O documento resume a teologia do livro de Samuel segundo Paul House em 3 frases:
1) Samuel mostra a continuidade e singularidade de Deus em proteger, abençoar e avaliar seu povo, apesar de sua fragilidade.
2) O livro objetiva apresentar as fragilidades humanas de figuras como Davi de forma credível e desafiar os leitores a desenvolver uma nova teologia.
3) House divide o livro em seções focando na escolha, proteção e exaltação de Davi por Deus, contrastando-o com a rejeição
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
Teologia do livro de Samuel
1. A Teologia do livro de Samuel na perspectiva de Paul House
Introdução
O nosso estudo sobre Samuel1 se limitará às questões sobre seus temas,
objetivos, um resumo das divisões segundo o autor Paul R. House e uma
problematização das questões que levaram o livro bíblico a ser escrito. Se o livro foi
uma resposta a algum interlocutor, dúvidas contemporâneas do escritor e vários
questionamentos que poderiam ter brotado daquela época.
Tema do livro bíblico
Para Paul R. House o tema de Samuel é:
O Deus que protege, abençoa e avalia. “Samuel está situado em uma
posição muito estratégica em relação às questões históricas, teológicas e
canônicas. Em relação a sua posição histórica fica claro o momento de
instabilidade na liderança dos juízes até o surgimento da monarquia e seu
desenvolvimento. Teologicamente o livro mostra a continuidade e
singularidade de Yahweh em relação ao seu povo, que embora frágil e
inconstante, é surpreendido pela proteção, benção e promessas divinas.
Canonicamente, pois o livro descreve a promessa divina a Davi em construir
um reino eterno, o que predomina em todo o cenário teológico do Canon”
(HOUSE, 2005, p.287).
Objetivo do livro bíblico
Para House em Samuel,
“Existem muitos detalhes teológicos intrigantes que não devem ser postos
de lado. O relacionamento entre Deus e o homem e as suas crises em todo
o resto do cânon. A habilidade do autor em apresentar as fragilidades
humanas de Davi e outras pessoas concede credibilidade histórica ao livro.
A apresentação cuidadosa que o autor faz dos muitos e variados aspectos
da personalidade divina caracteriza o livro como um esforço teológico
honesto e perspicaz. Parece que o autor espera que os leitores se
arrisquem a desenvolver uma teologia que ao mesmo tempo questiona-lhes
o pensamento e os desafia a uma nova maneira de viver” (HOUSE, 2005,
p.289).
Resumo das divisões do livro
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Em nosso estudo Samuel equivale a 1 e 2 Samuel.
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2. A Teologia do livro de Samuel na perspectiva de Paul House
O Deus que protege a sua glória: 1Samuel 1-7
No primeiro capítulo de Samuel notamos uma ligação canônica com Juízes,
baseada no seu desfecho com mulheres sendo tomadas pelos benjaminitas na festa
em Siló. Vale também lembrar a frase final do livro: “Naquele tempo não havia rei em
Israel; cada um fazia o que lhe parecia certo” (Jz 21.25). Já em Samuel, vemos uma
mulher na mesma região de Siló adorando a Deus com fervor. Nota-se o pecado
passado e a necessidade urgente de adoração.
O nascimento de Samuel provém da oração profunda de Ana, que é uma
preparação para os temas do restante do livro ou uma introdução aos grandes
temas teológicos do livro, tais como: a) Singularidade de Yahweh; (2.2), b) do pó
Deus ergue o pobre (2.7,8), prefigurando Saul e Davi; c) guardará os pés dos
piedosos (2.9); d) rejeição de Saul, a citação de rei (2.10) preparando o palco para o
surgimento e queda da monarquia. Ambos os louvores revelam o contraste canônico
do fracasso dos Juízes e o sucesso desse novo paradigma da adoração.
Ao escolher Samuel, Deus protege a revelação divina e as expressões
corretas de adoração. Isso contrasta com a vida do Israel que trata a arca da Aliança
como um amuleto mágico para ser usado na guerra. Troca-se a entrega pessoal na
presença divina por apenas rituais humanos da época. Como Moisés em Êxodo,
Samuel é o mediador de um relacionamento totalmente renovado entre Deus e
Israel. Quando a arca retorna para Israel (cap. 6) contemplamos a incomparabilidade
de Deus em relação aos ídolos. Deus é mais do que um símbolo, é a própria
essência da vida para Israel.
O Deus que institui a monarquia: 1 Samuel 8-12
Nos Profetas Anteriores, vemos três tipos de movimentos históricos: vida e
liderança de Josué (Deserto e Terra Prometida), o período dos juízes e o último
grande movimento em que foi Israel liderado por reis. Dando enfoque no último
movimento vemos em Deuteronômio 17.14-20 como deveria se escolher o rei. Em
resumo: 1. Escolhidos por Deus, 2. Israelitas, 3. Guardar a aliança, 4. Um estilo de
vida simples, diferente dos reis da antiguidade.
