O documento apresenta um prefácio para o livro "O Despertar para a Filosofia" escrito por José Anastácio de Sousa Aguiar. No prefácio, o autor descreve o objetivo do livro, que é oferecer ao leitor uma referência sobre diversos pensadores e temas filosóficos de forma a despertar o interesse pela filosofia. O prefácio também apresenta brevemente os 17 capítulos que compõem a obra e a bibliografia utilizada.
5. Revisão
Sérgio Roberto Nunes Freire
Projeto Gráfico e Capa
Juscelino Guilherme
Imagem da Capa
óleo de Rembrandt
(Filósofo em Meditação)
Impressão
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A282d
Aguiar, José Anastácio de Sousa.
O despertar para a filosofia / José Anastácio
de Sousa Aguiar. - Fortaleza : Gráfica LCR, 2008.
166 p.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-86627-88-0
1. Filosofia I. Título
CDD: 100
1ª Edição
6. Dedicatória
“Minha gratidão a Deus, aos familiares e
amigos que direta ou indiretamente contribuíram para a elaboração deste livro, ao amigo
e mestre Cláudio Guterres, e a minha querida esposa Soraya Aguiar, pela existência tão
doce. Dedico a todos aqueles que se interessem pelo tema.”
José Anastácio de Sousa Aguiar
7.
8. Sumário
Por que ler este livro? ..............................................................9
Prefácio ....................................................................................13
Amor ........................................................................................39
Deus .........................................................................................41
Discernimento .......................................................................51
Filosofia ...................................................................................57
Firmeza ....................................................................................63
Liberdade ................................................................................69
Morte .......................................................................................75
Ordem .....................................................................................83
Paz ............................................................................................87
Política .....................................................................................93
Religião ..................................................................................101
Retidão ...................................................................................109
Sabedoria ..............................................................................115
Tolerância ..............................................................................125
Transcendência ....................................................................129
Vaidade ..................................................................................135
Vida ........................................................................................143
Bibliografia ............................................................................151
9.
10. Por que ler este livro?
Porque este livro, como toda boa antologia, traz
numa única obra textos de vários gênios da humanidade
nas questões atinentes a Deus e à Filosofia e, por conseqüência, a busca da elevação moral.
Este livro não incursiona pelo proselitismo. Busca,
acima de tudo, oferecer ao leitor uma referência de por
onde começar. Em outras palavras, despertar a curiosidade sobre os diversos pensadores citados.
Após o contato com diferentes autores, não fáceis de
reunir em uma única obra, o leitor deverá buscar, seguindo
seu entendimento próprio, os mestres da humanidade com
os quais melhor se identificar e aprofundar o conhecimento.
Na verdade, o que era para ser apenas uma coletânea
de textos excepcionais, de uso pessoal naqueles assuntos
que mais interessavam ao Autor – Deus, Filosofia, Amor,
Discernimento, Liberdade, Política, Sabedoria, Transcendência, dentre outros –, algo como “para mim mesmo”,
foi ganhando corpo e se transformou em um livro. O livro
que o Autor gostaria de ter lido quando começou a se interessar pelas questões filosóficas.
Com é sabido, quando começamos a nos interessar
pelas chamadas questões filosóficas ou questões que
objetivam a elevação moral, temos muitas dúvidas de
por onde começar. Esse também foi o itinerário seguido
pelo Autor.
Já que estamos falando do Autor, quem é o Professor
José Anastácio de Sousa Aguiar? Como o conhecemos de há
muito, podemos dizer sem a menor margem para dúvida: é
uma daquelas pessoas excepcionais que conseguiu colocar
11. como razão de viver o mote de Victor Hugo: “É pelo real que
vivemos; é pelo ideal que existimos”.
O Professor José Anastácio vive pelo real. Após uma
bem sucedida e meritória carreira militar (Oficial do Exército), foi aprovado em concurso público para o cargo de Advogado da União. Quando nas Forças Armadas, além das
atribuições inerentes ao oficialato, era também Professor
de Idiomas (Espanhol e Inglês). Na vida civil, além de advogado do setor público, cargo que desempenha com zelo e
competência, foi convidado a lecionar em conceituada Instituição de Ensino Superior em Faculdade de Direito. Além
de professor universitário, foi também professor de Cursos
Preparatórios para Concursos. Nesse período, escreveu sobre temas relacionados com Direito Constitucional e Direito Administrativo em sites especializados. Publicou livros
que foram reeditados. Publicou um livro de genealogia.
O Professor José Anastácio, no entanto, não vive apenas pelo real, vive também pelo ideal. O valor de um homem
não se mede apenas pelo que faz em suas horas de trabalho,
mas sim pelo que faz em suas horas de folga. Nas horas de
folga, o Autor busca ardorosamente o seu ideal. Um mundo
melhor para os que nele vivem.
Cabe aqui, por pertinência, as palavras de Plutarco:
“Que por um ato de um homem se pode reconstituir toda
a sua vida”.
Ao reconstituir a trajetória de vida do Autor, pode-se
pensar que se está a falar de um ancião. Ficaremos surpresos
ao constatar que o Autor nasceu em 1964. É, acima de tudo,
um jovem idealista no melhor sentido da palavra, cuja trajetória invoca o que deixou assente com muita propriedade,
José Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minhas circunstâncias”.
12. As circunstâncias nas quais escreveu mais este livro
lembram o poema de Fernando Pessoa, que em inigualável síntese, diz tudo:
“Para ser grande, sê inteiro:
Nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda brilha,
porque alta vive.”
E nem poderia ser diferente. Como bem observado
por Karl Jaspers, “o objetivo do pensar filosófico é levar a
uma forma de pensamento capaz de iluminar-nos interiormente e de iluminar o caminho diante de nós, permitindonos apreender o fundamento onde encontremos significado e orientação”.
Concluímos, portanto, com as palavras de Karl Jaspers, para quem filosofar significa estar a caminho, e que a
justificação e o ataque servem apenas para uma aproximação, não para alcançar um predomínio.
Brasília, fevereiro de 2008
Augusto Cláudio Ferreira Guterres Soares
Advogado e Professor Universitário
13.
14. O Despertar para a Filosofia
Prefácio
“Que o jovem não espere para filosofar,
nem o velho de filosofar se canse. Ninguém,
com efeito, é ainda imaturo, ou já está demasiado maduro para cuidar da saúde da
alma. Quem diz não ter ainda chegado sua
hora de filosofar ou já ter ela passado, fala
como quem diz não ter ainda chegado ou
já ter passado a hora de ser feliz.”
(Epicuro – Carta a Menequeu)
O Porquê do Livro
O presente trabalho é fruto de uma pesquisa realizada nos diversos livros citados na bibliografia ao final desta
obra, e começou como uma simples coletânea do que eu
achava mais interessante entre os 17 temas que escolhi.
Nada deste livro teria sido possível sem a ajuda e a
sempre pertinente orientação de Augusto Cláudio Ferreira Guterres Soares, digno de ombrear com as mentes
mais perspicazes e cultas da atualidade. Tive o privilégio
de ter podido adquirir, graças ao seu incentivo, o interesse
e a paixão pela filosofia. Agradeço ao fiel amigo a amizade e a gentileza de ter pacientemente me orientado nas
diversas questões filosóficas. Cumpre também agradecer
os ensinamentos da eminente professora Renata Peluso,
que, com as suas brilhantes aulas e palestras, permitiu-me
um maior aprofundamento na busca filosófica. Em assim
sendo, grato pelo que recebi e consciente de que a mais
alguém essa pesquisa possa ser útil, resolvi publicá-lo.
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15. Poucos momentos históricos necessitaram tanto da
filosofia como a nossa atualidade. Por certo, temos informações em demasia, mas somos extremamente carentes
de formação. A ambição e o dinheiro fácil passaram a ser
o deus da modernidade, em detrimento dos mais caros
valores estóicos. A hipocrisia há muito destituiu a ética,
o silêncio foi substituído pelo burburinho incessante de
futilidades, a ganância travestiu-se de verdade, a honra foi
relativizada, e a Justiça... bom, essa, quem quer que a tenha idealizado, já a considerou cega.
Erram quando nos ensinam que temos que vencer a
competição da vida contra tudo e contra todos, posto que
raras são as batalhas que extrapolam o limite do nosso ser,
pois, na verdade, só uma competição verdadeiramente
deve nos interessar, aquela travada contra as nossas servidões, imperfeições e limitações no campo de batalha do
nosso eu. E sobre este tema Espinoza nos auxilia: “Chamo
servidão a impotência do homem para governar e refrear
suas paixões. Com efeito, submetido às paixões, o homem
não é autônomo, mas dependente da fortuna, de tal modo
estando sob o seu poder que muitas vezes é forçado a fazer o pior, mesmo que veja o melhor” 1.
Muitas são as lições que os grandes pensadores nos
legaram. Sócrates propicia a descoberta da autonomia
moral da consciência, Epicuro nos lembra que o prazer da
sabedoria aproxima o homem de Deus, Pitágoras ensinava
que ao educar as crianças, não seria preciso punir os homens e os Iluministas exaltam a confiança na força libertária das luzes do conhecimento.
1 ESPINOZA, Baruch – Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras; Tradução de Jean Melville – São Paulo – Editora Martin Claret – 2002 – pág. 283.
16. O Despertar para a Filosofia
O ser humano virtuoso aclamado pelo estóico Marco
Aurélio parece não existir na sociedade hodierna. Sabiamente, o Imperador Romano dizia que a vida de cada um
de nós era medida de acordo com o valor das coisas que
dedicávamos a nossa atenção. Enfatizava, ainda, a satisfação do homem que é regido pela razão, e se guia pelos
valores mais nobres. Preconizava que somente os sábios e
fortes é que faziam uso da gentileza e tratavam os irmãos
de maneira cordial e amável. Sabia que a filosofia era o
verdadeiro amor à verdade, era a arte de viver bem a vida
por meio da iluminação dos caminhos de nossas almas,
que foram contaminadas por convicções infundadas, desejos descontrolados, preferências e opções de vida questionáveis que não são dignas de nós.
Epicteto, outro grande representante da escola estóica,
nasceu escravo, mas norteou toda a sua vida pelos mais caros
valores morais. Destacava que a filosofia existia para nos ajudar a distinguir o que é realmente verdadeiro do que é meramente o resultado acidental do raciocínio incorreto ou fruto
de paixões inconseqüentes. Dentre os seus ensinamentos,
pregava que aquele que desejasse ser feliz deveria dominar
os desejos, desempenhar as obrigações e aprender a pensar
com clareza e respeito de si mesmo e de seu relacionamento
com o restante da comunidade humana.
Mas, afinal, o que significa essa tão aclamada e desconhecida ‘virtude’? Muitas são as definições, dentre elas
destaco a de André Comte-Sponville: “A virtude, repete-se
desde Aristóteles, é uma disposição adquirida de fazer o
bem. É preciso dizer mais, porém, ela é o próprio bem, em
espírito e em verdade”2.
2 COMTE-SPONVILLE, André – Pequeno Tratado das Grandes Virtudes; Tradução
de Eduardo Brandão – São Paulo – Editora Martins Fontes – 1995 – pág. 09.
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17. José Anastácio de Sousa Aguiar
Capítulos
O primeiro capítulo tinha a ousada pretensão de transcrever algumas citações sobre o Amor. Após muito procurar e analisar, cheguei à conclusão de que nenhum outro
texto trata de maneira tão sintética e poética sobre o tema
do amor conjugal, que a poesia do mestre Mário Quintana
referida. Apesar de em todos os outros capítulos existirem
várias citações sobre os diversos temas, nesse específico, fiz
questão de deixá-la sozinha, o leitor entenderá por quê.
Nos demais capítulos, será possível desfrutar os pensamentos de vários dos principais filósofos da humanidade, bem como compartilhar das emoções que tomaram
conta dos pensadores ao manifestarem seus conhecimentos. E é justamente por isso que resolvi destacar as idéias
da forma mais completa possível, transcrevendo, às vezes,
páginas inteiras, e não somente palavras ou frases isoladas, para que o leitor possa ter a devida abrangência do
contexto que envolve cada idéia.
Mais de dois séculos de conhecimento foram cobertos e várias das principais correntes de pensamento
destacadas para que o leitor possa refletir e, quem sabe,
identificar-se com o seu pensador predileto.
