O Ministério Público moveu ação civil pública contra Flávio Luiz Locks alegando irregularidades ambientais em seu terreno, como canalização irregular de curso d'água e construção de açude sem licença. Após perícia, o réu não apresentou projeto de recuperação da área dentro do prazo. Na sentença, o juiz julgou procedente os pedidos do MP.
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Autos n° 020.09.003948-3 1
Autos n° 020.09.003948-3
Ação: Ação Civil Pública/Lei Especial
Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Réu: Flavio Luiz Locks
SENTENÇA
RELATÓRIO
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou a presente
Ação Civil Pública em face de Flávio Luiz Locks, argumentando, em suma, que
foram identificadas, no procedimento administrativo n. 48/2008, irregularidades
ambientais.
Narrou, nesse contexto, que em vistoria realizada em terreno de
propriedade do réu, a Polícia Militar Ambiental constatou a canalização de um curso
d'água de aproximadamente 6m (seis metros) de largura realizada com drenos de
concreto em uma distância aproximada de 60m (sessenta metros), sendo a água
descartada em um valo às margens da Rua João Scotti.
Ressalta-se que o referido curso d'água passa nas proximidades dos
trilhos do trem, onde recebe poluição proveniente do despejo antigo de pirita,
oriunda de rejeitos de carvão mineral.
Em consequência do aterro efetuado na área, houve o represamento
das águas, sendo que as árvores nativas foram mortas devido à inundação.
Ademais, evidenciou-se o corte de algumas destas, havendo também o depósito de
uma pequena quantidade de material lenhoso de espécie de árvore nativa
conhecida popularmente como "Maricá".
Ainda, observou-se a construção em área de preservação permanente
de um açude de aproximadamente 1.000m² (um mil metros quadrados), ocorrendo a
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degradação de 0,6ha (zero vírgula seis hectares). Frisa-se que o réu não possui
qualquer licença ambiental expedida pelo órgão competente para a realização das
atividades anteriormente explicitadas.
Por fim, requereu para que o réu: a) seja compelido a demolir a obra de
canalização do curso d'água no imóvel e que está em área de preservação
permanente, sob pena de fixação de multa diária; b) efetue a elaboração de PRAD -
Plano de Recuperação de Área Degradada em 45 (quarenta e cinco) dias, mediante
projeto a ser confeccionado por profissional competente e aprovado pela FATMA -
Fundação do Meio Ambiente, sob pena de aplicação de multa diária; e c) execute o
referido PRAD no prazo de 6 (seis) meses, a contar da data da aprovação do plano
de recuperação pela FATMA.
Atribuiu à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e juntou
documentos (fls. 11-86).
Devidamente citado (fl. 89), o réu apresentou contestação às fls. 90-
107, oportunidade em que requereu o chamamento ao processo do Sr. Hélio
Crozetta, proprietário do imóvel vizinho, ao qual atribuiu a realização do aterro
efetuado no local.
Ademais, este também seria o responsável pelo desvio do curso
d'água, já que o aterramento efetuado teria provocado o desvio do fluxo natural de
escoamento, o que ocasionou em represamento no imóvel do réu, e,
consequentemente, desencadeou a morte da vegetação nativa do local.
Sustentou, ainda, que procurado pela comunidade local, a qual
manifestou certa preocupação em relação ao represamento das águas, o réu
estabeleceu medidas para o escoamento da água, visando o isolamento das águas
contaminadas pelo rejeito piritoso.
Com relação ao corte de árvores, argumentou que a responsabilidade
desta deve ser atribuída à CELESC – Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A, eis
que o imóvel do requerido encontra-se na passagem de rede de alta tensão e a
referida empresa possui o dever legal de obedecer a faixa de segurança visando
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impedir acidentes com a rede elétrica. Em contrapartida, o réu teria apenas extraído
uma pequena quantidade da vegetação para permitir a manutenção das cercas no
imóvel.
Já quanto à abertura do açude, expressou o réu que a realizou com o
intuito de proporcionar uma forma de lazer para o local, não entendendo que efetuou
qualquer espécie de dano ambiental.
Ao final, pleiteou: a) o chamamento ao processo do Sr. Hélio Crozetta;
b) a atribuição da responsabilidade quanto à descontaminação e retificação dos
cursos d'água às empresas carboníferas; ou, alternativamente, autorização para
substituição do PRAD pelo Plano de Recuperação emanado pela Prefeitura
Municipal de Criciúma.
