1) O documento discute a cultura no Brasil, enfatizando sua diversidade e pluralidade. Cada região possui suas próprias manifestações culturais.
2) As festas populares são importantes expressões culturais que reafirmam a identidade dos grupos através de elementos como música, dança e artefatos.
3) O estudo irá se concentrar especialmente no Reisado, manifestação cultural do distrito de Igara com influência portuguesa, e analisar como os idosos se identificam com ela e o papel da mem
1. 10
INTRODUÇÃO
O homem ao viver produz história, constrói seu mundo e o reproduz através
da cultura, sendo este o elemento que distingue os seres humanos dos animais.
Cada música, dança, objeto, exterioriza a sua memória e identidade, mantendo viva
a raiz de seu possuidor, bem como seus costumes e valores. Desse modo, a cultura
significa o modo de vida de um povo e manifesta-se nos seus atos e nos seus
artefatos. Ela varia no tempo e no espaço, no sentido em que quando as gerações e
os grupos sociais se relacionam, amplia o acervo cultural ou os aspectos culturais.
Em virtude dessas constantes modificações, atribuímos um caráter dinâmico e
contínuo à cultura, já que não é dada de modo uniforme; tendo épocas de grandes
desenvolvimentos, paradas e até retrocessos.
Mas a cultura não é somente dinâmica, ela também é plural, não havendo
uma uniformidade cultural; e o nosso país é grande exemplo disso, pois, cada região
tem uma “cara” diferente, traços culturais únicos, e em uma mesma comunidade nos
encantamos com a diversidade cultural ali existente. E este fato nos fez notar que
com o distrito de Igara não é diferente, sua cultura é assistida a cada comemoração
do Carnaval de Rua, do típico Forró Grito, dos festejos de São João, da
apresentação da Banda de Pífanos, do Cortejo do Reisado, do tradicional Beiju,
entre outras.
Assim, desejamos neste estudo entender: Como os idosos do Reisado se
identificam como integrantes de uma manifestação da cultura popular? E como a
memória cultural faz parte desse importante processo?
Esse trabalho de pesquisa traz como maior objetivo: Analisar como os idosos
do Reisado se identificam como integrantes de uma manifestação da cultura
popular. E como a memória cultural faz parte desse importante processo.
Organizamos nosso trabalho em quatro capítulos que tratam de assuntos
necessários à exploração do tema e ao desenvolvimento e conclusão da pesquisa.
2. 11
No primeiro capítulo fazemos uma abordagem sobre o que é cultura, seus
diversos conceitos amplamente discutidos no campo antropológico, e a descrição
das manifestações culturais, dando destaque à origem destas, mostrando como são
conhecidas e apreciadas nacionalmente e no distrito de Igara.
No segundo capítulo são abordados os pressupostos teóricos do tema aqui
apontado, bem como também um histórico do Reisado.
No terceiro capítulo abordamos a metodologia e os instrumentos escolhidos
para a realização da pesquisa, sendo escolhida a pesquisa qualitativa. E como
instrumentos a entrevista semi-estruturada e o questionário fechado para traçar o
perfil dos sujeitos.
No quarto capítulo, apresentamos o resultado da pesquisa feita com os idosos
do Reisado, fazendo uma análise e interpretação sobre os dados coletados.
Por fim, a presente pesquisa traz as últimas reflexões sobre as categorias,
encontradas nos dados que foram analisados e interpretados.
3. 12
CAPÍTULO I
PROBLEMÁTICA
1.1 A Cultura no Brasil
A cultura é tão antiga quanto a raça humana, estando presente em cada
grupo social e definindo a identidade de cada ser. Sendo um tema amplamente
discutido nos tempos atuais, a cultura engloba os modos comuns e aprendidos da
vida transmitidos pelos indivíduos e grupos, em sociedade. Podemos afirmar que
cada grupo tem a sua própria cultura, descartando a possibilidade de unidade
cultural ou o uso da expressão identidade nacional.
Ocorre, porém, que não existe uma cultura brasileira homogênea, matriz
dos nossos comportamentos e dos nossos discursos. Ao contrário: a
admissão do seu caráter plural é um passo decisivo para compreendê-la
como um “efeito de sentido”, resultado de um processo de múltiplas
interações e oposições no tempo e no espaço (BOSI, 2002, p.7).
O Brasil com a sua diversidade lingüística, raças, ritmos, cores, etc., é um
país rico, e totalmente heterogêneo culturalmente. Com manifestações particulares
como, por exemplo: No estado do Maranhão, as principais manifestações culturais
são o Bumba-meu-boi e o Tambor de Crioula. Em Pernambuco dentre as várias
manifestações destaca-se o carnaval movido a frevo. Já a Bahia é vista como o
cartão postal do país pelo carnaval de Salvador, os festejos juninos, a festa da
Independência da Bahia, lavagem do Bonfim, e muitas outras manifestações. E
podemos ainda citar inúmeras manifestações que são próprias de nossos estados
brasileiros e distrito federal.
Vemos então, que não existe uma cultural universal, pois um país está
dividido em vários estados e estes em cidades e povoados que também tem a sua
cultura local. Eliminando assim, a idéia de “cultura de verdade” ou a “alta cultura”
que seria organizada por uma elite, sendo superior a cultura popular que por sua vez
seria das classes subalternas.
4. 13
Enfim, é preciso recusar a hierarquização das expressões culturais e sua
articulação em culturas subalternas e culturas dominantes. É necessária
uma ou outra visão do processo cultural como um todo, (...). Recusar a
subalternidade da cultura popular, recuperar sua importância fundamental
é concebê-la a ocupar um lugar privilegiado de onde se pode pensar e ver
criticamente, perspectiva analítica capaz de pensar em profundidade os
principais nós e estrangulamentos da história do e da cultura brasileira em
geral. A partir da cultura popular, é possível pensar um outro país, uma ou
várias alternativas de Brasil. Isto porque a cultura popular brasileira é um
estoque inesgotável de conhecimentos, sabedorias, tecnologias, maneiras
de fazer, pensar e ver nossas relações sociais e , nessa exata medida, um
lugar em que mais do que simplesmente criticar o modelo genocida e
autodestrutivo de desenvolvimento, é possível resistir a ele com outras
propostas de sentido do viver e de humanidade (SILVA, 2008, p.09).
Conhecendo assim, a cultura do povo será valorizada a história que construiu
a identidade de cada um e se mantém viva na memória sendo reforçada a cada
manifestação cultural, seja através das festas religiosas, contos populares ou
artefatos.
Em vista disso, a grande diversidade de culturas, nos mostra que o aceito
como uma boa conduta em um grupo não é aceito em outro grupo social. Sendo
cada realidade cultural o resultado de uma história particular, as características de
cada cultura serão distintas. Porém não deve haver entre termos valorativos como
superior e inferior.
Sabemos que a cultura está sujeita a variações, desde a observação que esta
se organiza, comporta e realiza dentro do ambiente físico, sofrendo influências
através de diferentes formas, como: crescimento, transmissão, difusão, fusão ou
estagnação. A mudança cultural ocorre por meio de qualquer um desses processos,
podendo ser de forma simples ou com mais resistência, dependendo da aceitação
do grupo. Assim, tem-se mudança quando:
Novos elementos são agregados ou os velhos aperfeiçoados por meio de
invenções; novos elementos são tomados de empréstimo de outras
sociedades; elementos culturais, inadequados ao meio ambiente, são
abandonados ou substituídos; alguns elementos, por falta de transmissão
de geração em geração se perdem (MARCONI; PRESOTTO, 1986, p.61).
Com base na observação histórica, percebemos que os povos estão fazendo
empréstimos culturais uns dos outros. Constituindo-se a difusão “um processo, na
5. 14
dinâmica cultural em que os elementos complexos culturais se difundem de uma
sociedade a outra” (MARCONI; PRESOTTO, 1986, p.63). A mesma ocorre de forma
recíproca com relações pacíficas entre os povos gerando a troca de pensamentos,
invenções, aceitação e integração dos novos elementos ao padrão existente do
grupo. Vale salientar que a assimilação de novos elementos pode vir a sofrer
reformulações, quanto ao seu significado e função.
Ainda, sobre a temática, discute-se o conceito de aculturação que “é a fusão
de duas culturas diferentes que entrando em contato contínuo originam mudanças
nos padrões da cultura de ambos os grupos” (MARCONI; PRESOTTO, 1986, p.64).
Com o passar do tempo esta fusão proporcionará a constituição de uma nova
sociedade e uma nova cultura.
Acrescenta-se ainda a esta discussão a endoculturação, “processo de
aprendizagem e educação em uma cultura desde a infância (...), processo que
estrutura o condicionamento da conduta, dando estabilidade à cultura” (MARCONI;
PRESOTTO, 1986, p.65). As crenças, o comportamento, os modos de vida são
adquiridos pelo indivíduo que a esta sociedade pertence, sendo que o indivíduo não
aprende toda a cultura, mas está condicionado a certos aspectos particulares da
transmissão de seu grupo.