Quanto aos livros utilizados, optei por priorizar os
clássicos, aqui entendido como aqueles autores e livros
que são atemporais, posto que suas mensagens aplicam-se
em qualquer contexto histórico. Em que pese ter realizado
transcrições preferencialmente desses livros, identifiquei
na bibliografia, posta ao final, todos os livros que, de uma
forma ou de outra, tratam dos temas dispostos no índice.
Por certo, não há alguma pretensão de esgotar qualquer das questões abordadas, mas sim despertar a curio16
18. O Despertar para a Filosofia
sidade sobre as mesmas, e ajudar o leitor a escolher os
seus livros prediletos, permitindo o aprofundamento no
tema escolhido.
Relativo x Absoluto
Poucos conceitos são tão importantes para o estudo
da filosofia como a verdadeira compreensão do significado das palavras relativo e absoluto.
Esta questão não é nova. Já foi abordada por quase todos
os filósofos de uma maneira ou de outra, como por exemplo,
quando os primeiros pensadores procuraram identificar o
arkhé, ou o princípio único que rege o universo.
Sugiro esta abordagem... Entenda-se por relativo tudo
que estiver sob a égide da relação tempo-espaço. Se algo
está sujeito e, por via de conseqüência, tem seus limites
nesta equação, enquadra-se e pertence ao relativo.
Como conseqüência dessa relação, tudo pode ser caracterizado e definido, mantendo-se determinados parâmetros,
bem como, alterado qualquer fator anterior de medição, pode
ser alterado o resultado final. Em outras palavras, o relativo está
intimamente ligado aos valores do observador e tem como
uma de suas principais características a mutabilidade.
Cumpre alertar, entretanto, que em que pese todas
as verdades que possamos alcançar sejam relativas, este
relativismo é diferente daquele proposto por Protágoras,
ao proclamar que ‘o homem é a medida de todas as coisas’. Ele apontava pertencer a cada qual a sua verdade, o
que não nego, mas enfatizo que há outro grupo de verdades que podem ser tão abstratas quanto a totalidade das
idéias, senão vejamos Fernando Pessoa sobre o tema:
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19. José Anastácio de Sousa Aguiar
“O universo não é uma idéia minha.
A minha idéia do universo é que é idéia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha idéia da noite é que anoitece por
meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.”
Já para o absoluto, a regra é exatamente a oposta. Ele
pertence ao inconcebível, logo não há qualquer parâmetro de aferição. Tentar entender o absoluto com valores do
relativo, faz-nos, por definição, enveredar por uma seara
que jamais poderá ser entendida.
Outra advertência importante, que fica desde já registrada, é que não estou a defender, - nem tampouco a
atacar -, o relativismo, enquanto conceito filosófico que
se baseia na relatividade de todo conhecimento e repudia
qualquer verdade ou valor absoluto. Muito pelo contrário,
enfatizo a existência e o valor de ambos – relativo e absoluto, desde que aplicados cada um em seu contexto.
Muitos poderiam concluir apressadamente, por esse
conceito, que a própria ciência perderia o seu desiderato,
posto que não há como alcançar o inconcebível, o que poderia aportar em um niilismo extremado. Novamente, incorremos em problema de definição, pois o que a ciência
busca, e deve sempre buscar, é o desconhecido, ou seja, o
que ainda não se conhece, mas é passível de se conhecer
– logicamente, tudo dentro do campo do relativo.
Com efeito, eventual disputa entre a religião e a ciência só pode ter relevância para o aprofundamento do
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20. O Despertar para a Filosofia
diálogo, pois ambas atuam em sítios correlatos, mas distintos. A religião baseia-se substancialmente na questão da
fé, que por sua vez está intimamente ligada aos valores de
cada indivíduo, bem como às imposições dogmáticas de
cada corrente religiosa, setores inatingíveis para a ciência.
Nesse contexto, qualquer característica ou atributo
que possa ser associado a Deus não passa de pura questão
religiosa, pertencente ao universo relativo de seus seguidores e só.
Não há como conceber Deus, pois Ele é e pertence
ao absoluto, logo não há como Lhe destinar qualquer qualidade, como bem asseverou Mestre Eckhart: “que se afastasse de Deus toda e qualquer determinação”3.
É bem verdade que essa confusão conceitual permeou, permeia, e, por certo, permeará, por um longo tempo ainda, toda a história da humanidade, em razão de interesses inconfessáveis, que uma simples leitura imparcial
dos fatos históricos poderia desmascarar.
A perda de parâmetros e a deturpação de conceitos
nos torna impotentes, na medida que nos faz perder o
rumo, como assevera André Comte-Sponville: “Que importa o verdadeiro, se não sabemos viver? Que importa a
justiça, se somos incapazes de agir justamente?”4
Talvez seja nessa seara que a confusão entre o que é
relativo e absoluto tenha a função de eternizar a incompreensão e preservar a manutenção do poder e influência
das correntes dominantes.
3 Kobusch, Theo (org) – Filósofos da Idade Média; Tradução Paulo Astor Soethe – São Leopoldo – Editora Unisinos – pág. 279.
4 COMTE-SPONVILLE, André – Pequeno Tratado das Grandes Virtudes; Tradução
de Eduardo Brandão – São Paulo – Editora Martins Fontes – 1995 – pág. 40.
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21. José Anastácio de Sousa Aguiar
Concluo esta parte com os ensinamentos de Huberto Rohden: “A realidade é absoluta e infinita – mas o contato com essa realidade, que chamamos conhecer, é sempre
relativo (...) Daí a insensatez que há em querer estabelecer
regras absolutas e dogmas imutáveis, no terreno religioso
ou político, para todos os tempos e todos os homens”.5
O Ser e o Não-Ser
Outra questão interessante, neste contexto, é o debate filosófico entre Parmênides de Eléia e Heráclito de Éfeso.
Ambos tentavam entender o universo ao seu redor e para
isso especulavam sobre a unidade e a imobilidade do Ser.
Parmênides acreditava que toda mutação era ilusória
e o Ser era uno e imóvel, bem como eterno e imutável. Em
razão de seus estudos entre o Ser e o não-Ser, ficou conhecido como o fundador da metafísica ocidental.
Já Heráclito, também conhecido como o pai da dialética, ensinava que tudo estava em perpetua mutação, não
sendo possível alguém banhar-se duas vezes no mesmo
rio nas mesmas condições, pois nem as águas, nem as pessoas seriam as mesmas.
O estudo acurado dessas idéias permitirá ao leitor
entender melhor o alcance das obras de Espinoza.
Penso, logo sou livre
Os limites e abrangências do relativo e do absoluto ainda estão longe de serem entendidos, posto que até
5 ESPINOZA, Baruch – Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras; Tradução de Jean Melville – São Paulo – Editora Martin Claret – 2002 – pág. 47.
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22. O Despertar para a Filosofia
mesmo um dos mais vigorosos pensadores da história da
humanidade, Baruch de Espinoza, até hoje é considerado,
por alguns, um mero panteísta (tudo é Deus, Deus é tudo),
e não um esclarecido panenteísta (tudo em Deus, Deus
em tudo).
Ele foi o primeiro a sistematizar o conceito da transcendência absoluta de Deus, conjugado com a imanência íntima
Dele em cada um de seus efeitos, posto que seria intrinsecamente absurdo e impossível separar a causa de seus efeitos.
Senão vejamos, Huberto Rohden sobre o assunto: “O finitismo ou antropomorfismo que os seres finitos e humanos
atribuem a Deus, não passa de uma simples ficção do sujeito
cognoscente ilegalmente projetada para dentro do sujeito
conhecido, como se pertencesse a esse objeto”.6
Em verdade, Espinoza, em sua Ética Demonstrada à
Maneira dos Geômetras (Parte IV), já nos esclareceu sobre o tema, na medida que demonstrou que a escravidão
do homem depende do erro do conhecimento sensível,
pelo que o homem considera as coisas finitas como absolutas. Conclui que a libertação das paixões dependerá do
conhecimento racional e verdadeiro.
Já na Parte V, Espinoza demonstrou a condição do
sábio, libertado da escravidão das paixões e da ignorância. Ele afirma que o sábio concilia a felicidade e a virtude
juntamente com o conhecimento racional, tendo em vista
que a felicidade depende da ciência, do conhecimento racional intuitivo, que é, em definitivo, o conhecimento das
coisas em Deus. Deste modo, amará necessariamente a
Deus, causa da sua felicidade e poder.
6 ESPINOZA, Baruch – Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras; Tradução de Jean Melville – São Paulo – Editora Martin Claret – 2002 – pág. 24.
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23. José Anastácio de Sousa Aguiar
Mas, afinal, quem é Espinoza? Bento ou Baruch de Espinoza nasceu em 24 de novembro de 1632, em Amsterdã,
numa família de judeus de origem portuguesa, fugidos da
península ibérica, em razão da perseguição religiosa conduzida pelos reis católicos da Espanha e pelo rei de Portugal.
Inicialmente, educado na comunidade judaica, Espinoza passou a questionar dogmas e tradições, o que o levou a ser expulso da convivência dos seus irmãos judeus
e perseguido pelas autoridades protestantes, em razão de
suas opiniões, ditas, heréticas.
Mas, analisemos a sua heresia. Em suas principais
obras, a Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras e o
Tratado Político–Teológico, Espinoza tenta demonstrar a
existência de Deus, explicando que Ele não está fora do
mundo, nem o mundo está fora de Deus, mas Deus não é
o mundo, nem o mundo é Deus. Afirma ser Deus infinito
em sua essência, mas finito em suas existências ou manifestações, ou seja, Ele é essencialmente infinito, entretanto existencialmente finito. Acrescenta que Deus não pode
ser dotado de personalidade, consciência e liberdade, - o
que deve ter enfurecido muitos -, no sentido tradicional
dos termos. Isso seria finitizar o Infinto, relativizar o Absoluto, temporalizar o Eterno, o que seria negar a própria
realidade de Deus.
Quanto ao homem, Espinoza assevera que ele deve
buscar a Deus, por meio da razão intuitiva e espiritual e
assim chegar à Verdade. Talvez possa resumir a Ética espinozista com a seguinte idéia - compreender o universo
é estar libertado dele, compreender tudo é estar livre de
tudo, pois só tememos o que não conhecemos e só amamos o que conhecemos.
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24. O Despertar para a Filosofia
Por certo, suas idéias não seriam tão robustas se ele não
as tivesse vivido plenamente em seus 44 anos. Se seus escritos
o transformaram em um dos maiores filósofos da humanidade, sua vida o elevou à categoria dos grandes mestres. Muitas
décadas depois de sua morte, por ocasião da inauguração de
um monumento em sua homenagem em Haia, foi dito: “Eis
aqui o homem que teve a mais profunda visão de Deus”.
O perigo do verdadeiro Amor
Em verdade, o que Espinoza parece ter proposto em
sua obra, e, principalmente em a sua vida, é que o verdadeiro Amor é a culminância da Razão, na medida em que Deus
não é apenas o infinito Amor, mas também a Razão eterna.
Ele asseverava que a Verdade era uma só, seja religiosa, seja filosófica e ao mesmo tempo advogava que todos
os seres pertenciam a um Todo único, mas multifacetado
em um sistema perfeito, enquanto eterno, em que pese as
aparentes injustiças que observamos. Entendia, ainda, que
na medida em que cada um de nós é uma manifestação
existencial do Todo, somos sempre livres para acessar a
nossa essência divina, e para isso não precisamos de interposta pessoa ou instituição, mas apenas a nossa íntima
consciência elevada às luminosas alturas da ética racional.
Entender a essência das coisas existentes seria perceber a
unidade por meio da pluralidade.
Na prática, esta noção implicaria a fraternidade universal, na medida em que se cada um de nós pertencemos
a um todo único, qualquer ato contra nosso irmão, seria
também uma agressão a nós, o que a toda evidência nada
mais é do que a exaltação da máxima do Cristo, nascido
em Belém: ‘amarás o teu próximo como a ti mesmo’.
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25. José Anastácio de Sousa Aguiar
Esta concepção levou Espinoza a ser excomungado,
perseguido e humilhado, posto que aboliria toda e qualquer instituição religiosa que tratasse seus membros como
dependentes, e reinstituiria os verdadeiros mandamentos
do Nazareno, seguidos pela igreja primitiva.
