José Eduardo Agualusa é um escritor angolano nascido em 1960. Seus romances misturam ficção com fatos reais e transitam entre as culturas africana, portuguesa e brasileira. Agualusa já recebeu vários prêmios literários importantes pelo seu trabalho.
2. Biografia
José Eduardo Agualusa
(Alves da Cunha) nasce a 13 de
dezembro de 1960 em Huambo, Angola. Estudou Agronomia e
Silvicultura em Lisboa, onde morou por um longo período.
Considerado um escritor peregrino, com passagens pelo Rio de
Janeiro (onde morou um bom tempo), Angola (a sua pátria movida
por uma guerra civil) e Portugal (onde reside atualmente),
estreou-se literariamente com A Conjura (1989), que lhe valeu o
Prémio Sonangol.
Agualusa é escritor profissional e colaborador de jornais em Lisboa
e Luanda. Escreve crónicas para a revista LER e realiza para a RDP
África “A hora das Cigarras", um programa de música e textos
africanos. É membro da União de Escritores Angolanos.
3.
4. Prémios
Agualusa recebe, em 2007, o prestigiado Prémio
Independente de Ficção Estrangeira, promovido pelo
jornal britânico The Independent, com o livro O Vendedor de
Passados (D. Quixote, 2004). Foi o primeiro africano a receber
tal distinção.
Com o romance Teoria Geral do Esquecimento (D. Quixote,
vence este ano o Prémio Literário Fernando
Namora 2013
2012)
5.
6. Bibliografia
“[...] os meus livros refletem a minha mais ou menos forçada
errância pelo mundo. [...] “
Aclamado como representante do renascimento literário de
Angola e escritor por excelência lusófono, já que a sua obra
transita com desenvoltura entre as culturas africana, lusitana
e brasileira, José Eduardo Agualusa mistura
brasileirismos e gíria urbana de Luanda e Portugal de forma
escorrida e clara, propiciando um estilo acessível a todo o
universo de falantes de língua oficial portuguesa.
9. “As Mulheres do Meu Pai” (D. Quixote, 2007)
Este é um romance sobre mulheres, música e magia. lançado em 2007,
onde a ficção se mistura com a realidade ao contar a história de uma jovem
que vai em busca da história de seu falecido pai. O livro relata uma série de
histórias fantásticas, vividas por este pai, em países da África, onde ele se
relacionou com diversas mulheres.
As quatro personagens do romance que o autor escreve, enquanto viaja, vão
com ele de Luanda, capital de Angola, até Benguela e Namibe. Cruzam as
areias da Namíbia e as suas povoações-fantasma, alcançando finalmente
Cape Town, na África do Sul.
Continuam depois, rumo a Maputo, e de Maputo a Quelimane, junto ao rio
dos Bons Sinais, e dali até à ilha de Moçambique. Percorrem, nesta deriva,
paisagens que fazem fronteira com o sonho, e das quais emergem, aqui e ali,
as mais estranhas personagens.
11. “O Vendedor de Passados” (D. Quixote, 2004)
Romance publicado em 2004, conta a história de um
especialista em pesquisa genealógica que reescreve o passado
dos outros em troca de dinheiro. O romance é uma sátira feroz
à sociedade angolana e uma reflexão sobre a construção da
memória e os seus equívocos.
"Félix Ventura. Assegure aos seus filhos um passado melhor". É a partir
deste cartão de visita que se desenrolam os capítulos de "O
Vendedor de Passados“.A mentira e a verdade, o(s) homem(s) e
o(s) seu(s) duplo(s), a memória e a memória da memória, a
ficção e a realidade. Tudo poderia ter acontecido...
12. Bibliografia
“[...] Nos livros está tudo o que existe, muitas vezes em cores mais
autênticas, e sem a dor verídica de tudo o que realmente existe. Entre a vida
e os livros, meu filho, escolhe os livros [...]”
