1) O documento descreve a história do município de Bom Jesus do Galho em Minas Gerais, incluindo sua fundação em 1880 e emancipação em 1943.
2) Detalha aspectos da vida na cidade na infância do autor, como a igreja, cemitério, usina hidrelétrica, estação ferroviária e estádio local.
3) Também fala sobre a educação primária do autor na escola Grupo Escolar Pedro Martins Pereira.
1. Contos de momentos especiais que não voltam mais.
Geraldo Magela Batista
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Bom Jesus do Galho: Nos meus tempos de criança
Um pouco de História
No estado de Minas Gerais, mais
precisamente na sua parte leste, está situado
à pequena Bom Jesus do Galho. A fundação
do núcleo habitacional da sede do município
ocorreu em 1880, quando Adão Coelho
acometido de uma grave enfermidade fez uma
promessa ao Senhor Bom Jesus, primeiro nome do núcleo, visando a sua
cura. Concretizado o milagre ele cumpriu a promessa e doou um terreno
para a construção de uma capela que foi a responsável pelo início do
povoamento próximo ao Ribeirão Sacramento. Inicialmente ficou
conhecido como Senhor Bom Jesus do Galho e mais tarde simplesmente
Bom Jesus do Galho. É bom salientar que promessa era um fato comum
devido à herança do espírito religioso dos portugueses que encontrou no
Brasil um clima fecundo para sua expansão.
Sempre houve curiosidade sobre os motivos que levaram os grandes
fazendeiros, políticos e autoridades eclesiásticas a adotarem este nome.
Para alguns foi influência da comunidade do Galho que nasceu ás margens
do córrego do Galho e Sacramento, formando uma imagem semelhante ao
galho de uma árvore. Outra versão prega que o nome foi derivado de uma
imensa árvore que caiu sobre o
Córrego Sacramento e a
população utilizava seus galhos
para a travessia.
O entroncamento do
Córrego do Galho com o
Sacramento, quando o visitava
com o meu avô José Jacob, era
formado por uma imensidão de
pedras enorme e escura e de areia
branca que se aflorava sob suas
águas cristalinas. Em minha mente
está preservada a imagem de lambaris nadando tranquilamente nas suas
águas ricas em oxigênio. Nas mãos do meu avô caminhava feliz sobre as
pedras deste bonito lugar tendo como música o borbulhar das águas e o
conto de alguns pássaros que sobrevoavam o azul do céu.
Construção Posto de Gasolina
2. Até dezembro de 1943 o distrito fazia parte do município de Caratinga
e se emancipou através do Decreto-Lei nº. 1058, do mesmo ano, do então
Presidente (nome dado ao governador da época) Benedito que governou
Minas Gerais de 1933 a 1945. O primeiro prefeito do Município foi o Dr.
Mauro Lobo Martins.
A fé sempre esteve presente na vida do município, tanto que a
principal festa é o jubileu do Senhor Bom Jesus que se iniciava no dia 07
se setembro e encerrava no dia 14. O início do evento ocorreu em 1919 e
foi organizada pelo Monsenhor Aristides da Rocha e seu companheiro
Padre Dionísio Homem de Faria. A paróquia foi criada, em 1930, tendo o
padre Firmino Salgado como primeiro vigário.
Barracas com as mais variadas bugigangas e jogos eram instaladas
em frente ao Santuário. Quando criança meus sonhos se devaneavam
pelos diversos brinquedos expostos por estes comerciantes.
Na benção no final do Jubileu, a esplanada de terra batida em frente
às escadarias da Igreja quase não comportava os romeiros que chegavam
de diversos rincões para agradecer as graças do Senhor Bom Jesus. Ali
prestavam homenagens, fazem pedidos, e agradeciam as graças
alcançadas.
A invasão de peregrinos modificava os hábitos da cidade, mas não
incomoda seus moradores, que visualizavam uma boa oportunidade de
aumentar a renda com os trocados obtidos com alugueis e venda de
alimentos de todas as espécies.
