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A hora de estrela
O Enredo
Antes de iniciar este tópico, é preciso que saibamos que as obras de Clarice
dificilmente têm um enredo, um começo, meio e fim, como os cânones
narrativos tradicionais. A própria autora nunca soube explicar os seus
processos de criação. “É um mistério”, dizia ela. “Quando penso numa história,
eu só tenho uma vaga visão do conjunto, mas isso é coisa de momento, que
depois se perde. Se houvesse premeditação, eu me desinteressaria pelo
trabalho.” (CAMPADELLI & ABDALLA JR.). Mais do que histórias, os seus
livros contêm impressões. Por isso, consciente de sua condição como
(não-)escritora, Clarice dizia-se uma “sentidora, intuitiva”.
A Hora da Estrela foi o último livro da autora publicado em vida. O narrador do
romance é Rodrigo S. M., escritor que ironiza, através de várias contínuas no
texto, o estilo de narrativa que ele próprio utiliza. Dessa forma, ele se coloca
como uma das personagens centrais do romance, já que dialoga o tempo todo
com o leitor sobre o estilo de sua narrativa. Sua personagem-protagonista é
Macabéa (Maca), alusão irônica aos sete macabeus, personagens bíblicos.
Após a morte de seus pais, quando tinha dois anos de idade, Maca fora criada
por uma tia beata, a qual nela muito batia. “Acumula em seu corpo franzino,
‘herança do sertão’, todas as formas de repressão cultural, o que a deixa
alheada de si e da sociedade. Dessa forma, segundo o narrador, ela nunca se
deu ‘conta de que vivia numa sociedade técnica onde ela era um parafuso
dispensável’”. (idem) De Alagoas, a protagonista muda-se para o Rio de
Janeiro, onde passa a viver com mais quatro colegas de quarto (todas Marias)
na rua do Acre. Trabalhava como datilógrafa, profissão da qual tinha muito
orgulho. Era virgem, e nunca, até Olímpico de Jesus, possuíra um namorado.
Este, também nordestino, procurava a ascensão social, assim como ela tinha
o sonho de ser uma “estrela de cinema” (daí o título do livro). Por não terem a
ambição em comum, Macabéa perde-o para sua amiga de trabalho (e única),
Glória, a qual possuía os atrativos materiais que ele sonhava.
A busca de identidade da personagem-protagonista processa-se quando ela
se observa diante do espelho. A primeira imagem que vê é a do autor, Rodrigo
S. M., majestático e presente em todo o texto, moldando a personagem à sua
imagem e solidão. Há, também, outras vezes em que Maca se olha no
espelho. Em uma delas, assim que rompera com Olímpico, ela, diante do
espelho, passa em seus lábios um batom vermelho como busca da identidade
desejada: Marilyn Monroe, símbolo social e sexual inculcado pelas
superproduções de Hollywood da década de 50.
Por conselho de Glória, Macabéa vai procurar ajuda em uma cartomante,
sendo esta a única vez em que se dera conta da vida medíocre que levava;
fora preciso Madame Carlota dizer isso a ela. Reforçando a ideia de “nostalgia
do futuro”, a vidente prevê que a vida da nordestina mudaria a partir do
momento em que saísse de sua casa. Esta também foi a primeira vez em que
Macabéa encorajou-se para ter esperança. Um homem estrangeiro, alourado,
“de olhos azuis, ou verdes, ou castanhos, ou pretos” (p. 77) apareceria em sua
vida, casar-se-ia com ela. Ironicamente, a protagonista sai da casa de
Madame Carlota e é atropelada por um Mercedes Benz. Consolida-se a “hora
da estrela” de cinema, quando ela vai ser “tão grande como um cavalo morto”:
ferida, a personagem vomita uma “estrela de mil pontas”. Com ela, morre
também o narrador, identificado com a escrita do romance, que neste instante
se acaba.
As Personagens
Com um falso livre-arbítrio, o narrador da narrativa decide que serão “uns sete
(...) e eu sou um dos mais importantes deles, é claro.” (p. 13)
Macabéa: nordestina (alagoana) que migra para o Rio de Janeiro, é a
protagonista da narrativa. Datilógrafa, “toda fome e deserto”, Macabéa (Maca,
como o narrador passa a chamá-la no decorrer da história) tem o heroísmo
dos seus irmãos bíblicos, os sete macabeus. Seu nome é grafado quase
como escreve-se “maçã”, símbolo da tentação, só que, como não poderia
deixar de ser, sem os adornos da palavra indicadora da fruta. A personagem
principal do livro mal tem consciência de existir, mas tem um desejo: tornar-se
estrela de cinema, e admira com certa dose de melancolia Marylin Monroe e
Greta Garbo. No fim da trama, de certa forma, acaba conseguindo realizar o
seu sonho: a hora da estrela condiz com o momento de sua morte.
Dialogando intertextualmente com Os Sertões de Euclides da Cunha, a autora
(ou o narrador?) chega a comentar que “o sertanejo é antes de tudo um
paciente”(p. 79)
Olímpico de Jesus: imigrante nordestino assim como Macabéa, Olímpico
trabalhava como operário numa metalúrgica e dizia-se “metalúrgico”.
Possuidor de um dente de ouro, o qual muito estimava por ser demonstrador
de poder, sonhava em um dia ser deputado, mas seu desejo secreto era ser
toureiro. Procurava ascensão social a qualquer preço, seja do roubo ou do
crime de morte. “Para mim a melhor herança é mesmo muito dinheiro. Mas um
dia vou ser muito rico, disse ele que tinha uma grandeza demoníaca: sua força
sangrava.” Torna-se o namorado da protagonista no decorrer da trama.
Glória: amiga de trabalho (e a única) de Macabéa, possuía todo o charme e
“carnes” que a outra não tinha. “Carioca da gema” (razão forte pela qual
Olímpico atrai-se por ela), rouba o namorado da amiga. Na página 59 do livro
há uma ótima descrição desta personagem: “Glória possuía no sangue um
bom vinho português e também era amaneirada no bamboleio do caminhar
por causa do sangue africano escondido. Apesar de branca, tinha em si a
força da mulatice. Oxigenava em amarelo-ovo os cabelos crespos cujas
raízes estavam sempre pretas. Mas mesmo oxigenada ela era loura, o que
significava um degrau a mais para Olímpico. (...) apesar de feia, Glória era
bem alimentada. E isso fazia dela material de boa qualidade.”
“Glória roliça, branca e morna. Tinha um cheiro esquisito. Porque não se
lavava muito, com certeza. Oxigenava os pêlos das pernas cabeludas e das
axilas que não raspava. Olímpico: será que ela é loura embaixo também?” (p.
63)
Seu Raimundo Silveira: chefe da firma de representante de roldanas, é o
responsável pela demissão de Macabéa, pois ela errava demais na
datilografia, além de sujar invariavelmente o papel.
A tia: beata que cria Maca após a morte da mãe menina, quando tinha dois
anos de idade. “Muito depois fora com a tia beata, única parenta sua no
mundo. Uma outra vez se lembrava de coisa esquecida. Por exemplo a tia lhe
dando cascudos no alto da cabeça porque o cocoruto de uma cabeça deveria
ser, imaginava a tia, um ponto vital. (...) Batia mas não era somente porque ao
bater gozava de grande prazer sensual — a tia não se casara por nojo — é
que também considerava de dever seu evitar que a menina viesse um dia a
ser uma dessas moças que em Maceió ficavam nas ruas de cigarro aceso
esperando homem.” (p. 28)
As quatro Marias: Maria da Penha, Maria Aparecida, Maria José e Maria
apenas eram as colegas de quarto da nordestina. Uma delas trabalhava
vendendo produtos de beleza Coty.
Madama Carlota: a cartomante que prevê o futuro reluzente de Maca. Trata-a
com um carinho que ninguém jamais dirigiu à protagonista. “Era enxundiosa,
pintava a boquinha rechonchuda com vermelho vivo e punha nas faces
oleosas duas rodelas de ruge brilhoso. Parecia um bonecão de louça meio
quebrado.”(p. 72). Durante a consulta, a cartomante comia um bombom atrás
do outro compulsivamente. Trabalhara na zona e, sem poder ser diferente da
realidade que conhecemos, sustentara um cafetão, a quem amava.
Tornara-se cafetina quando começara a engordar e perder os dentes. O
narrador coloca Madama Carlota como o ponto alto da existência de Macabéa,
já que seria a informante do seu futuro, que mudaria (e realmente mudou) a
partir do momento em que Maca saísse da casa da Madama.
O médico: procurado por Maca, quando, pela primeira vez na vida, fez a
audácia de procurar um médico (barato) após o recebimento do salário. “Muito
gordo e suado, tinha um tique nervoso que o fazia de quando em quando
ritmadamente repuxar os lábios. O resultado era parecer que estava fazendo
beicinho de bebê quando está prestes a chorar. (...) não tinha objetivo
nenhum. A medicina era apenas para ganhar dinheiro e nunca por amor à
profissão nem a doentes. Era desatento e achava a pobreza uma coisa feia.
Trabalhava para os pobres detestando lidar com eles. Eles eram para ele o
rebotalho de uma sociedade muito alta à qual também não pertencia. Sabia
que estava desatualizado na medicina e nas novidades clínicas mas para
pobre servia. O seu sonho era ter dinheiro para fazer exatamente o que queria:
nada.” (ps.67, 68)
O rico ocupante do Mercedez Benz: dono do carrão amarelo, alourado e
estrangeiro, é quem vai realizar, de certa forma, as previsões de Madama
Carlota.
O narrador: também uma personagem, Rodrigo S. M., a questão do narrador
será melhor discutida logo a seguir.
Foco Narrativo
Dizer se o foco narrativo de A Hora da Estrela é em primeira ou terceira
pessoa é uma questão não tão simples de ser respondida, já que é um dos
pontos mais inovadores e estilisticamente extraordinários do livro. A autora
inventa um narrador (que, portanto, é também uma personagem e se assume
durante a narrativa como tal) para contar a história de Macabéa. Assim sendo,
o narrador, apesar de fazer parte da história, não conta uma trama que
acontecera com ele, e sim, com a sua personagem inventada, que poderia ser
real. A narrativa desvenda a sua problemática interior e à medida que nos faz
conhecer a protagonista, também nos mostra (e vai descobrindo) a sua
própria identidade.
“A ação dessa história terá como resultado minha transfiguração em outrem e
minha materialização em objeto. Sim, e talvez encontre a flauta doce em que
eu me enovelarei em macio cipó.” (p. 20). O narrador é onipotente, pois cria
um destino. É onisciente, pois sabe tudo a respeito de suas personagens,
apesar de não conhecer a verdade inteira, já que se mostra no ato de inventar.
Hesita, pois não conhece o final da história. Por sentir-se culpado em relação
à protagonista, suspende-lhe a morte por páginas e páginas. Quando,
finalmente, decide-se pelo “gran finale”, volta-se contra si mesmo: “Até tu,
Brutus?” (p. 85). Sá, em sua obra anteriormente citada, comenta que “Clarice
sabe que todo narrador inventa o mundo à sua imagem e semelhança e o ‘ele’
ou ‘ela’ das fábulas é sempre um disfarce do ‘eu’ do escritor. O narrador se
escreve todo através de Macabéa, por entre seus próprios espantos. Sua
onipotência se estende ao leitor, com o qual dialoga constantemente. A
função fática é uma tônica dessa narrativa.” (p.212) Tanto é assim, que o
narrador morre quando morre Macabéa. E morre também Clarice Lispector.
“As coisas são sempre vésperas e se ela não morre agora, está como nós na
véspera de morrer, perdoai-me lembrar-vos porque quanto a mim não me
perdôo a clarividência.” (p. 84).
O narrador precisa escrever para poder se compreender. “Enquanto eu tiver
perguntas e não houver resposta continuarei a escrever.” (p.11) Essa é a dor
que atravessa a narrativa, já indicada pela dor de dentes que perpassa a
história, a qual é “uma melodia sincopada e estridente — é a minha própria
dor, eu carrego o mundo e a falta de felicidade. Felicidade. Nunca vi palavra
mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.” (p.
