2. Revisão técnica:
Guilherme Marin
Bacharel em Filosofia
Mestre em Sociologia da Educação
Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB-10/2147
B277a Barroso, Priscila Farfan.
Antropologia e cultura / Priscila Farfan Barroso, Wilian
Junior Bonete, Ronaldo Queiroz de Morais Queiroz ;
[revisão técnica: Guilherme Marin]. – Porto Alegre:
SAGAH, 2017.
218 p. : il ; 22,5 cm.
ISBN 978-85-9502-184-6
1. Antropologia. 2. Sociologia. 3. Cultura. I. Bonete,
Wilian. II.Queiroz, Ronaldo Queiroz de Morais. III.Título.
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3. Cultura
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
„
„ Reconhecer o que é a cultura.
„
„ Entender como uma cultura se desenvolve.
„
„ Identificar o papel da cultura na antropologia.
Introdução
Neste capítulo, discutiremos o que é cultura, como se aborda esse conceito
e a sua relação com a antropologia.
Introdução à cultura
O que você entende por cultura? Você acha que todo mundo tem cultura? Ou
cultura é só o que se aprende na escola? Você precisa compreender que a cultura
não é só o que se aprende na escola. Todo mundo tem cultura, porque a cultura
é transmitida de geração a geração, de pessoa a pessoa, como herança social.
É a partir da cultura que os seres humanos convivem e aprendem a habitar
o mundo em que vivem. Assim, o homem não só passa por uma aprendizagem
cultural, através do processo de socialização, como também pode transmitir
aspectos culturais ao grupo social. Símbolos e linguagens são compartilha-
dos e compreendidos como herança social – e não como herança biológica/
genética – pelos membros de uma mesma comunidade, de modo que esses
elementos identificadores da cultura são considerados como normas e regras
fundamentais para sobreviver em uma sociedade.
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4. Figura 1. Cultura africana
Fonte: Cultura africana (2016).
O estudo sobre a cultura pode variar de tempos em tempos, de autor para
autor, de paradigma para paradigma. Sendo assim, podemos dizer que é por
meio desse conceito que os antropólogos estudam o “outro”. O antropólogo
evolucionista Tylor (1920, p. 1) definiu cultura, em 1871, como “aquele todo
complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, direito, costume e
outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma
sociedade”. Com o tempo, outros autores vão problematizando essa noção
totalizante de cultura, tornando-a mais interpretativa, mais parcial, mais
polissêmica, saindo da ideia do todo para apresentar feições da cultura.
De qualquer modo, podemos dizer que a cultura se “manifesta por meio
de diversos sistemas” (DIAS, 2010, p. 67) – como o sistema de valores, o de
normas, o de ideologias, o de comportamentos, entre outros – dentro de um
território específico, em determinada comunidade cultural, e influencia os
indivíduos na concretização das suas ações sociais. É na interação entre os
indivíduos e os grupos que são construídos e negociados os parâmetros culturais
nos quais as ações sociais se realizam, constituindo, assim, uma identidade
própria para cada cultura, como é o caso da cultura brasileira.
Portanto, podemos dizer também que a cultura é exclusiva das socie-
dades humanas, já que, a partir dela, se pode traçar a diferenciação entre
o homem e o animal. O homem é o único ser vivo que tem capacidade
para o acúmulo cultural, tanto pela quantidade dessa produção, como
pela complexidade da sua natureza. Nesse sentido, a linguagem humana é
fundamental para a comunicação simbólica, e sua importância se dá não só
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5. pelo idioma em questão, mas também pelos gestos, sotaques e expressões
locais que denotam a circulação de sentidos em determinada cultura.
Logo, tudo o que é criado pelas sociedades humanas, para satisfazer as
suas necessidades e viver em sociedade, seja tangível ou intangível, está
englobado na cultura.
Produzidoem1922,porRobertFlaherty,estefilmedocumentaavidadeumafamíliainuíte
(esquimós) durante um ano. Por meio de imagens e da sequência de cenas inusitadas,
o cineasta apresenta o modo de vida de uma família que vive praticamente isolada
https://goo.gl/Qy5Yx4
Perspectivas de análise sobre a cultura
Para aprofundar a discussão, vamos nos inspirar nas características que en-
volvem a atuação do conceito de cultura apresentada por Roque Laraia (2001).
Ele propõe cinco pontos para mostrar a operação desse conceito, são eles: a
cultura condiciona a visão do homem, a cultura interfere no plano biológico,
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6. os indivíduos participam diferentemente de sua cultura, a cultura tem uma
lógica própria e a cultura é dinâmica.
A cultura condiciona a visão do homem
Os seres humanos são incentivados a agir de acordo com as regras e os pa-
drões culturais que são estabelecidos pelos membros da cultura. Aqueles que
destoam do proposto são considerados desviantes. Para Becker (2008, p. 22),
o desvio é visto como “produto de uma transação que tem lugar entre algum
grupo social e alguém que é visto por esse grupo como infrator de uma regra”.