Numa entrevista, o escritor responde à pergunta, "Quem é o
Eduardo Agualusa?": "Quem eu sou não ocupa muitas palavras:
angolano em viagem, quase sem raça. Gosto do mar, de um céu
em fogo ao fim da tarde. Nasci nas terras altas. Quero morrer em
Benguela, como alternativa pode ser Olinda, no Nordeste do
Brasil." Perguntado se se diverte escrevendo, Agualusa explica:
"Escrever me diverte, e escrevo também, porque quero saber
como termina o poema, o conto ou o romance. E ainda porque a
escrita transforma o mundo. Ninguém acredita nisto e no entanto
é verdade."1
14. “A substância do amor
e outras crónicas
” (D. Quixote, 2000)
Coletânea de contos publicada em 2000
A crueldade feminina fascina os homens. Amar uma mulher sem
veneno é como jogar à roleta russa com uma pistola de fulminantes.
A obscura força que leva um sujeito a lançar-se da Pedra da Gávea, no
Rio de Janeiro, preso a uma frágil lona (um parapente ou um asadelta), em direcção ao imenso abismo azul, aos prédios aguçados, às
areias luminosas da Praia do Pepino, é a mesma que o precipita,
indefeso e nu, para os braços de uma mulher. Quando o louva-a-deus
encontra a sua deusa e esta lhe diz, «vem, vou-te comer», o infeliz
sabe que aquilo não é uma metáfora. Mesmo assim, seguro de que
depois do amor será servido ao jantar, o louva-a-deus persigna-se e
vai. É o que nós fazemos.
16. “A girafa que comia estrelas” (D. Quixote, 2005)
Plano Nacional de Leitura
Livro recomendado para o 2º ano de escolaridade destinado a
leitura orientada na sala de aula - Grau de Dificuldade III.
História infantil sobre a amizade de uma girafa, que andava
sempre com a cabeça nas nuvens, e uma galinha do mato,
com a cabeça cheia de frases feitas…
18. “Nação crioula” (D. Quixote, 1997)
Romance datado de1997, com a personagem de Fradique
Mendes).
Escrito em forma epistolar, o romance apresenta troca de
cartas entre Eça de Queirós, Ana Olímpia e outros
personagens. Ana Olímpia Vaz de Caminha nasceu como
escrava e tornou-se uma célebre e rica angolana. Manteve
uma misteriosa ligação amorosa com o aventureiro português
Carlos Fradique Mendes. O livro mistura factos reais e ficção
na luta pela abolição da escravatura em Angola.
20. “Estranhões e Bizarrocos” (D. Quixote, 2000)
Livro infantil lançado em 2000.
O personagem é um inventor de coisas impossíveis: formigas
mecânicas, pássaros a vapor, sapatos voadores, aparelhos de
produzir espirros… estranhões e bizarrocos e outros seres
sem exemplo. Camelos sábios, uma menina de peluche, a
rainha das borboletas. Um país onde tudo acontece ao
contrário, os rios correm do mar para a nascente, e os gatos
são do tamanho dos bois. O nascimento do primeiro
pirilampo do mundo... São histórias para adormecer anjos.
OUVIR A HISTÓRIA
21. ILUSTRES DESCONHECIDOS
[José Eduardo Agualusa]
“Um dia acontece. Entra num autocarro. Lá fora chove a cântaros e está
encharcado até aos ossos. Sente-se irritado e deprimido, porque falta uma
eternidade para chegar o Verão, porque não gosta do seu chefe, porque lhe dói
um dente, porque já perdeu todas as ilusões e sabe que nunca beijará a Nicole
Kidman. Então pisa inadvertidamente o pé demasiado grande de um sujeito
qualquer. Tem vontade de repisar o pezudo. Afinal chove lá fora e a Nicole
Kidman jamais o beijará. A um homem encharcado, um pobre homem à deriva
numa cinzenta e fria tarde de Inverno, com dores de dentes, a um homem que já
desistiu da Nicole Kidman, a um homem assim não se lhe pode exigir paciência.