Como vemos, a cultura se modifica, sofrendo influência interna e externa,
constituindo-se num processo dinâmico e contínuo. Porém, há grupos que têm
resistido a essas modificações buscando manter suas origens culturais através de
vários mecanismos, entre eles a realização de suas festas populares. Sobre isso,
Murray (2008), exemplifica:
Nas Américas, os maias, os astecas e os incas se manifestaram pela arte
pré-colombiana. Os aborígenes americanos, assim como os nativos da
Oceania e Ilhas do Pacífico, com seu estilo próprio de celebração, tinham
em suas festas a legitimação da sua afirmação cultural. Na África
produziam-se máscaras, esculturas, escarificações e pinturas para as
festas rituais (p.97).
6. 15
Portanto, vemos que as festas têm um papel importante na vida do ser
humano, e independente de período histórico, ou de raça a sua função é a mesma,
representar a ação dos mitos na vida do homem, possibilitando uma vida mais
apropriada por meio do equilíbrio das forças antagônicas do caos e da ordem. A
esse respeito Silva (2008) salienta:
(...) em todas as épocas e em todas as regiões do planeta, as festas
populares foram instrumentos fundamentais através dos quais os homens
difundiram suas diversas expressões de cultura, isto é, seus
conhecimentos, artefatos, técnicas, padrões de comportamento e atitudes
(p.87-88).
E no Brasil não é diferente, a cada festa popular realizada nossa identidade é
reafirmada, seja através das festas, dos autos, dos folguedos ou dos bailados
populares. Cada uma com seus instrumentos, ritmos, cânticos, danças, figurinos e
adereços característicos reforçam a identidade cultural de seus participantes. Pois
como nos afirma Murray (2008):
No país da ginga, do drible de corpo, do molejo do samba, dos passos
codificados do terreiro e da malícia do golpe de capoeira, podemos afirmar
que as nossas festas populares são o símbolo máximo da nossa identidade
nacional e espelho coreográfico da alma do povo. Peça-destaque do nosso
patrimônio, onde sagrado e profano se unem e se completam, elas
permitem uma leitura das características étnico-culturais de cada região do
país, ao mesmo tempo em que sintetizam a natureza mestiça do brasileiro.
(...) celebrados em forma de procissão, de romaria, de roda, de bloco ou de
desfile, nossas festas traduzem nossa diversidade multicultural e
multirracial, fazendo do Brasil o grande laboratório cultural da Idade
Moderna (p.97-98).
Podemos afirmar que o nosso país se constitui num truísmo, onde o mesmo é
resultado da mestiçagem de três raças: a índia, a branca e a negra. Onde cada uma
com seus traços culturais próprios, misturam-se e nos dão como produto a cultura
brasileira rica em sua diversidade cultural. Complementando, Murray (2008) ainda
acrescenta:
O encontro das culturas indígena, européia e africana promoveu no Brasil
um diversificado repertório de festas, (...). São os Autos de Natal, Auto dos
Quilombos, Bom Jesus dos Navegantes, Círio de Nazaré, Corpus Christi,
Divino Espírito Santo, Drama da Paixão, Festa do Bonfim, Folia de Reis,
Festas Juninas, (...). Temos também os folguedos de espírito lúdico-onde
se destacam Afoxés, Congadas, Maracatus, Caboclinhos, Tambor de
Crioula, Marujadas, Vaquejadas, Bumba-meu-Boi, (...), e os bailados
7. 16
populares, como Marabaixo, Maculelê, Cateretê, Coco de Zambê, entre
muitos outros. E, finalmente, o Carnaval, (...) (p.98).
Essas manifestações culturais são a afirmação do que é o povo, seus
costumes, suas crenças. Tornando cada grupo único, com características próprias.
Situamos aqui, este estudo que toma como “lócus” de pesquisa o distrito de
Igara, pertencente ao município de Senhor do Bonfim. Comunidade rica por sua
diversidade cultural, onde podemos encontrar fortemente enraizados os costumes
de um povo que vem lutando para não ter sua história apagada. E através da Banda
de Pífano, Reisado, Carnaval de Rua, Queima do Judas, Forró Grito, Festejo de
Santo Antônio, Festejo de São João, Festejo de São Pedro, Guerra de Espada,
Desfile Cívico do Dia 07 de Setembro, Contos Populares, Rezadeiras, Candomblé, e
Artefatos (vassoura, beiju), estão sendo preservadas suas tradições.
No entanto, iremos nos deter especialmente ao estudo do Reisado,
manifestação cultural popular de Igara de grande relevância religiosa e de influência
portuguesa. Diante dessa abordagem nossa questão de pesquisa é: Como os idosos
do Reisado se identificam como integrantes de uma manifestação da cultura
popular? E como a memória cultural faz parte desse importante processo?
Objetivos da pesquisa:
• Analisar como os idosos do Reisado se identificam como integrantes de
uma manifestação da cultura popular. E como a memória cultural faz parte
desse importante processo.
8. 17
CAPÍTULO II
REISADO DE IGARA: IDENTIDADE E MEMÓRIA
No nosso quadro teórico, utilizamos como base quatro conceitos – chave:
cultura popular, memória cultural, identidade cultural, reisado.
2.1 Cultura Popular
O termo cultura é conceituado por alguns autores como sendo as crenças, a
arte, moral, lei, costumes, conhecimentos, as habilidades e hábitos adquiridos pelo
homem no ambiente em que vive. São os padrões de comportamento do homem, e
tudo aquilo que uma sociedade permite que seus indivíduos conheçam ou acreditem
para agir conforme as suas leis. Segundo Laraia (2003) no campo da Antropologia:
O termo cultura vem do verbo latino colere (cultivar, criar, cuidar) que
originalmente era utilizado para o cultivo ou cuidado com a planta. No final
do século XVIII, o termo germânico kultur era utilizado para simbolizar
todos os aspectos espirituais de uma comunidade, já na França, civilization
refere-se principalmente às realizações materiais de um povo (p.25).
Os antropólogos de maneira geral definem cultura como conceito básico
central de sua ciência, atribuindo a essa palavra o desenvolvimento de cada ser
humano por meio da educação, da instrução, sem, no entanto, atribuir juízo de valor
entre as culturas, pois, não consideram uma superior à outra, mas apenas
diferentes; dando à cultura um significado amplo que engloba os modos comuns e
aprendidos na vida, transmitidos, através das gerações. Assim, Burke (1989)
escreve que até o século XVIII:
O termo cultura tendia a referir-se à arte, literatura e música (...) hoje
contudo seguindo o exemplo dos antropólogos, os historiadores e outros
usam o termo “cultura” muito mais amplamente, para referir-se a quase
9. 18
tudo que pode ser aprendido em uma dada sociedade, como comer, beber,
andar, falar, silenciar e assim por diante (p.25).
Assim, podemos abranger o termo cultura a todo o conjunto de obras
humanas, tendo sua origem na capacidade mental do homem e existia para o
homem, ela é uma tarefa social e não individual; não é adquirida apenas, ela é
também transmitida, mudada e acrescentada pela inovação ou descobertas das
experiências vividas pelo homem ao longo dos tempos.
Entende-se aqui por cultura os sistemas de significados, os valores,
crenças, práticas e costumes; ética, estética, conhecimentos e técnicas,
modos de viver e visões de mundo que orientam e dão sentido às
existências individuais em coletividades humanas (VIANNA, 2008, p.119).
É a cultura também, que distingui o homem dos outros animais, pois, “(...) só
o animal humano é capaz de ação transformadora consciente, ou seja, é capaz de
agir intencionalmente (e não apenas instintivamente ou por reflexo condicionado) em
busca de uma mudança no ambiente que o favoreça” (CORTELLA, 2003, p.41).
Como nos faz ver Rios (2008): “Cria-se cultura porque as maneiras de atender às
necessidades não estão inscritas na natureza do homem, como acontece com os
animais” (p.32).
Cultura diz respeito à humanidade como um todo, e ao mesmo tempo a cada
um dos povos, nações, sociedades e grupos sociais. Sendo definida como ”mundo
transformado pelos homens” (RIOS, 2008, p.30). Ou ainda como afirma Cortella
(2003): “Esse meio ambiente humano, por nós produzido e no qual somos
produzidos, é a cultura” (p.39).
Não existe notícia de nenhum povo que não conheça cultura, pois a mesma é
resultado de uma capacidade inerente a qualquer humano e por todos nós realizada.
Antes de tudo, a cultura é ainda o espaço no qual o homem desenvolve-se na vida
social e histórica. Cortella (2003) ainda nos esclarece:
(...) é absurdo supor que alguém não tenha cultura; tal concepção, uma
discriminação ideológica interpreta a noção de cultura apenas no seu
aspecto intelectual mais refinado e não leva em conta a multiplicidade da
produção humana coletivamente elaborada. Nós humanos somos,
igualmente, um produto cultural; não há humano fora da Cultura, pois ela é
o nosso ambiente e nela somos socialmente formados (com valores,
10. 19
crenças, regras, objetos, conhecimentos etc.) e historicamente
determinados (com as condições e concepções da época na qual vivemos)
(p.42).
Sendo a cultura elemento de produção humana, temos culturas de diversas
ordens, construídas através dos tempos por várias gerações e diferentes classes
sociais. No entanto, todas elas são autênticas e o que as diferenciam é o momento
histórico no qual foram produzidas. Não havendo espaço para um discurso de
cultura superior ou inferior, mas culturas diferentes. Como Rios (2008), enfatiza:
(...) cultura é, na verdade, tudo o que resulta da interferência dos homens
no mundo que os cerca e do qual fazem parte. Ela é a resposta humana à
provocação da natureza e é ditada não por esta, mas pelo próprio homem
(...). Assim, não se pode falar em sujeitos cultos e não – cultos. Todos os
homens são cultos, na medida em que participam de algum modo da
criação cultural, estabelecem certas normas para sua ação, partilham
valores e crenças (p.32-33).