Ser considerado infrator gera consequências discriminatórias nas sociedades.
Por isso, de modo geral, o indivíduo é condicionado a agir de acordo com o
padrão esperado naquela cultura.
Ainda que os homens tenham uma configuração biológica comum, o modo
como eles acionam esses mecanismos biológicos para habitar o mundo é distinto.
Dentro das sociedades, cada um pode ocupar um papel social diferente, determi-
nado pelo convívio entre os membros da comunidade. Por isso, a aprendizagem
cultural não se dá como herança biológica e sim como herança social através
da imitação e reprodução, consciente e inconsciente, dos aspectos culturais que
permeiam o ambiente social no qual os indivíduos estão mergulhados.
A cultura interfere no plano biológico
A forma como vivem os seres humanos pode afetar o organismo biológico de
diferentes maneiras, gerando impactos nas necessidades fisiológicas básicas.
Um estilo de vida baseado em uma alimentação saudável pode fazer com
que os indivíduos vivam mais do que um estilo de vida de pouco sono, má
alimentação, muito trabalho. Entretanto, não nos alimentamos apenas para
satisfazer as necessidades, mas também por prazer. O que é considerado
prazeroso é construído no âmbito da cultura.
Ainda é preciso enfatizar que o que comemos não está condicionado apenas
ao desejo, mas passa pelo o que temos de acesso a alimento em nossa cultura.
O domínio da agricultura faz com que possamos ter alimentos nas diferentes
estações, mas não é em todos os países do mundo que as frutas são frescas,
acessíveis e baratas, por exemplo.
Nas sociedades contemporâneas, somos acostumados com os chamados
“fast foods”, que são comidas de preparo rápido, industrializadas, de baixo
valor nutricional, mas com alto valor calórico. A popularização desses produ-
tos, conjuntamente com o estilo de vida agitado, faz com que cada vez mais a
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7. população consuma esse tipo de alimento, o que gera o aumento da prevalência
da obesidade e maior probabilidade de problemas de saúde.
Para ter um melhor entendimento quanto aos prejuízos dos “fastfood”, você pode assistir
ao filme “SuperSizeme” de Morgan Spurlock, que se alimenta apenas de comida de fast
food durante um mês, para analisar os efeitos dessa dieta hipercalórica em seu corpo.
Os indivíduos participam diferentemente de sua
cultura
Inúmeras manifestações culturais acontecem em uma sociedade. No entanto,
os seus membros participam parcialmente de todo esse arcabouço cultural.
Ninguém consegue participar de tudo o que ocorre em sua cultura, justamente
porque existem condicionantes que os limitam, como, por exemplo, gênero,
idade, papel social, estilo de vida, entre outros. Conforme os indivíduos vão se
desenvolvendo após o nascimento, acessam regras e normas na sociedade que lhes
permitem participar de diferentes manifestações culturais. Na prática religiosa
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8. do catolicismo, quando criança, alguns são batizados, depois fazem a comunhão
e somente com mais idade é que se pode realizar a cerimônia matrimonial.
Assim, os indivíduos carregam e reproduzem aspectos culturais diferentes
durante suas vivências, fazendo com que cada ser humano contenha em si
camadas de cultura. É importante que os indivíduos conheçam e participem
de alguns aspectos culturais que possibilitem a comunicação e articulação
com os outros membros da sociedade. Saber como agir e se comportar em
determinadas situações faz parte da convivência, ainda que essa seja uma
aprendizagem processual e nem sempre se aja como deveria.
O interesse pelo futebol, a prática de ir à praia ou mesmo acompanhar as
festas de carnaval são aspectos culturais que conformam a identidade brasileira.
No entanto, não são todos os brasileiros acessam, têm interesse ou participam
do que oferece culturalmente o país. Ou seja, mesmo que estejamos imersos
em uma cultura, temos uma participação relativa e parcial no que ela propõe.
A cultura tem uma lógica própria
Cada cultura tem a sua lógica própria, que revela um encadeamento de sentidos,
pensamentos e ações que conformam a especificidade das culturas em si, de
acordo com sua origem histórica e o território habitado. O que faz sentido
para os membros de uma comunidade pode não fazer nenhum sentido para
outra sociedade. Como nos diz Laraia (2001, p. 87), “A coerência de um hábito
cultural somente pode ser analisada a partir do sistema a que pertence”.
Como compreender as pinturas corporais entre os povos indígenas? Como
não se impressionar com as danças populares? Como interpretar a fé religiosa
nas diferentes sociedades? Como os indivíduos buscam os processos de cura
para suas enfermidades? Assim, para compreendermos a lógica de outra pes-
soa, temos de nos afastar da nossa lógica, ou pelo menos estabelecer relações
que permitam desvendar e acessar a explicação do outro individuo, sem as
referências da nossa própria lógica.