As religiões e a Liberdade
O Deus da bíblia judaica possui inumeráveis atributos, passando de Deus caridoso, bondoso e complacente,
a vingativo, punitivo e colérico, de acordo com os atos praticados pelo povo de Israel.
Os concílios cristãos e os primeiros papas, ao criarem o Novo Testamento, entenderam que ele deveria
ser uma continuidade lógica do velho, talvez para fazer
uso das profecias que anunciavam a chegada do Messias, ou mesmo para dar coerência à história cristã. Entretanto, pelo que entendo da mensagem de Cristo, é
que Ele veio justamente para romper com a tradição hipócrita de um sistema corrupto e injusto, seja ele pagão
– romano, ou religioso.
Ao que me parece, a adoção do cristianismo por parte
do Imperador Constantino e o posterior reconhecimento
como a religião oficial, por Teodósio I, em 380 d.C., deram
uma sobrevida ao Império Romano, graças à unidade e à
centralização, entretanto, trouxeram uma série de conseqüências indesejáveis à Igreja Primitiva. A força da mensagem de Jesus, o Cristo, baseada na compaixão, mansidão
e no amor, perdeu autoridade ao imiscuir-se à corrupta
administração romana. O conteúdo deu lugar à forma, os
rituais avançaram sobre a genuína fé e a qualidade foi definitivamente substituída pela quantidade.
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26. O Despertar para a Filosofia
A lenta e progressiva libertação do ser humano de suas
amarras só está sendo possível em razão do fortalecimento
das garantias e liberdades individuais, por meio do aperfeiçoamento das democracias – que é um legado helênico do
período áureo da filosofia, e da consolidação dos Estados
de direito – que é um legado iluminista, no qual o Estado
deve ser laico e as leis devem visar ao bem comum.
Com efeito, um grande equívoco que tem permeado
a história da humanidade é considerar a filosofia inimiga da
religião, esquecendo-se que todo homem de experiência
profunda é um místico racional, pois conhece as razões do
Infinito Amor enquanto vivencia a realidade racional, e como
tal só possui as mais elevadas virtudes, como a tolerância,
a mansidão, a temperança, a misericórdia e o amor. Quem
quer que se apresente como homem de Deus, e não possua
todas essas virtudes, não pode ser assim considerado.
O dedo de Deus
Nesse contexto, vemos que o relativo não é suficientemente pleno para nos dar todas as explicações, como já
desconfiava C. G. Jung ao introduzir um novo conceito, a
sincronicidade. Trata-se de estudo desenvolvido, em meados do século XX, pelo eminente médico, na tentativa de
explicar acontecimentos que não podem ser definidos por
meio da teoria causalista. A sua explicação estaria calcada
numa relação de significado entre dois ou mais eventos,
talvez por isso seja também chamada por seu elaborador
de coincidência significativa.
Em verdade, Jung acrescenta um novo capítulo ao
problema da causalidade, tão discutido por David Hume e
brilhantemente abordado por Immanuel Kant.
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27. José Anastácio de Sousa Aguiar
O cerne da teoria de Jung é a inexistência de uma
relação de causalidade entre os eventos envolvidos na experiência, ou seja, não há relação direta, pelo menos que
se conheça no campo da física, entre a causa e o efeito.
As circunstâncias envolvidas, teoricamente, seriam aleatórias, entretanto, condicionadas a um padrão subjacente
expressado por eventos ou relações significativos.
Jung propôs o acréscimo da sincronicidade como
quarto elemento à tríade: espaço, tempo e causalidade,
que caracterizou por tanto tempo a física clássica. Dois
campos do conhecimento humano, a física e a psicologia, nunca estiveram tão próximos com as teorias de Jung
sobre a sincronicidade e Einstein sobre a relatividade.
Apesar de ser um conceito relativamente novo, enquanto forma, não o é enquanto conteúdo, senão vejamos.
Uma das referências mais antigas sobre o tema remonta ao
próprio conceito do Tao, que, segundo a tradição chinesa,
já fazia referência a uma racionalidade latente em todas as
coisas. A sabedoria ocidental, que teve como berço a Grécia Antiga, também já desconfiava da existência de uma
unidade em todas as coisas. As diversas épocas que a filosofia ocidental poderia ser dividida abrigaram pensadores
precursores de seu tempo, como Platão e Aristóteles, na
Grécia Clássica; Mestre Eckhart e Duns Scotus, na Idade
Média; e Nicolau de Cusa, Giovanni Pico Della Mirandola
e Ficino, na Renascença.
O desenvolvimento da física subatômica do século
XXI parece apontar para a validação das duas teorias, na
medida em que aproxima o nous da matéria.
Para que o leitor possa ter uma melhor idéia da
evolução do pensamento filosófico ocidental, realizei
26
28. O Despertar para a Filosofia
um pequeno resumo desse tema, a seguir descortinado.
Um dos pensadores contemporâneos que melhor trata
o tema é o italiano Pietro Ubaldi, em seus livros A Grande Síntese, O Sistema e Noúres, bem como o brasileiro
Huberto Rohden.
O Espanto
A partir de um determinado momento na História, o
homem já não mais se contentava com as antigas explicações mitológicas herdadas de seus antepassados e difundidas por meio da tradição e do medo entre os seus. A
busca por respostas ao seu espanto perante o desconhecido, inicialmente identificado pela natureza e seus fenômenos, gerou a inquietação necessária para o desenvolvimento do seu livre pensar.
Foi na Jônia, colônia fundada na costa asiática da Grécia por antigos micênios, que surgiram os pioneiros do
pensamento ocidental. A filosofia, assim considerada pela
tradição clássica, tem seu início com Tales, nascido em Mileto entre o final do século VII e meados do século VI a.C. O
período que compreende o nascimento de Tales até a morte de Aristóteles, três séculos depois, pode ser considerado
como o mais abundante em idéias e teorias sobre as mais
diversas áreas da natureza e do homem. Quase tudo o mais
que veio após, de uma forma ou de outra, é derivação dos
fundamentos lançados no berço da filosofia.
O princípio de Tudo pelos Pré-Socráticos
Várias são as formas pelas quais os escritores classificam os primeiros filósofos, aqui utilizaremos o arkhé, ou
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29. José Anastácio de Sousa Aguiar
princípio único, posto que este parece ter constituído o
ideal da filosofia e ter fornecido o combustível necessário
a fomentar o desenvolvimento da arte do pensar crítico.
Para Tales, a água consistia no princípio de tudo, pois
de seu ciclo – vapor, chuva, rio, mar e terra -, nasceriam as
diversas formas de vida, vegetal e animal.
Anaximandro, contemporâneo de Tales e também de
Mileto, optou pelo ápeiron, que seria o ilimitado ou indeterminado, algo abstrato que comporia, mas não se fixaria
diretamente em nenhum elemento palpável da natureza.
Este estaria em constante movimento e geraria uma série
de pares opostos – água e fogo, frio e calor, etc.
Já Anaxímenes, de Mileto, considerava o ar a origem
de todas as coisas e os elementos da natureza seriam frutos dos seus diversos graus de condensação e rarefação.
Pitágoras, de Samos, oferece-nos um pensamento
mais elaborado sobre o princípio único e pela primeira
vez ele assume um componente esotérico e místico. Seus
ensinamentos tiveram bastante influência do pensamento
órfico, que acreditava na imortalidade da alma e na metempsicose, ou seja, a transmigração da alma por meio de
vários corpos.
Com ele a matemática é elevada a uma condição divina e suas crenças determinavam que o homem, para se
salvar das sucessivas reencarnações, deveria identificar-se
com o divino por meio da contemplação teórica, tendo
como escopo a eliminação dos conflitos e a obtenção da
harmonia. A libertação e a purificação da alma dependeria
de esforço inteiramente subjetivo e humano calcado em
trabalho intelectual, introduzindo dessa forma, em caráter incipiente, mas contundente, a possibilidade de o in28
30. O Despertar para a Filosofia
divíduo assumir o controle de seu destino, independentemente da vontade dos deuses e da natureza. A destruição
do templo da sua seita por razões políticas levou à dispersão dos seus discípulos por todo o mundo helênico, que
contribuiu sobremaneira para a expansão de seus ideais.
Xenófanes, de Cólofon, via na terra o elemento primordial da natureza, e toda a sua cosmologia baseava-se
nesse elemento. Entretanto, foi por meio de sua teologia
que ele entrou na galeria dos filósofos precursores, posto
que combateu acirradamente a concepção antropomórfica dos deuses e defendia um deus único, distinto do homem, não-gerado, eterno, puro pensamento e imóvel.
Heráclito, de Éfeso, conhecido também como o obscuro, por seu estilo de escrita e por ter levado uma vida
longe de seus concidadãos, cria que todas as coisas estão
em movimento e que este processava-se por meio dos contrários e o fogo seria o gerador do processo cósmico. Afirmava a unidade de todas as coisas, entretanto ficou mais
conhecido pela passagem que asseverava que o mundo
é um eterno fluir, como um rio; e é impossível banhar-se
duas vezes na mesma água.
Parmênides, de Eléia, contrariamente a Heráclito,
eliminava tudo o que fosse contraditório e variável, distinguindo dois caminhos da investigação, o do ser e o do
não-ser, sendo que o primeiro é o caminho da certeza,
pois conduziria à verdade; e o segundo seria imperscrutável ao homem. Esse pensamento dá início à lógica – princípio da não contradição existente no ser, que é, e o não-ser
que não é; à metafísica – por buscar a essência das coisas;
e à moderna teoria da relatividade – por fazer a distinção
entre o relativo e o absoluto.
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31. José Anastácio de Sousa Aguiar
Ele formulou a tese de que o mundo tal como o conhecemos não é o verdadeiro mundo, ainda que não possamos conhecer nenhum outro. Afirma que a mudança
é algo que não pode existir, pois tudo que é só pode ser
eterno, não pode vir a ser e não pode ser destruído. O
que chamamos de realidade, portanto, nada mais seria do
que a ordenação enganosa das palavras, e por outro lado,
a verdadeira realidade seria absoluta, unitária, imutável e
eterna, adotando, em caráter definitivo, o monismo.
Zenão, também de Eléia, discípulo de Parmênides,
procura demonstrar com seus paradoxos que a variedade
das coisas e o movimento são impossíveis.
Empédocles, de Agripento e Anaxágoras, de Clazomena, procuraram conciliar a idéia abstrata de um ser único e imóvel com a realidade fática da pluralidade de movimento. O primeiro afirma a idéia de que o ser é eterno e
indivisível, mas não a de que é único e imóvel. O mundo
seria composto de quatro princípios: água, ar, fogo e terra
e tudo resultaria da combinação desses elementos. Já o
segundo afirmava que em tudo é incluído parte de tudo,
com exceção do espírito, que é ilimitado e autônomo e
que também está em algumas coisas.
Leucipo e Demócrito, ambos de Abdera, são os introdutores da teoria de que o mundo é composto de átomos, palavra grega que significa não divisível. A realidade
seria composta de átomos e de vazio. Os átomos seriam,
além de indivisíveis, imutáveis, eternos e existentes em
número infinito. Os entrechoques dos átomos produziriam diversas combinações que gerariam a pluralidade das
coisas, colocando o mundo em movimento. O vazio seria
um não-ser, um nada, idéia repudiada por Parmênides e
Zenão. Asseveravam que o homem deve reconhecer que
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32. O Despertar para a Filosofia
está afastado da realidade, pois a opinião de cada um depende da afluência dos átomos, e, portanto, nada aprendemos que seja infalível.
Demócrito rejeitava a idéia de que o mundo se fundava em qualquer elemento único ou era unificado por
qualquer ordem e baseou sua concepção de mundo numa
teoria materialista (átomos) e desprovida de espíritos e
ânimo, adotando o pluralismo.
Os pré-socráticos nos apresentam, na maioria das vezes, uma preocupação especulativa calcada nos postulados
físicos da natureza e do universo. A consolidação da democracia ateniense proporcionou o surgimento de novos valores que culminaram com a mudança de foco da filosofia que
passou a preocupar-se com as questões mais humanas e os
representantes primeiros desse novo ciclo foram os sofistas.