Houve réplica (fls. 157-159).
À fl. 160 restou afastado o pleito de chamamento ao processo do Sr.
Hélio Crozetta, bem como fora nomeado expert para realização de prova pericial.
O Ministério Público apresentou quesitos às fls. 161/162, bem como o
réu às fls. 165/166.
O laudo pericial foi juntado às fls. 193-260.
Realizada audiência de conciliação, esta restou inexitosa (fl. 280).
Designada solenidade de instrução e julgamento (fl. 295), procedeu-se
a oitiva de uma testemunha e de dois informantes, todos arrolados pela defesa,
havendo a desistência quanto as demais (fl. 315).
Efetuada nova audiência a fim de pactuar possível acordo, as partes
convencionaram que a ré apresentaria projeto junto aos órgãos competentes, no
prazo de 90 (noventa) dias (fl. 366).
Decorrido o prazo sem manifestação pelo réu, o Ministério Público
pleiteou pelo julgamento da lide (fl. 371).
Vieram-me os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
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FUNDAMENTAÇÃO
Considerando que o chamamento ao processo do Sr. Hélio Crozetta
pretendido pelo réu já restou afastado à fl. 160, aliada a inexistência de arguições de
outras preliminares nos autos, passo à análise do mérito.
Nos termos do art. 225, caput, da Constituição Federal de 1988 "Todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações".
Para José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior (in Proteção do Meio
Ambiente na Constituição da República. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, p. 77):
A norma estabelecida no art. 225 da Constituição prescreve um
direito atribuído, indistintamente, a qualquer pessoa. A atribuição de
um direito a uma coletividade constitui técnica nova no Direito, com
significativos reflexos em normas substantivas e processuais.
Os valores que tradicionalmente informavam o direito na
modernidade tinham como referência fundamental a liberdade e a
propriedade individual. Partindo destes valores, as normas jurídicas
(atribuição de direitos e prescrição de obrigações) limitavam-se à
definição estrita dos indivíduos participantes da relação jurídica e à
conexão do objeto do direito com esta relação.
Tornadas mais complexas as relações sociais, o direito passa a
admitir a possibilidade de relações jurídicas não apenas entre
indivíduos, singularmente considerados, mas também no plano da
coletividade em que estão inseridos. O objeto da norma jurídica pode
então ser não apenas algo que interessa a alguém em particular,
mas também valores que interessam simultaneamente a uma parte
ou toda a coletividade.
Para tanto, parte-se da identidade de interesses claramente definidos
em uma coletividade, interesses estes com intensidade difusa pelos
indivíduos componentes do grupo. Ao lado e por vezes limitando o
consolidado direito individual, a norma jurídica passa a tratar direitos
que são, na expressão de alguns autores, metaindividuais, na
expressão de outros, transindividuais.
O art. 225, § 3º, da Carta Constitucional, por sua vez, estabelece que
“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
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infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Desse modo, passo à análise discriminada das irregularidades
apontadas na ação civil pública.
Da Canalização do Curso D'água
Segundo consta na exordial, o réu teria realizado, com drenos de
concreto, a canalização de um curso d'água de aproximadamente 6m (seis metros)
de largura e em uma distância aproximada de 60m (sessenta metros), sendo a água
descartada em um valo às margens da Rua João Scotti.
Ademais, o referido curso d'água passaria nas proximidades dos trilhos
do trem, onde recebe poluição proveniente do despejo antigo de pirita, oriunda de
rejeitos de carvão mineral.
Em contrapartida, o réu atribui a responsabilidade pelo desvio do curso
d'água ao proprietário do imóvel vizinho, o Sr. Hélio Crozetta, pois o aterramento
efetuado teria provocado o desvio do fluxo natural de escoamento, o que ocasionou
em represamento no imóvel do réu, e, consequentemente, desencadeou a morte da
vegetação nativa do local.
Razão assiste ao órgão ministerial.
Isso porque, em que pese os argumentos trazidos pelo réu a fim de
justificar a construção da canalização do curso d'água, este não se desincumbiu de
sua responsabilidade, já que não possuía qualquer autorização do órgão ambiental
competente para a realização da referida obra.
