1. Contos de momentos especiais que não voltam mais.
Geraldo Magela Batista
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Bom Crioulo
Naqueles tempos perambulava pelas
ruas, cheia de poeira amarela e de estrumes
de cavalo, um mendigo que atendia pelo
apelido de “Bom Crioulo”. Maltrapilho,
cabelos desgrenhados e dentes estragados
era motivo de terror e curiosidade de toda
meninada.
Cada um possuía uma versão folclórica
de sua origem. Uns diziam que ele era de uma
família de posses e era muito inteligente e de
tanto estudar perdeu o juízo, outros diziam
que já nasceu com problemas mentais e foi
abandonado pelos seus entes queridos. Mas
era consenso que ele honrava o apelido e não
fazia mal a ninguém.
Hoje compreendo o verdadeiro
mistério que envolve estas figuras que
habitam nossas cidades. São pessoas que
não possuem acesso aos bens matérias de
nossa seleta sociedade e excluídos do
processo englobam o contingente de
pessoas que vivem na miséria como “Bom
Crioulo”. O pior é que nem as crianças têm
mais curiosidade de conhecer suas histórias,
sejam elas folclóricas ou não.
Lembro-me de um dia em que o encontramos comendo lixo. Ele nos
chamou, embora receosos, nos aproximamos curiosos. Ele nos ofereceu
uma fruta vermelha semelhante a tomate. Apesar da negativa ele insistiu e
para demonstrar que tínhamos coragem acabamos por comer. Sorridente
nos forneceu o nome da fruta dizendo que era caqui e possuía um sabor
delicioso.
Durante o encontro surge oriunda da venda do Sr. Dioniso minha
mãe e não concordando que a inocente fruta adentra-se pela minha boca
estalou um sonoro bofetão em meu rosto. Sai em disparada para casa.
Sangue escorria de minha boca e de repente percebi que havia algo mais
Bom Criolo
2. além do famoso líquido vermelho. Cuspi e saíram dois pequenos dentes.
Esta foi à maneira que meus primeiros dentes de leite foram extraídos.
Na venda do Sr. Dioniso as mercadorias não ficavam expostas em
gôndolas, ao alcance das mãos, como nos atuais supermercados. O
produto era sagrado e no templo solene do armazém, aromatizado por
grandes sacas de grãos abertas à entrada, havia um vendedor atrás do
balcão de lápis atravessado na orelha. Ele sabia onde ficava cada coisa e
enchia de feijão o saco de papel como quem derrama contas de um rosário,
e anotava tudo numa caderneta, sem pressa de ter em mãos o dinheiro.
Bom Crioulo, Senhor Dionísio e outros nomes ficaram na “terra do
nunca” que foi minha infância e no momento que deixei de ser Peter Pan
eles lá ficaram e hoje são recordações de um tempo que não volta mais.