2. Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.
Sentado à mesa dum café devasso,
Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura,
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.
E, quando socorreste um miserável,
Eu, que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.
3. « Ela aí vem!» disse eu para os demais;
E pus-me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.
Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, - talvez que o não suspeites! -
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.
Ia passando, a quatro, o patriarca.
Triste eu saí. Doía-me a cabeça;
Uma turba ruidosa, negra, espessa,
Voltava das exéquias dum monarca.
4. Adorável! Tu, muito natural,
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.
Sorriam, nos seus trens, os titulares;
E ao claro sol, guardava-te, no entanto,
A tua boa mãe, que te ama tanto,
Que não te morrerá sem te casares!
Soberbo dia! Impunha –me respeito
A limpidez do teu semblante grego;
E uma família, um ninho de sossego,
Desejava beijar sobre o teu peito.
5. Com elegância e sem ostentação,
Atravessavas branca, esbelta e fina,
Uma chusma de padres de batina,
E de altos funcionários da nação.
«Mas se a atropela o povo turbulento!
Se fosse, por acaso, ali pisada!»
De repente, paraste, embaraçada
Ao pé dum numeroso ajuntamento.
6. E eu, que urdia estes fáceis esbocetos,
Julguei ver, com a vista de poeta,
Uma pombinha tímida e quieta
Num bando ameaçador de corvos pretos.
E foi, então, que eu, homem varonil,
Quis dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que és ténue, dócil, recolhida,
Eu, que sou hábil, prático, viril.
7. Este poema, redigido em 1875, aborda um dos elementos mais comuns
nas obras de Cesário Verde, a figura feminina.
Porém, neste poema em particular, a figura feminina retratada
contrasta com a típica mulher provocante e deslumbrante.
Assim, o poema “A Débil” representa uma
mulher que sobressai no meio citadino,
não pela sua excentricidade, mas pela
sua pureza e simplicidade.
8. O sujeito lírico serve-se de um conjunto de termos
para caracterizar esta típica mulher: "frágil,
assustada, recatada, honesta, fraca, natural, dócil,
recolhida", remetendo para a sua caracterização
psicológica.
Já os vocábulos "loura, de corpo alegre e brando,
cintura estreita, adorável, com elegância e sem
ostentação, esbelta e fina, ténue" remetem para o seu
aspeto físico.
9. Este poema põe em relevo uma figura feminina que escapa à típica mulher
citadina, a mulher que surge no espaço rural.
O retrato da figura feminina está associado à mulher do campo que se
movimenta num espaço que lhe é estranho. Assim, esta sente-se perdida,
necessitando de proteção masculina pois sente-se desnorteada num espaço
que não está adequado à sua fragilidade.
Vs
10. O sujeito poético caracteriza os espaços citadinos de forma negativa.
Nestes espaços movimentam-se figuras sórdidas, que ele caracteriza por
“turba ruidosa, negra" e por " uma chusma de padres de batina". Tal permite
destacar a fragilidade da jovem, que torna estes locais mais brilhantes e
atrativos.
Com o intuito de evidenciar o contraste entre o espaço e a jovem senhora, o
sujeito poético faz referência à agitação e à confusão que predominam na
cidade, onde sobressaem as diferentes classes sociais.
11. Cesário Verde utiliza um vocabulário preciso e exato, e as suas
descrições dão-nos uma visão perfeita da realidade. Além disso, imprime
objetividade ao conteúdo, afastando-se do lirismo romântico.
O poema está cheio de referências à realidade social, onde se perceciona
a crítica e a ironia de que Cesário Verde se serve e que refletem o seu
caráter subjetivo.
12. Cesário Verde utiliza, ainda, quadras e versos decassilábicos que
permitem uma maior aproximação à prosa. As sonoridades mais
utilizadas no poema são as aliterações e o tipo de frase predominante é o
tipo declarativo.
Ao longo de todo o poema são visíveis vários exemplos de adjetivação
expressiva, o que reforça a forma como o sujeito poético caracteriza as
duas realidades presentes – o campo e a cidade.
O sujeito lírico dá bastante importância ao
imperfeito do indicativo neste poema para
indicar que o fascínio que a “Débil” exerceu
sobre ele é durável e que perdura.
13. • Composto por 13 quadras;
• Métrica - versos decassilábicos;
Ex.:
“Eu, que sou fe io, só li do, le al ”
• Rima - interpolada (ABBA);
Ex.: interpolada:
“Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.”
B
A
B
A
14. Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.
Contraste:
Ele é feio, ela é bela.
Ele é sólido, ela é frágil.
Introdução
15. Sentado à mesa dum café devasso*,
Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura,
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.
E, quando socorreste um miserável,
Eu, que bebia cálices de absinto*,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.
* Devasso: libertino, indivíduo desregrado, depravado;
* Absinto: licor realizado com uma planta aromática
Ambiente degradante em oposição à “Débil”
Influência da “Débil” no sujeito lírico
16. Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.