Estabelece a Resolução CONSEMA N. 001/2006 (Anexo I) que "a
canalização de cursos d'água é considerada atividade potencialmente causadora de
degradação ambiental" (33.13.08).
Desse modo, exige-se o licenciamento ambiental devidamente
expedido pelo órgão competente, o que não ocorreu no presente caso.
Além disso, a atividade de canalização de cursos d'água somente pode
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ser autorizada em casos excepcionais, definidos na Resolução CONAMA n.
369/2006, pois envolve a intervenção ou supressão de vegetação em Área de
Preservação Permanente.
Para tanto, o art. 2º da referida Resolução elenca como hipóteses para
a autorização a utilidade pública, o interesse social e a intervenção ou supressão de
vegetação eventual e de baixo impacto ambiental, in verbis:
Art. 2: O órgão ambiental competente somente poderá autorizar a
intervenção ou supressão de vegetação em APP, devidamente
caracterizada e motivada mediante procedimento administrativo
autônomo e prévio, e atendidos os requisitos previstos nesta
resolução e noutras normas federais, estaduais e municipais
aplicáveis, bem como no Plano Diretor, Zoneamento Ecológico-
Econômico e Plano de Manejo das Unidades de Conservação, se
existentes, nos seguintes casos:
I - utilidade pública:
a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;
b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços
públicos de transporte, saneamento e energia;
c) as atividades de pesquisa e extração de substancias minerais,
outorgadas pela autoridade competente, exceto areia, argila, saibro e
cascalho;
d) a implantação de área verde pública em área urbana;
e) pesquisa arqueológica;
f) obras públicas para implantação de instalações necessárias a
captação e condução de água e de efluentes tratados; e
g) implantação de instalações necessárias a captação e condução de
água e de efluentes tratados para projetos privados de aquicultura,
obedecidos os critérios e requisitos previstos nos §§ 1º e 2º do art.
11, desta Resolução.
II - interesse social:
a) as atividades imprescindíveis a proteção da integridade da
vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo,
controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios
com espécies nativas, de acordo com o estabelecido pelo órgão
ambiental competente;
b) o manejo agroflorestal, ambientalmente sustentável, praticado na
pequena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterize
a cobertura vegetal nativa, ou impeça sua recuperação, e não
prejudique a função ecológica da área;
c) a regularização fundiária sustentável de área urbana;
d) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e
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cascalho, outorgadas pela autoridade competente;
III - intervenção ou supressão de vegetação eventual e de baixo
impacto ambiental, observados os parâmetros desta Resolução.
Assim, ainda que a obra de canalização do curso d'água fosse
considerada de interesse social, já que o réu afirmou que teria realizado a referida
obra pois a comunidade teria demonstrado certa preocupação com o represamento
do local, a situação em comento não encontra-se elencada nas hipóteses que
independem de prévia autorização, elencadas no § 3º do art. 4º da Resolução do
CONAMA n. 369/2006, in verbis:
Art. 4º: Toda obra, plano, atividade ou projeto de utilidade publica,
interesse social ou de baixo impacto ambiental, devera obter do
órgão ambiental competente a autorização para intervenção ou
supressão de vegetação em APP, em processo administrativo
próprio, nos termos previstos nesta resolução, no âmbito do
processo de licenciamento ou autorização, motivado tecnicamente,
observadas as normas ambientais aplicáveis.
[...]
§ 3º - Independem de prévia autorização do órgão ambiental
competente:
I - as atividades de segurança publica e defesa civil, de caráter
emergencial; e
II - as atividades previstas na Lei Complementar no 97, de 9 de junho
de 1999, de preparo e emprego das Forças Armadas para o
cumprimento de sua missão constitucional, desenvolvidas em área
militar.
Ademais, a perita nomeada pelo Juízo que confeccionou o laudo
pericial nos presentes autos concluiu que "o réu é responsável pelo início das obras
de canalização de um curso d'água (córrego que adentra em seu imóvel). A referida
canalização foi iniciada irregularmente, pois para a devida atividade faz-se
necessário o licenciamento/autorização do órgão ambiental competente (FATMA), e
apresentação dos devidos estudos ambientais" (fl. 248).