12). A tarefa do escritor é “procurar a palavra no escuro”. E ele não pode parar
de escrever, já que “ao escrever me surpreendo um pouco pois descobri que
tenho um destino”. Assim, vai se descobrindo ao longo da narrativa. Este
escritor só se livra de ser um acaso na vida pelo fato de escrever. Não tem
classe social, “ironicamente, denuncia o escritor burguês que defende a
necessidade da literatura engajada, faz-se pobre, dorme pouco, deixa a barba
por fazer, anda nu ou em farrapos, abstém-se do sexo e do futebol.” (Sá, 1979,
p. 214) Como ele mesmo diz, “escrevo porque sou um desesperado e estou
cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre
novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.” (p.
21).
É facilmente percebível, portanto, que a questão do foco narrativo em A Hora
da Estrela é um dos pontos altos da novela. E se “os modos de articulação em
uma narrativa são ilimitáveis porque ilimitável é a combinatória de signos
possível no engendramento da teia ficcional, e a postura do narrador, em
relação às personagens, amplia ainda mais essa possibilidade criativa,
oferecendo através de seu ângulo de visão uma fresta por onde se pode
descortinar o mundo, o seu mundo” (KADOTA, s/d, p.71); a possibilidade
criativa da narrativa, além de ilimitável, é surpreendente e inovadora,
demonstrando a bela e sensível capacidade inventiva de Lispector.
Gênero Literário e Material da Narrativa
Como anteriormente já foi citado, a narrativa tem um tom de novela, não
apenas pelo número de personagens, mas também porque a descrição e a
narração ocupam posição privilegiada na obra.
Uma “história exterior e explícita”, A Hora da Estrela não deixa de ser um
relato, um registro de fatos. O narrador, a contra-gosto, apaixonou-se por
fatos, mas cansar-se-á deles por serem banais e definíveis. O “sussurro”,
porém, é o que predomina nos interstícios da narrativa: “Os fatos são sonoros,
mas entre os fatos há um sussurro. É o sussurro que me impressiona.” (p. 31).
A pergunta que, de certa forma, já havia sido feita em Perto do Coração
Selvagem repete-se: “Será mesmo que a ação ultrapassa a palavra?” (p. 22)
Para Lispector, por ser o material básico da escritura a palavra, ela domina
qualquer narrativa e sobrepõe-se a qualquer fato. “Assim é que esta história
será feita de palavras que se agrupam em frases e destas se evola um sentido
secreto que ultrapassa palavras e frases.” (p. 14). E para o narrador, é como
se as palavras tivessem realmente poder sobre a narrativa, como se ele fosse
impotente em relação à história que irá contar: “Não se trata apenas de
narrativa, é antes de tudo vida primária que respira, respira, respira.” (p. 13)
Tempo e Espaço
O tempo da narrativa se mostra cronológico e linear, apesar de embaraçar o
narrador, que preferiria começar pelo fim: “Só não inicio pelo fim que
justificaria o começo — como a morte parece dizer sobre a vida — porque
preciso registrar os fatos antecedentes.” Depois das muitas divagações do
início do livro, em que o narrador mais se narra do que faz progredir a ação
narrativa, enfim ele inicia pelo meio, quando a moça nordestina recebe o aviso
de despedida do emprego e vai refugiar-se no banheiro. Assim, o narrador
projeta respeitar o tempo do relógio, como se a narrativa fosse sendo
construída simultaneamente à leitura, intuito este que é marca extremamente
clariceana, não apenas nessa obra.
A narrativa se passa em um ambiente urbano. “Cidade toda feita contra ela” (p.
15), Macabéa, O Rio de Janeiro é o cenário das fracas aventuras da
protagonista alagoana. Dentre ruas cariocas, o quarto barato que as moças
compartilham entre si, a casa da cartomante, o lugar do trabalho, o banheiro,
a história se desenvolve. Como cita Sá em sua obra A escritura de Clarice
Lispector, “nesse espaço há espelhos comidos pela ferrugem, bares, a Rádio
Relógio, cinemas baratos, Jardim Zoológico, automóveis de luxo Mercedez
Benz, patrocínio de refrigerante mais popular, que ‘patrocinou o último
terremoto em Guatemala’ (HE, p.29), Rua do Acre para morar, rua do
Lavradio para trabalhar. Com a raridade de um galo ‘cocoricando’ de manhã e
o cais do porto para espiar, no Domingo, um ou outro prolongado apito de
navio cargueiro.” Assim, pode-se perceber os contrastes (não apenas sociais)
existentes em metrópoles brasileiras e o desalento de um imigrante
nordestino que busca uma vida melhor no sul também pela ambientação da
narrativa.
Análise da Obra
“Macabéa, personagem central de A Hora da Estrela de Clarice Lispector, é
uma retirante nordestina que vai tentar vida nova na cidade grande (Rio de
Janeiro). Filha do sertão, nasceu e permaneceu raquítica. Anônima,
desajeitada, desgarrada do mundo, tudo nela inspira descompasso e
compaixão. Seus dias dividem-se entre o trabalho como datilógrafa e o
pretendente, também nordestino, Olímpico de Jesus. As madrugadas, para
ela, são embaladas pelos sons regulares da Rádio Relógio: hora certa,
anúncios, pouca ou nenhuma música. (...) É por intermédio dessa escuta,
entretanto, que Macabéa vai lentamente construindo um certo
reconhecimento sobre si e sobre o mundo.” (AQUINO, 2000, p. 205) A rádio
realmente desperta na moça uma avidez por conhecimento, o que fazia com
que sua vida se tornasse menos banal, mais importante.
A Hora da Estrela apresenta certos momentos que não podem deixar de ser
comentados. Comecemos pelo título:
A HORA DA ESTRELA
A culpa é minha
ou
A hora da estrelas
ou
Ela que se arrange
ou
O direito ao grito
.quanto ao futuro.
ou
Lamento de um blue
ou
Ela não sabe gritar
ou
Uma sensação de perda
ou
Assovio no vento escuro
ou
Eu não posso fazer nada
ou
Registro dos fatos antecedentes
ou
História lacrimogênica de cordel
ou
Saída discreta pela porta dos fundos
A obra apresenta doze títulos que se desdobram e representam algum
aspecto da história que logo mais será narrada. Em “.quanto ao futuro.”, por
exemplo, o título é precedido e seguido por ponto, isso porque o futuro da
história depende única e exclusivamente do seu narrador (Rodrigo S. M.), que
determina com um “falso livre-arbítrio” o destino das personagens, sendo ele
próprio uma das mais importantes. É “uma história com começo, meio e ‘gran
finale’ seguido de silêncio e de chuva caindo”, como diria o próprio narrador,
apesar de a história não ter esse aspecto temporal tão bem definido como ele
nos (leitores) dá a entender que teria.
O material básico em que se sustenta a narrativa é a palavra, que se agrupa
em frases, com um sentido secreto. “O escritor renuncia à transfiguração
própria da ficção e não enfeita a palavra (não utiliza “termos suculentos” como
“adjetivos esplendorosos, carnudos substantivos e verbos tão esguios que
atravessam agudos o ar em vias de ação”), pois sua personagem é uma pobre
e esfomeada moça nordestina.” (SÁ, 1979, p. 97). Dessa forma,
subentende-se que se pode ler, no questionamento contínuo a que a escritora
submete a linguagem em geral e a da ficção, em particular, uma
desmistificação irônica do narrador do anti-romance moderno e de seus
artifícios.
Apesar de o narrador escrever em fluxo de consciência, tentando embaralhar
as coisas, a narrativa é escrita em tempo linear, sendo o leitor diretamente o
seu interlocutor. O leitor é sustentado por suas próprias palavra e “deve
embeber-se da jovem como um pano de chão todo encharcado.”
A morte, declaradamente, foi colocada na narrativa de Rodrigo S. M. como
uma personagem não ordinária, ao contrário, como sua personagem predileta
e ele assume a morte de Macabéa como se fosse feita exclusivamente para o
leitor: “O final foi bastante grandiloquente para a vossa necessidade?”. Sua
futura morte também é expressa quando morre a protagonista, mas “por
enquanto é tempo de morangos.” (p.87)
Finalmente, devemo-nos lembrar de que A Hora da Estrela seria um “ponto de
articulação” entre as lições realista-naturalistas da autora e seus poemas em
prosa, nos quais tempo, enredo e personagens se desagregam. Esta novela
“não só recolhe quase todos os problemas da narrativa dos outros romances
de Clarice Lispector, mas também muitas de suas imagens.” (SÁ, 1979, p.
215).
Assim, saibamos que Clarice produz aquela que seria a última de suas obras
publicadas em vida de maneira grandiosa, para que nunca nos esqueçamos
da riqueza e originalidade de seu estilo.
O Estilo Clariceano
As inovações feitas por Clarice Lispector em sua escritura, desde a sua
primeira obra publicada, provocaram grande espanto na crítica e no público da
época. Grandes críticos literários chegaram a apontar inúmeras falhas nos
romances da escritora, como o fez Álvaro Lins, em sua obra Os mortos de
sobrerressaca, 1963, p. 189: “li o romance duas vezes, e ao terminar só havia
uma impressão: a de que ele não estava realizado, a de que estava completa
e inacabada a sua estrutura como obra de ficção.” Sem a frequência das
estruturas tradicionais dos gêneros narrativos, a narrativa clariceana quebra a
ordem cronológica e funde a prosa à poesia.
Uma das inovações de sua linguagem para a literatura brasileira é o fluxo de
consciência. Para entendermos o que é isso, seguiremos a definição de
Norman Friedman sobre análise mental, monólogo interior e fluxo de
consciência. “O primeiro é definido como um aprofundamento nos processos
mentais da personagem por uma espécie de narrador onisciente; o segundo,
um aprofundamento maior, cuja radicalização desliza para o fluxo de
consciência onde a linguagem perde os nexos lógicos e se torna caótica”
(KADOTA, s/d, p. 74). Clarice transitaria pelos três movimentos, apesar de
presentar características mais evidentes de “fluxo de consciência”.
É como se uma câmera fosse instalada na cabeça da personagem, como se
pudéssemos acompanhar exatamente o que ela pensa e da mesma maneira
como pensa. Sabemos que o nosso pensamento não é ordenado, e quando
se pretende demonstrá-lo de forma semelhante, acompanhamos sua
desordem. Presente e passado, realidade e desejos da personagem (ou
narrador) misturam-se na narrativa, quebrando limites espaço-temporais
verossímeis. Joyce e Proust já haviam feito experiências como essa, mas foi
Clarice que introduziu esse estilo no Brasil.
Para Friedman, “a ‘Câmera’ e o ‘Fluxo de Consciência’ são os que mais
caracterizam a literatura contemporânea porque neles se detecta uma
subversão ótica tradicional do relato. (...) É um resgate dos pensamentos das
personagens ou do narrador na sua forma primitiva, à medida que surgem,
desarticulados, como a própria sintaxe que os apresenta e descontínuos
como o mundo que lhes dá sustentação.” (idem, ps. 74/75).
A organização textual clariceana aproxima-se da rebeldia. Ela, “como James
Joyce, como Virginia Woolf, se propôs a essa busca introspectiva, através de
‘insights’ luminosos, ou de uma escritura pontilhada de minúsculos incidentes
descontínuos, que melhor revelam os conflitos humanos, superando qualquer
descrição do narrador ou um encadeamento de fatos, por mais
representativos que se mostrem a um primeiro olhar.” (Kadota, p. 77)
Os textos clariceanos também estão repletos de epifania (revelação). Suas
personagens costumam viver momentos epifânicos, como se tivessem
realmente tido uma revelação, desencadeada por qualquer fato banal, e, a
partir dela, pudessem ter uma visão mais aprofundada da vida , das pessoas,
das relações humanas. Sobre isso, Cereja e Magalhães comentam: “De modo
geral, esses momentos epifânicos são dilacerantes e dão origem a rupturas
de valores, a questionamentos filosóficos e existenciais, permitindo a
aproximação de realidades opostas, tais como nascimento e morte, bem e mal,
amor e ódio, matar ou morrer por amor, seduzir e ser seduzido, etc.” (1995, p.
413)
Apesar de desenvolver, na maioria das vezes, personagens femininas, Clarice
extrapola os limites da experiência pessoal da mulher e seu ambiente familiar.
