O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) confirmou, em segundo grau, a sentença proferida para LCN Construtora e Incorporadora Ltda, em Porto Belo. A empresa foi condenada a pagar multa por ter vendido imóveis sem o registro de incorporação. O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) ajuizou ação civil pública e chegou a fazer um acordo com a construtora, que regularizou os imóveis, mas questionou, judicialmente, a multa. Inicialmente, o valor era de R$6 milhões, mas, com os bens regularizados, a multa baixou para R$100 mil.
Protocolo Pisc Protocolo de Rede Intersetorial de Atenção à Pessoa Idosa em S...
Construtora de Porto Belo é multada por vender imóvel sem registro de incorporação
1. Apelação Cível n. 2011.035269-7, de Porto Belo
Relator: Des. Sérgio Izidoro Heil
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMANDA
PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM VIRTUDE,
ESPECIALMENTE, DA FALTA DE REGISTRO DA
INCORPORAÇÃO DE EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO.
ESCRITURAÇÃO DAS UNIDADES INDIVIDUAIS AOS
ADQUIRENTES POR FORÇA DE ACORDO ENTRE AS
PARTES NO CURSO DO PROCESSO. CONTINUAÇÃO DO
FEITO APENAS PARA ANÁLISE DOS DEMAIS PEDIDOS.
PRETENSÃO DE OBRIGAR A CONSTRUTORA RÉ A
PROCEDER A INCORPORAÇÃO DE FUTUROS
EMPREENDIMENTOS. INVIABILIDADE DE MODIFICAÇÃO
DESTE TÓPICO. IMPOSIÇÃO LEGAL. ASTREINTE FIXADA
PARA INOBSERVÂNCIA DE MEDIDA LIMINAR.
INCIDÊNCIA. REVOGAÇÃO IMPOSSÍVEL. NECESSIDADE
DE RESGUARDO DAS DETERMINAÇÕES JUDICIAIS.
VALOR, ADEMAIS, DRASTICAMENTE REDUZIDO EM
SENTENÇA. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE
DESPESAS ASSUMIDAS PELOS COMPRADORES.
LIMITAÇÃO, PELA SENTENÇA, AOS GASTOS COM
REGULARIZAÇÃO DOCUMENTAL. ORDEM QUE NÃO
ABRANGE OS GASTOS COM OBRAS EFETIVADAS NO
BEM. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2011.035269-7, da comarca de Porto Belo (2ª Vara), em que é apelante LCN
Construtora e Incorporadora Ltda e outro, e apelado Ministério Público do Estado
de Santa Catarina:
A Quinta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime,
conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs.
Des. Henry Petry Junior e Odson Cardoso Filho. Funcionou pela Procuradoria-
Geral de Justiça o Exmo. Dr. Sandro José Neis.
2. Florianópolis, 30 de outubro de 2014.
Sérgio Izidoro Heil
PRESIDENTE E RELATOR
Gabinete Des. Sérgio Izidoro Heil
3. RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação cível interposto por LCN
Construtora e Incorporadora Ltda. e outro em face de sentença que, nos autos
ação civil pública n. 139.06.000261-9, movida pelo representante do Ministério
Público junto à comarca de origem, assim decidiu:
Ante o exposto, convalido em parte a liminar deferida às fls. 236/244 e
JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na presente
demanda para CONDENAR os réus LCN Construtora e Incorporadora Ltda. e
Loreno Domingos Cordeiro Neto:
a) à observância da obrigação de fazer, determinando que cumpram
rigorosamente, doravante, as normas da Lei nº 4.591/64 e do Código de Defesa
do Consumidor, passando a incluir em todas as publicidades, assim entendidos
os anúncios em qualquer meio de comunicação, os impressos, as publicações,
as propostas, os contratos preliminares ou definitivos, os outdoors, as placas de
identificação, situadas na obra ou não, relativas aos seus empreendimentos, o
número do registro de incorporação no Cartório competente;
b) ao pagamento de multa (astreinte), a qual reduzo para R$ 100.000,00
(cem Mil Reais), com fundamento no art. 461, § 6º, do Código de Processo Civil,
cujo valor deverá ser destinado ao Fundo Estadual de Reconstituição de Bens
Lesados (artigo 13 da Lei nº 7.347/85);
c) ao pagamento de indenização aos consumidores lesados, de forma
individual ou pelo condomínio, em valor a ser apurado em sede de liquidação de
sentença, mediante comprovação dos gastos suportados, os quais deveriam ter
sido adimplidos pelos réus.