Portanto, a pretensão do Ministério Público, neste ponto, merece
guarida a fim de determinar a demolição da obra de canalização do curso d'água no
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imóvel de propriedade do réu.
Da Supressão de Vegetação Nativa
Explicita o representante ministerial na exordial que em consequência
do aterro efetuado em determinada área, teria ocorrido o represamento das águas,
sendo que as árvores nativas foram mortas devido à inundação.
Ainda, teria havido o corte de algumas destas, bem como fora
localizado o depósito de uma pequena quantidade de material lenhoso de espécie
de árvore nativa conhecida popularmente como "Maricá".
Por outro lado, alegou o réu que a responsabilidade do corte de
árvores é da CELESC – Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A, eis que o imóvel
do requerido encontra-se na passagem de rede de alta tensão e a referida empresa
possui o dever legal de obedecer a faixa de segurança visando impedir acidentes
com a rede elétrica. Afirmou, ainda, que teria apenas extraído uma pequena
quantidade da vegetação para permitir a manutenção de cercas no imóvel.
Razão assiste ao órgão ministerial.
1) Da Supressão Decorrente do Aterro
Denota-se do conjunto probatório acostado aos autos que houve
supressão de vegetação nativa devido à inundação de águas represadas
decorrentes do aterro realizado na área.
Inicialmente, cabe ressaltar que o Município de Criciúma está inserido
no Bioma Mata Atlântica, conforme explicou a perita judicial à fl. 214.
A Constituição do Estado de Santa Catarina considera a Mata
Atlântica dentre as "áreas de interesse ecológico, cuja utilização dependerá de
prévia autorização dos órgãos competentes homologada pela Assembléia
Legislativa" (art. 184, inciso I).
Especificamente em relação à supressão de vegetação do bioma
Mata Atlântica, cabe ao interessado observar o disposto nos artigos 11 a 17 da Lei
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Autos n° 020.09.003948-3 9
n. 11.428/2006.
O laudo pericial realizado no imóvel concluiu que "o réu é co-
responsável pela terraplanagem e aterro do curso d'água na divisa do seu imóvel
com o lote 01".
Ademais, o teor do referido laudo ainda explicita que: "a falta de
vegetação nativa em grande parte da área restringiu bastante a presença da fauna,
principalmente nas espécies de maior porte, sendo relatada a ocorrência de
espécies não exigentes quanto a conservação ambiental" (fl. 216).
E, ainda, consta que "as árvores nativas continuam morrendo devido a
inundação das águas com rejeito de pirita no local" (fl. 229).
Desse modo, considerando que a supressão da vegetação nativa
ocorreu em face do aterro realizado no terreno, aliada a degradação ambiental em
vegetação nativa integrante do Bioma Mata Atlântica, sem a devida
autorização/licenciamento do órgão ambiental competente, inevitável a atribuição da
responsabilidade do réu a esta irregularidade ambiental.
2) Do Corte de Árvores e Do Depósito do Material Lenhoso
Por outro lado, quanto a área degradada que está localizada aos
arredores da passagem de rede de alta tensão da CELESC – Centrais Elétricas de
Santa Catarina S.A, há de se atribuir a responsabilidade também ao réu.
A perita nomeada, quando questionada acerca da passagem de rede
de alta tensão sobre o imóvel do requerido, relatou sua existência e salientou que "a
CELESC na ocasião em que instala/amplia uma rede de distribuição de energia
elétrica, deve solicitar autorização para o corte de árvores ou a supressão de
vegetação, junto ao órgão competente". (fl. 242).
Nesse sentido o laudo pericial concluiu:
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Autos n° 020.09.003948-3 10
[...] Constatou-se que algumas árvores nativas foram cortadas, em
quantidade que não caracterizada devastação/desmatamento.
Salienta-se que, independentemente da quantidade, o corte de
árvores nativas deve ser precedido de autorização do órgão
ambiental competente.
O réu não realizou a supressão da vegetação em 0,6 hectares, e sim
em aproximadamente 0,13 hectares, sendo que parte da vegetação
retirada, foi em virtude da ampliação da rede de energia elétrica
instalada pela CELESC. (fl. 248).