Você, no entanto, teve uma boa educação. Controla-se e pede desculpa. Mas eis
que o pisado, o pezudo, reage aos gritos, ofendendo de forma vil a senhora sua
mãe. Discutem, caramba!, mãe é mãe. E então o homem ergue o dedo:
"0 senhor sabe com quem está a falar?“
22. Um dedo tremendo. Uma tremenda frase. Nunca a escutou? A sério?! Um dia
acontece. Eu escutei. Num cenário muito mais confortável, reconheço, embora
também estivesse encharcado e chovesse lá fora. Foi nos banhos termais do Hotel
Gellert, em Budapeste, numa piscina com água a trinta e oito graus de temperatura.
Flutuava de costas, de olhos bem fechados, imaginando o momento em que beijarei a
Nicole (ainda não perdi as ilusões), quando de repente alguma coisa vasta e mole caiu
em cima de mim. Mergulhei naquela água nublada, aflito, sentindo que me afogava,
que me ia afogar ali -mesmo, numa tigela de sopa, eu, filho de um professor de
natação, até que consegui recuperar o pé e emergir, tossindo muito, sob a luz lassa e
húmida. Os outros banhistas, meia dúzia de paquidermes muito velhos e muito alvos,
vestidos apenas com um curto avental de pano, observavam-me de soslaio,
disfarçando o riso. A coisa que caíra em cima de mim, quase me afogando, parecia-se
com um deles. Porém, assim que abriu a boca - não para se desculpar, antes para me
recriminar por estar ali, boiando, atravessado no seu caminho -, reconheci o sotaque:
era um turista americano. Discutimos, claro, e eis que o vejo erguer o dedo:
"O senhor sabe com quem está a falar?" Não, desgraçadamente eu não sabia. O velho,
então, encheu-se de paciência:
"Conhece o Robert Capa?"
23. Anuí com a cabeça. Quem não conhece?
"Ele nasceu aqui, sabia?, em Budapeste. E não se chamava Robert Capa,
chamava-se Andrei Friedmann. Bem, o tipo tem uma fotografia tirada a 6
de Julho de 1944, durante a invasão da Normandia, que mostra um
soldado americano a avançar para a praia, debaixo de fogo, só com o rosto
fora da água. Já a viu?“
E quem não viu? Um pobre rapaz com o capacete enterrado na cabeça,
agarrado a uma arma, entre destroços. Olhando aquela imagem conseguese até ouvir o fragor das explosões.
O velho encarou-me em triunfo:
"Pois sou eu!“
Depois fez uma vénia elegante - quero dizer: tão elegante quanto lhe
permitia o ridículo avental - e acrescentou:
"Sou o mais famoso desconhecido do mundo.“
24. Contou-me a sua história. Não acreditei numa única palavra, mas
ficámos amigos. Ouvi-o com atenção, em parte por delicadeza, em
parte porque tenho um fraco por desconhecidos, mesmo os ilustres. É
verdade. A maior parte das pessoas quer saber tudo sobre Nefertiti ou
Tutancamon. A mim o que realmente me fascina é o destino do anão
negro Seneb, chefe do guarda-roupa real e de todos os anões do palácio
do faraó, dois mil e quatrocentos anos antes de Cristo. Recordo-me, a
propósito, de uma outra fotografia de Robert Capa, mais famosa, que
fixa o instante exato da morte de um combatente republicano durante
a Guerra Civil de Espanha. Adivinha-se naquela imagem todo um
romance por escrever. Um triângulo de ódios e amores: a história do
homem que se vê, caindo para trás, os braços abertos; o destino do que
o espreitava atrás de uma câmara, eternizando o momento, e o do que
o matou com um tiro certeiro. Tenho a certeza de que nenhum ensaio,
nenhuma biografia de Francisco Franco, ou de outra figura notória da
época, nos poderia ensinar mais sobre as razões profundas do conflito.
25. Portanto, quando um dia você entrar num autocarro, enquanto lá
fora chove a cântaros, e pisar um pezudo e ouvir a tremenda frase:
"Você sabe com quem está a falar?“
Quando isso acontecer domine a vontade de o pisar de novo,
respire fundo e sugira:
"Não, não sei. Quem é você?“
Talvez seja o sujeito que, naquela triste tarde de Espanha, matou o
combatente republicano. Os autocarros - acreditem - estão cheios
de ilustres desconhecidos.”
*Editado originalmente na revista Pública