Arcam os réus, ainda, com o pagamento de 50% das custas processuais.
Sem honorários (fls. 525/533).
Em suas razões recursais, sustentou a apelante, em síntese, que: já
encerrou suas atividades, de modo que não mais possui condições de arcar com
a obrigação de incorporação do imóvel; a celeuma decorria da necessidade de se
obter a individualização das unidades habitacionais, o que foi feito nos idos de
2009, por obra da apelante; as supostas abusividades dos contratos não se
verificam de forma concreta, tendo-se em vista que os apartamentos já foram
entregues, com o consequente cumprimento integral da obrigação contratual; as
obras efetivadas pelos condôminos são estranhas ao contrato firmado entre as
partes, não cabendo a condenação da recorrente a seu pagamento, ainda mais
quando ausentes provas dos dispêndios alegados; diante da situação dos autos,
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4. não se revela razoável a aplicação de multa, muito menos no patamar eleito pela
sentença.
Concluiu com pedido de provimento do apelo (fls. 554/561).
Contrarrazões às fls. 566/570.
Pela d. Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer a Exma. Sra.
Procuradora de Justiça Hercília Regina Lemke, opinando pelo conhecimento e
desprovimento da irresignação (fls. 620/631).
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do
recurso e passo à análise de suas razões de mérito.
O representante ministerial junto à comarca de origem tomou
conhecimento de que a ora apelante estava vendendo o empreendimento Costa
do Sauípe, de sua construção, sem o devido registro da incorporação, medida
indispensável, na forma do artigo 32 da Lei 4.591/64. Diante de tal realidade,
pretendeu uma série de medidas, todas voltadas à regularização do
empreendimento e à proibição de que a demandada continuasse a incidir na
mesma ilegalidade, inclusive em relação a futuras obras que viesse a realizar.
No curso do processo, o representante ministerial, a construtora e
também os condôminos chegaram a acordo, pelo qual se obteve a regularização
do empreendimento junto ao cartório do registro de imóveis competente (decisão
de fl. 407). Os adquirentes das unidades individuais, assim, puderam escriturar
em seus respectivos nomes os bens adquiridos, tendo-se em vista que o
empreendimento já se encontrava concluído.
Com isso, parte do objeto da demanda já foi implementado,
porquanto o registro da incorporação, necessário à comercialização das
unidades, não mais se afigurava indispensável na situação, dado que todos os
apartamentos já haviam sido vendidos. Diante disto, o juízo se limitou a analisar
outras pretensões trazidas na inicial, relacionadas com a obrigação de realizar a
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5. incorporação em futuros empreendimentos, a consolidação da multa aplicada em
razão da obrigação de fazer e, por fim, a fixação de indenização para os
consumidores lesados, todas deferidas pela sentença.
Diante desta realidade, a construtora demandada pretende a
reversão da decisão, com a consequente improcedência dos pedidos de mérito
acolhidos.
Razão, porém, não lhe assiste.
No tocante à ordem de obrigação de incorporação, veja-se que o
decisum determinou sua observância para o futuro, para empreendimentos
vindouros, tanto que usou o termo "doravante" no item "a" do dispositivo. Não se
trata, portanto, de efetivar a incorporação para o condomínio Costa do Sauípe,
como erroneamente interpretado pelos apelantes, de modo a ser totalmente
irrelevante o fato de a construtora ré não mais poder cumprir com tal obrigação.
Ademais, a imposição em questão advém dos próprios termos da
lei, de sorte que não pode o Judiciário eximir qualquer cidadão da obrigação de
cumpri-la, dada a inexistência de autorização legal para tanto. Tanto assim que a
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei n. 4.657/42,
estabelece, em seu artigo 6º, que "a lei em vigor terá efeito imediato e geral".