Os temas tratados por ela são universais e essencialmente humanos.
Temáticas como as relações entre o eu e o outro, a falsidade das relações
humanas, a condição social da mulher, o esvaziamento das relações
familiares e, sobretudo, da linguagem, são abordadas pela autora intimista e
psicológica, mas de forma alguma alienada, como muitos já chegaram a dizer.
Em A Hora da Estrela, por exemplo, a questão da migrante nordestina em
uma cidade grande como o Rio de Janeiro, relações e reflexões
existencialistas, a condição e o papel do escritor moderno, entre outras foram
abrangidas de forma estilisticamente original e sensível.
Berta Waldman, em sua obra anteriormente citada, comenta o “silêncio de
Clarice”, reflexão que nos vale a pena conferir: “Entre a palavra e o silêncio,
entre o que diz e o que está implícito em seu dizer, situa-se o texto de Clarice.
Ler o seu texto é penetrar nesse âmbito elétrico onde forças opostas se
digladiam. (...) Se quisermos saber o que diz o seu texto, devemos interrogar
também o silêncio. Não o silêncio que se situa antes da palavra e que é um
querer dizer, mas o outro, o que fica depois dela e que é um saber que não
pode dizer a única coisa que, de fato, valeria a pena ser dita.” (1983, p. 89)
parte 2
1. Enredo
Em A Hora da Estrela, aquilo que se convencionou chamar de enredo é algo
bastante simples, com pouca ação, e pode ser resumido assim:
Uma feia moça nordestina, muito pobre, muito simplória, muito ignorante, mas
também muita rica em peculiaridades que o narrador descobre nela, é a
personagem central [protagonista] da história. Essa moça tem 19 anos, chama-se
Macabea e vive no Rio de Janeiro, na Rua do Acre, próxima do cais do porto,
onde compartilha, num velho sobrado, as vagas de um quarto muito modesto,
com mais quatro moças [todas Marias e todas balconistas das Lojas Americanas].
Macabea trabalha como datilógrafa numa firma de representantes de roldanas,
que fica na Rua do Lavradio. Quando viera para o Rio, ainda vivia com a tia beata,
pessoa que a criara desde a morte dos pais, aos dois anos de idade, no sertão de
Alagoas, onde a moça nascera. Mais tarde, foram morar em Maceió e, depois,
não se sabe por quê, mudaram-se para o Rio. Só após a morte da tia é que
Macabea vai viver no quarto da Rua do Acre.
Os fatos propriamente ditos começam a ser narrados quando a nordestina
recebe de seu chefe, Raimundo Silveira, [por quem ela estava secretamente
apaixonada] o aviso de que será despedida por incompetência. Como Macabea
aceita o fato com enorme humildade, o chefe se compadece e resolve não
despedi-la imediatamente.
Logo depois disso, num final de tarde chuvoso, dia 7 de maio, a moça encontra,
por acaso, um rapaz também nordestino [Olímpico de Jesus], com quem inicia
uma espécie de namoro. Esse namoro, porém, dura pouco, pois Olímpico, um
operário ambicioso e de maus antecedentes, acaba trocando Macabea por Glória,
sua colega, com quem ele acha que terá mais chances de 'subir na vida', já que
ela era mais bonita e muito mais esperta do que Macabea.
Glória, com certo sentimento de culpa por ter roubado o namorado da colega,
sugere a Macabea que vá a uma cartomante, sua conhecida. Para isso,
empresta-lhe dinheiro e diz-lhe que a mulher [Madame Carlota] era tão boa, que
poderia até indicar-lhe o jeito de arranjar outro namorado. Macabea vai, então, à
cartomante, que, primeiro, lhe faz confidências sobre seu passado de prostituta;
depois, após constatar que a nordestina era muito infeliz, prediz-lhe um futuro
maravilhoso, já que ela deveria casar-se com um belo homem loiro e rico - Hans -
que lhe daria muito luxo e amor.
Macabea sai da casa de Madame Carlota 'grávida de futuro', encantada com a
felicidade que a cartomante lhe garantira e que ela já começava a sentir. Então,
logo ao descer a calçada para atravessar a rua, é atropelada por um luxuoso
Mercedes amarelo. E a morte vem lentamente, enquanto o narrador vai fazendo
divagações e reflexões filosóficas, às vezes fóricas sobre Macabea, sua vida, seu
destino e sobre o próprio ato de narrar e a [in]capacidade dele, narrador, de
evitar a morte da personagem.
Enfim, tendo se acomodado fetal, Macabea morre. Assim, ao que tudo indica, é
através da morte que essa pobre criaturinha, de 'corpo cariado' e 'útero murcho',
mas que queria ser 'artista de cinema', vai encontrar a sua hora de estrela.
E, morrendo Macabea, morre o próprio narrador, Rodrigo S.M. Ao longo de toda
a narrativa, a identificação e o envolvimento de Rodrigo com sua personagem é
realmente tão grande, [tornando-se ele a própria consciência que Macabea não
possuía] que se entende por que ele diz morrer junto com ela.
2. Personagens
2.1. Rodrigo S.M. - o narrador e, na verdade, personagem muito importante do
relato. Representa, sem dúvida, a própria Clarice, com seus mistérios, suas
interrogações, sua preocupação constante em mergulhar fundamente na
interioridade do ser humano. Ele inicia o livro justamente fazendo reflexões e
indagações sobre a existência e sobre o ato de escrever. Apresenta-se, depois,
justificando por que a história terá de ser contada por um narrador homem e
dizendo que decidiu escrever sobre a moça porque 'numa rua do Rio de Janeiro
peguei no ar de relance o sentimento de perdição no rosto de uma moça
nordestina'.
2.2. Macabea - a moça nordestina [alagoana] de 19 anos, que vivia sem família,
pobre, desleixada e subempregada no Rio de Janeiro. Era tão alienada e
inconsciente, que não sabia num mesmo que era infeliz.
2.3. Olímpico de Jesus - o primeiro e único namorado de Macabea. Nordestino da
Paraíba, já havia cometido um crime e estava no Rio trabalhando com lúrgico.
Ambicioso e sem escrúpulos de honestidade e decência, pretendia ser deputado.
Adorava ouvir discursos e sabia desenhar caricaturas.
2.4. Glória - colega de trabalho de Macabea. Loira oxigenada, embora não fosse
bonita, era bem alimentada e 'amaneirada no bamboleio do caminhar por causa
do sangue africano escondido'. Isso e o fato de ser filha de açougueiro
constituíram atrações para o ambicioso Olímpico, que deixa Macabea por ela.
2.5. Madame Carlota - a cartomante. Ex-prostituta e ex-cafetina, era 'fã de Jesus'
e gostava muito de comer bombons. Prevê dinheiro grande e marido estrangeiro
para Macabea.
3. Comentário da obra
3.1. Mais um romance do 'eu'
O grande crítico Massaud Moisés diz, a respeito da obra de Clarice Lispector, que
'a personagem única, ou predominante, da ficção da autora é ela própria.
Romances do 'eu', contos do 'eu', eis o que são as suas obras: fictício, ou
construído, suposto ou imaginário, 'verdadeiro' ou 'real', não importa, é o 'eu' da
ficcionista - que pode não ser o da Clarice Lispector/pessoa física, mas é difícil
supô-lo - a personagem central [heroína/anti-heroína?] de suas narrativas.' [...]
Tudo se passa como se a escritora somente tivesse o 'eu' da sua fantasia. Só por
isso o se caso se torna incomparável em nosso meio literário'.
'É que o 'eu' da autora constitui para si próprio um enigma. E para
desvendá-lo/desvendar-se, põe-se a [re]escrever os textos em que se manifesta,
como se outro destino não tivesse. Em dado momento de A descoberta do
mundo, diz ela que seus romances não são autobiográficos nem de longe, 'mas
fico depois sabendo por quem os lê que eu me delatei.'
Por tudo isso, em A hora da estrela, podemos ver Clarice transfigurada em
Rodrigo S.M. e também, de certa maneira, na nordestina Macabea, com quem o
narrador se identifica por várias razões, como, por exemplo, pelo fato de ele
[=Clarice], quando menino[a], ter vivido no Nordeste.
3.2. Aspectos sociais
Embora a crítica tenha acusado de ser a ficção de Clarice excessiva ou
exclusivamente interiorizada, cheia de mistério, abstração, considerações e
indagações filosóficas de caráter intimista, a própria Clarice declarou:
'Desde que me conheço o fato social teve em mim importância maior do que
qualquer outro: em Recife os mocambos foram a primeira verdade para mim. [...]
Na verdade sinto-me engajada. Tudo o que escrevo está ligado, pelo menos
dentro de mim, à realidade em que vivemos.'
Se esse engajamento ao social não pode ser notado em outros livros de Clarice, é
certo que, em A hora da estrela, 'Macabea representa o aviltamento por passa o
ser humano, quando sua vida é barateada. Ela representa todos os perdidos
retirantes nordestinos que se movem alienamente numa metrópole como o Rio
de Janeiro'.
3.3. O narrador
O relato se faz todo em primeira pessoa, e o enredo parece ser apenas um
pretexto para que Rodrigo S.M. exponha as suas reflexões e indagações sobre si
mesmo, sobre o sentido da vida, o ato de escrever, o valor da palavra. Ele é, pois,
o personagem mais importante do relato.
Quanto à sua relação com Macabea, ele declara amá-la e compreendê-la,
embora faça contínuas interrogações sobre ela e embora pareça apenas
acompanhando a trajetória dela, sem saber exatamente o que lhe vai acontecer e
torcendo para que não lhe aconteça o pior.
3.4. Linguagem e linguagem
A linguagem narrativa de Clarice é, às vezes, intensamente lírica, apresentando
muitas metáforas e outras figuras de estilo. Há, por exemplo, alguns paradoxos e
comparações insólitas, que realmente surpreendem o leitor. E também é
peculiaridade da autora a construção de frases inconclusas e outros desvios da
sintaxe convencional, além da criação de alguns neologismos.
Quanto à linguagem, o livro a apresenta fartamente, em todos os momentos em
que o narrador discute a palavra e o fazer narrativo.
Interessante notar que, antes de iniciar a narrativa e logo após a 'Dedicatória do
autor', aparecem os treze títulos que teriam sido cogitados para o livro.
3.5. Humor e ironia
Embora a história de Macabea seja profundamente dramática, a narrativa é toda
permeada de muito humor e ironia. O próprio nome da protagonista constitui-se
numa grande ironia [tragicomédia].
3.6. Espaço e tempo da narrativa
A história se passa no Rio de Janeiro, com referências breves ao Nordeste, região
onde viveram Macabea, Olímpico e o próprio narrador.
Quando ao tempo, o narrador diz: 'Quero acrescentar, à guisa de informações
sobre a jovem e sobre mim, que vivemos exclusivamente no presente pois
sempre e eternamente é o dia de hoje e o dia de amanhã será um hoje, a
eternidade é o estado das coisas neste momento.' [p.23]
Mais adiante, diz ainda; 'Tudo isso acontece no ano este que passa e só acabarei
esta história difícil quando eu ficar exausto da luta, não sou um desertor [p.40].
Resenha
A Hora da Estrela de Clarice Lispector, é um “romance” diferente de todos os
já lidos, isso se deve ao fato de a escritora fazer um jogo de personagens,
tentando até mesmo se excluir como narradora, mas que por fim, acaba por
se contradizer mostrando realmente quem era, além de narradora, também
personagem na figura de Rodrigo (narrador-personagem criado por Clarice);
Rodrigo que também as vezes se confundia com Macabéa, personagem
criada por ele (e consequentemente por Clarice), já que essa (Macabéa) é
criada e levada a morte por essa descrição, descrição marcada com uma
linguagem que a desfigura e a constrói ao mesmo tempo.
Na verdade, a expressão “romance” supra citada, foi propositadamente
posta entre aspas, pelo motivo de que a própria autora, não sabia, ou melhor,
não queria, classificar sua obra como romance, ou como novela, enfim, pois
para Clarice, não mais importava essa questão de classificação em gêneros,
para ela o texto apenas existia, seu encaixe em determinado gênero não iria
mudar nada, o que está escrito, está escrito e pronto, cada leitor é que deveria
tirar suas próprias conclusões.