Protágoras, conhecido como o primeiro sofista, afirmava
que o homem é a medida de todas as coisas e que o mundo é
aquilo que o homem faz e desfaz por meio dos seus sentidos.
Para ele, caso houvesse um princípio único, o ser humano não
poderia concebê-lo, afastando assim de toda a especulação filosófica tudo o que estivesse fora da atuação e necessidade
humana e afirmando a superioridade das convenções culturais perante a verdade absoluta. Tal relativização da verdade
aplicava-se inclusive no campo da moral, ao afirmar que o
bem e o mal são simplesmente valores convencionados pelo
ser humano por esses nomes. Surge a filosofia prática.
A Filosofia sem alma
A concepção da existência da alma sempre foi um
tema recorrente entre os pensadores. Tales acreditava que
31
33. José Anastácio de Sousa Aguiar
o mundo era dotado de alma e repleto de divindades. Pitágoras defendia a crença, originalmente oriental, da reencarnação, e afirmava que a redenção, como acima destacamos, dependia de esforço pessoal.
Já Demócrito afastou completamente a possibilidade
de existência de alma no mundo. Ele imaginou o universo
completamente material, sem qualquer inteligência ou ordem imposta.
Com os sofistas, especialmente Górgias, o desinteresse por essa questão tem seu ápice, pois, ao adotar as
idéias de Parmênides, ele demonstrou que nada existe; se
alguma coisa existisse, seria ininteligível; e, se houvesse
algo ininteligível, nada poderia ser dito a respeito.
Convém destacar 3 dos mitos platônicos, que na minha forma de ver, tem um grande potencial para reflexão.
Os Mitos Platônicos
Platão, sem sombra de dúvida, foi um dos principais
pensadores de toda a história da humanidade. Escreveu
sobre quase todos os temas relevantes para o ser humano,
tais como a ética, a política, a metafísica e a teoria do conhecimento. Conhecido principalmente por sua Teoria das
Idéias ou Teoria das Formas, foi por meio dos seus mitos,
que seus pensamentos obtiveram grande notoriedade.
A mais conhecida e talvez a mais profunda metáfora
elaborada pela filosofia de qualquer tempo é o mito das
cavernas, narrado no Livro VII, da República.
Sobre esse mito, bom que se diga de início e que poucos sabem que, no livro referido, Platão em seu diálogo
está tratando do tema educação, no contexto da formação
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34. O Despertar para a Filosofia
humana para a política. Platão viu a humanidade condenada a uma infeliz condição, a de estar acorrentada no fundo
de uma caverna, de costas para a entrada, vendo ao fundo
dela, as sombras distorcidas projetadas pelas imagens das
pessoas que passavam. Muito se falou sobre as diversas interpretações do que seria cada elemento desse mito. Não
destacarei o óbvio, apenas gostaria de acrescentar que as
correntes que nos aprisionam nem sempre são as nossas
limitações, inimigos e obstáculos, mas também as nossas
conquistas, que ao não querermos abandoná-las, nos tornamos seus escravos.
A segunda alegoria é sobre o nascimento de Eros
narrado no Livro ‘Banquete’, no capítulo ‘O mito do nascimento’. Por ocasião do nascimento de Afrodite, os deuses deram um grande banquete, e dentre tantos convidaram Poros, que simboliza a riqueza, a abundância e a
atividade. Ao se exceder na bebida, ele retirou-se para
os jardins de Zeus e lá adormeceu. Próximo, Penia, que
representa a pobreza, e não havia sido convidada para o
aniversário, ao ver Poros dormindo, desejou ter um filho,
e assim deitou-se com ele. Desse ato, nasceu Eros, deus
do amor, com as seguintes características: da mãe herdou
a pobreza e muito longe está de ser belo, sendo rude e
sujo, mas possui do pai a bravura, a audácia e a constância e tem no seu interior a noção do que é ser belo. Dessa
forma, passa a sua existência na busca da beleza, da plenitude e de se completar.
O terceiro mito a ser destacado é a comparação que
Platão faz da alma, no livro Fedro, com um carro dirigido
por um cocheiro, que representa o intelecto, e puxado
por dois corcéis alados, um deles dócil, e o outro rebelde. Acima da esfera celeste, o cortejo das almas segue os
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35. José Anastácio de Sousa Aguiar
carros dos deuses. Porém, se os corcéis não forem bem
governados, as almas cairão na terra, perderão as suas asas
e encarnarão nos corpos humanos.
Filósofo em Meditação
A escolha da capa foi uma atividade bastante instigante, que transcorreu em três momentos distintos. Sempre quis ter como capa uma obra de arte para que pudesse conciliar e oferecer como tributo ao ser humano duas
jóias da sua natureza: a arte e a filosofia.
Inicialmente, ocorreu-me utilizar a pintura de Michelangelo disposta no teto da capela sistina situada no Vaticano, conhecida como ‘A criação de Adão’. Apesar de sua
beleza, a obra, como seu próprio nome diz, não tinha pertinência com o presente livro. Em um segundo momento,
a escultura de Auguste Rodin, denominada, ‘O Pensador’,
pareceu-me ser uma ótima opção, entretanto, ainda não
estava plenamente satisfeito.
Foi então que surgiu durante uma pesquisa o magnífico quadro de Rembrandt, intitulado ‘Filósofo em Meditação’. Nele só há basicamente duas cores o amarelo e
o preto, com suas diversas matizes. Eu tinha encontrado a
pertinência aliada à beleza.
A meu ver, além da genialidade explícita do autor, a
obra contém alguns símbolos implícitos em total harmonia
com o seu escopo. O filósofo em meditação à esquerda da
tela foi retratado com extrema maestria e a representação de
sua profunda introspecção impressiona. Entretanto, o que
pretendo destacar são dois outros elementos presentes que
dão grande vigor ao óleo, quais sejam: o fogo e a escada.
34
36. O Despertar para a Filosofia
O fogo sempre cativou a atenção e a reverência dos
humanos, o que o levou a ser introduzido em várias cerimônias de quase todas as religiões. Para a filosofia, o
fogo representa a razão ou o conhecimento, aquele trazido aos homens por Prometeu. Entretanto, a figura central
da tela é a escada, que poderia representar a ascensão
humana em busca do divino. Observemos que nem mesmo o filósofo, que dá nome ao quadro, ocupa a posição
central, e, sim, a escada, como se o caminho a ser percorrido pela humanidade tivesse maior importância do que
o próprio homem.
Outro elemento importante, mas não tão fácil de perceber no quadro é a semelhança que ele apresenta com o
símbolo do ‘Ying-Yang’, que dispensa apresentações. Para
conseguir identificar essa relação, precisamos observar a
tela com uma certa distância ou vê-la desfocada, somente
assim, a enxergaremos com o olho da alma.
As Dimensões do Ser Humano
A título de finalização, trago a lume um tema muito interessante e atual, entretanto, pouco conhecido do
público em geral. Trata-se dos conceitos: nous, alma,
soma e pneuma, desenvolvidos entre outros por Philon
de Alexandria.
Nada mais são do que uma abordagem do ser humano dividindo-o em quatro dimensões, quais sejam: o
soma, que se refere ao corpo físico e é o veículo de aperfeiçoamento das outras três dimensões; a psique, ou alma,
ou mente, que seria o conjunto das faculdades psíquicas,
intelectuais e morais; o nous, refere-se à consciência ou
espírito; e a pneuma, que seria a essência do ser humano
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37. José Anastácio de Sousa Aguiar
ou o sopro da vida. Alguns a entendem como o verdadeiro
espírito imortal que permeia as outras dimensões e destina-se ao aperfeiçoamento e à união a Deus.
Creio que o entendimento, e, por conseguinte, a harmonização das diversas dimensões é que trará a grandeza
e a plenitude do ser humano e proporcionará a chegada
da humanidade a um patamar superior. Destaco o ensinamento de Louis-Claude de San-Martin7:
“Considera brevemente o que te ocupa
durante esse percurso. Poderias acaso crer
que teria sido para um destino tão nulo
que te verias dotado de faculdades e propriedades tão superiores? Terias nascido
tão penetrante, tão grandioso, tão vasto
nas profundezas de teus desejos e pensamentos somente para consumires tua existência com ocupações tão fastidiosas por
sua periodicidade; tão tenebrosas e limitadas em seu objetivo; enfim, tão contrárias
à tua nobre energia, dado o capricho que
parece mantê-las em sua dependência e
delas ser o soberano árbitro?”
Conclusão
Quanto ao objetivo maior do estudo filosófico, creio
que Cícero bem o resumiu: “Sócrates repetia que julgava
sua tarefa cumprida, logo que as suas exortações tinham
despertado suficientemente na alma de uma pessoa o
desejo de conhecer e abraçar a virtude. Quando se está
firmemente convencido de que nada vale a satisfação de
7 SAN-MARTIN, Louis-Claude de – O Ministério do Homem-Espírito – Curitiba/PR – Ordem Rosacruz – 2001 – pág. 19 e 20.
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38. O Despertar para a Filosofia
ser um homem honesto, não há acreditava ele, muito mais
que aprender”8.
A vida constantemente nos convida a filosofar, mas
nem todos estarão dispostos a encarar o desafio, em que
pese o prêmio final que nos é oferecido seja a nossa própria liberdade. O caminho é árduo e um dos principais
requisitos para a iniciação é a humildade, nas palavras de
Epicteto: “Qual é a primeira coisa que deve fazer quem
começa a filosofar? Rejeitar a presunção de saber. De
fato, não é possível começar a aprender aquilo que se
presume saber.”
Como dito anteriormente, esta obra é apenas uma coletânea de citações e pensamentos de alguns dos principais
filósofos que pude estudar. Talvez, a razão maior deste trabalho seja despertar a curiosidade sobre os diversos pensadores citados e levar o leitor a refletir e desfrutar suas obras,
que estão devidamente arroladas na parte final do presente
livro. Para finalizar, lancemos novamente mão de Huberto
Rohden: “A felicidade só pode ter por alicerce a liberdade,
e a liberdade é filha da verdade. Logicamente, só pode ser
real e definitivamente feliz quem conhece a verdade, a verdade vivida e saboreada experiencialmente”9 . Sejam todos
bem vindos ao conhecimento e ao nous, e boa viagem.
“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.”
(João 8:32)
Fortaleza, 14 de fevereiro de 2008.
José Anastácio de Sousa Aguiar
8 CÍCERO – Do Orador e Textos Vários; Tradução de Fernando Couto – Portugal – Coleção Res Jurídica – pág. 53.
9 ESPINOZA, Baruch – Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras; Tradução de Jean Melville – São Paulo – Editora Martin Claret – 2002, pág. 18 e 19.
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39.
40. O Despertar para a Filosofia
Amor
“O meu primeiro amor e eu sentávamos numa pedra
que havia num terreno baldio entre as nossas casas. Falávamos de coisas bobas, isto é, que a gente grande achava
bobas. Como qualquer troca de confidências entre crianças de cinco anos. Crianças ...
Parecia que entre um e outro nem havia ainda separação de sexos, a não ser o azul imenso dos olhos dela,
olhos em que eu não encontrava em ninguém mais, nem
no cachorro e no gato da casa, que apenas tinham a mesma
fidelidade sem compromisso e a mesma animal – ou celestial – inocência. Porque o azul dos olhos dela tornava mais
azul o céu. Não importava as coisas bobas que disséssemos.
Era um desejo de estar perto, tão perto, que não havia ali
apenas duas encantadoras criaturas, mas um único amor
sentado sobre uma tosca pedra, enquanto a gente grande
passava, caçoava, ria-se. Eles não sabiam que levariam procurando uma coisa assim por toda as suas vidas...”
QUINTANA, Mário – Porta Giratória – Editora Globo – São Paulo – 3ª
edição – 1997.
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42. O Despertar para a Filosofia
Deus
“Essa essência una, única, absoluta, universal, infinita,
não é, todavia, uma substância inerte e passiva, mas uma
força viva e ativa; ela é a Vida, a Inteligência, a Consciência,
a Razão, o Espírito em grau ilimitado. (...)
Ora, sendo a infinita essência (Deus) sempre ativa e
jamais passiva, deriva, dela efeitos múltiplos e incessantes, através de todos os tempos e espaços. Deus nunca foi
Deus sem ser criador. (...)