Entendemos então, que todas as pessoas possuem cultura e que a mesma
apresenta-se de forma diferente em cada grupo, pois a mesma carrega
características próprias de seu povo.
Dessa forma, apresentamos um estudo sobre as principais acepções do
termo cultura e suas implicações. Bem como as diversas maneiras que a cultura
pode se classificar, são elas: material ou imaterial, real ou ideal. Para melhor
compreensão desses termos trazemos Marconi e Presotto (1986) que os define
como:
Cultura material consiste em coisas materiais, bens tangíveis, incluindo
instrumentos, artefatos e outros objetos materiais, fruto da criação humana
e resultante de determinada tecnologia. (...) Cultura imaterial refere-se a
elementos intangíveis da cultura, que não tem substância material. Entre
eles encontram-se as crenças, conhecimentos, aptidões, hábitos,
significados, normas, valores. (...) Cultura real é aquela em que,
concretamente, todos os membros de uma sociedade praticam ou pensam
em suas atividades cotidianas. (...) Cultura ideal consiste em um conjunto
de comportamentos que, embora expressos verbalmente como bons,
perfeitos para o grupo, nem sempre são frequentemente praticados (p.46-
47).
Dentro dessas classificações temos: conhecimentos, crenças, valores,
normas e símbolos, que são os elementos constituintes da cultura e que fazem parte
de nosso dia a dia. Portanto, a sociedade brasileira não tem uma “cultura” já
11. 20
determinada, pois, nada tem de homogêneo e uniforme. E sua forma complexa e
mutante resulta de interpretações da cultura erudita, da cultura popular e da cultura
de massas. Bosi (1986), assim conceitua esses termos:
Cultura de massa, indústria cultural, (...), uma realidade cultural imposta “de
cima para baixo” (dos produtores para os consumidores). (...) Cultura
popular, uma realidade cultural estruturada a partir de relações internas no
coração da sociedade (...) sistema de idéias, imagens, atitudes, valores.
(...) Cultura erudita, transmitida na escola e sancionada pelas instituições,
(...), esquemas oficiais (p.63-64).
Em face dessa variedade de cultura, nos deteremos somente à “cultura”
popular que está intimamente ligada ao nosso objeto de estudo. A cultura popular
conhecida como a cultura criada pelo povo, que articula uma concepção do mundo e
da vida, sempre esteve presente em cada época da história mundial. Porém, no
Brasil os estudos sobre folclore e cultura popular iniciaram somente, na segunda
metade do século XIX, na busca da construção de uma identidade nacional.
Para contextualizar cultura popular que é um termo amplo, dado a muitas
definições e repleto de ambigüidades. Trazemos Gabriel (2008) que entende a
cultura popular, como:
Cultura dinâmica, presente no meio rural e urbano, que junta tradição e
atualidade sempre em transformação, um encontro entre tempos e
espaços, com essência de brasilidade, juntando o local com o global, o
velho e novo, completando um com o poder do outro (p.77).
A cultura popular, quando entendida e resumida por alguns como folclore
perde muito em sua essência, pois ela vai além desse termo, sendo impossível dizer
onde começa e termina a mesma. A cultura popular abrange as festas populares, os
conhecimentos, técnicas, artefatos, enfim, tudo que o povo produz. E como afirma
Freire (2003):
Quando falamos de cultura popular estamos nos referindo não apenas às
manifestações festivas e às tradições orais e religiosas do povo brasileiro,
mas ao conjunto de suas criações, às maneiras como se organiza e se
expressa, aos significados e valores que atribui ao que faz (...) (p.31).
Este movimento retrata a força de resistência e persistência da cultura brasileira
de nosso povo na busca de preservar sua riqueza cultural.
12. 21
2.2 Memória Cultural
O conjunto de conhecimentos da cultura é como se fosse uma memória
coletiva que reconstrói toda a experiência dos grupos ou sociedades e é essa
característica da cultura que permite que ela seja transmitida de geração a geração
através da transmissão de seus símbolos para seus descendentes. E como nos
mostra Meneses (2002):
(...) é a memória, mecanismo de retenção de informação, conhecimento,
experiência, quer em nível individual, quer social e, por isso mesmo, é eixo
de atribuições, que articula, categoriza os aspectos multiformes de
realidade, dando-lhes lógica e inteligibilidade (p.183).
Ao lembrarmos de nossa infância, ou do dia em que passamos no vestibular,
da dor da despedida de um ente querido, do dia de nosso casamento, e/ou talvez
algo que nos esteja acontecendo, estamos na verdade fazendo uso da memória,
pois a mesma retém os fatos e idéias que adquirimos anteriormente. Para conceituar
memória, também trazemos Silva (2008) que diz:
A memória é um processo complexo e não se reduz a um simples ato
mental. Ela passa pela percepção dos nossos sentidos, como também
pelos nossos sonhos e ilusões e pode incluir tudo, desde uma sensação
mental privada e espontânea, possivelmente muda, até uma cerimônia
pública solenizada. Todavia, tanto num caso como noutro, os dados da
nossa experiência cotidiana são as reservas, os estoques, a massa de
elementos sobre os quais ela trabalha (p.85).
Diante de tais definições, entendemos que a memória é a capacidade
humana de guardar informações de sua vivência tanto individual como coletiva, ou
até mesmo de pensamentos que nem chegam a se concretizarem. Assim, a
memória está em constante trabalho, pois a mesma não se restringe somente a
acontecimentos do passado. Sobre isso, Meneses (2002) acrescenta:
Exilar a memória no passado é deixar de entendê-la como força viva do
presente. Sem memória, não há presente humano, nem tampouco futuro.
Em outras palavras: a memória gira em torno de um dado básico do
fenômeno humano, a mudança. Se não houver memória, a mudança será
13. 22
sempre fator de alienação e desagregação, pois inexistiria uma plataforma
de referência, e cada ato seria uma reação mecânica, uma resposta nova e
solitária a cada momento, um mergulho do passado esvaziado para o vazio
do futuro (p.185).
Não cabe, pois falar em história sem considerar o fundamental papel que a
memória ocupa em seu processo histórico. “É a memória que funciona como
instrumento biológico-cultural de identidade, conservação, desenvolvimento, que
torna legível o fluxo dos acontecimentos” (MENESES, 2002, p.185).
Como seres humanos, somos privilegiados, pois além de produzirmos cultura
o que nos distingue dos animais, também possuímos memória que é própria de
nossa raça, o que consiste na conservação da lembrança do passado ou da coisa
ausente. E como enfatiza Silva (2008):
Falar da memória é, antes de tudo, falar de uma faculdade humana. A
faculdade de conservar estados de consciência pretéritos e tudo o que está
relacionado a eles. Bem, a faculdade da memória é responsável por
nossas lembranças. Certo, mas falar de lembranças é falar
necessariamente de quem lembra. Ora, quem efetivamente recorda são os
indivíduos. Portanto, toda memória humana é memória de alguém, de um
indivíduo. Ela se refere, antes de tudo ao Eu, ao olhar que essa pessoa
constrói a respeito de si mesma, da identidade, portanto, de quem
efetivamente recorda (p.85).
Afirmamos assim, que a memória é do interesse de todos nós, pois estamos
vivos, aqui e agora, somos construtores de nossa história. E sem a memória nosso
passado é esquecido enfraquecendo a percepção de que é a atividade humana e
social que faz e pode refazer a sociedade. Observa-se, que “a memória, assim, mais
precisamente, diz respeito à história concebida não como o conhecimento do
homem no passado, mas como o conhecimento da dimensão temporal do homem”
(MENESES, 2002, p.185). Ou ainda como resume Rodrigues (1981): “Sem história,
não há memória” (p.47).
Nesse contexto, podemos afirmar que a memória dividi-se como: memória
coletiva e memória nacional. E para conceituar esses termos, trazemos Ortiz (2006)
que diz:
A memória coletiva é da ordem da vivência, a memória nacional se refere a
uma história que transcende os sujeitos e não se concretiza imediatamente
14. 23
no seu cotidiano. O exemplo do candomblé e do folclore mostrou a
necessidade de a tradição se manifestar enquanto vivência de um grupo
social restrito; a memória nacional se situa em outro nível, ela se vincula à
história e pertence ao domínio da ideologia (p.135).
Ortiz (2006) ainda nos propõe a distinção para os diferentes universos
simbólicos nos auxiliando a compreender as duas ordens de fenômenos que
estamos considerando.
A memória coletiva se aproxima do mito, e se manifesta portanto
ritualmente. A memória nacional é da ordem da ideologia, ela é o produto
de uma história social, não da ritualização da tradição. Enquanto história
ela se projeta para o futuro e não se limita a uma reprodução do passado
considerado como sagrado (p.135).
Vemos então, que a história dos seres humanos é ordenada pelos universos
simbólicos. Onde o passado dos homens estabelece a “memória” sendo
compartilhada pelos indivíduos que compõem a coletividade; já em relação ao futuro
os símbolos definem uma rede de referências para a projeção das ações individuais.