Sentado à mesa dum café devasso,
Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura,
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.
E, quando socorreste um miserável,
Eu, que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.
Adjetivação expressiva/enumeração
Metáfora
Dupla adjetivação
Hipálage
Adjetivação
expressiva /
enumeração
Hipérbole
17. « Ela aí vem!» disse eu para os demais;
e pus-me a olhar, vexado* e suspirando,
o teu corpo que pulsa, alegre e brando,
na frescura dos linhos matinais.
Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, - talvez que o não suspeites! -
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.
Ia passando, a quatro, o patriarca.
Triste eu saí. Doía-me a cabeça;
Uma turba* ruidosa, negra, espessa,
Voltava das exéquias* dum monarca.
Adjetivação dupla
Hipálage
Adjetivação expressiva / Enumeração
Sinestesia
* Vexado: humilhado
*Turba: multidão
*Exéquias: orações
Hipérbato / Inversão
18. Adorável! Tu, muito natural,
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.
Sorriam, nos seus trens, os titulares;
E ao claro sol, guardava-te, no entanto,
A tua boa mãe, que te ama tanto,
Que não te morrerá sem te casares!
Exaltação
Distinção a vida no
campo e a realidade
da cidade.
Realce da fragilidade
e inocência da “Débil
Titulares=Predadores
reforço da
vulnerabilidade da
“Débil” face à cidade
Nova distinção
entre a “Débil” e as
mulheres da cidade
19. A Débil
Soberbo dia! Impunha-me respeito
A limpidez do teu semblante grego;
E uma família, um ninho de sossego,
Desejava beijar sobre o teu peito.
Experimentação
do amor
libertador
Ver a “Débil” melhorou
o dia do poeta
A perfeição da mulher
impõe respeito ao poeta.
Inicio da passagem do real para o irreal.
20. Adorável! Tu, muito natural,
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.
Sorriam, nos seus trens, os titulares;
E ao claro sol, guardava-te, no entanto,
A tua boa mãe, que te ama tanto,
Que não te morrerá sem te casares!
Soberbo dia! Impunha-me respeito
A limpidez do teu semblante grego;
E uma família, um ninho de sossego,
Desejava beijar sobre o teu peito.
Metáfora
Hipérbato /
Inversão
21. Com elegância e sem ostentação,
Atravessavas branca, esbelta e fina,
Uma chusma* de padres de batina*,
E de altos funcionários da nação.
«Mas se a atropela o povo turbulento!
Se fosse, por acaso, ali pisada!»
De repente, paraste, embaraçada
Ao pé dum numeroso ajuntamento.
* Chusma: multidão
* Batina: vestido usado pelos eclesiásticos
Vícios negros da
cidade
A atitude do
sujeito poético
transfigura-se
nesta quadra e
nas seguintes
Descrição da
agitação da
cidade
22. Com elegância e sem ostentação,
Atravessavas branca, esbelta e fina,
Uma chusma* de padres de batina*,
E de altos funcionários da nação.
«Mas se a atropela o povo turbulento!
Se fosse, por acaso, ali pisada!»
De repente, paraste, embaraçada
Ao pé dum numeroso ajuntamento.
* Chusma: multidão
* Batina: vestido usado pelos eclesiásticos
Adjetivação expressiva /
Enumeração
23. E eu, que urdia* estes fáceis esbocetos*,
Julguei ver, com a vista de poeta,
Uma pombinha tímida e quieta
Num bando ameaçador de corvos pretos.
E foi, então, que eu, homem varonil*,
Quis dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que és ténue, dócil, recolhida,
Eu, que sou hábil, prático, viril.
Conclusão
(3ª Parte)
Cidade ameaça o
campo, que é frágil
* Urdir: tecer; preparar ardilosamente; tramar;
* Esbocetos: pequeno desenho para estudo de obras em ponto grande;
* Varonil: viril, másculo
Fim da 2ª Parte
- Descrição
Parte da objetividade
para a subjetividade
Corvos – simbolizam
os padres. Os padres
ameaçam a pureza.
Sentimento amoroso
em relação à “Débil”
Contradição com o 1º verso: “Eu, que sou feio,
sólido e leal”. Agora, o poeta está influenciado
pelos valores do campo.
24. E eu, que urdia* estes fáceis esbocetos*,
Julguei ver, com a vista de poeta,
Uma pombinha tímida e quieta
Num bando ameaçador de corvos pretos.
E foi, então, que eu, homem varonil*,
Quis dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que és ténue, dócil, recolhida,
Eu, que sou hábil, prático, viril.
* Urdir: tecer; preparar ardilosamente; tramar;
* Esbocetos: pequeno desenho para estudo de obras em ponto grande;
* Varonil: viril, másculo
Antítese metafórica
Antítese