Deus é infinito em sua essência, mas finito em suas
existências ou manifestações. Deus, essencialmente infinito, é existencialmente finito. Essencialmente uno, é ele
existencialmente múltiplo: um no seu ser, muitos no seu
agir. Em nenhum dos seus efeitos pode Deus revelar-se total e exaustivamente, o que equivaleria a criar um novo
Deus e com isso esgotar todas as suas potencialidades
criadoras em um único ato criador. (...)
Conforme dissemos em outra parte, o panteísmo,
além de identificar a essência de qualquer coisa com Deus
(no que está certo), identifica a existência das coisas com
Deus (no que está errado). O dualismo, por sua vez, comete o erro de negar não somente a identidade da essência
(no que faz bem), mas também a identidade da existência,
no que faz mal. O monismo, porém, afirma a identidade
da essência entre a causa divina e qualquer um de seus
efeitos, ao mesmo tempo em que nega a identidade entre
a essência divina e a existência das coisas criadas. (...)
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43. José Anastácio de Sousa Aguiar
Deus não está fora do mundo, nem o mundo está fora
de Deus – mas Deus não é o mundo, nem o mundo é Deus.”
ESPINOZA, Baruch - Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras; Tradução de Jean Melville – São Paulo – Editora Martin Claret – 2002 – Introdução de Huberto Rohden – pág. 20, 21, 22 e 23.
“O nada significa o não existir. O nada, portanto, não
existe. (...)
Nós, como tudo que existe, estamos em Deus, porque nada pode existir fora de Deus, nada lhe pode ser
acrescentado nem tirado.(...)
Assim, diante do absoluto, encontramo-nos no relativo; diante do imutável, no contínuo transformar-se; diante da
perfeição, numa condição de imperfeição sempre em movimento para atingir a perfeição, diante da unidade orgânica
do todo, encontramo-nos fragmentados e fechados em nosso individual egocentrismo de egoístas, diante da liberdade
do espírito, encontramo-nos prisioneiros no cárcere da matéria e de seu determinismo; diante do bem, da felicidade, da
vida, somos presas do mal, da dor, da morte. (...)
Este nosso mundo de matéria, percebidos pelos nossos sentidos, não é Deus (...)
Mesmo Deus estando em tudo o que somos e vemos,
tudo isso, por si só, não é Deus. Ele está além de todo fenômeno e forma, de toda posição do particular. (...)
A primeira condição, pois, a que deve submeter-se a
liberdade é o dever de manter-se em plena adesão à Lei,
que exprime o pensamento e a vontade de Deus. (...)
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44. O Despertar para a Filosofia
Mas assim o Tudo-Uno-Deus resultou como que partido em dois: uma parte continuou na perfeição do Absoluto e a outra foi formar a estrutura material e espiritual de
nosso universo. Devemos, entretanto, compreender bem,
não representar este a verdadeira criação, como se crê,
mas uma contrafração, uma inversão sua, um seu verdadeiro estado patológico, embora transitório e curável. Em
outros termos, o nosso universo não é criação, mas uma
sua doença, que lentamente se vai curando.
Essa conclusão implica outra: o método adotado pela
ciência, ou seja, o da observação e da experiência, aplicado aos fenômenos desse universo, jamais poderá conduzir-nos ao conhecimento das causas primeiras. (...)
Então, não seria mais o homem que criaria um Deus
de acordo com uma imagem tirada do emborcamento da
própria imperfeição, mas seria o homem uma corrupção
da perfeição de Deus, um ser decaído que anseia por voltar à perfeição perdida. (...)
Nenhum momento do tornar-se universal se move
por acaso, loucamente, mas dentro de margens que lhe
disciplinam o transformismo, coordenando-o ao de todos
os demais fenômenos, no seio do funcionamento do grande organismo do todo. (...)
Por isso, o fenômeno astronômico da formação da
matéria surgindo da energia, na formação das galáxias,
pertence à última fase do processo involutivo, quando
concluído inicia-se o caminho inverso. (...)
Na matéria, temos o ponto mais afastado de Deus, o
ponto mais periférico do Todo. (...)
Dessa forma, a energia é prisão do espírito, como a
matéria é energia condensada. (...)
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45. José Anastácio de Sousa Aguiar
Dessa forma, o conhecimento libertará o homem,
pois o que sabe conhece a lei e não é mais constrangido à
obediência pelo castigo das sanções de dor, efeito do erro.
O que sabe, obedece por adesão espontânea, porque compreendeu toda a vantagem individual da obediência, a utilidade própria em não violar a Lei. A verdadeira liberdade,
a que conduz à felicidade, consiste em conformar-se com
a Lei, e não em colocar-se como prisioneiro dos baixos instintos, fazendo-nos recair no inferno do Anti-Sistema. (...)
O pensamento humano pode considerar o universo
de três modos diferentes:
1º) Como desordenado, ou seja, constituído de elementos
separados que se ignoram mutuamente, desconexos
e incoerentes, que não constituem uma unidade, nem
funcionam nela organicamente, essa é a concepção do
involuído, e exprime o seu tipo, desconhecedor das
profundas realidades da vida, instintivamente separatista, isolado de tudo, na concha de seu egoísmo;
2º) Como ordenado. Os fenômenos são concebidos
como ligados por leis naturais que o regulam, vendo-se, então, no universo princípios diretivos e, portanto, em ordem. (...) Essa concepção corresponde a
um estado mais evoluído do indivíduo, exprimindo
o seu tipo biológico, alcançado pela observação e
pelo raciocínio;
3º) Como unitário. O universo é concebido como redutível
a uma causa única, central, absoluta, realidade fundamental, causa de tudo. (...) O universo aparece, então,
como um Sistema. Essa concepção corresponde a um
estado ainda mais evoluído do indivíduo, exprimindo
o seu tipo, que chegou, por intuição, à visão de Deus
e do seu Sistema. (...) Esta é a concepção do evoluído
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46. O Despertar para a Filosofia
maduro, cujo olhar espiritualizado chegou a ver além
das aparências da forma. (...)
A evolução leva-nos do inferno ao paraíso. Posições
relativas. Para um indivíduo a terra pode ser um paraíso,
mas para o evoluído é um inferno, um mundo povoado de
demônios, onde só se pode encontrar luta e dor. (...)
Em nosso mundo os valores mais apreciados são os
menos valiosos, os fictícios da matéria, e não os reais e
eternos do espírito; quem é premiado na luta pela vida é
o mais forte, que vence submetendo o próximo, e não o
mais honesto, que trabalha a favor do próximo. (...)
O móvel de toda essa humanidade é o egoísmo separatista, principal qualidade do Anti-Sistema, que nos indica a oposta, o altruísmo unificador, qualidade principal
do Sistema. (...)
Nos planos mais baixos, não apenas tudo é determinismo, mas, também, para o elemento, tudo permanece
em estado de inconsciência. A sabedoria não está nele,
que permanece imerso na mais profunda ignorância, mas
na Lei que o guia. (...)
A vida pode ter para cada indivíduo, de acordo com a
sua posição evolutiva, um sentido completamente diferente. Para os inferiores que saem de baixo, o plano humano
pode ser um ponto de chegada bastante alto. Para os mais
evoluídos, intencionados em subir a planos mais elevados,
a terra pode ser um baixo ponto de partida. Assim, viver em
nosso mundo pode representar para os primitivos a maior e
mais alegre realização da existência, enquanto para os mais
adiantados, pode constituir doloroso estado de sufocação
da vida. Acontece, então, que para os involuídos, a juventu45
47. José Anastácio de Sousa Aguiar
de, quando se firma a vida do corpo (que para eles é a vida
toda), é alegre, enquanto é triste a velhice, quando esse
corpo decai. O contrário ocorre para os evoluídos, para os
quais a juventude, quando se firma a vida física, é penosa.
Porque representa a obrigação de identificar-se num estado biológico inferior a sua natureza, enquanto a velhice é
alegre, pois a decadência física liberta o espírito. (...)
Por isso, quanto mais o ser conquistou, com a evolução, um grau mais forte de consciência, tanto menos morrerá ao atravessar a morte. Isso porque, quem evolui sobe
para o Sistema, onde não existe morte. A substância da
vida é expressa pela consciência de existir. A substância da
morte é dada pela perda dessa consciência. Ora, involução significa morte justamente porque representa a perda
dessa consciência. E evolução significa conquista de vida,
porque constitui conquista dessa consciência. (...)
Quanto mais próximo se acha situado o indivíduo do
pólo negativo do Anti-Sistema, tanto mais negativas são as suas
qualidades, quanto mais próximo do pólo positivo do Sistema,
tanto mais são as suas qualidades positivas. Podemos, dessa
forma, considerar como índice seguro de involução, o instinto da destruição, o espírito de agressividade e de polêmica, o
egoísmo e a indiferença às dores do próximo. Contrariamente, podemos ter como seguro índice de evolução, o instinto
de conservação, o espírito de compaixão e de conciliação, o
altruísmo e a sensibilidade às dores do próximo. (...)
Dessa forma, pudemos chegar a esta exata apreciação do fenômeno involutivo-evolutivo da queda, e dizer,
que mesmo sendo a evolução, um princípio geral, o regresso universal de todos ao Sistema, a amplitude e o tipo
de estrada é diferente para cada ser, ou seja, cada um desenvolve-se ao longo de canal próprio. (...)
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48. O Despertar para a Filosofia
A condição para esse pensamento cósmico ser alcançado, depende apenas da natureza e das condições do indivíduo, tornando-o apto à percepção.”
UBALDI, Pietro – O Sistema; Tradução Carlos Torres Pastorino – Rio de
Janeiro – Instituto Pietro Ubaldi – 3ª Edição.
“Deus existe para mim na medida em que me assumo a mim próprio livremente. Não existe como objeto do
saber, mas como revelação na existência.
A iluminação da nossa existência enquanto liberdade
também não demonstra a existência de Deus, apenas indica o ponto em que a certeza da sua existência é possível.
Em nenhuma prova da existência de Deus, pode o
pensamento alcançar o seu desígnio, se o que pretende
é uma certeza absoluta. Mas o malogro do pensamento
não redunda em nada. Aponta-nos aquilo que se nos manifesta na inesgotável e sempre problemática consciência
englobante de Deus. (...)
Enquanto conheço apenas os motivos e as finalidades da minha ação estou no domínio do finito e relativo.
Só quando vivo segundo o que carece de fundamentação
objetiva, vivo pelo absoluto. (...)
O absoluto não pode ser demonstrado, não pode ser
apontado como existência no mundo – os testemunhos históricos são apenas alusões. Aquilo que sabemos é sempre
relativo. (...) O que se pode mostrar já não é absoluto.”
JASPERS, Karl – Iniciação Filosófica; Tradução de Manuela Pinto dos
Santos – Lisboa - Guimarães Editores – 9ª Edição – pág. 49, 58 e 61.
47
49. José Anastácio de Sousa Aguiar
“O verdadeiro ensinamento é que o Todo em si mesmo está fora do gênero, assim como de qualquer outra lei,
mesmo as do tempo e do espaço. Ele é a Lei de que todas
as leis procedem e não está sujeito a elas. Contudo, quando o Todo manifesta-se no plano de geração ou criação, os
seus atos concordam com a lei e o princípio, porque se realizam num plano inferior de existência. E, por conseguinte, Ele manifesta no plano mental o princípio de gênero,
nos seus aspectos masculino e feminino.”
TRÊS INICIADOS – O Caibalion: estudo da filosofia hermética do antigo Egito e da Grécia; Tradução de Rosabis Camaysar – São Paulo – Editora Pensamento – pág. 45.
“Não sendo, portanto, a lei mais do que uma regra de
vida que os homens prescrevem a si mesmos ou a outros
com determinada finalidade, parece que a devemos distinguir em humana e divina. Por lei humana, entendo uma
regra de vida que serve unicamente para manter a segurança do indivíduo e da coletividade, por lei divina, entendo uma regra que diz respeito apenas ao soberano bem,
isto é, ao verdadeiro conhecimento e ao amor de Deus.
A razão porque chamo divina uma tal lei tem a ver com a
natureza do sumo bem, que vou aqui explicar em poucas
palavras e tão claramente quanto puder.