Usina Hidrelétrica
A Usina hidrelétrica situada no Ribeirão Sacramento constituía-se
em algo fenomenal. Contemplava maravilhado o “imenso” lago formado
pela barragem e os dutos metálicos que conduzia a água até a casa de
força. Ouvia coisas estranhas como potência hidráulica transformada em
potência mecânica quando a água passava por uma turbina, fazendo com
que ela gire e, num tal de gerador a potência mecânica se transformava em
potência elétrica. Matutava silenciosamente procurando entender as
palavras de meu pai, que a caminho para a casa dos meus avôs, dizia que
ali era gerada a “força” que iluminava a nossa casa e a cidade.
Postes de madeiras sustentavam fios pretos que eram responsáveis
pela distribuição da eletricidade pelas ruas de chão batido até as
residências. Sobre eles haviam lâmpadas, parecendo tomates vermelhos,
com uma iluminação bastante tosca, mas que era o orgulho de toda a
cidade.
Consta que a usina, hoje de propriedade da Cemig, iniciou sua
operação em 1931 e que sua barragem possui cerca de 6 metros de altura
por 40 de comprimento.
3. Estrada de Ferro
A Estação da Estrada de Ferro
Leopoldina, construída para atender a
uma povoação de mais de 2000
pessoas na época de sua inauguração,
constitui um símbolo vivo de
momentos de glórias vividas no
passado. Hoje ainda se encontra
presente em minha memória o badalar
do sino, pelas mãos do Sr. Moreira,
anunciando a partida de mais um trem.
Neste momento ouvia-se um silvo
explosivo e podia-se sentir a
locomotiva sair do seu ronco preguiçoso, ribombando para puxar a fila de
vagões para frente. Rolos de fumaça fluíam da chaminé, os tinidos e
guinchos juntavam-se as vozes das pessoas que se encontravam na
plataforma de embarque.
O assobio estridente e solitário
do trem penetrava a quietude da
paisagem em direção a Caratinga
levando consigo uma criança de cerca
de sete anos. Taguarassu, Dom Lara,
Dom Modesto são nomes dos
povoados que eram cobertos pelos
trilhos da estrada, neste pequeno
percurso, e compõem uma parte
importante nos anais de minha
história.
Sem trens de passageiros desde os anos 80 (Consta que em 1980
ainda existiam trens mistos fazendo o serviço de passageiros entre Ubá e
Caratinga) a linha foi erradicada em 1994.
Cemitério
O cemitério com o seu imenso cruzeiro, no alto do morro lá pelos
lados do “Passa mão”, transmitia um tremor continuo nas pequenas
pernas e saltos alternados em meu coração. As lápides antigas estendiam-
se em silêncio ordenado. Grandes talos de grama emergiam em volta de
suas bases. Havia quietude no velho cemitério, algumas árvores frondosas
estendiam seus galhos protetores sobre os túmulos lascados e gastos pelo
tempo.
Aquelas casas dos mortos, juntamente com o imponente cruzeiro,
eram motivo de inúmeros pesadelos e noites mal dormidas. Era momentos
Estação Ferroviária da Leopoldina
Linha férrea
4. de aflição e terror o caminhar entre os túmulos com minha mãe e suas
amigas nas incontáveis novenas para as almas.
Para tornar estas visitas mais macabras sempre estavam a passear
entre as catacumbas alguns gatos ou cachorros, que levavam minha mente
a criar situações de pavor imaginando que as ditas almas estavam se
movendo entre as tumbas, na forma destes animais, com o único objetivo
de nos vigiar. Para dar continuidade ao martírio havia sempre o celebre
pedido no final das ditas novenas “Que as almas tomem conta de nossas
casas”. Nossa! Como se não bastasse ter que passar estas horas junto
delas em seu habitat, ainda a chamavam para nossa casa!
No dia dois de novembro, dia dos mortos, um mundo de pessoas
subia o pequeno morro para visitar aqueles que habitam a morada para a
qual nada se leva deste mundo, exceto o que se traz no coração. Ouvia de
minha mãe nestes dias, que o morrer é inevitável e imprevisível.
No Bom Jesus da minha infância, quando um ente querido partia, a
agonia pela perda ocorria em casa e era de praxe a passagem do corpo
pela igreja e o luto familiar. A morte hoje tomou um novo rumo na sua forma
e essência. Quando é chegada à hora o indivíduo é levado às pressas ao
hospital e, deste, para a capela do velório que se encontra junto ao
cemitério. Na maioria das vezes, enterra-se igual um animal atirado na
cova, sem orações, encomendas ou benções. Como dizia meu avô José
Jacob “Esses novos tempos... Cruz credo!”.