Neste sentido, o STJ já decidiu:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. INCORPORAÇÃO
IMOBILIÁRIA. VENDA DE UNIDADES AUTÔNOMAS. NECESSIDADE DE
REGISTRO DE DOCUMENTOS. ARTIGO 32 DA LEI N. 4.591/1964.
DESCUMPRIMENTO. APLICAÇÃO DE MULTA.
1. O incorporador só se acha habilitado a negociar unidades autônomas
do empreendimento imobiliário quando registrados, no Cartório de Registro
Imobiliário competente, os documentos previstos no artigo 32 da Lei n.
4.591/1964. Descumprida a exigência legal, impõe-se a aplicação da multa do
art. 35, § 5º, da mesma lei. Precedentes (...) (AgRg no REsp 334.838/AM, Rel.
Min. João Otávio de Noronha, j. 18.5.2010).
No ponto, portanto, o apelo não merece acolhimento.
Em relação à pretensão de exclusão da multa aplicada, deve-se
ponderar que, em sede liminar, o juízo a quo fixou obrigação de fazer à firma ré. A
fim de fazer valer a ordem, cominou astreinte, consoante permitido pelo artigo 11
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6. da Lei n. 7.347/85:
Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade
devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou
de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível,
independentemente de requerimento do autor.
Neste norte, o seguinte julgado do STJ:
Quando o juiz fixa multa em caso de descumprimento de determinada
obrigação de fazer, o que se tem em mente é que a sua imposição sirva como
meio coativo para o cumprimento da obrigação a fim de que a parte adversa
obtenha efetivamente a tutela jurisdicional pretendida (AgRg no Ag 1323400/DF,
rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 23.10.2012).
Mesmo fixada a multa cominatória para o caso de descumprimento,
a parte demandada deixou de conferir o adequado cumprimento à obrigação
judicial, o que rende ensejo à aplicação da penalidade.
Veja-se que, segundo cômputo efetuado pela sentença, o valor
original da multa deveria ser da ordem de R$ 6.000.000,00 (seis milhões de
reais), tamanha a inércia da parte ré. Ainda assim, reduziu-se o importe para
apenas R$ 100.000,00 (cem mil reais), levando-se em consideração a posterior
regularização da situação.
Indubitavelmente, porém, não se pode excluir a multa imposta.
Fazê-lo equivaleria a estimular o descumprimento de ordens judiciais, tornando
inócua a imposição de astreintes e, por consequência, das próprias obrigações
de fazer.
Ademais, deve-se ponderar que, na primeira tentativa de acordo
entre a promotoria, os adquirentes da unidades individuais e a construtora, esta
concordou em arcar com multa no exato importe fixado pela sentença (fl. 351).
Vê-se, portanto, que a própria demandada enxergava como correta sua
penalização, o que somente corrobora o ato decisório ora atacado.
No ponto, portanto, o apelo não merece acolhimento.
Finalmente, no que tange à obrigação de indenização dos
condôminos (item "c" da decisão), veja-se que a sentença em nenhum momento
obrigou a construtora a arcar com os custos das obras descritas na petição de fls.
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7. 326/328, conforme argumentado nas razões recursais. Diversamente, leitura da
fundamentação do pronunciamento atacado revela que tal pagamento deve se
restringir aos gastos com documentação.
A respeito, colhe-se da deliberação:
Naquela oportunidade, os consumidores lesados deverão apresentar
quais os valores gastos em decorrencia das irregularidades praticadas peloŝ
requeridos, já que era incumbencia deles entregar a obra com̂ toda a
documentaca̧ ̃o regularizada e legalizada (grifei).
Ademais, veja-se que todo o imbróglio teve origem em problemas
relacionados com a falta de regularização documental do empreendimento –
causa de pedir da ação. Deste modo, estando a sentença adstrita à pretensão
inicial, não poderia o ato judicial conceder reparação por prejuízos alegados
somente no curso do processo.
Assim, não há que se falar em provimento do recurso para excluir
da obrigação de indenização valores referentes às obras feitas pelos
condôminos.
Ante o exposto, vota-se no sentido de conhecer do recurso e negar-
lhe provimento.
Gabinete Des. Sérgio Izidoro Heil