Dado que o entendimento é a melhor parte do nosso
ser, torna-se evidente que, se queremos realmente procurar o que é do nosso interesse, devemos acima de tudo
esforçar-nos por aperfeiçoá-lo tanto quanto possível, já
que é na sua perfeição que deverá consistir o soberano
bem. Além disso, como todo o nosso conhecimento, e
bem assim a certeza que afasta efetivamente toda dúvida,
48
50. O Despertar para a Filosofia
dependem apenas do conhecimento de Deus, já porque
sem Deus nada pode existir nem ser concebido, já porque
podemos duvidar de tudo enquanto não tivermos de Deus
uma idéia clara e distinta, segue-se que o nosso supremo
bem e a nossa perfeição dependem exclusivamente do
conhecimento de Deus, etc. (...) O nosso supremo bem e
a nossa felicidade resumem-se pois, no conhecimento e
amor de Deus. (...)
O homem carnal, todavia, não pode compreender
essas coisas, que lhe parecem vãs porque tem de Deus um
conhecimento por demais insuficiente e porque não encontra nesse soberano bem nada que possa tocar, comer,
ou, enfim, que tenha relação com a carne, sua principal
fonte de prazer, dado que um tal bem é de natureza meramente especulativa e intelectual. Mas aqueles que reconhecerem que não possuem em si nada de mais importante que o entendimento e a mente sã tomarão isso, com
certeza, por uma verdade inabalável.”
ESPINOSA, Baruch – Tratado Teológico-Político; Tradução de Diogo Pires
Aurélio – São Paulo – Editora Martins Fontes – 2003 – pág. 68, 69 e 70.
“Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou
pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode.
Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em
Deus. Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo
modo, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto nem sequer é Deus. Se pode
e quer, o que é a única coisa compatível com Deus, donde provém, então, a existência dos males? Por que razão é
que não os impede?”
49
51. José Anastácio de Sousa Aguiar
EPICURO – Pensamentos; Tradução Johannes Mewaldt e outros – São
Paulo – Editora Martin Claret – 2005 – pág. 115.
“Aprenda a honrar o que há de mais poderoso no
mundo: o Ser que de tudo se serve e a tudo comanda.
Igualmente honra o que há de mais poderoso em ti: um
ser de natureza semelhante à daquele, pois é o que em ti
comanda todo o resto e governa tua vida. (...)
Não te esqueça do Ser total, do qual participas numa
parcela mínima da duração total, da qual, um curto, um
mínimo instante te foi reservado, e que és uma ínfima parte do destino universal. (...)
Toda matéria se imiscui na substância do Todo. Tudo
acaba se fundindo no princípio do Todo. Toda lembrança
é rapidamente sugada pelo tempo.”
AURÉLIO, Marco – Meditações; Tradução de Alex Marins – São Paulo –
Editora Martin Claret – 2003 – pág. 49 e 64.
50
52. O Despertar para a Filosofia
Discernimento
“Tenha como inútil aquilo que algum dia possa te levar a transgredir tua fé, a perder tua honra, a odiar, a suspeitar, a amaldiçoar, a dissimular, a cobiçar o que terá que
ser oculto por muros ou véus. Quem privilegia a razão,
seu deus interior e o culto silencioso da virtude íntima,
não se presta a espetáculo, não se lamenta, não procura a
solidão e a multidão, mas viverá sem desejos e sem temor.
Nisso reside o maior dos bens.”
AURÉLIO, Marco – Meditações; Tradução de Alex Marins – São Paulo –
Editora Martin Claret – 2003 – pág. 30.
“Maquiavel lançava sobre o povo um olhar estranho.
Cumular a medida, fazer transbordar o vaso, exagerar o
horror do feito do príncipe, aumentar o esmagamento para
revoltar o oprimido, fazer esguichar a idolatria em execração, exasperar as massas, essa parece ser a sua política.
Seu sim, significa não. Carrega o déspota de despotismo
para fazê-lo estourar. O tirano torna-se em suas mãos um
hediondo projétil que se quebrará. Maquiavel conspira.
Por quem? Contra quem? Adivinhai. Sua apoteose de reis
é boa para fazer regicidas. Põe na cabeça de um príncipe
um diadema de crimes, uma tiara de vícios, uma auréola
de torpezas, e vos convida a adorar seu monstro, com a
expressão que se espera num vingador. Ele glorifica o mal
olhando com esguelha para a sombra.(...)
51
53. José Anastácio de Sousa Aguiar
Voltaire e Maquiavel são dois temíveis revolucionários indiretos, dessemelhantes em tudo e, no entanto,
idênticos no fundo pelo seu profundo ódio ao senhor disfarçado de adulação. (...)
O livre espírito que alça vôo, pássaro chamado pela aurora, é desagradável às inteligências saturadas de ignorância
e aos fetos conservados em álcool etílico. Quem vê ofende
os cegos; quem ouve indigna os surdos; quem anda insulta abominavelmente os pernetas. Aos olhos dos anões, dos
abortos, dos astecas, dos mirmidões e dos pigmeus, para
sempre atados ao raquitismo, o crescimento é apostasia.”
HUGO, Victor – William Shakespeare; Tradução de Renata Cordeiro e Paulo Schmidt – Londrina – Editora Campanário – 2000 – pág. 233, 234 e 287.
“Aquele que estudar cuidadosamente o passado,
pode prever os acontecimentos que se produzirão em
cada Estado, e utilizar os mesmos meios que os empregados pelos antigos. Ou então, se não há mais os remédios
que já foram empregados, imaginar outros novos, segundo a semelhança dos acontecimentos.”
MAQUIAVEL, Nicolau – Comentários Sobre a Primeira Década de Tito
Lívio; Tradução de Sérgio Bath – Brasília – Editora UnB – 3ª Edição –
1994 – Livro I, Capítulo XXXIX.
“Não é necessário a um príncipe ter todas as qualidades mencionadas, mas é indispensável que pareça tê-las.”
MAQUIAVEL, Nicolau – O Príncipe; Tradução de Antonio D’Elia – São
Paulo - Editora Cultrix – Capítulo XVIII.
52
54. O Despertar para a Filosofia
“Seres desiguais não podem pensar da mesma maneira. Sempre haverá evidente contraste entre o servilismo e a dignidade, a torpeza e o gênio, a hipocrisia e
a virtude. A imaginação dará a uns impulso original em
direção ao perfeito. A imitação organizará em outros os
hábitos coletivos. Sempre haverá forçosamente idealistas
e medíocres. (...)
Todo idealista é homem qualitativo; possui um sentido das diferenças que lhe permite distinguir entre o ruim
que observa e o melhor que imagina. Os homens sem ideais são quantitativos; podem apreciar o mais ou menos,
mas nunca distinguem o melhor do pior. (...)
Quando um ideal se molda em um alto espírito, bastam gotas de tinta para fixá-lo em páginas decisivas.”
INGENIEROS, José – O Homem Medíocre; Tradução de Alvanísio Damasceno – Livraria Do Chain Editora – pág. 17 e 190.
“A Misteriosa Excelência
Aquele que conhece o Tao, não fala.
Aquele que fala do Tao, não o conhece.
Quem o conhece, mantém a boca fechada e fecha
também as portas dos sentidos e da mente.
Procura desfazer as complicações das coisas e aparar
as suas arestas.
Diminui a sua luz, a fim de amoldar-se à obscuridade
dos outros.
Isto se chama a Misteriosa Excelência.
Tal indivíduo não pode ser tratado de modo familiar
53
55. José Anastácio de Sousa Aguiar
nem cerimonioso, pois está além de toda consideração,
lucro e injúria. É o mais nobre dos homens sob os céus.”
TSÉ, Lao – O Livro do Caminho Perfeito (Tao Té Ching); Tradução de
Murillo Nunes de Azevedo – São Paulo – Editora Pensamento Ltda –
pág. 107.
“Se não te fazes igual a Deus, não podes compreender
a Deus: pois o semelhante só é inteligível ao semelhante.
Faça-te crescer até corresponder à grandeza sem medida,
por um salto que te libere de todo corpo; eleva-te acima de
todo tempo, torna-te Aíôn: então compreenderás Deus. Sabendo que não é impossível para ti, estima-te imortal e capaz de tudo compreender, toda arte, toda ciência, o caráter
de todo ser vivente. Sobe acima de toda altura, desce mais
que toda profundidade, reúna em ti as sensações de todo o
criado, do fogo e da água, do seco e do úmido, imaginando
que estás ao mesmo tempo na terra, no mar, no céu e que
ainda não nasceste e que estás no ventre materno, que és
adolescente, ancião, que estás morto e que estás além da
morte. Se alcanças com o pensamento essas coisas ao mesmo tempo: tempo, lugar, substância, qualidade, quantidade, podes compreender Deus.
TRISMEGISTO, Hermes – Corpus Hermeticum: Discurso de Iniciação;
Tradução de Márcio Pugliesi e Norberto de Paula Lima – São Paulo –
Hemus Editora Ltda – 5ª edição – pág. 58.
“Com efeito, tu pensas que emitir um juízo que não
se conforma à realidade significa afastar-se do caráter
absoluto da verdade. Pois o fato de que acontecimentos
dúbios tenham sido previstos como que para acontecer
54
56. O Despertar para a Filosofia
necessariamente é para ti um erro de juízo, não mais a certeza infalível, já que do teu ponto de vista considerar as
coisas de forma diferente do que são significa afastar-se
da rigorosa precisão da certeza absoluta. E a causa desse
erro é que todos pensam que conhecem algo a partir das
propriedades e da natureza do que é conhecido, enquanto o que ocorre é justamente o contrário. De fato, tudo o
que é conhecido não é compreendido segundo suas características, mas sim segundo a capacidade daqueles que
procuram conhecer.”
BOÉCIO – A Consolação da Filosofia; Tradução de William Li – São
Paulo – Martins Fontes – 1998 – pág. 143 e 144.
“Fazer os outros entender.
É melhor do que fazê-los recordar, pois o entendimento é mais importante do que a memória. Às vezes, é
preciso lembrar, noutras, aconselhar o que convém. Alguns deixam de fazer o que é oportuno simplesmente por
nunca ter-lhe ocorrido. Que o conselho amigável ajuda
a perceber as vantagens. Um dos maiores privilégios da
mente está em discernir o que mais importa. Na falta deste, muitos sucessos não se realizam.
Compreensão de si mesmo.
Do caráter, do talento, do discernimento e das emoções. Ninguém consegue dominar-se se não compreende a
si próprio. Existem espelhos para o rosto, mas não para o espírito; tome lugar do espelho a ponderada auto-reflexão.”
GRACIAN, Baltazar – A Arte da Prudência; Tradução de Pietro Nassetti –
São Paulo – Editora Martin Claret – 1998 – pág. 50 e 58.
55
57.
58. O Despertar para a Filosofia
Filosofia
“A filosofia nada dá, pode apenas despertar e então
ajuda a rememorar, consolidar e perseverar.
Cada um compreende por ela aquilo que realmente
já sabia. (...)
Pensar é começar a ser homem. (...)
Aquele que julga ter descoberto tudo deixou já de
filosofar. Aquele que confunde a informação das ciências
com o conhecimento do próprio ser na sua totalidade está
dominado pela superstição científica. Quem não se surpreende, deixou de interrogar. Quem não vê o mistério,
não procura. A filosofia, ao mesmo tempo que humildemente aceita os limites das possibilidades do saber humano, está totalmente aberta ao que, incognoscível, se revela
para lá das fronteiras do saber. (...)
Exige-se do filósofo que a sua vida corresponda a sua
doutrina. (...)
Os estados que alcançamos são apenas manifestação
dos esforços constantes da nossa existência ou dos seus
malogros. Estar a caminho é a nossa essência. (...)
Esta ascensão da vida filosófica é sempre a do homem. Terá de a cumprir por si em comunicação com o outro, mas não poderá endossar a outro.”
JASPERS, Karl – Iniciação Filosófica; Tradução de Manuela Pinto dos
Santos – Lisboa - Guimarães Editores – 9ª Edição – pág. 54, 124, 125, 126
e 128.
57
59. José Anastácio de Sousa Aguiar
“A filosofia consiste em fazer com que o gênio interior de cada um seja invulnerável aos ultrajes, impassível,
superior aos prazeres e às dores. Que não se mova ao
acaso, por falsidade ou maldade. Que não cogite do que
fazem ou deixam de fazer os outros. Que aceite as vicissitudes e o destino como provenientes da mesma origem.