Todavia, em que pesem os argumentos lançados pelo réu no sentido
de que a responsabilidade pelo corte das árvores deveria ser atribuída à CELESC,
aliada à comprovação por meio de laudo pericial do efetivo dano ambiental causado
na área em questão, a parte ré não se desimcumbiu do ônus de provar a
responsabilidade exclusiva de terceiro.
O § 1º do art. 14 da Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente) traz que em matéria de direito ambiental a responsabilidade é objetiva.
Nesse norte os doutrinadores Anderson Furlan e William Fracalossi, na
obra Direito Ambiental, expressam que "prevalece na doutrina brasileira a defesa da
responsabilização objetiva de acordo com a teoria do risco integral, a qual não
admite excludentes de responsabilidade" (2010, p. 511).
E explicam os referidos autores:
"São cinco as consequências básicas da adoção da responsabilidade
objetiva pelo risco integral: "constata-se a irrelevância da
subjetividade da conduta, não havendo mais a necessidade de
intenção danosa ou de verificação da culpa, bastando a mera
configuração de um prejuízo. De igual forma, demonstra-se
irrelevante a mensuração do subjetivismo, com a existência ou não
de muitas pessoas passíveis de responsabilização. Desde que
alguma destas seja atingida, não há porque efetuar-se a reparação,
não importando o montante de sua contribuição ou benefício auferido
com o evento danoso. Em terceiro lugar, e aqui, talvez, a maior
importância dessa teoria, ocorre a inversão do ônus da prova,
partindo-se de uma presunção de causalidade entre a atividade do
agente e o prejuízo; sendo sua a incumbência de desfazer esta
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presunção, que é, portanto, juris tantum. Demonstrado que houve
dano ecológico, presumida está a causalidade e o dever de
indenizar, cabendo ao acusado providenciar na produção de prova
negativa, excludente de sua responsabilização [...] como excludentes
da responsabilidade não serão aceitos os eventos da natureza, caso
fortuito e força maior, a ação de terceiros ou a licitude da atividade,
sua conformação às normas gerais estabelecidas pelo Poder
Público". (sublinhou-se) (FRACALOSSI, William; FURLAN,
Anderson. Dano Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 512).
Nesse sentido é a jurisprudência recente do Superior Tribunal de
Justiça:
DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. DANO AMBIENTAL.
LUCROS CESSANTES AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA INTEGRAL. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INVERSÃO DO
ÔNUS PROBATÓRIO. CABIMENTO.
1. A legislação de regência e os princípios jurídicos que devem
nortear o raciocínio jurídico do julgador para a solução da lide
encontram-se insculpidos não no códice civilista brasileiro, mas sim
no art. 225, § 3º, da CF e na Lei 6.938/81, art. 14, § 1º, que adotou a
teoria do risco integral, impondo ao poluidor ambiental
responsabilidade objetiva integral. Isso implica o dever de reparar
independentemente de a poluição causada ter-se dado em
decorrência de ato ilícito ou não, não incidindo, nessa situação,
nenhuma excludente de responsabilidade. [...] (STJ, Agravo
Regimental no Recurso Especial n. 1412664/SP, Rel. Min. Raul
Araújo, julgado em 11/02/2014).
Por conseguinte, quanto ao depósito de uma pequena quantidade de
material lenhoso de espécie de árvore nativa conhecida popularmente como
"Maricá", a autoria do evento danoso atribuída ao réu é inconteste.
Ademais, cabe ressaltar que o réu, ao fundamentar sua contestação,
arguiu que "denota-se nas fotos, que a extensão do imóvel que se situa abaixo da
rede elétrica só permite a existência de vegetação rasteira, sendo podado, cortado,
toda a espécie de árvores em que seus galhos possam prejudicar, ou afetar o fluxo
normal dos cabos elétricos. Alheio a isso, o Requerido, além do já exposto, buscou
estabelecer os limites do imóvel com o levantamento das cercas nas áreas
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limítrofes, ao longo de toda a sua propriedade, o que fez com que necessitasse que
fosse extraída pequena quantidade para permitir a manutenção das cercas no
imóvel" (fl. 98).
Portanto, a pretensão ministerial, nestes pontos, também merece
guarida.
Da Construção de Açude em Área de Preservação Permanente
Denota-se da exordial, ainda, que teria sido realizada a construção de
um açude de aproximadamente 1.000m² (um mil metros quadrados) em área de
preservação permanente, ocasionando assim a degradação de 0,6 ha (zero vírgula
seis hectares).