O Santuário do Senhor Bom Jesus
O imponente Santuário do Senhor
Bom Jesus! Seu majestoso altar está até hoje
presente em minha memória e a figura
central pregada numa cruz era sinônimo de
respeito e temor, principalmente pelos feitos
memoráveis realizados por ele segundo as
palavras fervorosas do Padre Assis.
Consta que com a chegada da Estrada
de Ferro Leopoldina e o crescente
desenvolvimento da localidade tornou
possível a realização do sonho da
construção do santuário que ocorreu entre
os anos de 1944 a 1950 com uma área
construída de 936m2 e uma altura de 35m.
Neste mesmo santuário havia separação entre os homens e as
mulheres, uma ala era reservada para masculino e outra reservada para
feminino. Novamente um drama interno vivido nas missas de domingos
quando ia somente minha mãe, pois ficava na ela reservado para as
Basílica Senhor Bom Jesus
5. mulheres. Na segunda-feira no Grupo Escolar eram sagradas as piadinhas
dos meninos a respeito de minha presença na ala reservada as mulheres.
Achava fantásticas as pregações do Padre Assis a respeito dos
Evangelhos nas missas de domingos e permanecendo atentas as mesmas,
apesar de não entender bem toda história, pois depois da missa havia uma
sabatina a respeito do evangelho do domingo feito pelas catequistas e às
vezes pelo próprio padre para a turma da “Cruzadinha”, a qual por pouco
tempo fui um dos seus membros.
Chorei e implorei para deixar de lado à
cruzadinha, pois era tragédia grega ter de
acordar cedo para estar na Igreja na missa das
sete horas. Nenhuma criança merece acordar
de “madrugada” aos domingos para ir à missa,
principalmente porque pela idade não entendia
muito bem todo aquele drama apregoado
ardentemente pelo Padre em seu sermão
dominical.
Foi nesta Igreja que eu e minha irmã
realizamos a cerimonia de primeira comunhão.
Meus padrinhos foram o saudoso Tio Altivo
(irmão do meu avô materno é já falecido) e sua
filha Geralda. Foi neste cerimonia que recordo
da utilização de um par de sapatos que
incomodava bastante e acabei reclamado com
meu tio e futuro padrinho. Ele olhou para o meu pé e disse. - Olha Geraldo,
ocê tá com ele trocado no pé. Troca ele de pé que conserta
A Igreja da Estação
A pequena Igreja da Estação está
também presente em minhas lembranças
por dois motivos. Primeiro o fato de nela a
minha irmã ter realizado várias coroações na
virgem Maria, durante o mês de maio, festa
tradicional do catolicismo.
Não esqueço o momento em que a
doce menina, vestida de anjo, iniciava o
ritual para a coroação da virgem junto com
a salva de tiros de foguetes do lado de fora
da igreja.
Segundo foi o fato de demorar a falar,
ou falar pouco. Minha família e as pessoas
que conviviam no meu dia a dia passaram a se preocupar com este fato e
Primeira Comunhão
Igreja da Estação
6. propuseram realizar uma simpatia comum na época, tomar água na
campainha da Igreja. Ter que tomar água nos vários sinos da dita
campainha foi um fato grotesco e esquisito que ficou marcada no álbum de
recordações.
O Estádio Mário Tristão
O Estádio Mário
Tristão, situado ao lado
oposto do santuário ao
final da esplanada de terra
batida, era o local dos
embates da briosa
Associação Sportiva Bom
Jesus – ASBJ. Perdi as
contas das vezes que
tentavam convencer os
porteiros e das que
atravessei as cercas lá
pelos lados dos vestiários,
para poder presenciar ao
vivo, com a camisa
tricolor, as jogadas de Zé
Horta (uma barreira no
gol), Tutuca, Gerino e o grande artilheiro Anselmo.
A chegada dos oponentes era anunciada por uma imensa salva de
foguetes e era a certeza que haveria jogo. Os adversários eram oriundos
das cidades vizinhas de Caratinga, Timóteo, Coronel Fabriciano e de
alguns distritos próximos como Quartel do Sacramento, Pingo D’água,
Córrego Novo.
Os poucos lances de arquibancadas eram situadas ao lado da
cidade, hoje elas não existem mais, e do lado que dava para o rio, a sombra
de imensos eucaliptos, estava à geral.