Vale salientar que “a memória coletiva dos grupos populares é particularizada, ao
passo que a memória nacional é universal. Por isso o nacional não pode se
constituir como o prolongamento dos valores populares, mas sim como um discurso
de segunda ordem” (ORTIZ, 2006, p.137).
Diante disso, percebemos que a memória nacional não é propriedade
particularizada de nenhum grupo social. No entanto, sobre a memória coletiva Silva
(2008) afirma que:
(...) toda memória se estrutura em identidades de grupo: recordamos a
nossa infância como membros a partir de experiências numa vida em
família, o nosso bairro como vizinhos em uma dada comunidade, a nossa
vida profissional em torno de relações estabelecidas no escritório, na
fábrica ou no sindicato (p.86).
Portanto, a memória coletiva possui uma existência concreta, manifestando-
se imediatamente enquanto vivência. O que nos permite focar de agora em diante
somente a memória coletiva por ser portadora da memória popular onde
encontramos as manifestações culturais do povo.
15. 24
Quanto à memória popular, Ortiz (2006) afirma: “A memória popular (seria
mais correto colocar no plural) deve, portanto se transformar em vivência, pois
somente desta forma fica assegurada a sua permanência através das
representações teatrais” (p. 135). Representações essas da cultura popular que é
heterogênea, onde as diferentes manifestações folclóricas como Reisados, São
João, Carnaval; não partilham um mesmo traço em comum, tampouco se inserem
no interior de um sistema único. Como afirma Ortiz (2006):
A cultura popular é plural, e seria talvez mais adequado falarmos em
culturas populares. No entanto, se tomarmos como ponto de partida cada
evento folclórico em particular (um reisado, uma congada), a comparação
com os cultos afro-brasileiros é legítima. A memória de um fato folclórico
existe enquanto tradição, e se encarna no grupo social que a suporta. É
através das sucessivas apresentações teatrais que ela é realimentada. Isto
significa que os grupos folclóricos encenam uma peça de enredo único que
constitui sua memória coletiva; a tradição é mantida pelo esforço de
celebrações sucessivas, como no caso dos ritos afro-brasileiros (p.135).
E como bem salienta Brandão (1981) ao estudar os congados do ciclo de São
Benedito, “este saber popular não existe fora das pessoas, mas entre elas” (p.54).
Nos grupos folclóricos é possível percebermos os diferentes papéis que os atores
sociais desempenham nas manifestações culturais. Assim, quando o problema do
esquecimento surge, geralmente está vinculado às dificuldades de se manter a
coesão do grupo. Pois quando um mestre morre pode ocorrer à desestruturação de
toda uma rede de trabalho ritual, visto que desaparecera um ator de destaque no
teatro popular. É nesse momento que a memória popular mostra a sua essência,
mantém viva a história, os ritos no meio que os possui através da vivência de seus
representantes.
2.3 Identidade Cultural
Em diferentes épocas, e sob diferentes aspectos, a problemática da
identidade cultural vem se perpetuando; sendo imprescindível compreendermos a
identidade, seu processo de afirmação e construção. Segundo Ortiz (2006): “(...) a
identidade é uma entidade abstrata sem existência real, muito embora fosse
indispensável como ponto de referência” (p.137). Ou ainda, como afirma Meneses
(2002):
16. 25
O conceito de identidade implica semelhança a si próprio, formulada como
condição de vida psíquica e social. Nessa linha, está muito mais próximo
dos processos de re-conhecimento do que de conhecimento. A busca de
uma identidade se alia mal a conteúdos novos, pois o novo constitui uma
ameaça, sempre. Ao contrário, ela se alimenta do ritmo, que é repetição;
portanto, segurança. Trata-se, em suma, de atitude conservadora, que
privilegia o reforço em detrimento da mudança (p.182).
Todos nós como seres humanos e consequentemente agentes de cultura,
trazemos histórias e saberes que não foi a escola, nem a mídia, que nos ensinaram.
Mas, cada um que convive conosco contribui para a formação desse conhecimento
que cria e alimenta a nossa identidade. Como exemplifica Marconi e Presotto (1986):
Os adultos, em uma sociedade, com sua conduta já definida, representam
o modelo com o qual as crianças vão identificar-se e cujo comportamento
vão imitar. Conformam-se ao que a sociedade define como melhor para o
preenchimento das necessidades pessoais e culturais e para sua melhor
adaptação (p.196).
Então, a identidade é construída através da observação e vivência com outras
pessoas, pois dessa forma, ocorre também a identificação com o comportamento do
outro e assimilação. Nesse sentido Gabriel (2008) afirma que: “As pessoas sentem-
se identificadas umas com as outras e, ao mesmo tempo, distintas das demais.
Assim a identidade e a alteridade (referente ao que é do outro), a similaridade e a
diversidade marcam o sentimento de pertencer ao todo” (p.76).
Para Woodword (2007): “As identidades são fabricadas por meio da marcação
da diferença. Essa marcação da diferença ocorre tanto por meio de sistemas
simbólicos de representação quanto por meio de formas de exclusão social” (p.39).
Ou seja, a construção da identidade do sujeito também está marcada por diferentes
formas de determinação, onde são opostos, ou se pertence ou não pertence, ou é
ou não é parte daquele “grupo” étnico, cultural ou social. Sobre a identidade cultural,
Gabriel (2008) enfatiza:
A identidade cultural se relaciona a aspectos de nossas identidades que
surgem do “pertencimento” a culturas étnicas, raciais, lingüísticas,
religiosas e, sobretudo, nacionais. Alguns estudiosos afirmam que, de
alguma maneira, pensamos nesta identidade como parte de nossa
natureza essencial, que nos faz sentir indivíduos de uma sociedade, grupo,
estado ou nação (p.76).
17. 26
A identidade assim como a cultura é produzida pelo homem através de sua
vivência. Desde o nascimento fazemos parte de um determinado grupo social com
sua religião, costumes e valores, e à medida que crescemos neste meio os
assimilamos. Essas e outras características que adquirimos irão contribuir
fortemente para construção de nossa identidade. Da mesma forma, acontece com a
identidade cultural, pois a mesma se forma espelhando-se na cultura predominante
do grupo a que pertencemos. Assim afirmamos que tão diversa quanto à cultura é a
identidade cultural, eliminando suposições de uma identidade padrão e/ou superior.
Nesse sentido Ortiz (2006) salienta:
(...) creio que é o momento de reconhecermos que toda identidade é uma
construção simbólica (a meu ver necessária), o que elimina portanto as
dúvidas sobre a veracidade ou a falsidade do que é produzido. Dito de
outra forma, não existe uma identidade autêntica, mas uma pluralidade de
identidades, construídas por diferentes grupos sociais em diferentes
momentos históricos (p.8).
Vemos então, que não há uma identidade verdadeira ou falsa, superior ou
inferior; mas sim, identidades diferentes, próprias a cada indivíduo, grupo ou
nacionalidade. Pois cada indivíduo possui uma identidade cultural que foi construída
ao longo de sua vida tornando-o integrante de um determinado grupo. E à medida
que este sujeito assume plenamente, com orgulho, o seu papel neste grupo, ele está
afirmando sua identidade. Segundo Woodword (2007):
Ao afirmar uma determinada identidade, podemos buscar legitimá-la por
referência a um suposto e autêntico passado-possivelmente um passado
glorioso, mas, de qualquer forma, um passado que parece “real” - que
poderia validar a identidade que reivindicamos (p.27).
Woodword (2007) ainda acrescenta: “Isso não significa negar que a
identidade tenha um passado, mas reconhecer que, ao reivindicá-la, nós a
reconstruirmos e que, além disso, o passado sofre uma constante transformação”
(p.28). Está aí a importância de conhecermos nossa identidade e nos
reconhecermos como agentes culturais buscando manter nossa história, apesar das
transformações que ocorrem com o tempo.
Vivemos na globalização que busca homogeneizar as imagens, estilos e
lugares, a fim de valorizar o que é do outro na desvalorização do que nos pertence.
18. 27
Tal postura global tem alienado as identidades de suas origens, histórias, etc.;
dificultando saber quem somos se não formos ensinados em casa e em nosso grupo
social os nossos próprios valores culturais. Meneses (2002) afirma que a identidade
também é um processo de construção social:
A antropologia e a sociologia, por sua vez, informam-nos de que a
identidade quer pessoal, quer social, é sempre socialmente atribuída,
socialmente mantida e também só se transforma socialmente (...). Isto é,
não se pode ser humano por si só, por representação própria: os valores,
significações, papéis que me atribuo necessitam de legitimidade social, de
confirmação por parte de meus semelhantes (...). Dentro dessa ótica, é fácil
entender que o processo de identificação e um processo de construção de
imagem; por isso terreno propício a manipulações (p.183).
Dessa forma, o suporte fundamental da identidade é a memória, pois juntas
buscam registrar o que se constitui como verdadeiro para o homem e/ou sociedade.
Sejam através de ritos culturais, artefatos, contos populares, etc.
2.4 Reisado
O Reisado também conhecido como Terno de Reis, Festas de Santos Reis,
Folia de Reis, entre outros, comemora o nascimento de Jesus Cristo, que encena a
visita de Reis Magos à Belém para adorar o menino-Deus. Como se encontra
registrado no Evangelho de Mateus 2:1-2, 11 (1993):
Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, em dias do rei Herodes, eis que
vieram uns magos do Oriente a Jerusalém. E perguntaram: Onde está o
recém-nascido Rei dos Judeus? Porque vimos a sua estrela no Oriente e
viemos para adorá-lo. Entrando na casa, viram o menino com Maria, sua
mãe. Prostrando-se, o adoraram; e, abrindo os seus tesouros, entregaram-
lhe suas ofertas: ouro, incenso e mirra (O Novo Testamento p.3).