Os leitores de A Hora da Estrela podem estar se perguntando o porquê de
Clarice ter criado Rodrigo para narrar a história de Macabéa, isso ocorreu
porque ela queria narrar de forma distante, sob o ponto de vista masculino, já
que se fosse a narração feita por uma mulher, com certeza teríamos um
cunho mais sentimental, e não era esse o interesse de Clarice, ela refletia
muito sobre a situação de submissão das mulheres, ela achava que a
felicidade só acontecia ao lado de um homem, por isso também a história é
narrada por um homem, para que fosse afastada de todo esse
sentimentalismo lacrimoso das mulheres, “homem não chora”.
Clarice Lispector, sofria muito com a posição dos críticos, que diziam que
sua obra não estava de acordo com o esperado na época. Argumentavam que
suas produções não tinham um cunho social, que era o que marcava os textos
daquele momento. Na verdade, toda a obra de Clarice não tinha mesmo essa
preocupação, ela escrevia e pronto, não procurava escrever sobre o que os
outros estavam acostumados a ouvir, ou querendo ouvir. Desde nova, quando
escrevia histórias infantis ao jornal de Pernambuco, seus textos não eram
publicados, por se tratarem, segundo o editor do jornal, de textos muito
fragmentados e complicados.
É relevante pontuar, que a obra de Clarice realmente não é simples de se
ler, ela requer certa reflexão do leitor, as cenas não estão descritas de forma
tão explícita, de modo que não nos leve a uma reflexão mais profunda, no
entanto, em A Hora da Estrela, Clarice tentou “retratar” um pouco essa
questão social, não de forma tão explícita, mas sim nas entrelinhas. Pode-se
notar isso, quando ela, por exemplo, fala do médico, médico de pobres, que
como acontece no dia-a-dia odeia o que faz, e as pessoas menos favorecidas
têm que se submeterem a esse tipo de serviço, com esse tipo de “profissional”
que não está satisfeito com o que faz e com a quantia que recebe.
Percebe-se também, essa questão citada acima, na própria história de
Macabéa, que é a história de milhares de nordestinos (pobres), que vem para
a cidade grande tentar ser alguém na vida, ocupar o seu espaço, e o que
acontece? Nada de novo acontece, vêem e, na maioria das vezes, passam
por situações piores do que as que viviam no interior, em sua terra natal.
Se essas pessoas eram pouco importantes, insignificantes onde viviam,
serão mais ainda na cidade grande, na capital, onde cada um quer saber de si,
onde cada um tem que “se virar”, onde amizade, solidariedade, são palavras
que não existem. Essas pessoas passam a ser apenas mais um dentre tantos;
são pessoas substituíveis, que tanto faz morrerem ou não, existirem ou não.
É justamente sobre essa questão da inutilidade, do “ser mais um”, que trata
o “romance” A Hora da Estrela, que mostra esse processo de massificação a
que todos estamos submetidos. Nessa narração, ou melhor, metanarrativa, a
autora quer justamente nos levar a essa reflexão, afinal, quem somos? Para
que vivemos? Qual é o nosso papel na sociedade? Será que fazemos falta, ou
somos apenas mais um? Somos importantes? Será que no fundo, também
não somos uma Macabéa da vida?
Quando lemos o livro, muitas vezes rimos da personagem Macabéa, mas
será que no fundo, bem lá no fundo não nos parecemos com ela? Quantas
vezes não sabemos quem somos e o que estamos fazendo nesse mundo?
Também não vamos empurrando a vida com a barriga, e seguindo uma rotina
fatigante, achando que é assim mesmo, que assim está correto, está bom.
Imaginamos que a única diferença que temos de Macabéa, é que nós, ainda
por cima, reclamamos dessa vida e ‘Macabéa” não, ela não tinha essa
consciência, para a personagem, tudo estava bom, perfeito, até o momento
em que a cartomante através da linguagem lhe mostra o futuro, felizmente (ou
infelizmente) ela teria um destino.
É mister, deixarmos claro, que Macabéa, não tinha a oportunidade de ter
uma outra perspectiva, tinha que agir assim mesmo, porque ela era um ser
excluído da sociedade, e esta, não dava margem para que ela fosse alguém
na vida. No entanto, as vezes, Macabéa dava-nos a entender que tinha um
pouco, mesmo que muito raramente, consciência de sua inutilidade, quando
por exemplo, Olímpico pergunta à ela sobre seu nome, e ela diz que não tem
importância, que ela não é importante, ou quando acordava pela manhã e
imagina, quem sou eu? E respondia: sou virgem, datilógrafa e gosto de
coca-cola, (ela, sempre procurava lembrar quem era, já que os outros não
percebiam, até mesmo para ela própria não se esquecer). Mas a percepção
concreta dessa sua inutilidade ela não tinha, aliás, ela nunca aprendeu a
pensar, só repetia o que ouvia dos outros, principalmente da rádio relógio, que
ensinava uma “cultura” inútil.
Macabéa era ingênua, a tal ponto que chegava a agradecer e pedir
desculpas quando os outros a ofendiam, ela era apenas mais uma, ia a
lugares comuns e sonhava em ser uma estrela de cinema, apesar, é
importante deixar claro, de ela estar (demonstrar) satisfeita com sua situação.
Temos esse ponto em comum com a personagem, de querermos ser uma
“estrela de cinema”, também nós sempre temos o desejo de ser alguém,
nunca estamos satisfeitos com o que somos. Apesar de, vou reforçar mais
uma vez, que Macabéa, não tinha essa consciência, ela desejava e pronto, do
mesmo modo que comia, trabalhava e ouvia rádio, era apenas, mais uma
atitude e não um desejo obsessivo, um objetivo de vida.
Aliás, objetivos, perspectiva, ambição, eram sentimentos que Macabéa
nunca teve, ela sempre foi construída como a ausência de tudo, ou seja, a que
não tem. Ela é uma não idéia de nada, não tem família, não tem namorado,
não tem dinheiro, não tem sensualidade (ela só se descobre sensual depois
das palavras da cartomante). Olímpico, o namorado de Macabéa, era também
um nordestino que havia vindo tentar uma vida melhor no Rio de Janeiro, mas
diferente de Macabéa, ele queria crescer na vida, mesmo por meios ilícitos, e
ela nem isso queria. Na verdade Macabéa, só ao entrar em contato com a
cartomante é que começa a refletir, se é que se pode dizer isso, sobre sua
existência, Madama Carlota foi a única que achou seu nome bonito, que a
chamou de florzinha, foi a primeira vez que foi reconhecida como gente,
apesar de percebermos que Carlota fazia isso, porque era seu papel iludir as
pessoas, encher “os miseráveis” de esperança.
Ao ouvir a cartomante, Macabéa se sente grávida do futuro, é a primeira
vez que lhe vem a mente, uma certa perspectiva, um destino, que como
sabemos é trágico. Justamente quando ela imagina que vai começar a viver é
que a morte lhe toma a vida. Mesmo assim, é relevante deixarmos claro, que
mesmo acidentada, atropelada, Macabéa em sua ingenuidade se senti feliz e
acredita que sua vida está mudando para melhor, pobre sabe ela que sua vida
está terminando, aliás, podemos tirar a conclusão de que de certo modo ela
estava correta, quem sabe com a morte física ela não poderia viver, já que
enquanto estava viva ela simplesmente vegetava.
A idéia conclusiva que podemos chegar é que a única saída para Macabéa
era nada mais, nada menos que a morte, esse é o destino de todos (morte
física), apesar de muitos já estarem mortos antes mesmo de morrem
literalmente, principalmente essas pessoas excluídas, Macabéa só foi alguém,
só foi percebida no mundo, quando foi atropelada, atrapalhando o tráfego,
como já dizia Chico Buarque, em sua música Construção. Na verdade somos
o nada, como Macabéa, só somos percebidos por um instante, quando a vida
nos coloca nessa situação que é a morte, enfim, nesse momento encontramos
nosso lugar, mesmo que na calçada (que não é a da fama, mais uma comum),
que por um instante se torna o palco, o picadeiro, o cenário de um estrelato.
Macabéa enfim, consegue ser vista, sentir-se gente, uma verdadeira estrela.
No próprio momento de sua morte física, é que Macabéa se sente mulher,
sente um gozo por si, é a primeira vez que se toca e se abraça como sentindo
uma estima por si mesma, é o ápice, o clímax da narrativa. Aliás, a morte se
torna a personagem principal desse metarromance. A morte é a única figura
que consegue dar um fim a essa história, se não terminasse assim, não teria
fim, pois a todo o momento Rodrigo já nos deixa claro e nós também já, de
certa forma, imaginamos que não resta outro destino senão esse, e que é o
final de todos nós. De repente só morrendo é que podemos sentir e descobrir
quem somos (éramos).
Muitos filósofos, já desde a antigüidade, vem tentando descobrir quem
somos, e na verdade nunca se chegou a uma conclusão, essa é uma
pergunta que nunca terá uma resposta, somos o que vivemos e pronto, e se
isso está correto ou errado, não sabemos, talvez um dia possamos descobrir
como Macabéa, mas isso ninguém sabe. Apenas vamos vivendo, e afinal, o
que é a vida senão uma busca constante?
Constatamos, também, que como Macabéa, muitas vezes, estamos
vegetando, já estamos mortos, mesmo estando vivos, pois como já dizia
Charlie Chaplin “O homem não morre quando deixa de viver, mas sim quando
deixa de amar”. Toda essa narrativa também nos remete, com toda certeza, a
própria história de vida de Clarice Lispector, desde cedo perde a mãe, assim
como Macabéa que não lembrava dos pais, também veio do nordeste para
tentar a vida no Rio de Janeiro, e por fim Clarice também, principalmente após
sua separação, seu acidente com o cigarro (apartamento pegando fogo) e
com sua doença (câncer no útero), não tem mais um objetivo na vida, uma
meta, uma perspectiva, apenas espera sua morte física, porque sua morte
interna já havia ocorrido a muito tempo.
Macabéa, Rodrigo, Clarice, representam todos nós, um nada, que vivemos
em busca de entender o que somos, e quando descobrimos é tarde demais,
como sempre, descobrimos tudo tarde demais. Somos pó e ao pó iremos
voltar. Na verdade, cada um constrói a sua história, boa ou ruim, mas constrói,
quem somos nós para julgarmos Clarice, Rodrigo ou Macabéa? Se somos
como eles, simples mortais que temos que lutar diariamente, para
sobrevivermos nessa labuta constante que é a vida em sociedade. Quantos
de nós também não queríamos uma cartomante, mesmo que charlatona, para
nos dá uma esperança, para nos transformar em alguém, para também como
Macabéa, deixarmos de ser ausências apenas. Será que somos o que
queremos, ou simplesmente queremos ser.
Quantas vezes, quando estressados, não gostaríamos de ser como
Macabéa simplesmente, não pensar em nada e achar que tudo está muito
bom? Mas não, temos essa tendência a complicar as coisas, a reflexão, ao
estresse.
São essas reflexões que todo o tempo Clarice quer nos repassar, que são
também, como já havia citado, suas próprias reflexões, e acho que muito mais
do que retratar a realidade, ela conseguiu levar-nos a uma introspecção, a um
estudo sobre nós, nossa vida e a sociedade. Clarice foi mestre, conseguiu
escrever de forma diferente, nova, sem ser rebuscada, até mesmo porque o
narrador-personagem Rodrigo, não podia escrever de forma erudita para
poder se aproximar da personagem Maca. Esse não é um livro comum, e não
foi escrito para qualquer um ler, na verdade, o “romance”, não tem público,
como alguns críticos e o próprio Rodrigo nos deixa entender.
A própria sugestão de vários títulos foi inovador, tudo nesse livro nos
remete a algo novo, segundo Gotlib, o livro se divide em cinco histórias, sendo
que a última só quem lê o “romance”, descobrirá, Gotlib nos remete
novamente aos títulos, que se formos ler o livro sob a perspectiva de
determinado título, teremos uma história nova, aliás, sempre que lemos
novamente uma obra, independente de mudarmos ou não o nome dela, temos
uma nova visão, pois como já dizia, se eu não me engano, Heráclito, “Não nos
banhamos duas vezes no mesmo rio”. A cada leitura é um nova descoberta, e
a autora quer justamente deixar ao leitor esse trabalho de reflexão, de
construção. Nós leitores temos que tirar nossas próprias conclusões.
