1. Contos de momentos especiais que não voltam mais.
Geraldo Magela Batista
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Viagem pela Estrada de Ferro Leopoldina
Caratinga a Bom Jesus do Galho
Um pouco de História
A primeira tentativa para
se implantar uma estrada de
ferro no Brasil ocorreu em 1835
quando o regente Diogo
Antônio Feijó, através de uma
lei, concedia regalias a quem
aventurarem-se a construir
estrada de ferro ligando o Rio
de Janeiro as capitais das
províncias de Minas, Rio
Grande do Sul e Bahia. Mas
estas regalias não encantaram
nenhum investidor nacional ou estrangeiro.
Em 1854, com recursos oriundos das ilhas britânicas, foi
oficialmente inaugurada à primeira estrada de ferro com o nome de
“Estrada de Ferro Mauá, em homenagem ao Barão de Mauá”. O primeiro
trem que oficialmente deslizou pelos trilhos era composto de três carros
de passageiros e um de bagagem e foi puxado por uma locomotiva
fabricada por Fairbairn & Sons (Inglaterra) e foi batizada de "Baronesa", em
homenagem à esposa do Barão.
A partir de então, elas subiram montanhas e atravessaram rios para
promover o desenvolvimento do país. A rota de expansão dos trilhos
chegou a Caratinga que possuía, na época, de cinco a seis mil habitantes
e sua principal fonte de riqueza era o café e a criação de suínos de acordo
com os registros. Provisoriamente, já a partir do final de 1930, existia
trafico até o ramal final da Estrada de Ferro Leopoldina de Caratinga.
Oficialmente o ramal foi inaugurado no início de 1931
Já no final dos anos sessenta e início dos anos setenta era possível
realizar uma viagem de Trem do Rio de Janeiro para Caratinga. O percurso
iniciava na cidade maravilhosa e passava por algumas importantes cidades
fluminenses (Barão de Mauá, Caxias, Petrópolis, etc.) chegando a Três Rios
- quase na divisa com Minas. Neste ponto a composição dividia, uma parte
Pátio da estação de Caratinga, provavelmente anos
1950. Vagões estacionados. bastante movimento...
2. seguia por um ramal em direção a Carangola e a outra em direção a
Caratinga, passando antes em Ponte Nova.
Nesta cidade havia um tronco que seguia em direção a capital
mineira e outro que atingiria a estação de Caratinga. Esta estação estava
localizada na Praça Coronel Rafael Silva Araújo e foi construída no final
dos anos vinte em estilo colonial. Hoje ela é um patrimônio histórico do
município e constitui no único vestígio de que um dia houve um intenso
trafico ferroviário na região.
Partida Estação de Caratinga
Em meus tempos de menino a
linha já operava com locomotiva
diesel elétrica, mas existia ainda a
fascinante Máquina a Vapor
conhecida como Maria Fumaça que
também era utilizada. A pequena
locomotiva era bastante abusada e
apesar de aparência frágil conduzia
os vagões entre as planícies e as
serras com um barulho infernal e
soltava rolos e mais rolos de fumaça
do ar.
Era nesta estação que iniciava a nossa jornada até Bom Jesus do
Galho, cidade onde moravam meus avôs maternos. Nestas manhãs o
barulho da máquina era intenso e se misturava com o barulho das
mercadorias sendo carregado nos vagões e as vozes dos passageiros
apressados. Após algumas manobras os vagões de passageiros eram
estacionados junto à plataforma para o início do embarque.
Próximo ao guichê de venda de passagens tinha um sino fundido em
bronze amarelado que servia para alertar o transeunte na chegada e partida
das composições. Após o toque do sino pelo chefe da estação, juntamente
com o apito da locomotiva, o trem partia em direção ao seu destino e nossa
família a caminho de Bom Jesus.
Enquanto um vento gostoso agitava meus cabelos, eu via passar
quintais com seus pomares, fazendas antigas com seu gado leiteiro e
bananeiras quase entrando pelas janelas de tão próximas da linha. Não
havia um distanciamento prudente entre a ferrovia.
Contemplava as montanhas coloridas de onde floresciam as
principais nascentes de água com suas cachoeiras e remansos
responsável pela irrigação da terra e em consequência a manutenção da
vida. Ela proporcionava uma bela visão ao escorrer pelas exuberantes
formações rochosas existente no caminho.
Estação Caratinga
3. As paisagens rurais observadas pela janela, apesar de ser sempre a
mesma, transformava-se em uma fita de filme de entretenimento que
ajudava a encurtar o percurso.