Com relação à quantidade de reis, seus nomes e outras informações
particulares, o texto bíblico não nos dá, a saber. No entanto, ao longo dos séculos
surgem inúmeras reinterpretações sobre os reis magos.
Conhecida, em sua forma mais popular, como a “Adoração dos Reis
Magos”, essa passagem da Escritura Sagrada é fonte de inspiração para
as mais variadas manifestações nas letras e nas artes, contribuindo para o
19. 28
desenvolvimento de tradições populares as mais diversas (SILVA, 2006,
p.11).
E através do inscrito bíblico a cristandade encontra inspiração para sua
adoração ao menino Jesus, personagem central da fé cristã. Fato que motivou a
Igreja Católica a se interessar mais por este relato bíblico de poucas informações e
realizar especulações sobre os magos, como quantidade e seus nomes. Como nos
faz ver Torres, Cavalcante (2008):
A propósito, o título de Reis, atribuído aos Magos do Oriente, foi devido a
Cesário [São Cesário], Bispo de Arles, França, no século VI. No século
seguinte, o Papa Leão I assegurou, em seus “Sermões” sobre a celebração
da Epifania, que os Reis Magos eram em número de três. Todavia, seus
nomes somente mais tarde foram estabelecidos (p.200).
A Folia de Reis é uma festa de origem portuguesa, de características não só
religiosa, mas também festiva, onde a “Igreja” e seus fiéis buscam reviver o
momento de visitação e entrega de donativos ao recém nascido. A esse respeito
Silva (2006) ainda nos esclarece que:
As origens das Folias de Reis são portuguesas e datam de 1323. A jornada
dos reis Magos do Oriente Baltazar, Melchior e Gaspar – está presente no
evangelho de Mateus e relata que os magos “partiram de suas terras
guiados pela luz de uma estrela resplandecente, chegaram à gruta, em
Belém, na Judéia, para adorar o filho de Deus que havia nascido,
ofertando-lhe régios presentes: Ouro, Incenso e Mirra” (p.13).
A adoração dos Magos se incorporou em manifestações da cultura popular,
saindo das fronteiras de Portugal e perpetuando-se por vários lugares. Nesse
momento a “Igreja” incorporou o roteiro dos Reis Magos, fazendo deste um dos
principais temas para dramatização e instrumento de ensino e propagação da fé
cristã. Como nos mostra Torres, Cavalcante (2008):
As tradições populares do ciclo natalino eram comuns em toda a Europa
Cristã, em países como França, Itália, Alemanha, Portugal e Espanha. (...)
Representações de rituais litúrgicos relativos aos Magos, que, a princípio,
eram realizados no interior das igrejas, foram, pouco a pouco,
popularizando-se, transportados para espaços abertos - praças e ruas.
Assim surgiram os cortejos, vinculados aos templos religiosos das cidades,
que encenavam a temática dos Magos, bem como grupos peditórios, no
âmbito dos povoados rurais que, de casa em casa, levavam a mensagem
do nascimento de Jesus Cristo. Atualmente, alguns países europeus ainda
mantêm essas tradições milenares (p.200).
20. 29
O Reisado e conhecido como um espetáculo popular com danças, músicas e
personagens diversos em que se comemora o natal e os reis magos, cuja ribalta é a
praça pública, a rua. Onde toda a população tem a oportunidade de olhar e
acompanhar o cortejo. E sobre esta manifestação popular, Passarelli (2003) vem
definir o Reisado como:
(...) são as manifestações folclóricas natalinas, coreográfico-musicais,
baseadas direta ou indiretamente nos costumes ibéricos do Ciclo do Natal,
tendo ou não preservado o fundo religioso e independente da existência de
um entrecho dramático, de peças teatralizadas, figuras de entremeio ou
simulacros guerreiros (p.1).
No Brasil, essa manifestação popular chega somente anos depois, com
caráter mais religioso do que festivo, sendo introduzida no Brasil colônia pelos
portugueses com intuito de educar e catequizar a população que aqui vivia. Como
podemos acompanhar sua trajetória:
No período colonial, os colonizadores, em conjunto com os missionários
jesuítas que aportaram ao Brasil, vindos com o primeiro Governador Geral
Tomé de Souza, em 1559 e em anos seguintes, trouxeram essas tradições
da Península Ibérica. Estes utilizavam autos litúrgicos com a temática dos
Reis Magos, sob a forma de canto, dança e encenação, no processo de
catequese e ensino, tanto dos nativos indígenas como dos próprios
colonos portugueses (reinóis) e, posteriormente, dos escravos negros
(SILVA, 2006, p.67).
Como sabemos, os colonizadores eram católicos e trouxeram suas crenças
enraizadas em suas identidades e nas pessoas dos catequistas e jesuítas. Já com
relação a maioria dos colonizados eles não somente tomaram para si essa religião
como também a incorporaram em suas manifestações culturais populares, como
vemos até hoje através do Reisado e outras tradições. Complementando, Silva
(2006) ainda esclarece:
O catequista José de Anchieta, considerado por muitos precursor das letras
brasileiras, formado na escola de Gil Vicente, compôs, ensaiou e
representou sua peça teatral inicial, “Pregação Universal”, reintitulada “Na
Festa de Natal”, na Igreja dos Jesuítas, em São Paulo de Piratininga (atual
cidade de São Paulo), no Natal de 1561, no Ano Novo e no dia de Reis de
1562. Este é o primeiro registro de um Auto encenado no Brasil que, com
adaptações diversas, foi repetido por toda a costa brasileira, em
aldeamentos jesuíticos como São Lourenço [Niterói] e São Vicente [São
Paulo], Reis Magos [Espírito Santo], entre outros (p.67).
21. 30
O Reisado logo ganhou espaço em todo o Brasil, sendo visto em vários
estados. “Na segunda década do século XVIII, Nuno Marques Pereira em seu
compêndio Narrativo do Peregrino da América, registra a presença de Grupos de
Reis peditórios na Bahia” (TORRES, CAVALCANTE, 2008, p.201). E ainda sobre a
expansão e variação dessa manifestação Torres e Cavalcante (2008) acrescentam:
Tudo indica que, no início da colonização, juntos aos núcleos de
povoamentos mais consolidados (Salvador/vilas próximas do Recôncavo,
Olinda e, pouco depois Recife, já sob o domínio holandês, Rio de
Janeiro/Niterói e São Vicente/São Paulo de Piratininga) moldaram-se as
formas iniciais das tradições de Reis no Brasil. Presépios, Lapinhas e
Pastoris, seguindo-se de outras representações folclóricas derivadas,
Reisados, Rancho de Reis, Terno de Reis (versão baiana), Guerreiros, etc.
(p.201).
Mudanças ocorreram nessa tradição popular, pois, inicialmente resumia-se ao
termo de ciclo natalino e a adoração dos Reis Magos no interior das igrejas. Mas aos
poucos devido o fluxo imigratório de colonos vindos do norte de Portugal, essa
cultura portuguesa misturando-se com os elementos da cultura negra e indígena deu
origem a novos termos e manifestações culturais com traços brasileiros. No entanto,
com o surgimento de grupos particulares em alguns países surgiu também “excesso
de profanização”, o que levou a Igreja reprovar tais posturas e impedir a entrada
destes no interior das Igrejas.
Na década de 1980, com a vinda do Papa João Paulo II a Santo Domingo
(América Central), houve, contudo, uma mudança dessa postura eclesial. A
partir daí, a Igreja Católica, através do processo de inculturação, abriu
novamente suas portas a essas manifestações populares, reaproximando-
se, assim, de seus seguidores, dando novo impulso às Festas dessas
tradições de Reis (TORRES, CAVALCANTE, 2008, p.202).
A partir de então, essa manifestação voltou ao interior das igrejas ganhando
também as ruas através dos cortejos. No entanto, ainda hoje ela é realizada não
somente por cristãos com espírito de adoração, mas também pelo povo em geral
com espírito de diversão, misturando-se assim, sagrado e profano. Sendo conhecida
atualmente como:
(...) as Folias/Companhias/Embaixadas de Reis, o Terno de Reis (baiano e
sulino), Pastor, Tiração de Reis, o Presépio, as Pastorinhas, os Pastoris, o
Bumba-meu-boi do Nordeste brasileiro oriental, o Boi-de-Mamão, o Boi de
Reis, o Reis de Bois, o Cavalo-Marinho, a Companhia de Pastores, as
Reiadas, Reis de Careta e tantas outras manifestações, cobrindo
22. 31
praticamente todo o território brasileiro (TORRES, CAVALCANTE, 2008,
p.203).
As Folias de Reis são conhecidas e realizadas em muitos países, englobando
o Brasil que com sua grandeza territorial comporta não só essa manifestação em
seu sentido original como também suas variações, com músicas, personagens e
termos diversos. E diante de tantas definições conceituais e da falta de unanimidade
da mesma, Passarelli (2003) afirma:
A verdadeira riqueza do folclore brasileiro está na variedade inclassificável,
no sincretismo, nos fenômenos de transposição, interpretação e influências
folclóricas, nas múltiplas variantes, em toda a criatividade, plasticidade,
presença de espírito e dinâmica com que o povo os cria, recria, adapta,
extingue, ressuscita (p.1).