E é justamente por isso, que a história se torna interessante, até mesmo
porque, como já citei várias vezes, nós mesmos nos identificamos muito com
os personagens desse metarromance. Estamos constantemente buscando
essa “Hora da Estrela”, muitas vezes também não nos encaixamos em lugar
nenhum, a autora quer deixar isso bem claro, que não existe no mundo lugar
para pessoas como Macabéa.

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A hora de estrela

  • 1. A hora de estrela O Enredo Antes de iniciar este tópico, é preciso que saibamos que as obras de Clarice dificilmente têm um enredo, um começo, meio e fim, como os cânones narrativos tradicionais. A própria autora nunca soube explicar os seus processos de criação. “É um mistério”, dizia ela. “Quando penso numa história, eu só tenho uma vaga visão do conjunto, mas isso é coisa de momento, que depois se perde. Se houvesse premeditação, eu me desinteressaria pelo trabalho.” (CAMPADELLI & ABDALLA JR.). Mais do que histórias, os seus livros contêm impressões. Por isso, consciente de sua condição como (não-)escritora, Clarice dizia-se uma “sentidora, intuitiva”. A Hora da Estrela foi o último livro da autora publicado em vida. O narrador do romance é Rodrigo S. M., escritor que ironiza, através de várias contínuas no texto, o estilo de narrativa que ele próprio utiliza. Dessa forma, ele se coloca como uma das personagens centrais do romance, já que dialoga o tempo todo com o leitor sobre o estilo de sua narrativa. Sua personagem-protagonista é Macabéa (Maca), alusão irônica aos sete macabeus, personagens bíblicos. Após a morte de seus pais, quando tinha dois anos de idade, Maca fora criada
  • 2. por uma tia beata, a qual nela muito batia. “Acumula em seu corpo franzino, ‘herança do sertão’, todas as formas de repressão cultural, o que a deixa alheada de si e da sociedade. Dessa forma, segundo o narrador, ela nunca se deu ‘conta de que vivia numa sociedade técnica onde ela era um parafuso dispensável’”. (idem) De Alagoas, a protagonista muda-se para o Rio de Janeiro, onde passa a viver com mais quatro colegas de quarto (todas Marias) na rua do Acre. Trabalhava como datilógrafa, profissão da qual tinha muito orgulho. Era virgem, e nunca, até Olímpico de Jesus, possuíra um namorado. Este, também nordestino, procurava a ascensão social, assim como ela tinha o sonho de ser uma “estrela de cinema” (daí o título do livro). Por não terem a ambição em comum, Macabéa perde-o para sua amiga de trabalho (e única), Glória, a qual possuía os atrativos materiais que ele sonhava. A busca de identidade da personagem-protagonista processa-se quando ela se observa diante do espelho. A primeira imagem que vê é a do autor, Rodrigo S. M., majestático e presente em todo o texto, moldando a personagem à sua imagem e solidão. Há, também, outras vezes em que Maca se olha no espelho. Em uma delas, assim que rompera com Olímpico, ela, diante do espelho, passa em seus lábios um batom vermelho como busca da identidade
  • 3. desejada: Marilyn Monroe, símbolo social e sexual inculcado pelas superproduções de Hollywood da década de 50. Por conselho de Glória, Macabéa vai procurar ajuda em uma cartomante, sendo esta a única vez em que se dera conta da vida medíocre que levava; fora preciso Madame Carlota dizer isso a ela. Reforçando a ideia de “nostalgia do futuro”, a vidente prevê que a vida da nordestina mudaria a partir do momento em que saísse de sua casa. Esta também foi a primeira vez em que Macabéa encorajou-se para ter esperança. Um homem estrangeiro, alourado, “de olhos azuis, ou verdes, ou castanhos, ou pretos” (p. 77) apareceria em sua vida, casar-se-ia com ela. Ironicamente, a protagonista sai da casa de Madame Carlota e é atropelada por um Mercedes Benz. Consolida-se a “hora da estrela” de cinema, quando ela vai ser “tão grande como um cavalo morto”: ferida, a personagem vomita uma “estrela de mil pontas”. Com ela, morre também o narrador, identificado com a escrita do romance, que neste instante se acaba. As Personagens Com um falso livre-arbítrio, o narrador da narrativa decide que serão “uns sete (...) e eu sou um dos mais importantes deles, é claro.” (p. 13)
  • 4. Macabéa: nordestina (alagoana) que migra para o Rio de Janeiro, é a protagonista da narrativa. Datilógrafa, “toda fome e deserto”, Macabéa (Maca, como o narrador passa a chamá-la no decorrer da história) tem o heroísmo dos seus irmãos bíblicos, os sete macabeus. Seu nome é grafado quase como escreve-se “maçã”, símbolo da tentação, só que, como não poderia deixar de ser, sem os adornos da palavra indicadora da fruta. A personagem principal do livro mal tem consciência de existir, mas tem um desejo: tornar-se estrela de cinema, e admira com certa dose de melancolia Marylin Monroe e Greta Garbo. No fim da trama, de certa forma, acaba conseguindo realizar o seu sonho: a hora da estrela condiz com o momento de sua morte. Dialogando intertextualmente com Os Sertões de Euclides da Cunha, a autora (ou o narrador?) chega a comentar que “o sertanejo é antes de tudo um paciente”(p. 79) Olímpico de Jesus: imigrante nordestino assim como Macabéa, Olímpico trabalhava como operário numa metalúrgica e dizia-se “metalúrgico”. Possuidor de um dente de ouro, o qual muito estimava por ser demonstrador de poder, sonhava em um dia ser deputado, mas seu desejo secreto era ser toureiro. Procurava ascensão social a qualquer preço, seja do roubo ou do crime de morte. “Para mim a melhor herança é mesmo muito dinheiro. Mas um
  • 5. dia vou ser muito rico, disse ele que tinha uma grandeza demoníaca: sua força sangrava.” Torna-se o namorado da protagonista no decorrer da trama. Glória: amiga de trabalho (e a única) de Macabéa, possuía todo o charme e “carnes” que a outra não tinha. “Carioca da gema” (razão forte pela qual Olímpico atrai-se por ela), rouba o namorado da amiga. Na página 59 do livro há uma ótima descrição desta personagem: “Glória possuía no sangue um bom vinho português e também era amaneirada no bamboleio do caminhar por causa do sangue africano escondido. Apesar de branca, tinha em si a força da mulatice. Oxigenava em amarelo-ovo os cabelos crespos cujas raízes estavam sempre pretas. Mas mesmo oxigenada ela era loura, o que significava um degrau a mais para Olímpico. (...) apesar de feia, Glória era bem alimentada. E isso fazia dela material de boa qualidade.” “Glória roliça, branca e morna. Tinha um cheiro esquisito. Porque não se lavava muito, com certeza. Oxigenava os pêlos das pernas cabeludas e das axilas que não raspava. Olímpico: será que ela é loura embaixo também?” (p. 63)
  • 6. Seu Raimundo Silveira: chefe da firma de representante de roldanas, é o responsável pela demissão de Macabéa, pois ela errava demais na datilografia, além de sujar invariavelmente o papel. A tia: beata que cria Maca após a morte da mãe menina, quando tinha dois anos de idade. “Muito depois fora com a tia beata, única parenta sua no mundo. Uma outra vez se lembrava de coisa esquecida. Por exemplo a tia lhe dando cascudos no alto da cabeça porque o cocoruto de uma cabeça deveria ser, imaginava a tia, um ponto vital. (...) Batia mas não era somente porque ao bater gozava de grande prazer sensual — a tia não se casara por nojo — é que também considerava de dever seu evitar que a menina viesse um dia a ser uma dessas moças que em Maceió ficavam nas ruas de cigarro aceso esperando homem.” (p. 28) As quatro Marias: Maria da Penha, Maria Aparecida, Maria José e Maria apenas eram as colegas de quarto da nordestina. Uma delas trabalhava vendendo produtos de beleza Coty. Madama Carlota: a cartomante que prevê o futuro reluzente de Maca. Trata-a com um carinho que ninguém jamais dirigiu à protagonista. “Era enxundiosa, pintava a boquinha rechonchuda com vermelho vivo e punha nas faces
  • 7. oleosas duas rodelas de ruge brilhoso. Parecia um bonecão de louça meio quebrado.”(p. 72). Durante a consulta, a cartomante comia um bombom atrás do outro compulsivamente. Trabalhara na zona e, sem poder ser diferente da realidade que conhecemos, sustentara um cafetão, a quem amava. Tornara-se cafetina quando começara a engordar e perder os dentes. O narrador coloca Madama Carlota como o ponto alto da existência de Macabéa, já que seria a informante do seu futuro, que mudaria (e realmente mudou) a partir do momento em que Maca saísse da casa da Madama. O médico: procurado por Maca, quando, pela primeira vez na vida, fez a audácia de procurar um médico (barato) após o recebimento do salário. “Muito gordo e suado, tinha um tique nervoso que o fazia de quando em quando ritmadamente repuxar os lábios. O resultado era parecer que estava fazendo beicinho de bebê quando está prestes a chorar. (...) não tinha objetivo nenhum. A medicina era apenas para ganhar dinheiro e nunca por amor à profissão nem a doentes. Era desatento e achava a pobreza uma coisa feia. Trabalhava para os pobres detestando lidar com eles. Eles eram para ele o rebotalho de uma sociedade muito alta à qual também não pertencia. Sabia que estava desatualizado na medicina e nas novidades clínicas mas para
  • 8. pobre servia. O seu sonho era ter dinheiro para fazer exatamente o que queria: nada.” (ps.67, 68) O rico ocupante do Mercedez Benz: dono do carrão amarelo, alourado e estrangeiro, é quem vai realizar, de certa forma, as previsões de Madama Carlota. O narrador: também uma personagem, Rodrigo S. M., a questão do narrador será melhor discutida logo a seguir. Foco Narrativo Dizer se o foco narrativo de A Hora da Estrela é em primeira ou terceira pessoa é uma questão não tão simples de ser respondida, já que é um dos pontos mais inovadores e estilisticamente extraordinários do livro. A autora inventa um narrador (que, portanto, é também uma personagem e se assume durante a narrativa como tal) para contar a história de Macabéa. Assim sendo, o narrador, apesar de fazer parte da história, não conta uma trama que acontecera com ele, e sim, com a sua personagem inventada, que poderia ser real. A narrativa desvenda a sua problemática interior e à medida que nos faz conhecer a protagonista, também nos mostra (e vai descobrindo) a sua própria identidade.
  • 9. “A ação dessa história terá como resultado minha transfiguração em outrem e minha materialização em objeto. Sim, e talvez encontre a flauta doce em que eu me enovelarei em macio cipó.” (p. 20). O narrador é onipotente, pois cria um destino. É onisciente, pois sabe tudo a respeito de suas personagens, apesar de não conhecer a verdade inteira, já que se mostra no ato de inventar. Hesita, pois não conhece o final da história. Por sentir-se culpado em relação à protagonista, suspende-lhe a morte por páginas e páginas. Quando, finalmente, decide-se pelo “gran finale”, volta-se contra si mesmo: “Até tu, Brutus?” (p. 85). Sá, em sua obra anteriormente citada, comenta que “Clarice sabe que todo narrador inventa o mundo à sua imagem e semelhança e o ‘ele’ ou ‘ela’ das fábulas é sempre um disfarce do ‘eu’ do escritor. O narrador se escreve todo através de Macabéa, por entre seus próprios espantos. Sua onipotência se estende ao leitor, com o qual dialoga constantemente. A função fática é uma tônica dessa narrativa.” (p.212) Tanto é assim, que o narrador morre quando morre Macabéa. E morre também Clarice Lispector. “As coisas são sempre vésperas e se ela não morre agora, está como nós na véspera de morrer, perdoai-me lembrar-vos porque quanto a mim não me perdôo a clarividência.” (p. 84).