Acima de tudo, que aguarde a morte com serenidade, nela
não vendo mais que a dissolução dos elementos constitutivos de todos os seres. Pois, se para os elementos não há
nada de horrível em se transformarem incessantemente
uns nos outros, por que temer a transformação universal e
a universal dissolução? Como nada é mal segundo a natureza, acredite que a natureza assim exige.”
AURÉLIO, Marco – Meditações; Tradução de Alex Marins – São Paulo –
Editora Martin Claret – 2003 – pág. 25.
“Todos os espíritos dotados de uma vidência cósmica
acima do comum da humanidade-massa suspeitam ou adivinham, com maior ou menor clareza, que existe uma vasta e
profunda unidade do universo para além dessa aparente multiplicidade de fenômenos perceptíveis e concebíveis. (...)
Para que alguém possa avaliar com justeza e verdade
um gênio, deve ele mesmo possuir algo da natureza desse
gênio, (...). É mais fácil um sábio aprender de um tolo, do
que um tolo aprender de um sábio.
Uma coisa é certa: um homem que viveu integralmente a sua filosofia, como Spinoza, e dela hauriu inabalável firmeza de caráter, serenidade interior em plena
tempestade e uma nunca desmentida bondade e benevolência para com todos, incluindo os seus gratuitos inimi58
60. O Despertar para a Filosofia
gos – esse homem deve ter encontrado em sua filosofia
mais do que um interessante sistema de idéias subjetivas;
deve ter experimentado a sua filosofia como a expressão
de uma grande e dinâmica realidade objetiva, alicerçada
na rocha da Verdade eterna e absoluta.”
ESPINOZA, Baruch – Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras;
Tradução de Jean Melville – São Paulo – Editora Martin Claret – 2002 –
Introdução de Huberto Rohden – pág. 53 e 55.
“O que faz agora a minha força resulta do fato de viver de acordo com os meus princípios. (...)
A sabedoria e o poder tendem, naturalmente, a unirse: eternamente se perseguem, se procuram, se juntam;
por isso os homens gostam de se lhes referir ou ouvir referir nas conversas privadas e nos poemas. (...)
Afirmo que a verdadeira opinião que se tiver sobre
a filosofia será melhor se nós próprios formos probos; a
nossa malícia obteria resultados contrários. (...)
Contudo, evita que isto chegue ao conhecimento dos
profanos porque talvez não haja doutrinas mais ridículas
para o vulgo do que estas que, para os espíritos ricamente
dotados são as mais admiráveis e inspiradas. É necessário
ministrá-las mais de uma vez, ouvi-las constantemente e
durante inúmeros anos, e é apenas com grandes esforços
que se consegue purificá-las como se purifica o ouro. (...)
A maior salvaguarda será não escrever, mas aprender
de cor, porque é impossível que os escritos não acabem
por cair no domínio público. É por isso que nunca escrevi
sobre tais assuntos. Não há obra de Platão e nunca a haverá. O que hoje se designa com esse nome é de Sócrates
59
61. José Anastácio de Sousa Aguiar
quando estava no esplendor da sua juventude. Adeus e segue os meus conselhos. Quanto a esta carta, começa por a
ler várias vezes e a seguir queime-a. (...)
A superioridade da coragem, da agilidade, da força
corporal pode ser o apanágio de muita gente, mas a da
verdade, da justiça, da generosidade e da distinção inseparável de todas estas virtudes, deve confessar-se que tem
a sorte de pertencer àqueles que fazem profissão de as
honrar. (...)
Numa palavra, quem não tem nenhuma afinidade
com o objeto não obterá visão, nem graças a sua rapidez
de raciocínio, nem graças a sua memória, porque nunca
acharão raiz numa natureza desconhecida.”
PLATÃO – Cartas; Tradução de Conceição Gomes da Silva e Maria
Adozinda Melo – Clássicos de Bolso – Editora Estampa Ltda – Lisboa –
2002 – pág. 15, 16, 17, 21, 22, 35 e 77.
“Seguir e observar a ordem das coisas, Zenóbio, a
que é própria de cada um, e ver e tornar clara a que respeita ao conjunto, que contém este mundo e o governa, é
muitíssimo difícil e raro para os homens.
A isso se acrescenta o facto de que, mesmo que possa
haver quem o faça, não conseguirá encontrar um ouvinte
que, pelo mérito da vida e por um certo hábito de erudição, seja digno de assuntos tão divinos e obscuros.
E, no entanto, não há nada que as pessoas mais dotadas se empenhem com maior avidez em ouvir e aprender
tal como aqueles que observam os escolhos e as tempestades desta vida tanto quanto possível de cabeça erguida
– do que o modo como acontece que, tomando Deus o
60
62. O Despertar para a Filosofia
cuidado das coisas humanas, haja tanta perversidade nos
assuntos dos homens, espalhada a tal ponto que não parece dever atribuir-se à admiração divina, nem mesmo a de
um escravo, se lhe fosse dado um tão grande poder.”
AGOSTINHO, Santo - Diálogo Sobre a Ordem; Tradução de Paulo Oliveira e Silva – Imprensa Nacional – Casa da Moeda – Clássicos de Filosofia – Lisboa – pág. 87.
“Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem
canse o fazê-lo quando se é velho, pois ninguém é jamais
pouco maduro nem demasiado maduro para conquistar
a saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda
não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz.”
EPICURO – Pensamentos; Tradução Johannes Mewaldt e outros – São
Paulo – Editora Martin Claret – 2005 – pág. 97.
61
63.
64. O Despertar para a Filosofia
Firmeza
“Sócrates repetia que julgava sua tarefa cumprida,
logo que as suas exortações tinham despertado suficientemente na alma de uma pessoa o desejo de conhecer e
abraçar a virtude. Quando se está firmemente convencido
de que nada vale a satisfação de ser um homem honesto,
não há acreditava ele, muito mais que aprender.”
CÍCERO – Do Orador e Textos Vários; Tradução de Fernando Couto –
Portugal – Coleção Res Jurídica – pág. 53.
“Sem adversário a coragem definha: somente fica claro o quanto ela é grande e a quanto chega seu poder quando ela mostra, ao suportar o sofrimento, de que é capaz.
É bom que saibas que o mesmo deve fazer o homem
de bem: que não se apavorem diante dos fardos duros e
difíceis nem se queixem do destino; o que quer que ocorra tome por bem, convertam em bem; o que importa não
é o que é, mas o modo como tu suportas.
Não vês como os pais mostram sua afeição de um
modo, e as mães de outro bem diferente?
Os pais ordenam que os filhos sejam acordados logo
cedo para enfrentar as obrigações, não toleram que eles fiquem ociosos inclusive nos dias de folga e arrancam deles
suor e até mesmo lágrimas; mas as mães querem acalentálos no seio, deixá-los à sombra, e desejam que eles nunca
se entristeçam, nunca chorem, nunca se esfalfem.
63
65. José Anastácio de Sousa Aguiar
É com um espírito de pai que deus se volta aos homens de bem. Ele os ama profundamente, dizendo: ‘Que
sejam atormentados por sacrifícios, dores e flagelos, para
que adquiram um verdadeiro vigor’.
Os gordos por falta de atividade são indolentes e nem
é preciso um esforço maior, como o simples movimento,
com o próprio peso já ficam derreados. A felicidade incólume não agüenta uma pancada; mas quem teve uma briga
incessante com seus infortúnios criou uma couraça pelas
injúrias e não cede a nenhum mal: mesmo quando cai, luta
de joelhos. (...)
Eis, porém, um espetáculo digno de merecer a atenção de um deus interessado em sua obra, eis um par digno
de deus: um homem valoroso duelando com uma má-sorte, especialmente se ele mesmo a desafiou. (...)
Entre os muitos pensamentos magistrais do nosso
Demétrio também há este, que trago fresco na memória
– ressoa ainda e vibra em meus ouvidos: ‘Nada me parece
mais triste do que um sujeito a quem nunca aconteceu nenhuma desgraça’.
De fato, não lhe foi permitido pôr-se à prova. Ainda
que todos os benefícios tenham manado para ele graças às suas preces votivas, ainda que antes das preces,
os deuses, apesar disso, julgaram-no mal: ele pareceu
indigno de algum dia vencer o destino, o qual evita todos os homens por demais covardes, como se dissesse:
‘O quê?... Esse aí eu vou tomar por adversário? Num instante ele estará depondo as armas, e nem é preciso usar
contra ele toda a minha potência: com uma leve ameaça
será enxotado. Ele nem é capaz de encarar-me nos olhos.
Outro é que será procurado, com o qual possamos com64
66. O Despertar para a Filosofia
bater: é vergonhoso se bater em duelo com um homem
pronto a ser derrotado.
Um gladiador considera uma ignomínia ser posto
para lutar com alguém inferior e sabe que é vencer sem
glória vencer sem perigo.
O mesmo faz o destino: procura para si os mais valorosos adversários, outros supera com fastio.
O destino ataca os homens mais obstinados, os mais
hirtos e arrojados, contra os quais desfere toda a sua violência: experimenta o fogo em Múcio, a pobreza em Fabrício, o exílio em Rutílio, a tortura em Régulo, o veneno em
Sócrates, a morte em Catão.
Só a desgraça revela o grande exemplo.”
SENECA – Sobre a Divina Providência e Sobre a Firmeza do Homem
Sábio; Tradução de Ricardo da Cunha Lima – São Paulo – Editora Nova
Alexandria – 2000 – pág. 25, 27 e 33.
“Sai do inebriamento, torna a ti mesmo. Uma vez
desperto, consciente de que eram sonhos que te perturbavam, abre bem os olhos e contempla o que vês, como
contemplavas aquelas visões. (...)
Que o futuro não te inquiete. Munido da mesma razão
que ora te guia, enfrenta-lo-ás no momento oportuno. (...)
A respeito da dor: intolerável, mata. Duradoura é
suportável. Concentrando-se, o pensamento se conserva
sereno, não permitindo contaminar a porção soberana.
Se puder, que o digam as partes do nosso ser atingidas
pela dor. (...)
65
67. José Anastácio de Sousa Aguiar
Deves aceitar piedosamente o que te acontece sempre e em toda parte, tratar com justiça aqueles com quem
vives, e vigiar com o maior cuidado os teus pensamentos,
para que nenhuma má idéia se instale em ti. (...)
Não tenha comportamentos falsos, contenha os impulsos, abafe os desejos por demais ardentes, faça com
que tua alma seja sempre senhora de ti.”
AURÉLIO, Marco – Meditações; Tradução de Alex Marins – São Paulo –
Editora Martin Claret – 2003 – pág. 58, 64, 67, 70, 89.
“Não há nada, na natureza, de tão sacro que não
seja atingido por algum desrespeito. As coisas divinas não
perdem seu privilégio de respeito máximo porque existe
sempre quem intenta contra sua magnitude transcendente. Invulnerável não é o que não está sujeito a ser alvejado
e, sim, o que não pode ser lesado. Eis a característica pela
qual te farei conhecer quem é sábio.”
SENECA – A Constância do Sábio; Tradução Luiz Feracini – São Paulo –
Editora Escala – pág. 25.
“Integridade e firmeza.
Esteja sempre do lado da razão, e com tal firmeza de
propósito, que nem a paixão comum, nem a violência tirânica o desviem dela. Mas onde encontrar essa fênix de equidade? Poucos se dedicam à integridade. Muitos a festejam,
mas poucos a visitam. Alguns a seguem até que a situação
se torne perigosa. Em perigo, os falsos a renegam, e os políticos astuciosamente a disfarçam. Ela não teme pôr de lado
66
68. O Despertar para a Filosofia
a amizade, poder e mesmo seu próprio bem, e é nessa hora
que é repudiada. Os perspicazes elaboram sofismas sutis e
falam de louváveis motivos superiores ou de razão de Estado, mas o homem realmente leal considera a dissimulação
uma espécie de traição, orgulha-se mais de ser firme do que
sagaz e se encontra sempre do lado da verdade. Se diverge
dos outros, não é devido a algum capricho seu, mas porque
os outros abandonaram a verdade.”
GRACIAN, Baltazar – A Arte da Prudência; Tradução de Pietro Nassetti
– São Paulo – Editora Martin Claret – 1998 – pág. 35.