As festas de comemoração de Reis geralmente acontecem no período de 24
de dezembro a 06 de janeiro, sendo mais marcante no dia 06 de janeiro em que se
comemora tradicionalmente o Dia de Reis. Quando os participantes dos Reisados
acreditam ser continuadores dos reis magos que vieram do Oriente para visitar o
menino Jesus, em Belém, e saem de casa em casa para saudar os seus moradores.
(...) o ritual é sempre muito bonito e composto de “etapas” ou “fases”, que
podem variar de acordo coma região, mas com poucas alterações:
chegada/abrição de portas; saudação aos donos da casa, louvação ao
presépio, despedida e, dependendo da manifestação, apresentação
cantada/recitada e/ou dançada dos palhaços (e seus congêneres
regionais). Podem ainda apresentar “cantos circunstanciais”, com temas
diversos. O teor dos versos cantados é normalmente de natureza bíblica
(TORRES, CAVALCANTE, 2008, p.206).
Como vemos algumas características podem variar de cidade para cidade,
mas a essência é a mesma, rememorar a viagem dos Reis Magos, adorar ao
Menino Jesus e fazer louvações aos donos das casas onde dançam, Os músicos
tocam foles, pandeiro, tambor e zabumba, enquanto os dançarinos usam em sua
coreografia de corrupios, gingados, galopes e pisa-mansinho. Os personagens são
diversos, porém os mais comuns são: rei, rainha, três reis magos, secretário, guias e
contra guias, mestra, mestre e contramestre, Mateus, palhaço, embaixadores,
embaixatrizes, governador, estrela, sol, lua, anjo, índio Peri e sereia.
23. 32
O Reisado se constitui como uma forma de seus participantes buscarem sua
identidade cultural e ao mesmo tempo preservarem a mesma, transmitindo de
geração para geração.
24. 33
CAPÍTULO III
METODOLOGIA
Esta pesquisa que tem como tema: “Manifestação cultural popular igarense
entre a tradição e a tradução: Um olhar sobre o reisado” foi efetivada pala
abordagem qualitativa de pesquisa, por envolver o contato, a troca de informações e
a integração entre pesquisador e pesquisado na busca do conhecimento e da
reflexão, sendo capaz de superar os limites das análises meramente quantitativas.
3.1 Pesquisa Qualitativa
Ao construir a trilha metodológica deste trabalho, optou-se pela pesquisa
qualitativa, uma vez que a mesma oferece ao pesquisador, possibilidades de
compreensão, interação, aprendizagem ou conhecimento do espaço pesquisado,
além de possibilitar uma aproximidade do outro e também do social, trabalhando-se
assim as dimensões humanísticas e democráticas, pois segundo Bogdan e Biklen
(1982), “a pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador
com o ambiente e a situação que está sendo investigada, via de regra através do
trabalho intensivo de campo” (apud LUDKE e ANDRÉ, 1986, p.11).
A este respeito Bogdan e Biklen (1982) ainda nos esclarecem que:
A pesquisa qualitativa envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no
contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o
processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos
participantes (apud LUDKE e ANDRÉ, 1986, p.13).
Dessa forma, uma das características da pesquisa qualitativa é investigar os
significados que os envolvidos dão ao assunto pesquisado, levando em conta seu
cotidiano para melhor compreensão do fato na sociedade.
25. 34
3.2 Sujeitos da Pesquisa
Os participantes da pesquisa foram 16 pessoas, sendo 02 do sexo masculino,
e 14 do sexo feminino, idosas, idôneas, envolvidas no Reisado do distrito em estudo,
conhecedoras da origem e do processo de transformação pelo qual este passou e
atualmente passa, devido a influências contemporâneas e como a partir daí se
organiza e expressa. É importante colocar que todos moram na zona urbana de
Igara.
3.3 Lócus da Pesquisa
Esta pesquisa foi desenvolvida em Igara, distrito que fica situado a 9 km do
município de Senhor do Bonfim. O que justificou essa escolha foi a diversidade de
manifestações culturais populares presente no distrito, especificamente o Reisado
que ainda hoje tem mobilizado a população à sua realização.
3.4 Instrumentos de Coleta de Dados
Para atingir o objetivo proposto: Analisar como os idosos do Reisado se
identificam como integrantes de uma manifestação da cultura popular. E como a
memória cultural faz parte desse importante processo. Foram utilizados os seguintes
instrumentos de coleta de dados: a entrevista semi-estruturada e o questionário
fechado.
26. 35
3.4.1 A entrevista
A entrevista é uma das principais técnicas de trabalho em quase todos os
tipos de pesquisa utilizados nas ciências sociais. A qual desempenha importante
papel não apenas nas atividades científicas como em muitas outras atividades
humanas. A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela
possibilita saber o que as pessoas pensam, suas idéias, crenças, sentimentos,
opiniões, maneiras de atuar, conduta ou comportamento do passado, presente e
futuro. Como bem salientam Ludke e André (1986):
(...) ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada,
praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os variados tópicos.
Uma entrevista bem – feita pode permitir o tratamento de assuntos de
natureza estritamente pessoal e íntima, assim como temas de natureza
complexa e de escolhas nitidamente individuais (p.34).
Segundo Barbosa (2000), existem três tipos de entrevista: a estruturada que
obedece uma ordem rígida de questões das quais não se pode desviar; a aberta em
que há liberdade de percurso, e é constituída apenas por uma questão onde o
entrevistado fala livremente; e a semi-estruturada que é mais flexível, pois fica entre
esses dois extremos, pois mesmo possuindo questões norteadoras, podem surgir
outras questões durante a entrevista.
Por sua vez, a entrevista escolhida para a pesquisa desta temática, é a semi-
estruturada, a qual pode ser feita por meio de gravação direta ou anotação, a
mesma “se desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado
rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações”
(LUDKE E ANDRÉ, 1986, p.34). A partir dessa análise acreditamos que este
instrumento permitirá maior acesso as informações de relevância à pesquisa.
Para a veracidade desse estudo, foi realizada a gravação dos depoimentos
dos sujeitos envolvidos diretamente na manifestação cultural do Reisado, com o
intuito de registrar integralmente suas falas, assegurando material rico e fidedigno
para análise.
27. 36
3.4.2 O questionário
Outro instrumento utilizado foi o questionário fechado, contando com 07
questões com perguntas fechadas. Este instrumento foi aplicado por facilitar traçar o
perfil dos sujeitos pesquisados e nos possibilitar compreender a realidade dos
mesmos dentro do contexto cultural. O questionário é “(....) uma técnica útil para
obtenção de informação acerca do que a pessoa sabe, crê ou espera, sente ou
deseja, pretende fazer, faz ou fez, bem como a respeito de suas explicações ou
razões para quaisquer das coisas precedentes” (SELLTIZ, 1987 apud GIL, 1991,
p.90).
Marconi e Lakatos (1996) definem o questionário como “(...) um instrumento
de coleta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem
ser respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador” (p.88). Assim, a
opção pelo questionário foi feita por ser uma forma de alcançar respostas com maior
objetividade e rapidez além de proporcionar uma uniformidade na avaliação das
informações obtidas, o que, acreditasse ser uma de suas principais qualidades.
Diante dos dados oriundos das entrevistas e questionários, utilizamos a
técnica de análise de dados e interpretação dos resultados, focalizando as
informações e confrontando-as com o material teórico utilizado neste estudo.
28. 37
CAPÍTULO IV
ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Esta pesquisa foi realizada com participantes idosos do Reisado, sendo
utilizado como instrumento de coleta de dados o questionário fechado e a entrevista
semi-estruturada. A partir desses instrumentos tivemos conhecimento de como
esses idosos se sentem em ser integrantes do Reisado, e a importância da memória
para a manifestação cultural popular, o que converge para a questão da pesquisa.
Para organização deste capítulo, apresentamos os seguintes momentos: o
perfil dos sujeitos pesquisados do Reisado – formado através da análise dos
questionários; as categorias – os idosos do Reisado, suas identidades e memórias
na manifestação cultural popular, contêm a análise e interpretação geral da
entrevista.
4.1 O Perfil dos Sujeitos
As informações abaixo são resultado da análise dos questionários com o
objetivo de traçar o perfil dos 16 idosos entrevistados.
4.1.1 Gênero e faixa etária
Com relação ao gênero, 12,5% do total são do sexo masculino e 87,5%
feminino. Desta forma, vemos que os participantes da pesquisa, em sua maioria, são
do sexo feminino. Reforçando concepções e idéias do passado e atualidade, que
afirmam ser de responsabilidade da mulher a educação e religião da família/filhos.
Como mostra o gráfico.
29. 38
13%
Mas c ulino
87%
F eminino
Figura 1 Percentual referente ao gênero.
A cerca da faixa etária 6,25% têm entre 40 e 50 anos, 18,75% entre 50 e 60
anos, e 75% acima de 60 anos. Assim os dados obtidos conforme o gráfico abaixo
confirma que os participantes do Reisado consistem em sua maioria dos sujeitos
que estão na faixa etária acima de 60 anos o que nos levou a perceber que por
possuírem mais experiência de vida presenciaram mais Ternos e puderam contribuir
melhor para este trabalho através de sua memória. Veja o gráfico a seguir.