  • 10. O narrador precisa escrever para poder se compreender. “Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever.” (p.11) Essa é a dor que atravessa a narrativa, já indicada pela dor de dentes que perpassa a história, a qual é “uma melodia sincopada e estridente — é a minha própria dor, eu carrego o mundo e a falta de felicidade. Felicidade. Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.” (p. 12). A tarefa do escritor é “procurar a palavra no escuro”. E ele não pode parar de escrever, já que “ao escrever me surpreendo um pouco pois descobri que tenho um destino”. Assim, vai se descobrindo ao longo da narrativa. Este escritor só se livra de ser um acaso na vida pelo fato de escrever. Não tem classe social, “ironicamente, denuncia o escritor burguês que defende a necessidade da literatura engajada, faz-se pobre, dorme pouco, deixa a barba por fazer, anda nu ou em farrapos, abstém-se do sexo e do futebol.” (Sá, 1979, p. 214) Como ele mesmo diz, “escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.” (p. 21). É facilmente percebível, portanto, que a questão do foco narrativo em A Hora da Estrela é um dos pontos altos da novela. E se “os modos de articulação em
  • 11. uma narrativa são ilimitáveis porque ilimitável é a combinatória de signos possível no engendramento da teia ficcional, e a postura do narrador, em relação às personagens, amplia ainda mais essa possibilidade criativa, oferecendo através de seu ângulo de visão uma fresta por onde se pode descortinar o mundo, o seu mundo” (KADOTA, s/d, p.71); a possibilidade criativa da narrativa, além de ilimitável, é surpreendente e inovadora, demonstrando a bela e sensível capacidade inventiva de Lispector. Gênero Literário e Material da Narrativa Como anteriormente já foi citado, a narrativa tem um tom de novela, não apenas pelo número de personagens, mas também porque a descrição e a narração ocupam posição privilegiada na obra. Uma “história exterior e explícita”, A Hora da Estrela não deixa de ser um relato, um registro de fatos. O narrador, a contra-gosto, apaixonou-se por fatos, mas cansar-se-á deles por serem banais e definíveis. O “sussurro”, porém, é o que predomina nos interstícios da narrativa: “Os fatos são sonoros, mas entre os fatos há um sussurro. É o sussurro que me impressiona.” (p. 31). A pergunta que, de certa forma, já havia sido feita em Perto do Coração Selvagem repete-se: “Será mesmo que a ação ultrapassa a palavra?” (p. 22)
  • 12. Para Lispector, por ser o material básico da escritura a palavra, ela domina qualquer narrativa e sobrepõe-se a qualquer fato. “Assim é que esta história será feita de palavras que se agrupam em frases e destas se evola um sentido secreto que ultrapassa palavras e frases.” (p. 14). E para o narrador, é como se as palavras tivessem realmente poder sobre a narrativa, como se ele fosse impotente em relação à história que irá contar: “Não se trata apenas de narrativa, é antes de tudo vida primária que respira, respira, respira.” (p. 13) Tempo e Espaço O tempo da narrativa se mostra cronológico e linear, apesar de embaraçar o narrador, que preferiria começar pelo fim: “Só não inicio pelo fim que justificaria o começo — como a morte parece dizer sobre a vida — porque preciso registrar os fatos antecedentes.” Depois das muitas divagações do início do livro, em que o narrador mais se narra do que faz progredir a ação narrativa, enfim ele inicia pelo meio, quando a moça nordestina recebe o aviso de despedida do emprego e vai refugiar-se no banheiro. Assim, o narrador projeta respeitar o tempo do relógio, como se a narrativa fosse sendo construída simultaneamente à leitura, intuito este que é marca extremamente clariceana, não apenas nessa obra.
  • 13. A narrativa se passa em um ambiente urbano. “Cidade toda feita contra ela” (p. 15), Macabéa, O Rio de Janeiro é o cenário das fracas aventuras da protagonista alagoana. Dentre ruas cariocas, o quarto barato que as moças compartilham entre si, a casa da cartomante, o lugar do trabalho, o banheiro, a história se desenvolve. Como cita Sá em sua obra A escritura de Clarice Lispector, “nesse espaço há espelhos comidos pela ferrugem, bares, a Rádio Relógio, cinemas baratos, Jardim Zoológico, automóveis de luxo Mercedez Benz, patrocínio de refrigerante mais popular, que ‘patrocinou o último terremoto em Guatemala’ (HE, p.29), Rua do Acre para morar, rua do Lavradio para trabalhar. Com a raridade de um galo ‘cocoricando’ de manhã e o cais do porto para espiar, no Domingo, um ou outro prolongado apito de navio cargueiro.” Assim, pode-se perceber os contrastes (não apenas sociais) existentes em metrópoles brasileiras e o desalento de um imigrante nordestino que busca uma vida melhor no sul também pela ambientação da narrativa. Análise da Obra “Macabéa, personagem central de A Hora da Estrela de Clarice Lispector, é uma retirante nordestina que vai tentar vida nova na cidade grande (Rio de
  • 14. Janeiro). Filha do sertão, nasceu e permaneceu raquítica. Anônima, desajeitada, desgarrada do mundo, tudo nela inspira descompasso e compaixão. Seus dias dividem-se entre o trabalho como datilógrafa e o pretendente, também nordestino, Olímpico de Jesus. As madrugadas, para ela, são embaladas pelos sons regulares da Rádio Relógio: hora certa, anúncios, pouca ou nenhuma música. (...) É por intermédio dessa escuta, entretanto, que Macabéa vai lentamente construindo um certo reconhecimento sobre si e sobre o mundo.” (AQUINO, 2000, p. 205) A rádio realmente desperta na moça uma avidez por conhecimento, o que fazia com que sua vida se tornasse menos banal, mais importante. A Hora da Estrela apresenta certos momentos que não podem deixar de ser comentados. Comecemos pelo título: A HORA DA ESTRELA A culpa é minha ou A hora da estrelas ou Ela que se arrange
  • 15. ou O direito ao grito .quanto ao futuro. ou Lamento de um blue ou Ela não sabe gritar ou Uma sensação de perda ou Assovio no vento escuro ou Eu não posso fazer nada ou Registro dos fatos antecedentes ou História lacrimogênica de cordel ou Saída discreta pela porta dos fundos
  • 16. A obra apresenta doze títulos que se desdobram e representam algum aspecto da história que logo mais será narrada. Em “.quanto ao futuro.”, por exemplo, o título é precedido e seguido por ponto, isso porque o futuro da história depende única e exclusivamente do seu narrador (Rodrigo S. M.), que determina com um “falso livre-arbítrio” o destino das personagens, sendo ele próprio uma das mais importantes. É “uma história com começo, meio e ‘gran finale’ seguido de silêncio e de chuva caindo”, como diria o próprio narrador, apesar de a história não ter esse aspecto temporal tão bem definido como ele nos (leitores) dá a entender que teria. O material básico em que se sustenta a narrativa é a palavra, que se agrupa em frases, com um sentido secreto. “O escritor renuncia à transfiguração própria da ficção e não enfeita a palavra (não utiliza “termos suculentos” como “adjetivos esplendorosos, carnudos substantivos e verbos tão esguios que atravessam agudos o ar em vias de ação”), pois sua personagem é uma pobre e esfomeada moça nordestina.” (SÁ, 1979, p. 97). Dessa forma, subentende-se que se pode ler, no questionamento contínuo a que a escritora submete a linguagem em geral e a da ficção, em particular, uma desmistificação irônica do narrador do anti-romance moderno e de seus artifícios.
  • 17. Apesar de o narrador escrever em fluxo de consciência, tentando embaralhar as coisas, a narrativa é escrita em tempo linear, sendo o leitor diretamente o seu interlocutor. O leitor é sustentado por suas próprias palavra e “deve embeber-se da jovem como um pano de chão todo encharcado.” A morte, declaradamente, foi colocada na narrativa de Rodrigo S. M. como uma personagem não ordinária, ao contrário, como sua personagem predileta e ele assume a morte de Macabéa como se fosse feita exclusivamente para o leitor: “O final foi bastante grandiloquente para a vossa necessidade?”. Sua futura morte também é expressa quando morre a protagonista, mas “por enquanto é tempo de morangos.” (p.87) Finalmente, devemo-nos lembrar de que A Hora da Estrela seria um “ponto de articulação” entre as lições realista-naturalistas da autora e seus poemas em prosa, nos quais tempo, enredo e personagens se desagregam. Esta novela “não só recolhe quase todos os problemas da narrativa dos outros romances de Clarice Lispector, mas também muitas de suas imagens.” (SÁ, 1979, p. 215).
  • 18. Assim, saibamos que Clarice produz aquela que seria a última de suas obras publicadas em vida de maneira grandiosa, para que nunca nos esqueçamos da riqueza e originalidade de seu estilo. O Estilo Clariceano As inovações feitas por Clarice Lispector em sua escritura, desde a sua primeira obra publicada, provocaram grande espanto na crítica e no público da época. Grandes críticos literários chegaram a apontar inúmeras falhas nos romances da escritora, como o fez Álvaro Lins, em sua obra Os mortos de sobrerressaca, 1963, p. 189: “li o romance duas vezes, e ao terminar só havia uma impressão: a de que ele não estava realizado, a de que estava completa e inacabada a sua estrutura como obra de ficção.” Sem a frequência das estruturas tradicionais dos gêneros narrativos, a narrativa clariceana quebra a ordem cronológica e funde a prosa à poesia. Uma das inovações de sua linguagem para a literatura brasileira é o fluxo de consciência. Para entendermos o que é isso, seguiremos a definição de Norman Friedman sobre análise mental, monólogo interior e fluxo de consciência. “O primeiro é definido como um aprofundamento nos processos mentais da personagem por uma espécie de narrador onisciente; o segundo,
  • 19. um aprofundamento maior, cuja radicalização desliza para o fluxo de consciência onde a linguagem perde os nexos lógicos e se torna caótica” (KADOTA, s/d, p. 74). Clarice transitaria pelos três movimentos, apesar de presentar características mais evidentes de “fluxo de consciência”. É como se uma câmera fosse instalada na cabeça da personagem, como se pudéssemos acompanhar exatamente o que ela pensa e da mesma maneira como pensa. Sabemos que o nosso pensamento não é ordenado, e quando se pretende demonstrá-lo de forma semelhante, acompanhamos sua desordem. Presente e passado, realidade e desejos da personagem (ou narrador) misturam-se na narrativa, quebrando limites espaço-temporais verossímeis. Joyce e Proust já haviam feito experiências como essa, mas foi Clarice que introduziu esse estilo no Brasil. Para Friedman, “a ‘Câmera’ e o ‘Fluxo de Consciência’ são os que mais caracterizam a literatura contemporânea porque neles se detecta uma subversão ótica tradicional do relato. (...) É um resgate dos pensamentos das personagens ou do narrador na sua forma primitiva, à medida que surgem, desarticulados, como a própria sintaxe que os apresenta e descontínuos como o mundo que lhes dá sustentação.” (idem, ps. 74/75).
  • 20. A organização textual clariceana aproxima-se da rebeldia. Ela, “como James Joyce, como Virginia Woolf, se propôs a essa busca introspectiva, através de ‘insights’ luminosos, ou de uma escritura pontilhada de minúsculos incidentes descontínuos, que melhor revelam os conflitos humanos, superando qualquer descrição do narrador ou um encadeamento de fatos, por mais representativos que se mostrem a um primeiro olhar.” (Kadota, p. 77) Os textos clariceanos também estão repletos de epifania (revelação). Suas personagens costumam viver momentos epifânicos, como se tivessem realmente tido uma revelação, desencadeada por qualquer fato banal, e, a partir dela, pudessem ter uma visão mais aprofundada da vida , das pessoas, das relações humanas. Sobre isso, Cereja e Magalhães comentam: “De modo geral, esses momentos epifânicos são dilacerantes e dão origem a rupturas de valores, a questionamentos filosóficos e existenciais, permitindo a aproximação de realidades opostas, tais como nascimento e morte, bem e mal, amor e ódio, matar ou morrer por amor, seduzir e ser seduzido, etc.” (1995, p. 413) Apesar de desenvolver, na maioria das vezes, personagens femininas, Clarice extrapola os limites da experiência pessoal da mulher e seu ambiente familiar.
