1. Contos de momentos especiais que não voltam mais.
Geraldo Magela Batista
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Tio Altivo
Entre a fazenda do meu bisavô
Francisco Lopes Jacob e a residência dos
meus avôs maternos encontravam-se a
casa de um dos tios de minha mãe, que
tratava com um grande carinho o neto de
seu irmão.
Ela era ligada a sede por um
caminho estreito, sinuoso, esburacado e
pedregoso. Em ambos os lados, deste
caminho esburacado, a terra fora
domada, arada e semeada. O verde das
plantas sobressaia vivamente em
contraste com o solo vermelho.
Sob o sol, que flutuava acima da
crista das árvores do capoeirão
incendiando o horizonte com uma
claridade de um vermelho opaco,
encontrávamos tio Altivo a cuidar do seu
gado ao meio do capim verde que se
movia ao toque manso do vento..
A alegria era sua marca registrada. Acredito que, como em uma rosa
púrpura do Cairo, saiu dos livros de Gabriel García Márquez para entrar na
realidade histórica de minha existência.
Uma faceta conhecida de sua personalidade, ao lado da de chefe de
família sério e respeitado, era o seu gosto por brincadeiras, trocadilhos e
frases de efeito. Nunca perdia a oportunidade de brindar seus parentes e
amigos com comentários espirituosos, recheados de um humor e
inteligência. Era casado com a Tia Cedina que também sempre demostrou
grande carinho pelo neto do irmão de seu marido.
Tio Altivo e Tia Cedina
2. Ele e sua filha Geralda
foram meus padrinhos de
primeira comunhão realizado
na Igreja do Senhor Bom
Jesus. Evento importante da fé
católica pelo fato de pela
primeira vez a criança receber
o corpo e o sangue de Cristo.
O ambiente era todo
puro naquela manhã de
domingo e eu ali estava com
alegria no coração para
receber das mãos do Padre
Assis a hóstia contento o
corpo de Jesus Cristo.
Era um prazer enorme
chupar as mangas oriundas de
sua casa. A plantação ficava ao
lado da residência (a antiga,
pois depois que ele comprou o
terreno dos herdeiros do tio
Geraldo e foi construída uma
nova). Era mangueira com
galhos frondosos que davam mangas de cor e odor sem igual e eram
colhidas sempre na parte da manhã. E diante desta fruta, com a boca,
descascava e degustava aquela polpa quase sem fibras. O balançar destas
árvores e a caricia de um ameno vento soprando sobre meu rosto estão
registrados para sempre.
Elas possuíam mais de seis metros de altura e as mangas balançam
nas pontas dos galhos ao redor do tronco e, mesmo sem vento, se atiram
ao solo, por obra e graça da maturidade e da força gravitacional. Dos seus
pés era possível escutar o alegre gorjear dos tico-ticos, sanhaços, tizius e
contemplar rolinhas ciscando o chão a busca de alimentos.
As copas volumosas bloqueavam os raios do sol e mergulhavam o
solo em uma escuridão prematura. A falta de luz era responsável pela
constante umidade que chegava aos meus pés descalços. Meus sentidos
eram aguçados pelo farfalhar dos ventos nas suas folhas verdes.
Era tantas mangas doces e suculentas que todos se saciavam a
vontade. Pareciam que os pássaros navegavam grandes distâncias para
aproveitarem as delícias da safra dessas árvores abençoadas, que
produziam uma grande quantidade de frutos durante várias semanas.
No quintal, junto à bica de água, possui um poço com criação de
peixes. Adorava jogar migalhas de alimentos para que eles viessem à tona
para serem admirados pelos meus olhos. Meu tio dizia que eles passavam
3. a maior parte do tempo perto da bica por se constituir em uma farta fonte
de alimentação.
Havia, muito além do terreno que circundava a casa, vacas leiteiras
que pastavam em um campo junto a uma horta, criação de suínos,
plantação de batata-doce, feijão, abóbora e muito mais.
A alma se transforma em ninho de doces lembranças. A saudade é
tão sorrateira. Traz coisas esquecidas para voltar a alegrar ou doer dentro
da gente. E essas coisas vão puxando outras, num ciclo interminável, e por
estas coisas do chamado destino que a última lembrança registrada em
minha memória é dele sentado em uma cadeira na cabeceira do caixão de
meu avô José Jacob, depois, não tive mais contato com este precioso tio
e fiquei sabendo de sua morte através de minha mãe.
Quando estas imagens são carregadas, em minha mente, sinto no
canto dos olhos uma lágrima que teima em sair, revelando assim minha
emoção. Percebo que não sou tão forte quanto julgava e nem insensível
quanto pensava. Enquanto digito a lua flutua, no oceano estrelado, do céu
de Ipatinga e vem compartilhar a minha emoção, aquecendo minha alma.
Por fim, liberto a lágrima, para que vá, para que lave meu rosto, beije a
minha pele murmurando uma prece de agradecimento por ter vivido todos
estes bons momentos.