A cultura é dinâmica
A cultura não está parada. A todo momento, diversos elementos culturais
são reavaliados, conscientemente e inconscientemente, sendo que alguns são
descartados, outros reinventados. Você pode comparar como estavam vestidas
as pessoas nas fotos antigas guardadas no fundo da gaveta do armário com
as vestimentas atuais, de quando saímos na rua. Pode pensar nas músicas
da sua infância e nas músicas que tocam nas rádios hoje em dia. Analisar as
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9. gírias e palavras faladas pelos seus parentes mais antigos em relação às gírias
que você fala com seus colegas. Essas mudanças e modificações se mantêm
momentaneamente até que novas transformações na cultura modifiquem-nas.
Podemos dizer que as mudanças culturais ocorrem de modo endógeno ou
exógeno. O modo endógeno pode ser decorrente do próprio sistema cultural,
a partir dos membros que participam dessa sociedade. O modo exógeno se dá
por meio de um contato cultural, com outros povos, que acaba interferindo
em práticas culturais estabelecidas antes do contato. As mudanças podem ser
específicas ou até mesmo modificar completamente os elementos culturais
que antes faziam sentido para aquela cultura. Assim, quando descrevemos
uma determinada cultura, para um estudo científico, temos de saber que ela
não permanece estática em relação ao seu modo de estar no mundo.
Sobre as mudanças culturais e de sentidos que, nos
centros das grandes cidades, ao mesmo tempo per-
mitiram a criação de espaços de confluência e trocas
musicais, de gostos e de populações, você pode ler
a reportagem abaixo:
https://goo.gl/2WqXEJ
O estudo antropológico sobre a cultura
Ao estarmos imersos em outra cultura, participamos e conhecemos o que faz
sentido apenas ali, e não em outro contexto cultural, como o de origem do
antropólogo. Assim, a antropologia não vai ser aquela que está do ponto de
vista do observador ou do ponto de vista do observado, mas será uma “prática
que surge em seu limite, ou melhor, em sua intersecção.” (LAPLANTINE,
2003, p. 158). Logo, atentos a essa intersecção, vamos compreendendo as
regras e normas da cultura de outro individuo, desvendando seus sentidos e
suas motivações, pois, como diz Kottak (2013, p. 43), “As culturas são sistemas
humanos de comportamento e pensamento, obedecem a leis naturais, podendo,
portanto, serem estudadas de modo científico” (Figura 2).
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10. Figura 2. Malinowski e os trobriandeses.
Fonte: Duarte (2011).
Nesse estudo, ter critério e método é crucial para acessar e perceber elemen-
tos da cultura a serem interpretados, que não são tão evidentes ao estrangeiro.
Desde o início, partimos da ideia de que toda cultura é complexa, extremamente
rica e cheia de sentidos. Como diz Cuche (1999, p. 239), “Não há cultura que
não tenha significação para aqueles que nela se reconhecem. Os significados
como os significantes devem ser examinados com a maior atenção”. Por isso,
se você está disposto a estudar o homem e a sociedade em que ele vive, cer-
tamente vai abordar a discussão de cultura. Se deseja explicar os significados
dos acontecimentos sociais do mundo em que vivemos, passará pelo estudo de
seus elementos culturais. Se acompanha as mudanças culturais nas sociedades,
será necessário compreender as modificações culturais ao longo dos tempos.
E é buscando essas significações, expressas na cultura, que vamos reco-
nhecer as diferenças culturais. Isso é fundamental para um mundo que convive
com inúmeras culturas e sociedades, próximas, cada vez mais, umas das
outras, pelos avanços tecnológicos que se popularizam rapidamente mundo
afora. Pensar na cultura como um conceito antropológico, como propõe
Laraia (2001), torna-se chave para aprofundar o olhar sobre a sociedade, além
de possibilitar aplicar esse mesmo olhar em outras áreas do conhecimento,
como Educação, História, Políticas Públicas, entre outras.
Logo, o que se deseja é reconhecer a potência das categorias de análise
dessa disciplina para a compreensão dos homens em sociedade. E aqui, o
conceito de cultura possibilita uma virada epistemológica de pensar em nós
através do olhar do outro, de modo que, ao analisar a cultura deste individuo,
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11. tendo a cultura do observador como referência, seja possível questionar nossos
próprios parâmetros culturais. Nesse sentido, para entender outras culturas, é
preciso aprofundar o entendimento da nossa própria cultura, e, por mais pro-
ximidade que tenhamos com ela, é necessário o esforço de avaliá-la pelo olhar
do estrangeiro, que suspende seu julgamento, participa e se deixa vivenciar a
cultura junto com outra pessoa.
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12. BECKER, H. S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
CUCHE, D. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: Edusc, 1999.
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