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3. A Teologia do livro de Samuel na perspectiva de Paul House
Ainda assim, o pedido de um rei feito por Israel é uma rejeição frontal à obra
de Deus por meio de Samuel e outros juízes. Israel quer um rei para ser como as
outras nações (cap.8), uma aversão ao chamado em Êx 19.5,6, para ser uma nação
de sacerdotes separados para Yahweh. O que se nota é que tanto os líderes, juízes
ou reis, todos podem prosperar. Esses movimentos terão êxito ou cairão mediante a
aceitação de Deuteronômio 17.14-20.
O Deus que avalia e rejeita Saul: 1Samuel 13-15
O rei para Israel também é avaliado por padrões diferentes das outras
nações. Não bastava o primeiro rei Saul se sair melhor do que os demais nas
guerras. Os padrões para o rei eram espirituais, ou Yahweh era o Deus do rei, ou
Israel não tinha diferença alguma em relação aos outros povos.
Resumidamente os três atos que tiraram Saul do trono de Israel. O primeiro
foi oferecer sacrifícios sem a presença de Samuel, o único que tinha autoridade para
tal (13.1-19). Segundo, Saul faz um voto apressado que traria desgraça para o povo
(14.1-30). Saul jura que Israel não se alimentará até ele ser vingado. Isso deixa claro
que a guerra visa mais vingança pessoal do que reabilitar o nome de Yahweh ou
alcançar segurança para o povo. O terceiro ato foi o não cumprimento da ordem
dada por Samuel: “Destrua os amalequitas na guerra” (15.1-3). Embora Deus
conceda a vitória, Saul deixa nítido que ele não servia para ser rei de Israel. Yahweh
decide rejeitar Saul. Quem escolheu Saul também pode substituí-lo.
O Deus que elege, protege e exalta Davi: 1Samuel 16 – 2Samuel 5
Saul não serve mais para reinar, logo, Deus intervém em três ações: 1.
escolhendo, 2. protegendo e exaltando. Yahweh escolhe o anônimo Davi para ser
rei. Como conseqüência disso, Yahweh precisa proteger seu escolhido durante o
período de decadência de Saul. Esse processo de proteção é marcado pelo
relacionamento singular com Deus durando os capítulos 19 – 30 de 1Samuel até
desembocar em 2Samuel 1 – 5 em sua exaltação. O que se percebe é um contraste
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4. A Teologia do livro de Samuel na perspectiva de Paul House
vibrante entre dois homens, ou dois tipos de ser humano. Por um lado, a vida de
Davi reflete sua ascensão desde a escolha, proteção e exaltação. Saul, porém,
reflete ciúme, loucura, ocultismo até sua morte.
Deus vê o coração (1Samuel 16.7). Humanamente Davi seria rejeitado pelos
homens. As propriedades de um rei de Yahweh não são seus dons militares, nem
dons de um estadista, nem questões de autoridade internas, mas como um rei cheio
do poder divino e, portando, capaz de coisas maiores do que outros homens. A
morte de Saul ensina a Israel que ter um rei não os salvará. Antes, o essencial era
os israelitas terem os reis certos.
House nos conta sobre a experiência de Davi como um salmista citando
algumas passagens do livro de Samuel que são quase palavra por palavra alguns
dos salmos, como o salmo 18, 3, 52 etc.. Esses salmos são produto de um
relacionamento vivo de proteção divina durante principalmente as duras
perseguições feitas por Saul.
O Deus que faz uma aliança eterna com Davi: 2Samuel 6 e 7
Esta seção é marcada por dois episódios. O primeiro é que Davi leva a arca a
Jerusalém. Assim, fazendo da cidade o centro da adoração israelita. Segundo, o rei
deseja erigir um templo para abrigar a arca e lhe é negado o direito de fazê-lo, mas
em compensação, lhe é oferecido um reino eterno.
House trata desse assunto fazendo uma síntese canônica. Desde o momento
da edificação do templo por Salomão, percorrendo os profetas, salmos até o Novo
Testamento. A grande ênfase do autor é que o Antigo Testamento tem algumas
exigências para esse rei vindouro. Resolver o problema do pecado da nação (Isaías,
Jeremias, Ezequiel e os Doze), vir de Belém (Miquéias), instaurar a paz em todo o
mundo, ser da família de Davi, e ser propriamente um Rei. O NT aplica esses textos
a Jesus Cristo. Neles os escritores encontram quem cumpre todas as exigências
acima destacadas.
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5. A Teologia do livro de Samuel na perspectiva de Paul House
O Deus que julga e ao mesmo tempo protege Davi: 2Samuel 8 – 20
O livro de Samuel, como um todo, mostra a vida de Davi tanto como um rei
(vida pública), quanto um homem (vida pessoal). O relacionamento de Davi com
Deus não poderia ser melhor, ou mais ideal, pois Davi preenchia todos os quesitos
estabelecidos pela lei Mosaica descrita no Deuteronômio. Davi governou com
justiça, tomou decisões sábias, recebia o favor de Deus, era fiel ao seu Deus,
conquistou os inimigos e demonstrou bondade. Essa seção mostra que todos os
atos de Davi são graça da parte de Deus sobre a vida do rei.
