá as esferas
jurídicas do autor e do réu do processo objeto de exame de
modo uniforme.
2. Com esteio no disposto no art. 47, do CPC, conclui-se que,
em uma querela nullitatis insanabilis movida por terceiro ao
processo que se pretende reconhecer nulo, é imprescindível que
integrem o polo passivo da querela o autor e o réu (litisconsortes
passivos necessários unitários).
3. Verificada a ausência de citação de um dos litisconsortes
passivos necessários, evidencia-se a nulidade do processo
desde a citação, devendo os autos retornar à Origem, para
que, sob pena de extinção, seja oportunizada a promoção da
citação do litisconsorte faltante (art. 47, parágrafo único, do
CPC).
4. Nulidade do processo relativa à querela nullitatis insanabilis
reconhecida com a determinação de retorno dos autos à
Origem.”
(20090710180885APC, Relator J.J. COSTA CARVALHO, 2ª
Turma Cível, julgado em 26/10/2011, DJ 04/11/2011 p. 72)
Por fim, friso que em casos dessa espécie, em que não houve a
citação de litisconsorte necessário, a sentença é considerada ineficaz para alguns
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doutrinadores (Nelson Nery Jr1), ou inexistente para outros (Alvim Wambier2), mas o fato é
que será incapaz de produzir qualquer efeito, como, por exemplo, a coisa julgada, em razão do
vício transrescisório (ausência de citação).
Ante o exposto, em dissonância com o parecer ministerial, voto
pela declaração de nulidade processual desde a citação, determinando o retorno dos autos à
origem a fim de se oportunizar ao autor a promoção da citação do litisconsorte passivo
necessário faltante, Frederico Alexandre de Medeiros, sob pena de extinção do processo.
Prejudicado o exame dos recursos interpostos.
Natal, 23 de fevereiro de 2012.
DESEMBARGADOR AMAURY MOURA SOBRINHO
Presidente
DESEMBARGADOR VIVALDO PINHEIRO
Relator
Dra. MARIA DE LOURDES MEDEIROS DE AZEVEDO
15ª Procuradora de Justiça
1 Código de Processo Civil, 11ª ed., p. 277.
2 in in Nelson Nery Jr, Código de Processo Civil, 11ª ed., p. 276.
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