67
69.
70. O Despertar para a Filosofia
Liberdade
“Se os homens pudessem, em todas as circunstâncias,
decidir pelo seguro ou se a fortuna se lhes mostrasse sempre favorável, jamais seriam vítimas da superstição. Mas,
como se encontram freqüentemente perante tais dificuldades que não sabem que decisão hão de tomar, e como
os incertos benefícios da fortuna que desenfreadamente
cobiçam os fazem oscilar, a maioria das vezes entre a esperança e o medo, estão sempre prontos a acreditar seja no
que for: se têm dúvidas deixam-se levar com a maior das
facilidades para aqui ou para ali; se hesitam, sobressaltados pela esperança ou pelo medo simultaneamente, ainda
é pior, porém, se estão confiantes, ficam logo inchados de
orgulho e presunção. Julgo que toda a gente sabe que é
assim, não obstante eu estar convicto que a maioria dos
homens se ignoram a si próprios. (...) Tanto assim é, que
quem nós vemos ser escravos de toda a espécie de superstições são sobretudo os que desejam sem moderação os
bens incertos. (...) Os homens só se deixam dominar pela
superstição enquanto têm medo. (...)
É possível que alguém pense que, com tal argumento, fazemos dos súditos escravos, na medida em que se
considera que é escravo aquele que age a mando de outrem e livre o que se comporta como bem entende, coisa que, todavia, não é absolutamente verdadeiro. Porque
ninguém, na realidade, é mais escravo do que aquele que
se deixa arrastar pelos prazeres e é incapaz de ver ou fazer
seja o que for que lhe seja útil; pelo contrário, só é livre
aquele que sem reservas se deixa conduzir unicamente
pela razão.”
69
71. José Anastácio de Sousa Aguiar
ESPINOSA, Baruch – Tratado Teológico-Político; Tradução de Diogo Pires Aurélio – São Paulo – Editora Martins Fontes – 2003 – pág. 5, 7 e 241.
“Tomamos consciência da nossa liberdade quando
reconhecemos certas exigências em relação a nós próprios. (...)
Assegurada a nossa liberdade, logo um segundo passo se impõe para a nossa auto-apreensão: o homem é o ser
relativo a Deus. Que quer dizer isso?
Não nos criamos a nós próprios. Cada qual pode
pensar que teria sido possível não existir. Viver é algo de
comum a humanos e animais. Mas nós vivemos na nossa
liberdade, pela qual decidimos sem sujeição automática
à lei natural, não por nós próprios, mas porque a liberdade nos é concedida. (...) No auge da liberdade, quando os
nossos atos nos parecem necessários, não pela coação exterior de um acontecer inevitavelmente submetido às leis
naturais, mas pela íntima adesão de uma vontade que não
pretende outra coisa, temos a consciência de que a nossa
liberdade é uma dádiva da transcendência; quanto mais
autenticamente livre, maior é a certeza que o homem tem
de Deus. Sempre que sou autenticamente livre, tenho a
certeza de que não sou por mim próprio.”
JASPERS, Karl – Iniciação Filosófica; Tradução de Manuela Pinto dos Santos – Lisboa – Guimarães Editores – 9ª Edição – pág. 66 e 67.
“O objetivo dos antigos era a distribuição do poder
político entre todos os cidadãos de uma mesma pátria: era
isso que eles chamavam de liberdade. O objetivo dos modernos é a segurança nas fruições privadas: eles chamam
70
72. O Despertar para a Filosofia
de liberdade às garantias acordadas pelas instituições para
aquelas fruições.
Onde existe desigualdade, a liberdade pode estar escrita nas leis, no estatuto, mas não é coisa real: não é livre o
camponês que depende do proprietário, não é livre o empregado que permanece submetido ao patrão, não é livre o homem da gleba sujeito ao trabalho incessante dos campos.”
BOBBIO, Norberto – Liberalismo e Democracia; Tradução de Marco Aurélio Nogueira – São Paulo – Editora Brasiliense – 6ª Edição – 4ª
Reimpressão – 2000 – pág. 08 e 75.
“A felicidade só pode ter por alicerce a liberdade, e
a liberdade é filha da verdade. Logicamente, só pode ser
real e definitivamente feliz quem conhece a verdade, a
verdade vivida e saboreada experencialmente. (...)
Atingir a essência das coisas existentes é perceber a
unidade através da pluralidade. (...)
Só o Infinito é pleniconsciente, e, portanto, plenamente livre. Afirma, todavia, que o homem é parcialmente
livre, porque parcialmente consciente. Em Deus, a substância infinita, não há vestígio da causalidade, no sentido
passivo (ser causado); qualquer outro ser, porém, está sujeito à causalidade passiva, isto é, não-livre. (...)
De maneira que o homem, livre por sua essência divina, não é livre por sua existência humana. (...)
Pela ignorância, os sentidos nos mantêm na inconsciência da nossa escravidão.
Pela ciência, o intelecto nos torna conscientes da
nossa escravidão.
71
73. José Anastácio de Sousa Aguiar
Pela sapiência, a razão nos liberta da escravidão.
A verdade sobre Deus, a verdade sobre o mundo, a verdade sobre nós mesmos – eis a grande libertadora! (...)
Compreender o universo, diz Spinoza, é estar libertado dele. Compreender tudo, é estar livre de tudo. Somos
escravos de tudo o que ignoramos – somos livres de tudo
que sabemos. (...)
A ética racional é a proclamação da suprema e definitiva liberdade do homem.”
ESPINOZA, Baruch - Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras; Tradução de Jean Melville – São Paulo – Editora Martin Claret – 2002 – Introdução de Huberto Rohden – pág. 19, 20, 30, 32 e 37.
“Do mesmo modo, quando a alma é purificada dos
desejos que vêm até ela pela relação muito estreita que
tem com o corpo, ela é libertada de todas as paixões, purgada de tudo que adquiriu com a encarnação, e, permanecendo inteiramente só, depõe toda a feiúra que vem até
ela através de uma natureza diferente da sua. (...)
Em que consistirá então a verdadeira disciplina moral, a não ser em não se unir aos prazeres dos corpos, mas
fugir deles, visto que são impuros e indignos dos puros? A
coragem, por sua vez, consiste em não temer a morte.”
PLOTINO – Tratado das Enéadas; Tradução Américo Sommerman – São
Paulo – Polar Editorial – 2000 – pág. 28 e 29.
“Aliás, não consiste a liberdade em nada sofrer. Isso
é errado. A liberdade consiste em saber sobrepor o espí72
74. O Despertar para a Filosofia
rito acima das injúrias; em fazer de si mesmo a fonte de
onde provém tudo quanto causa satisfação, em desapegar-se das coisas exteriores, de sorte a não viver preocupado, seja pelo medo de riscos desdenhosos, seja de
línguas destemperadas.”
SENECA – A Constância do Sábio; Tradução Luiz Feracini – São Paulo –
Editora Escala – pág. 73 e 74.
“Chamo servidão a impotência do homem para governar e refrear suas paixões. Com efeito, submetido às paixões, o homem não é autônomo, mas dependente da fortuna, de tal modo estando sob o seu poder que muitas vezes
é forçado a fazer o pior, mesmo que veja o melhor.(...)
Assim, vemos que os homens chamam, de ordinário,
‘perfeitas’ ou ‘imperfeitas’ as coisas naturais, mais em virtude de um preconceito do que pelo verdadeiro conhecimento dessas coisas.”
ESPINOZA, Baruch – Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras;
Tradução de Jean Melville – São Paulo – Editora Martin Claret – 2002 –
Introdução de Huberto Rohden – pág. 283 e 284.
73
75.
76. O Despertar para a Filosofia
Morte
“Só o evoluído readquire plena consciência depois
da morte, tanto mais plena quanto mais for evoluído.
Consciência quer dizer conhecimento do pensamento diretivo da Lei, do plano geral do universo e de sua posição,
para realizar como operário de Deus, a própria função e a
do próprio destino de ascensão.
Os animais vivem apenas no plano físico do corpo,
não podendo, por isso, gozar depois da morte, de uma
vida consciente, que não possuem, pois ainda não conquistaram. Saem da vida física e a ela voltam por um fenômeno automático, determinístico, assim como caem as
gotas da chuva, sem sabê-lo. A massa involuída da maioria dos seres humanos está pouco mais acima desse nível
e permanece semi-consciente, ou seja, com uma consciência limitada ao da sua forma mental sensória no ambiente terrestre. (...)
Com a evolução, o centro da vida afasta-se do plano material cada vez mais no sentido do plano espiritual.
Quanto mais é involuído o ser, tanto mais a vida terrena
lhe é não só a verdadeira vida mas também toda a vida,
tanto mais lhe é preciosa e tanto mais perdê-la significa
verdadeiramente morrer. Quem não possui uma vida intelectual e espiritual em que viva liberto do corpo, teme a
morte, porque nela se sente realmente morrer. Ao contrário, quanto mais evoluído for o ser, tanto menos a vida corpórea é a verdadeira vida ou toda a vida. Ele conhece uma
vida maior, onde sabe ser eterno e indestrutível; ninguém
pode matá-lo, a não ser a sua própria vontade de involuir,
praticando o mal. O seu inimigo não é mais o seu seme75
77. José Anastácio de Sousa Aguiar
lhante, que não lhe interessa mais vencer, porque não lhe
disputa o espaço vital. Sua luta é contra a própria animalidade, única coisa que o impede de dominar, subindo. O
evoluído, ao descobrir essa vida maior, não teme a morte,
porque sabe que não morrerá de maneira nenhuma.”
UBALDI, Pietro – O Sistema; Tradução Carlos Torres Pastorino – Rio de
Janeiro – Instituto Pietro Ubaldi – 3ª Edição – pág. 182 e 183.
“A filosofia será simultaneamente a aprendizagem da
vida e da morte. A insegurança da existência no tempo faz
da vida uma constante tentativa. (...)
Se filosofar é aprender a morrer, é porque saber
morrer é precisamente a condição de uma vida autêntica.
Aprender a viver e saber morrer são o mesmo.”
JASPERS, Karl – Iniciação Filosófica; Tradução de Manuela Pinto dos
Santos – Lisboa – Guimarães Editores – 9ª Edição – pág. 124.
“A alguém que lhe perguntou se a morte era um mal,
Diôgenes respondeu: Como poderia ser um mal, se quando está presente não a percebemos?”
LAÊRTIOS, Diôgenes – Vida e Doutrina dos Filósofos Ilustres – Brasília
– Editora UnB – 2ª Edição – 1977 – pág. 169.
“É inútil especular sobre a imortalidade e seus atributos, porque nenhum homem pode, no presente estágio
de evolução, ter um conhecimento claro sobre isso, infinitamente maior do que ele no grau atual; a imortalidade
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78. O Despertar para a Filosofia
consiste essencialmente na voluntária integração da parte
no Todo, no Amor universal. (...)
Negar que o homem, pela separação do corpo material, perca a consciência da sua identidade equivale a negar a sua imortalidade. Todas as coisas são eternas em seus
últimos constitutivos; mas essa eternidade de elementos
últimos não é imortalidade. A imortalidade é mais que
uma eternidade elementar, é uma eternidade consciente,
isto é, a conservação da identidade no Ego.”
ESPINOZA, Baruch – Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras;
Tradução de Jean Melville – São Paulo – Editora Martin Claret – 2002 –
Introdução de Huberto Rohden – pág. 45.
“A morte: término das reações de nossos sentidos,
das excitações de nossos desejos, das divagações de nossos pensamentos, da escravidão da carne. (...)
Preocupas-te por pesares tantos quilos e não mais
que isso? Haja da mesma forma quando se tratar de viver
tantos anos e não mais. Assim como te contentas com a
quantidade de substância que te foi concedida, contentate com o teu quinhão de tempo.”
AURÉLIO, Marco – Meditações; Tradução de Alex Marins – São Paulo –
Editora Martin Claret – 2003 – pág. 57 e 61.
“Ora, a morte é a separação entre a Alma e o corpo, e o
homem que ama estar livre em relação ao corpo não temerá
essa separação. Já a magnanimidade é o desprezo pelas coisas daqui debaixo. A sabedoria é o ato da inteligência que se
desvia das coisas debaixo e conduz a Alma para as do alto. As77