6%
19%
40- 50 anos
50- 60 anos
75%
A c ima de 60
anos
Figura 2 Percentual referente à faixa etária.
30. 39
4.1.2 Estado civil e filhos
No aspecto estado civil, 12,5% são solteiros, 50% casados, e 37,5% viúvos.
Como podemos observar, 50% dos entrevistados são casados, enquanto o número
de viúvos também é grande e nos leva a entender que estes se constituem nos mais
idosos. Como nos mostra o gráfico.
12%
38% S olteiro
C as ado
V iúvo
50%
Figura 3 Percentual referente ao estado civil.
Em relação a filhos foi coletado o seguinte: 6,25% não têm filhos, 18,75%
possui entre 01 ou 03 filhos, 31,25% entre 03 ou 05 filhos, e 43,75% acima de 05
filhos. Observa-se através das respostas do questionário que quase todos os idosos
possuem filhos, o que nos mostra que esses idosos têm contribuído para
preservação e transmissão dos Ternos, seja através de seu exemplo e/ou ensino.
Veja o gráfico.
6%
19%
Não têm filhos
44%
01- 03 filhos
03- 05 filhos
A c ima de 05 filhos
31%
Figura 4 Percentual referente a filhos.
31. 40
4.1.3 Com relação ao nível de escolaridade
25%
A nalfabeto
A lfabetiz ado
62% 13% E ns ino fundamental
Figura 5 Percentual referente ao nível de escolaridade.
Do total de entrevistados 25% são analfabetos, enquanto 12,5% são
alfabetizados, e 62,5% possuem o ensino fundamental. Podemos então considerar,
que os resultados obtidos, com relação ao nível de escolaridade, demonstram um
bom resultado, visto que estamos nos referindo a idosos e no passado o ensino
público e/ou privado não eram tão abrangentes tanto em nível territorial, financeiro,
etc. como possuímos hoje. Como nos mostra o gráfico.
4.1.4 Com relação à religião
6%
6% E vangélic o
C atólic o, es pírita e
pratic ante do
c andomblé
50% C atólic o e pratic ante
do c andomblé
38%
C atólic o
Figura 6 Percentual referente à religião.
32. 41
A religião dos entrevistados é caracterizada a partir dos seguintes dados:
6,25% são evangélicos, 6,25% consideram-se católicos, espíritas e praticantes do
candomblé, 37,5% se consideram católicos e praticantes do candomblé, e 50% são
católicos. Este resultado foi de grande relevância, pois nos possibilitou conhecer os
diferentes grupos de Ternos realizados por essas religiões, como também vermos a
maneira que o sincretismo atua no Reisado. Veja o gráfico.
4.1.5 Quanto à naturalidade
100% Igara
Figura 7 Percentual referente à naturalidade.
Tratando-se de naturalidade 100% dos idosos da pesquisa são naturais de
Igara. Ao serem indagados sobre sua naturalidade as respostas foram em sua
totalidade, afirmando que são naturais do distrito de Igara e demonstrando orgulho
por serem igarenses. Assim, a naturalidade também foi um fator de grande
relevância para nos ajudar a conhecer a história dos Reis nesse distrito, pois os
idosos cresceram em um ambiente em que viam e ouviam sobre o Terno. Como nos
mostra o gráfico.
33. 42
4.2 Síntese dos Dados do Questionário Fechado
A análise do questionário nos possibilitou conhecer os sujeitos da pesquisa
em seus aspectos sociais, facilitando assim traçarmos o perfil dos idosos do
Reisado. Os dados obtidos nos revelaram também as condições em que estes
idosos vivem. Dentre as muitas informações coletadas, destacamos as seguintes:
A maior parte (87,5%) é do sexo feminino e que, também a maioria (75%) tem
acima de 60 anos.
A metade dos entrevistados (50%) é composta de casados, enquanto 43,75%
possuem acima de 05 filhos.
Tratando-se de nível de escolaridade, é bom, pois 62,5% dos idosos possuem
ensino fundamental, com relação a religião é de predominância católica, onde 50%
são católicos e 43,75% além de terem outra religião também se consideram
católicos nos permitindo ver a presença do sincretismo.
A cerca de naturalidade, 100% das pessoas entrevistadas são do distrito de
Igara.
Baseando-se nos dados acima, podemos afirmar que os sujeitos envolvidos
com o Reisado, são em sua maioria os católicos mais idosos e do sexo feminino.
4.3 As Categorias
Apresentamos a seguir os resultados das entrevistas que nos mostram como
os idosos do Reisado se identificam como integrantes de uma manifestação da
cultura popular. E como a memória cultural faz parte desse importante processo.
34. 43
4.3.1 O terno da cigana sai à rua, pra visitar a lapinha de Belém
Em relação à definição do Reisado percebemos que 100% dos entrevistados
possuem conceitos pessoais que demonstram sua identificação e carinho com essa
manifestação. Eis a fala de alguns idosos:
“O Reisado é uma festa que eu gosto muito, que festeja os santos Reis,
que faz em 06 de janeiro com as roupas caracterizadas e saem nas ruas
com os cânticos” (I4) 1.
“É um folclore, uma festa religiosa muito bonita, que fala muito sobre o
nascimento de Jesus, o tempo de Jesus” (I1).
“O Reisado é coisa boa, vem do nascimento de Cristo, Ele nasceu na
manjedoura e os reis foram pra visitá-lo e por isso o Reisado” (I2).
“É uma animação dos reis antigos. Uma tradição que já veio dos
antepassados” (I6).
“Pra mim o Reis é uma coisa muito boa, porque a gente tem aquele
divertimento, uma coisa que serve pra gente, pra se divertir, e uma coisa
também que já ficou feita pra gente já ter aquilo pra participar, é uma coisa
que é já do começo do mundo já veio isso pra gente ter um divertimento”
(I11).
As respostas apresentadas nos mostram o sentimento de pertencimento dos
participantes do Reisado, bem como o conhecimento dos mesmos em relação à
origem dessa manifestação. Como nos faz ver Cascudo (2002):
Reisado. É denominação erudita para os grupos que cantam e dançam na
véspera e dia de Reis (6 de janeiro). (...) O auto popular profano-religioso,
pertencente ao ciclo natalino, é formado por grupos de músicos,
cantadores e dançadores que vão de porta em porta anunciar a chegada
do Messias e homenagear os três Reis Magos. O Reisado é conhecido
também com os nomes de Reis, Folia de Reis, Boi de Reis, e o enredo
é
sempre a Natividade, os Reis Magos e os pastores a caminho de Belém
(p.581).
O Reisado é comemorado no dia 06 de janeiro, quando a população em sua
maioria religiosa une-se para festejar os Reis. Como nos mostra Cascudo (2002) o
1
Utilizaremos a letra I seguido de número atribuído ao idoso entrevistado, seguido do algarismo
arábico (1, 2, 3...).
35. 44
Terno de Reis acontece “geralmente entre 20 de dezembro e 6 de janeiro,
comemorando o nascimento de Cristo e cantando em louvor do Deus Menino”
(p.675). Em Igara as comemorações iniciavam-se no dia 06 de dezembro e iam até
06 de janeiro, quando o cortejo maior acontecia. Porém, hoje a festa de Reis não
acontece mais em todo esse período, com o tempo ele se perdeu um pouco sendo
celebrado somente uma vez que geralmente acontece no dia 06 de janeiro (Dia de
Reis), ou então em qualquer outro dia deste mês, mas sempre após o dia 06.
Em Igara, apesar de o Reisado ser praticado por muitos, o ano em que foi
realizado pela primeira vez neste distrito ainda é desconhecido, onde nenhum dos
idosos soube nos falar a data de seu surgimento. Sobre sua origem no distrito de
Igara, somente alguns entrevistados (os mais idosos), tem conhecimento e puderam
nos dar essa informação. Como mostram essas falas:
“O povo antigo armaram as lapinhas nas casas e começaram a cantar nas
casas. Cantavam nas lapinhas durante 30 dias e depois faziam o Reis no
dia 06 de janeiro, cantando, aplaudindo o nascimento de Cristo. Não sei lhe
dizer quando começou, porque quando eu me entendi já cresci cantando
os Reis por que eu já tenho 76 anos então tem uns 100 anos, porque o
povo foi descobrindo e cantando” (I2).
“A gente começou assim, a gente fazia as lapinhas nas casas, se
combinava quem fazia as lapinhas as moças e rapazes, e no dia 06 de
janeiro fazia o terno. Arrumava as lapinhas dia 06 de dezembro e ia até 06
de janeiro, cantava o mês todinho, no natal, e no dia 07 de janeiro
desarmava as lapinhas” (I4).
“Começou com as mulheres mais antigas a Zulmira, Ambrosina, Alvina,
Ana Ricardina minha bisavó, faziam uma lapinha em dezembro
comemorando o nascimento do Deus Menino, aí elas terminavam em
janeiro e formavam o Reis em 06 de janeiro para comemorar, começar o
ano com a festa dos Reis, chamava-se terno. Elas procuravam as pessoas
e faziam a festa, e saiam na rua e iam comemorar na porta da igreja
louvando as doutrinas delas. Depois da igreja voltavam cantando na rua,
muita gente acompanhava com as velas e lanternas acesas” (I6).