Inesperadamente tudo muda, o rei Davi não é mais aquele personagem
público fantástico, e além de não ir para a guerra, fica em casa e comete adultério
com a mulher de um dos seus soldados, que logo após seria morto por ordem de
Davi. Que contraste se vê nessa narrativa! Davi quebra todas as leis que cumpria
junto ao seu Deus. E assim como Samuel trouxe palavra divina de castigo para Saul,
o profeta Natã usa do mesmo artifício para com Davi em 2Samuel 12.1.
O Deus que merece a devoção de Davi: 2Samuel 21 – 24
O pecado é um vírus que entrou no mundo através dos nossos primeiros pais.
Mesmo os melhores homens e mulheres de Deus pecam. Em qualquer tempo ou
época a narrativa de Samuel, bem como a História Deuteronômica, mostra-nos que
o arrependimento é uma virtude diante da misericórdia grandiosa de Yahweh.
Davi não apenas é um adorador em todos os momentos, mas um homem que
reconhece diante do profeta de Deus suas desventuras. Davi realmente foi um
homem especial para Deus já que recorria a Ele em todos os momentos de
fraqueza. Em Samuel vemos os contrastes da vida de Davi, altos e baixos.
Problematização do livro de Samuel
1. Por que o livro bíblico veio a ser escrito e com quais objetivos? Testemunhos
internos e externos.
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6. A Teologia do livro de Samuel na perspectiva de Paul House
Samuel é ordinariamente descrito como parte da História Deuteronômica, o
conjunto de livros de Josué até o final de Reis que aplicam a visão de mundo para a
nação de Israel. Se pensarmos no livro de Samuel como uma série de livros como
Josué – Reis, eles têm que fazer parte do mesmo propósito:
1. A mensagem é uma chamada para arrependimento, pois o povo de Deus
sofreu, na época do exílio, por causa de seus pecados passados.
2. Vemos o livro de Samuel preocupando-se com o coração, muito mais do
que com as possíveis habilidades de guerra, altura ou força. Baseado em Dt. 6.5,
amar a Deus de todo coração é uma clara ênfase para uma vida de arrependimento
e constante simplicidade diante de Yahweh.
3. O livro também é um chamado à fé e à coragem, por trazer à lembrança a
eleição divina de Israel, o cuidado com seu povo em cada época, sua fidelidade,
promessa e por fim a esperança do Rei vindouro e eterno.
4. Como em toda a História Deuteronomista, “Samuel traça uma narrativa
profética em relação ao passado, para servir como escritura para a nova geração de
Israel presente, bem como esperança para os dias futuros do Israel” (LASOR;
HUBBARD; BUSH, 2002, p.147).
Um dos questionamentos da época que levariam o livro a ser escrito em
nossa opinião é o fato de que a soberania de Deus no estabelecimento da
monarquia em Israel revela que a sobrevivência e segurança da nação não
dependem da monarquia em si, mas de um monarca cujo coração seja humilde e
confiante perante o Deus da aliança. Os olhos de Yahweh se preocupam mais com
o caráter de seus servos do que por suas grandes habilidades, sejam elas quais
forem.
1. Quem foi o autor?
O nome Samuel aparece no título do livro e refere-se ao primeiro personagem
dessa narrativa, mas não foi seu autor, já que sua morte é relatada bem cedo no
próprio livro. Quem quer que tenha escrito o livro de Samuel, independentemente da
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7. A Teologia do livro de Samuel na perspectiva de Paul House
época em que isso aconteceu, estava mais interessado em nos contar a respeito de
Deus do que em nos dar pistas acerca de sua própria identidade.
Sugere-se que pelo conhecimento da monarquia dividida, o autor teria escrito
a série de Josué até Reis, nesse caso no exílio babilônico, séc VI. Isso não exclui a
possibilidade como diz 1 Crônicas 29.29, de Samuel ter escrito crônicas, bem como
Natã e também Gade.
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8. A Teologia do livro de Samuel na perspectiva de Paul House
REFERÊNCIAS
BÍBLIA DE GENEBRA. São Paulo: Cultura Cristã, 2000.
BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2002.
BÍBLIA HEBRAICA STUTTGARTENSIA. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1990.
BÍBLIA SAGRADA – NOVA VERSÃO INTERNACIONAL. São Paulo: Editora Vida,
2000.
BÍBLIA Sagrada. Revista e atualizada no Brasil. 2ªed. Tradução de João Ferreira de
Almeida. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
HOUSE, Paul R. Teologia do Antigo Testamento. Trad. De Márcio Redondo; Sueli
Saraiva. São Paulo: Vida Acadêmica, 2005.
LASOR, William Sanford; HUBBARD, David A; BUSH, Frederic W; Introdução ao
Antigo Testamento. Tradução de Lucy Yamakami. São Paulo: Editora Vida Nova,
2002.
PETERSON, E. H. The Message: The Bible in contemporary language. Colorado
Springs, Colo.: NavPress, 2002
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