  • 21. Os temas tratados por ela são universais e essencialmente humanos. Temáticas como as relações entre o eu e o outro, a falsidade das relações humanas, a condição social da mulher, o esvaziamento das relações familiares e, sobretudo, da linguagem, são abordadas pela autora intimista e psicológica, mas de forma alguma alienada, como muitos já chegaram a dizer. Em A Hora da Estrela, por exemplo, a questão da migrante nordestina em uma cidade grande como o Rio de Janeiro, relações e reflexões existencialistas, a condição e o papel do escritor moderno, entre outras foram abrangidas de forma estilisticamente original e sensível. Berta Waldman, em sua obra anteriormente citada, comenta o “silêncio de Clarice”, reflexão que nos vale a pena conferir: “Entre a palavra e o silêncio, entre o que diz e o que está implícito em seu dizer, situa-se o texto de Clarice. Ler o seu texto é penetrar nesse âmbito elétrico onde forças opostas se digladiam. (...) Se quisermos saber o que diz o seu texto, devemos interrogar também o silêncio. Não o silêncio que se situa antes da palavra e que é um querer dizer, mas o outro, o que fica depois dela e que é um saber que não pode dizer a única coisa que, de fato, valeria a pena ser dita.” (1983, p. 89) parte 2 1. Enredo
  • 22. Em A Hora da Estrela, aquilo que se convencionou chamar de enredo é algo bastante simples, com pouca ação, e pode ser resumido assim: Uma feia moça nordestina, muito pobre, muito simplória, muito ignorante, mas também muita rica em peculiaridades que o narrador descobre nela, é a personagem central [protagonista] da história. Essa moça tem 19 anos, chama-se Macabea e vive no Rio de Janeiro, na Rua do Acre, próxima do cais do porto, onde compartilha, num velho sobrado, as vagas de um quarto muito modesto, com mais quatro moças [todas Marias e todas balconistas das Lojas Americanas]. Macabea trabalha como datilógrafa numa firma de representantes de roldanas, que fica na Rua do Lavradio. Quando viera para o Rio, ainda vivia com a tia beata, pessoa que a criara desde a morte dos pais, aos dois anos de idade, no sertão de Alagoas, onde a moça nascera. Mais tarde, foram morar em Maceió e, depois, não se sabe por quê, mudaram-se para o Rio. Só após a morte da tia é que Macabea vai viver no quarto da Rua do Acre. Os fatos propriamente ditos começam a ser narrados quando a nordestina recebe de seu chefe, Raimundo Silveira, [por quem ela estava secretamente apaixonada] o aviso de que será despedida por incompetência. Como Macabea aceita o fato com enorme humildade, o chefe se compadece e resolve não despedi-la imediatamente. Logo depois disso, num final de tarde chuvoso, dia 7 de maio, a moça encontra, por acaso, um rapaz também nordestino [Olímpico de Jesus], com quem inicia uma espécie de namoro. Esse namoro, porém, dura pouco, pois Olímpico, um operário ambicioso e de maus antecedentes, acaba trocando Macabea por Glória, sua colega, com quem ele acha que terá mais chances de 'subir na vida', já que ela era mais bonita e muito mais esperta do que Macabea. Glória, com certo sentimento de culpa por ter roubado o namorado da colega, sugere a Macabea que vá a uma cartomante, sua conhecida. Para isso, empresta-lhe dinheiro e diz-lhe que a mulher [Madame Carlota] era tão boa, que poderia até indicar-lhe o jeito de arranjar outro namorado. Macabea vai, então, à cartomante, que, primeiro, lhe faz confidências sobre seu passado de prostituta; depois, após constatar que a nordestina era muito infeliz, prediz-lhe um futuro maravilhoso, já que ela deveria casar-se com um belo homem loiro e rico - Hans - que lhe daria muito luxo e amor.
  • 23. Macabea sai da casa de Madame Carlota 'grávida de futuro', encantada com a felicidade que a cartomante lhe garantira e que ela já começava a sentir. Então, logo ao descer a calçada para atravessar a rua, é atropelada por um luxuoso Mercedes amarelo. E a morte vem lentamente, enquanto o narrador vai fazendo divagações e reflexões filosóficas, às vezes fóricas sobre Macabea, sua vida, seu destino e sobre o próprio ato de narrar e a [in]capacidade dele, narrador, de evitar a morte da personagem. Enfim, tendo se acomodado fetal, Macabea morre. Assim, ao que tudo indica, é através da morte que essa pobre criaturinha, de 'corpo cariado' e 'útero murcho', mas que queria ser 'artista de cinema', vai encontrar a sua hora de estrela. E, morrendo Macabea, morre o próprio narrador, Rodrigo S.M. Ao longo de toda a narrativa, a identificação e o envolvimento de Rodrigo com sua personagem é realmente tão grande, [tornando-se ele a própria consciência que Macabea não possuía] que se entende por que ele diz morrer junto com ela. 2. Personagens 2.1. Rodrigo S.M. - o narrador e, na verdade, personagem muito importante do relato. Representa, sem dúvida, a própria Clarice, com seus mistérios, suas interrogações, sua preocupação constante em mergulhar fundamente na interioridade do ser humano. Ele inicia o livro justamente fazendo reflexões e indagações sobre a existência e sobre o ato de escrever. Apresenta-se, depois, justificando por que a história terá de ser contada por um narrador homem e dizendo que decidiu escrever sobre a moça porque 'numa rua do Rio de Janeiro peguei no ar de relance o sentimento de perdição no rosto de uma moça nordestina'. 2.2. Macabea - a moça nordestina [alagoana] de 19 anos, que vivia sem família, pobre, desleixada e subempregada no Rio de Janeiro. Era tão alienada e inconsciente, que não sabia num mesmo que era infeliz. 2.3. Olímpico de Jesus - o primeiro e único namorado de Macabea. Nordestino da Paraíba, já havia cometido um crime e estava no Rio trabalhando com lúrgico. Ambicioso e sem escrúpulos de honestidade e decência, pretendia ser deputado. Adorava ouvir discursos e sabia desenhar caricaturas.
  • 24. 2.4. Glória - colega de trabalho de Macabea. Loira oxigenada, embora não fosse bonita, era bem alimentada e 'amaneirada no bamboleio do caminhar por causa do sangue africano escondido'. Isso e o fato de ser filha de açougueiro constituíram atrações para o ambicioso Olímpico, que deixa Macabea por ela. 2.5. Madame Carlota - a cartomante. Ex-prostituta e ex-cafetina, era 'fã de Jesus' e gostava muito de comer bombons. Prevê dinheiro grande e marido estrangeiro para Macabea. 3. Comentário da obra 3.1. Mais um romance do 'eu' O grande crítico Massaud Moisés diz, a respeito da obra de Clarice Lispector, que 'a personagem única, ou predominante, da ficção da autora é ela própria. Romances do 'eu', contos do 'eu', eis o que são as suas obras: fictício, ou construído, suposto ou imaginário, 'verdadeiro' ou 'real', não importa, é o 'eu' da ficcionista - que pode não ser o da Clarice Lispector/pessoa física, mas é difícil supô-lo - a personagem central [heroína/anti-heroína?] de suas narrativas.' [...] Tudo se passa como se a escritora somente tivesse o 'eu' da sua fantasia. Só por isso o se caso se torna incomparável em nosso meio literário'. 'É que o 'eu' da autora constitui para si próprio um enigma. E para desvendá-lo/desvendar-se, põe-se a [re]escrever os textos em que se manifesta, como se outro destino não tivesse. Em dado momento de A descoberta do mundo, diz ela que seus romances não são autobiográficos nem de longe, 'mas fico depois sabendo por quem os lê que eu me delatei.' Por tudo isso, em A hora da estrela, podemos ver Clarice transfigurada em Rodrigo S.M. e também, de certa maneira, na nordestina Macabea, com quem o narrador se identifica por várias razões, como, por exemplo, pelo fato de ele [=Clarice], quando menino[a], ter vivido no Nordeste. 3.2. Aspectos sociais Embora a crítica tenha acusado de ser a ficção de Clarice excessiva ou exclusivamente interiorizada, cheia de mistério, abstração, considerações e indagações filosóficas de caráter intimista, a própria Clarice declarou: 'Desde que me conheço o fato social teve em mim importância maior do que qualquer outro: em Recife os mocambos foram a primeira verdade para mim. [...] Na verdade sinto-me engajada. Tudo o que escrevo está ligado, pelo menos dentro de mim, à realidade em que vivemos.'
  • 25. Se esse engajamento ao social não pode ser notado em outros livros de Clarice, é certo que, em A hora da estrela, 'Macabea representa o aviltamento por passa o ser humano, quando sua vida é barateada. Ela representa todos os perdidos retirantes nordestinos que se movem alienamente numa metrópole como o Rio de Janeiro'. 3.3. O narrador O relato se faz todo em primeira pessoa, e o enredo parece ser apenas um pretexto para que Rodrigo S.M. exponha as suas reflexões e indagações sobre si mesmo, sobre o sentido da vida, o ato de escrever, o valor da palavra. Ele é, pois, o personagem mais importante do relato. Quanto à sua relação com Macabea, ele declara amá-la e compreendê-la, embora faça contínuas interrogações sobre ela e embora pareça apenas acompanhando a trajetória dela, sem saber exatamente o que lhe vai acontecer e torcendo para que não lhe aconteça o pior. 3.4. Linguagem e linguagem A linguagem narrativa de Clarice é, às vezes, intensamente lírica, apresentando muitas metáforas e outras figuras de estilo. Há, por exemplo, alguns paradoxos e comparações insólitas, que realmente surpreendem o leitor. E também é peculiaridade da autora a construção de frases inconclusas e outros desvios da sintaxe convencional, além da criação de alguns neologismos. Quanto à linguagem, o livro a apresenta fartamente, em todos os momentos em que o narrador discute a palavra e o fazer narrativo. Interessante notar que, antes de iniciar a narrativa e logo após a 'Dedicatória do autor', aparecem os treze títulos que teriam sido cogitados para o livro. 3.5. Humor e ironia Embora a história de Macabea seja profundamente dramática, a narrativa é toda permeada de muito humor e ironia. O próprio nome da protagonista constitui-se numa grande ironia [tragicomédia]. 3.6. Espaço e tempo da narrativa A história se passa no Rio de Janeiro, com referências breves ao Nordeste, região onde viveram Macabea, Olímpico e o próprio narrador. Quando ao tempo, o narrador diz: 'Quero acrescentar, à guisa de informações sobre a jovem e sobre mim, que vivemos exclusivamente no presente pois sempre e eternamente é o dia de hoje e o dia de amanhã será um hoje, a
  • 26. eternidade é o estado das coisas neste momento.' [p.23] Mais adiante, diz ainda; 'Tudo isso acontece no ano este que passa e só acabarei esta história difícil quando eu ficar exausto da luta, não sou um desertor [p.40]. Resenha A Hora da Estrela de Clarice Lispector, é um “romance” diferente de todos os já lidos, isso se deve ao fato de a escritora fazer um jogo de personagens, tentando até mesmo se excluir como narradora, mas que por fim, acaba por se contradizer mostrando realmente quem era, além de narradora, também personagem na figura de Rodrigo (narrador-personagem criado por Clarice); Rodrigo que também as vezes se confundia com Macabéa, personagem criada por ele (e consequentemente por Clarice), já que essa (Macabéa) é criada e levada a morte por essa descrição, descrição marcada com uma linguagem que a desfigura e a constrói ao mesmo tempo. Na verdade, a expressão “romance” supra citada, foi propositadamente posta entre aspas, pelo motivo de que a própria autora, não sabia, ou melhor, não queria, classificar sua obra como romance, ou como novela, enfim, pois para Clarice, não mais importava essa questão de classificação em gêneros, para ela o texto apenas existia, seu encaixe em determinado gênero não iria
  • 27. mudar nada, o que está escrito, está escrito e pronto, cada leitor é que deveria tirar suas próprias conclusões. Os leitores de A Hora da Estrela podem estar se perguntando o porquê de Clarice ter criado Rodrigo para narrar a história de Macabéa, isso ocorreu porque ela queria narrar de forma distante, sob o ponto de vista masculino, já que se fosse a narração feita por uma mulher, com certeza teríamos um cunho mais sentimental, e não era esse o interesse de Clarice, ela refletia muito sobre a situação de submissão das mulheres, ela achava que a felicidade só acontecia ao lado de um homem, por isso também a história é narrada por um homem, para que fosse afastada de todo esse sentimentalismo lacrimoso das mulheres, “homem não chora”. Clarice Lispector, sofria muito com a posição dos críticos, que diziam que sua obra não estava de acordo com o esperado na época. Argumentavam que suas produções não tinham um cunho social, que era o que marcava os textos daquele momento. Na verdade, toda a obra de Clarice não tinha mesmo essa preocupação, ela escrevia e pronto, não procurava escrever sobre o que os
  • 28. outros estavam acostumados a ouvir, ou querendo ouvir. Desde nova, quando escrevia histórias infantis ao jornal de Pernambuco, seus textos não eram publicados, por se tratarem, segundo o editor do jornal, de textos muito fragmentados e complicados. É relevante pontuar, que a obra de Clarice realmente não é simples de se ler, ela requer certa reflexão do leitor, as cenas não estão descritas de forma tão explícita, de modo que não nos leve a uma reflexão mais profunda, no entanto, em A Hora da Estrela, Clarice tentou “retratar” um pouco essa questão social, não de forma tão explícita, mas sim nas entrelinhas. Pode-se notar isso, quando ela, por exemplo, fala do médico, médico de pobres, que como acontece no dia-a-dia odeia o que faz, e as pessoas menos favorecidas têm que se submeterem a esse tipo de serviço, com esse tipo de “profissional” que não está satisfeito com o que faz e com a quantia que recebe. Percebe-se também, essa questão citada acima, na própria história de Macabéa, que é a história de milhares de nordestinos (pobres), que vem para a cidade grande tentar ser alguém na vida, ocupar o seu espaço, e o que
  • 29. acontece? Nada de novo acontece, vêem e, na maioria das vezes, passam por situações piores do que as que viviam no interior, em sua terra natal. Se essas pessoas eram pouco importantes, insignificantes onde viviam, serão mais ainda na cidade grande, na capital, onde cada um quer saber de si, onde cada um tem que “se virar”, onde amizade, solidariedade, são palavras que não existem. Essas pessoas passam a ser apenas mais um dentre tantos; são pessoas substituíveis, que tanto faz morrerem ou não, existirem ou não. É justamente sobre essa questão da inutilidade, do “ser mais um”, que trata o “romance” A Hora da Estrela, que mostra esse processo de massificação a que todos estamos submetidos. Nessa narração, ou melhor, metanarrativa, a autora quer justamente nos levar a essa reflexão, afinal, quem somos? Para que vivemos? Qual é o nosso papel na sociedade? Será que fazemos falta, ou somos apenas mais um? Somos importantes? Será que no fundo, também não somos uma Macabéa da vida?