Em contrapartida, expressou o réu que a realizou com o intuito de
proporcionar uma forma de lazer para o local, não entendendo que efetuou qualquer
espécie de dano ambiental.
Colhe-se da perícia realizada no terreno que:
O lago indicado pelo requerente como possuidor das águas com
rejeitos de carvão foi criado de forma natural ou devido a
terraplanagem no imóvel vizinho? Devido a terraplanagem ocorrida
entre o lote 01 e o imóvel do Réu. O lago indicado pelo Autor como
possuidor de águas com rejeitos de carvão foi criado de forma
artificial [...] (fl. 232).
E concluiu que "o réu é responsável pela construção de um açude em
área de aproximadamente 1.000 m², sem licença/autorização prévia do órgão
ambiental competente" (fl. 248).
Ocorre que, conforme já explanado anteriormente, a responsabilidade
na área ambiental é objetiva, não sendo necessária a comprovação de culpa ou
dolo, bastando apenas a comprovação do evento danoso, da conduta do agente e
do nexo causal entre a conduta e o dano causado ao meio ambiente (FRACALOSSI,
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William; FURLAN, Anderson. Dano Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.
510).
Ademais, o próprio réu admite ter efetuado a construção do açude,
embora não acredite que tenha provocado dano ao meio ambiente. Ainda, exige-se
o licenciamento ambiental devidamente expedido pelo órgão competente,
autorização esta que o réu não possuía.
Assim, atribui-se ao réu a responsabilidade referente a este dano
ambiental.
Ressalta-se, por fim, que o argumento suscitado pela parte ré de que o
terreno em questão engloba-se na área que deve ser recuperada, conforme termo
de ajustamento de conduta firmado entre o Ministério Público e as Carboníferas da
Região, também não merece guarida.
Em que pese o laudo pericial realizado no imóvel afirmar que "entende-
se que os passivos ambientais existentes atualmente no imóvel do Réu foram
causados pelas mineradoras de décadas atrás" (fl. 247), não há qualquer
documentação produzida nesses autos que comprove que a área do terreno
encontra-se incluída naquela que será recuperada pelas mineradoras.
Ademais, os informantes ouvidos durante a instrução processual, Sr.
Valmir Réus e Inácia da Rosa Machado, esta perita designada pelo Juízo, alegaram
que não possuem certeza se a área está incluída naquelas que serão recuperadas
pelas carboníferas.
Logo, tal argumento não afasta a responsabilidade ambiental do réu,
cabendo a este arcar com o prejuízo causado ao meio ambiente.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, Ante o exposto, julgo PROCEDENTES os pedidos
formulados na inicial para:
14. ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
Comarca de Criciúma
2ª Vara da Fazenda
Endereço: Av. Santos Dumont, S/N, Prédio do Fórum, Milanese - CEP 88.804-500, Criciúma-SC - E-mail: criciuma.fazenda2@tjsc.jus.br
Autos n° 020.09.003948-3 14
a) determinar a demolição da obra de canalização do curso dágua no
imóvel situado à Rua João Scotti,s/n, bairro Recanto Verde, em Criciúma e que está
em Área de Preservação Permanente; e
b) efetuar o réu, em 45 (quarenta e cinco) dias, a elaboração de um
Plano de Recuperação de Área Degradada - PRAD no imóvel situado à Rua João
Scotti s/n, bairro Recanto Verde, em Criciúma, mediante projeto a ser elaborado po
profissional competente e aprovado pela FATMA - Fundação do Meio Ambiente;
c) executar referido Plano de Recuperação de Área Degradada –
PRAD, num prazo de 6 (seis) meses, a contar da data da apovação do plano de
recuperação pela FATMA.
Fixo multa diária no valor de R$ 100,00 (cem reais) para o caso de
descumprimento de quaisquer das determinações acima, a ser revertida ao Fundo
de Reconstituição dos Bens Lesados do Estado de Santa Catarina.
Sem custas processuais ou honorários advocatícios, consoante o
disposto no artigo 128, § 5º, inciso II, alínea "a", da Constituição Federal.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Oportunamente, arquive-se.
Criciúma (SC), 19 de março de 2014.
Fernanda Pereira Nunes
Juíza Substituta