Dom Modesto
Um cheiro de mato,
trazido pelo ar límpido da
manhã, me entrava pelas
narinas enquanto via desfilar as
casas simples, em ruas de chão
batido, do tranquilo povoado de
Dom Modesto.
Quando a locomotiva e
seus vagões estacionava junto
à plataforma da estação
percebia-se toda a plenitude da
vida através do murmúrio das
pessoas, da luz e das cores de
uma linda manhã aberta e alegre. O interessante era que cada passageiro
já dominava todo ritual. Era entrar, sentar, adquirir ou mostrar o bilhete e
esperar seu ponto de chegada.
Lembro-me de um senhor que entrou na Estação desde povoado.
Estava vestido de terno, chapéu preto e um velho livro grosso nas mãos.
Na minha mente chegou às palavras de meu avô materno que dizia que
todo homem com terno era um “homem de negócios”, de fato, mais tarde
percebi, que ele era realmente um “homem de negócios”, (negócio do
Senhor).
Com o livro aberto, pregava a mensagem de sua religião em tons
bravios, para todos que se encontravam no vagão até ser solicitado, pelo
agente da ferrovia, a parar com seu sermão de terror para aqueles que
ignoravam a doutrina pregada pela sua seita.
Dom Lara
Quando se aproximava da Estação de
Dom Lara e já se tornava possível visualizar os
latões de leite a beira da estrada empoeirada
aguardando transporte para a sede do
município através dos famosos “caminhões de
leite”, os únicos capazes de vencerem aqueles
terrenos em época de chuva. A melodia de um
carro-de-boi se fazia ouvir em direção ao
povoamento com uma carga de rapadura,
Anuncio da abertura da estação, um mês antes da data
supostamente oficial de 14/12/1931 (O Estado de S. Paulo,
11/11/1931).
Estação Dom Lara
4. queijo e linguiça que seriam trocados ou vendidos no povoado segundo
meu pai.
Da janela do vagão observava as crianças brincando na porta de
suas casas. Uns poucos carros transportavam frutas e hortaliças e
algumas mulheres conversavam animadas nas esquinas das ruas.
Na estação um aglomerado de pessoas se acotovelava na porta do
trem despedindo das pessoas amadas. O badalar do sino e o apito da
locomotiva anunciava a partida e lá íamos deslizando pelos trilhos, subindo
e descendo colinas, passando por pontes metálicas, cruzando cafezais e
deixando para trás casebres pequenos, filas de bananeiras e corações
partidos pela saudade.
Terceira Parada – Taguarassu
Em um trecho da estrada havia uma pequena parada denominada
Taguarassu com o objetivo de atender os moradores desta região e não
possuía uma estação.
Ao lado dos trilhos, nas várias fazendas e sítios, existiam rústicas
moradias construídas com esteio de madeira e com telhado de palha. Eram
bem caiadas, resplandecendo de alvura no meio da relva, e apresentavam
umbrais de cor azul anil. O aspecto era agradável e passava uma impressão
saudável de alegria e de asseio.
Seus moradores labutavam no carpina, derrubada de mata ou
concerto de cerca e curral das fazendas. Parte da terra apresentava trechos
sem nenhuma habitação. Parecia que ela aguardava o trabalhador para
fecundá-la e de um bando de rebanho para animá-la.
Chegando a Bom Jesus do Galho
Saindo de Taguarassu a próxima estação era a de Bom Jesus do
Galho e a locomotiva e seus vagões
continuava sempre em frente serpenteando
uma região de terras planas e pequenas
montanhas ocasionais com escavações
profundas provocadas pelas enxurradas.
Campos de pastagens, com um tapete verde
sem fim, ondulavam como um mar
tempestuoso ao contato leve da brisa matinal.
A estrada de ferro trazia grande
progresso e constituía-se no único meio de chegar à cidade, em época de
chuvas, devido às condições precárias das estradas de terra.
Estação Bom Jesus do Galho
5. Ela fazia uma curva em uma grande colina e então já era possível
visualizar a tonalidade alaranjada do sol da manhã tocando a torre do
Santuário e um grande quadrilátero de terra avermelhado localizado em sua
frente que seria transformado em uma linda praça no futuro.
Logo após avistávamos os quintais das casas da Rua São José e
seguindo em frente, após o soar do apito, chegávamos a Estação
denominada Galho e entre murmúrios dos passageiros e o barulho das
manobras chegava ao fim da viagem. Dali para frente era uma longa
caminhada até as terras do meu bisavô Francisco Jacob.