  • 30. Quando lemos o livro, muitas vezes rimos da personagem Macabéa, mas será que no fundo, bem lá no fundo não nos parecemos com ela? Quantas vezes não sabemos quem somos e o que estamos fazendo nesse mundo? Também não vamos empurrando a vida com a barriga, e seguindo uma rotina fatigante, achando que é assim mesmo, que assim está correto, está bom. Imaginamos que a única diferença que temos de Macabéa, é que nós, ainda por cima, reclamamos dessa vida e ‘Macabéa” não, ela não tinha essa consciência, para a personagem, tudo estava bom, perfeito, até o momento em que a cartomante através da linguagem lhe mostra o futuro, felizmente (ou infelizmente) ela teria um destino. É mister, deixarmos claro, que Macabéa, não tinha a oportunidade de ter uma outra perspectiva, tinha que agir assim mesmo, porque ela era um ser excluído da sociedade, e esta, não dava margem para que ela fosse alguém na vida. No entanto, as vezes, Macabéa dava-nos a entender que tinha um pouco, mesmo que muito raramente, consciência de sua inutilidade, quando por exemplo, Olímpico pergunta à ela sobre seu nome, e ela diz que não tem importância, que ela não é importante, ou quando acordava pela manhã e
  • 31. imagina, quem sou eu? E respondia: sou virgem, datilógrafa e gosto de coca-cola, (ela, sempre procurava lembrar quem era, já que os outros não percebiam, até mesmo para ela própria não se esquecer). Mas a percepção concreta dessa sua inutilidade ela não tinha, aliás, ela nunca aprendeu a pensar, só repetia o que ouvia dos outros, principalmente da rádio relógio, que ensinava uma “cultura” inútil. Macabéa era ingênua, a tal ponto que chegava a agradecer e pedir desculpas quando os outros a ofendiam, ela era apenas mais uma, ia a lugares comuns e sonhava em ser uma estrela de cinema, apesar, é importante deixar claro, de ela estar (demonstrar) satisfeita com sua situação. Temos esse ponto em comum com a personagem, de querermos ser uma “estrela de cinema”, também nós sempre temos o desejo de ser alguém, nunca estamos satisfeitos com o que somos. Apesar de, vou reforçar mais uma vez, que Macabéa, não tinha essa consciência, ela desejava e pronto, do mesmo modo que comia, trabalhava e ouvia rádio, era apenas, mais uma atitude e não um desejo obsessivo, um objetivo de vida.
  • 32. Aliás, objetivos, perspectiva, ambição, eram sentimentos que Macabéa nunca teve, ela sempre foi construída como a ausência de tudo, ou seja, a que não tem. Ela é uma não idéia de nada, não tem família, não tem namorado, não tem dinheiro, não tem sensualidade (ela só se descobre sensual depois das palavras da cartomante). Olímpico, o namorado de Macabéa, era também um nordestino que havia vindo tentar uma vida melhor no Rio de Janeiro, mas diferente de Macabéa, ele queria crescer na vida, mesmo por meios ilícitos, e ela nem isso queria. Na verdade Macabéa, só ao entrar em contato com a cartomante é que começa a refletir, se é que se pode dizer isso, sobre sua existência, Madama Carlota foi a única que achou seu nome bonito, que a chamou de florzinha, foi a primeira vez que foi reconhecida como gente, apesar de percebermos que Carlota fazia isso, porque era seu papel iludir as pessoas, encher “os miseráveis” de esperança. Ao ouvir a cartomante, Macabéa se sente grávida do futuro, é a primeira vez que lhe vem a mente, uma certa perspectiva, um destino, que como sabemos é trágico. Justamente quando ela imagina que vai começar a viver é que a morte lhe toma a vida. Mesmo assim, é relevante deixarmos claro, que
  • 33. mesmo acidentada, atropelada, Macabéa em sua ingenuidade se senti feliz e acredita que sua vida está mudando para melhor, pobre sabe ela que sua vida está terminando, aliás, podemos tirar a conclusão de que de certo modo ela estava correta, quem sabe com a morte física ela não poderia viver, já que enquanto estava viva ela simplesmente vegetava. A idéia conclusiva que podemos chegar é que a única saída para Macabéa era nada mais, nada menos que a morte, esse é o destino de todos (morte física), apesar de muitos já estarem mortos antes mesmo de morrem literalmente, principalmente essas pessoas excluídas, Macabéa só foi alguém, só foi percebida no mundo, quando foi atropelada, atrapalhando o tráfego, como já dizia Chico Buarque, em sua música Construção. Na verdade somos o nada, como Macabéa, só somos percebidos por um instante, quando a vida nos coloca nessa situação que é a morte, enfim, nesse momento encontramos nosso lugar, mesmo que na calçada (que não é a da fama, mais uma comum), que por um instante se torna o palco, o picadeiro, o cenário de um estrelato. Macabéa enfim, consegue ser vista, sentir-se gente, uma verdadeira estrela.
  • 34. No próprio momento de sua morte física, é que Macabéa se sente mulher, sente um gozo por si, é a primeira vez que se toca e se abraça como sentindo uma estima por si mesma, é o ápice, o clímax da narrativa. Aliás, a morte se torna a personagem principal desse metarromance. A morte é a única figura que consegue dar um fim a essa história, se não terminasse assim, não teria fim, pois a todo o momento Rodrigo já nos deixa claro e nós também já, de certa forma, imaginamos que não resta outro destino senão esse, e que é o final de todos nós. De repente só morrendo é que podemos sentir e descobrir quem somos (éramos). Muitos filósofos, já desde a antigüidade, vem tentando descobrir quem somos, e na verdade nunca se chegou a uma conclusão, essa é uma pergunta que nunca terá uma resposta, somos o que vivemos e pronto, e se isso está correto ou errado, não sabemos, talvez um dia possamos descobrir como Macabéa, mas isso ninguém sabe. Apenas vamos vivendo, e afinal, o que é a vida senão uma busca constante?
  • 35. Constatamos, também, que como Macabéa, muitas vezes, estamos vegetando, já estamos mortos, mesmo estando vivos, pois como já dizia Charlie Chaplin “O homem não morre quando deixa de viver, mas sim quando deixa de amar”. Toda essa narrativa também nos remete, com toda certeza, a própria história de vida de Clarice Lispector, desde cedo perde a mãe, assim como Macabéa que não lembrava dos pais, também veio do nordeste para tentar a vida no Rio de Janeiro, e por fim Clarice também, principalmente após sua separação, seu acidente com o cigarro (apartamento pegando fogo) e com sua doença (câncer no útero), não tem mais um objetivo na vida, uma meta, uma perspectiva, apenas espera sua morte física, porque sua morte interna já havia ocorrido a muito tempo. Macabéa, Rodrigo, Clarice, representam todos nós, um nada, que vivemos em busca de entender o que somos, e quando descobrimos é tarde demais, como sempre, descobrimos tudo tarde demais. Somos pó e ao pó iremos voltar. Na verdade, cada um constrói a sua história, boa ou ruim, mas constrói, quem somos nós para julgarmos Clarice, Rodrigo ou Macabéa? Se somos como eles, simples mortais que temos que lutar diariamente, para
  • 36. sobrevivermos nessa labuta constante que é a vida em sociedade. Quantos de nós também não queríamos uma cartomante, mesmo que charlatona, para nos dá uma esperança, para nos transformar em alguém, para também como Macabéa, deixarmos de ser ausências apenas. Será que somos o que queremos, ou simplesmente queremos ser. Quantas vezes, quando estressados, não gostaríamos de ser como Macabéa simplesmente, não pensar em nada e achar que tudo está muito bom? Mas não, temos essa tendência a complicar as coisas, a reflexão, ao estresse. São essas reflexões que todo o tempo Clarice quer nos repassar, que são também, como já havia citado, suas próprias reflexões, e acho que muito mais do que retratar a realidade, ela conseguiu levar-nos a uma introspecção, a um estudo sobre nós, nossa vida e a sociedade. Clarice foi mestre, conseguiu escrever de forma diferente, nova, sem ser rebuscada, até mesmo porque o narrador-personagem Rodrigo, não podia escrever de forma erudita para poder se aproximar da personagem Maca. Esse não é um livro comum, e não
  • 37. foi escrito para qualquer um ler, na verdade, o “romance”, não tem público, como alguns críticos e o próprio Rodrigo nos deixa entender. A própria sugestão de vários títulos foi inovador, tudo nesse livro nos remete a algo novo, segundo Gotlib, o livro se divide em cinco histórias, sendo que a última só quem lê o “romance”, descobrirá, Gotlib nos remete novamente aos títulos, que se formos ler o livro sob a perspectiva de determinado título, teremos uma história nova, aliás, sempre que lemos novamente uma obra, independente de mudarmos ou não o nome dela, temos uma nova visão, pois como já dizia, se eu não me engano, Heráclito, “Não nos banhamos duas vezes no mesmo rio”. A cada leitura é um nova descoberta, e a autora quer justamente deixar ao leitor esse trabalho de reflexão, de construção. Nós leitores temos que tirar nossas próprias conclusões. E é justamente por isso, que a história se torna interessante, até mesmo porque, como já citei várias vezes, nós mesmos nos identificamos muito com os personagens desse metarromance. Estamos constantemente buscando essa “Hora da Estrela”, muitas vezes também não nos encaixamos em lugar
  • 38. nenhum, a autora quer deixar isso bem claro, que não existe no mundo lugar para pessoas como Macabéa.