Era deste local que, agarrado ao alambrado, presenciava o toque de
bola genial de um dos craques que iriam povoar as minhas lembranças
depois de adulto, o inigualável Tutuca. Creio que a geração de bom-
jesuense, do final dos anos sessenta e início dos anos setenta, terá sempre
na lembrança as jogadas deste colossal atleta.
Grupo Escolar Pedro Martins Pereira
Comecei a estudar no Grupo Escolar Pedro Martins Pereira. Nesta
escola passei dois ano e meia de minha vida, antes de mudarmos para
ASBJ
7. Caratinga. Tive como professora uma jovem
rigorosa e “brava” que se chamava Janice. Com ela
aprendi as primeiras letras e tremia de medo quando
tinha que soletrar as palavras em frente de toda a
turma.
Dela guardo até hoje um pequeno livro de
história intitulado “A Bailarina de Areia” ganho em
um concurso de leitura realizado em sala de aula.
Leio sempre a dedicatória “Geraldo, para você uma
recordação de sua mestra Janice – 10-11-67” e
saboreio doces lembranças através dela.
Janice era uma mestra tipo “osso duro de roer” e quando começava
a chamar seus alunos para responder tabuada ou ler as palavras do quadro
um frio, quase doloroso, percorria meu interior.
Dentro da sala, que fazia divisa
com a casa de um amigo chamado
Ibraim, sentia encurralado, não tendo
ninguém com quem pudesse buscar
salvação. Sem alternativa teria que
trilhar um longo caminho, que ia de
minha carteira até próximo ao maldito
quadro negro, para enfrentar as
perguntas da “malvada” mestra.
Hoje tenho prazer de dizer que
ela foi minha professora e sou capaz
de compreender a chama que irradiada
nas profundezas de seus olhos ao
comprovar o aprendizado constante
de seus alunos.
Nas brincadeiras, no recreio, eram comuns os pactos. Não pacto de
sangue e sim pacto de fala. Se alguém encontrasse ouro, diamantes ou
algum tesouro deveria repartir com os outros e isso valeria por todas as
nossas vidas. Nessa época
acreditávamos em piratas, tesouro
roubado, dinheiro escondido em pedras.
Uma vez chegamos a retirar uma pedra do
leito de um rio, pensando que poderia ter
algum tesouro nela.
No início do segundo ano tive
como professor o Afonso, que era irmão
do grande centroavante da Associação
Sportiva Bom Jesus - o Anselmo. Dele
tenho poucas recordações, pois logo em
seguida mudamos de cidade.
Grupo Escolar
8. Saudades...
Na avenida principal, a única que possuía um pequeno trecho com
calçamento, encontrava a parada de ônibus da São Dimas em frente a um
bar, que já foi padaria e outros negócios mais. Nesta, segundo as histórias
do meu avô José Jacob, já funcionou um cinema.
Contava ele que vivia na cidade um cidadão de um metro e meio no
máximo. Bravo. Invocado que só ele. Pois em uma das primeiras sessões
surgiu na tela à imagem de um touro bravo, deixando todo o povo presente
com medo do animal. Ele percebendo a situação sai correndo e retornou
montando em um cavalo e com o laço na mão gritando "Podem se acalmar.
Deixa comigo que eu resolvo".
Conseguimos lembrar tudo? É claro que não. O que se consegue
recordar dos acontecimentos de uma existência é apenas uma fração do
que se viveu. O tempo quase tudo arrasta à sua passagem, o que faz a vida
conter algo de trágico.
O que sobrevive nos campos da memória parece estar ao meio de
uma vegetação desconhecida. Não mais a realidade familiar que nos foi
dado conhecer, mas uma metamorfose cujas leis ignoramos.
Nossos primeiros anos foram imersos em outro país. Um país muito
mais claro, de céu diurno e muito mais azul, de noite doméstica recendendo
afeto e alimento. O país da infância é onde se preservou o primeiro perfume
e o primeiro fulgor da existência. O que nunca mais se poderá recuperar.
Mas a vida me exigiu partir, distanciar-me. À medida que os anos
passaram, e foram algumas dezenas, aquele Bom Jesus pacífico e ingênuo
deixou de existir assim como algumas vozes e rostos amigos que partiram
para o descanso eterno.