“A primeira que botou o Reisado eu não cheguei a conhecer mais ouvi falar
que foi uma Ambrosina, depois da Ambrosina conheci a minha avó Dona
Neném, minha avó botava Reis aí eu ajudava ela. Começou assim,
armavam as lapinhas no final de novembro e a gente passava o mês de
dezembro todinho cantando, toda a noite a gente reunia as amigas e ia
cantar as lapinhas, em toda a casa que tinha lapinha. Em janeiro no dia 06
tinha o Reis e da casa de cada organizador saía um, no dia 07 de janeiro
elas desarmavam as lapinhas” (I7).
Percebemos em todos os depoimentos que as lapinhas foram citadas
constituindo-se como elemento histórico e fundamental para o Reisado. Como
36. 45
vemos em Cascudo (2002) “O Dia de Reis marca, especialmente no norte, o final do
ciclo do Natal, terminando as Lapinhas e os Pastoris com a “queima”, e os autos
tradicionais, a Folia de Reis, (...), exibem-se pela última vez” (p.580). Tal relato nos
mostra a semelhança desta com a que era realizada em Igara, visto que ambas
marcam o início do ciclo natalino com adoração ao Deus Menino e aos Reis Magos,
encerrando esse período com o Reisado no dia de Reis (06 de janeiro).
Notamos que há unanimidade nas falas dos idosos no que se refere à origem
dos Ternos através das lapinhas, bem como revelando a Zulmira, Ambrosina, Alvina,
Ana Ricardina, como pioneiras dessa manifestação no distrito. O Reisado de Igara é
muito antigo, onde a maioria de seus componentes já faleceu e os demais não
sabem exatamente o ano em que tudo começou, mas mesmo assim, essa
manifestação tem resistido e continua a ser realizada baseando-se na memória dos
mais velhos que contém os registros da festa de Reis como sua origem,
personagens, músicas, etc.
4.3.2 Deus vos salve casa santa, onde Deus fez a morada
Tradicionalmente, essa manifestação acontece nas ruas de Igara, onde
envolve toda a comunidade, que em sua maioria é de católicos e praticantes do
candomblé nessa comemoração religiosa de origem cristã. O percurso realizado
pelo cortejo do Reisado difere entre religiões, mas tem um ponto em comum, a
saudação na porta da igreja católica, fator que mostra claramente o sincretismo. “Os
rituais religiosos partem da porta das igrejas e locais sagrados, pretendem ordenar o
mundo de acordo com os valores que são ali representados com os mais básicos”
(RIBEIRO, 1994, p.136). Vejamos na fala do idoso 5-católico e na fala do idoso 9-
católico e praticante do candomblé como acontece o cortejo desses grupos.
“O cortejo acontece nas ruas do distrito principalmente as mais iluminadas,
sai da casa da pessoa que organiza, ou de um salão onde ensaia, passa
na igreja e salda na porta com o canto: Deus vos salve casa santa, onde
Deus fez a morada... E da igreja a gente saí pelas ruas cantando, aí a
gente arruma uma casa para cantar no final, e lá com as portas fechadas a
gente canta: Ô senhor dono da casa, abre a porta queremos entrar, nós
37. 46
viemos de tão longe somente para saldar... Depois é que o dono abre as
portas e a gente canta: O dono da casa ele é bom ele dá, garrafa de vinho
doce de araçá... Todos entram na casa e o dono dá um lanche,
refrigerante, suco. A gente é que escolhe a casa e lá termina” (I5).
“Nós, nós somos assim, porque todo o ano a gente vai para um lugar
diferente, então nós saímos de lá da casa dela da organizadora, vamos
para a porta da igreja lá a gente canta, aí da igreja a gente pega o ônibus e
vai para o lugar que a gente marcou o Reis. Nós já fomos para a Tapuia,
para a Barriga Mole, para a Andorinha, para o Sítio, para o Valente, para o
Clube do Gildo aqui na Igara, e outros lugares. E a gente já vai direto para
uma casa, não vai de casa em casa não. A gente sai da casa aqui, e se for
perto a gente vai a pé, se não a gente marca com todos, pega um ônibus e
todo mundo trajado, vestido aí vai. Chega lá canta o Reis na porta e a casa
já está preparada para a gente quando chegar, aí a gente entra, canta,
dança a noite toda” (I9).
Cascudo (2002) aponta em seus estudos, sobre o Terno de Reis, o roteiro
que este realiza:
(...) percorrem as ruas das cidades, os sítios e fazendas (...). Faz parte
desse roteiro a visita às casas, de acordo com um andamento previamente
determinado, que consta de chegada, pedido de licença (para entrar),
agradecimento (pela esmola ou comida recebida) e despedida (p.675).
Desta forma, notamos que o Terno citado por Cascudo (2002) também difere
dos citados pelos idosos 5 e 9 pois enquanto estes dois seguem o percurso somente
em parte, o que Cascudo (2002) nos traz abrange o roteiro de ambos. Embora os
percursos desses grupos sejam diferentes, eles acontecem anualmente com a
mesma finalidade, festejar os Santos Reis. Sobre os instrumentos musicais
utilizados nessa manifestação Cascudo (2002) nos diz:
O terno de Reis, também chamado Folia de Reis, Santos Reis, é
acompanhado por sanfona, rabeca, caixa. No Nordeste incluem-se os
pífaros e o triângulo. No Rio Grande do Sul, ao som da viola de dez ou
doze cordas, da rabeca, da gaita (acordeão) e do tambor, (...) (p. 675).
Assim, notamos que os instrumentos usados variam de região para região. E
em Igara não é diferente os músicos tocam os instrumentos que são típicos de
nossa terra como: timbau, caixa, tambor, pandeiro, violão, sanfona, triângulo,
zabumba, reque-reque, entre outros. As músicas cantadas são diversas falam da
ciganinha, da estrela, de Jesus, dos reis magos, da casa de Deus, do sertanejo, etc.
Através das entrevistas com os idosos, notamos que dos 16 entrevistados apenas
um ainda guarda algumas músicas escritas, sendo que os demais têm as músicas
somente em sua memória.
38. 47
Notamos também a utilização de algumas músicas diferentes entre os grupos
de Ternos, mas para o momento de saída, saudação na igreja, abrição de porta são
as mesmas. Para cada momento no Reisado há uma música específica, para sair da
casa da pessoa que organiza canta: O terno da cigana sai à rua, pra visitar a lapinha
de Belém, o pessoal na janela está dizendo, olha o terno da cigana como vem... Ao
chegar à porta da igreja canta: Deus vos salve casa santa, onde Deus fez a morada,
entre o cálice e a água benta e a hóstia consagrada... Ao sair da porta da igreja: É
uma hora vamo-nos embora, é o terno da cigana que já vai ganhar vitória...
Na rua cantam-se várias músicas como: Acorda, acorda sertanejo vem ver o
clarão da lua é o terno da cigana que saiu hoje na rua... Olha o clarão da nova
estrela na estrada de Belém, vamos adorar o Deus Menino que nasceu para o nosso
bem... Desperta povo que habita desperta povo que está agora aurora desperta por
um nobre brilhar... Estou cansada de andar na areia, estou cansada de na areia
andar a procura de uma cigana que saiu a passear... Ao chegar a casa onde é
finalizado o terno com as portas fechadas canta-se: Meu senhor dono da casa abre
a porta queremos entrar, nós viemos de tão longe somente para saldar... Depois de
a porta estar aberta segue a música: Me abre essa porta ascende o candeeiro, o
dono da casa tem muito dinheiro, o dono da casa ele é bom ele dá garrafa de vinho
e doce de araçá... No interior da casa cantam-se outras músicas, e na saída para
finalizar tem a música: No dia seis de janeiro que as ciganas vão cantar, bate palma
e pede bis, já foi noite de natal...
Como vemos a música é um elemento sempre presente nos Reis, e de
fundamental importância nas quais cada personagem encontra sua homenagem e
cada participante sua história. Como salienta Ribeiro (1994) “A expressividade
popular é sobretudo social e criadora de igualdade: o canto manifesta a fala grupal,
cheia de poesia e alegria, em contraste com a comunicação cotidiana, em que se é
obrigado a ouvir calado e obedientemente” (p.135).
Sobre a composição das músicas, trazemos o idoso 4 que representa 15 dos
entrevistados, e o idoso 6 que foi o único que soube falar sobre quem as compôs.
39. 48
“A gente não sabe quem inventou as músicas, porque quando a gente se
entendeu já existiam e cantavam aqueles versos” (I4).
“Quem inventava as músicas, era a Anália que hoje vive em São Paulo
irmã da Paulina, a Paulina que já faleceu, e a Definha que também já
faleceu” (I6).
O Reisado que é uma manifestação com muitas músicas é formado por
pessoas de toda a faixa etária enquadrando nesta os seus personagens. Assim, as
crianças saem de três Marias e de anjos; as moças de lua, estrela, bailarinas e
camponesas; os rapazes de sol, três reis magos, pastores e ciganos; e os adultos
em geral saem de ciganas, cigana do Egito, cigana mineira, cigana natural, rainha,
rei e dançarinas. Esses são os personagens mais comuns e em sua maioria citados
por católicos que demonstraram serem mais conservadores, porém na fala do idoso
9 que não somente é católico como também é praticante do candomblé notamos a
presença de figuras diferentes e a abertura para inovações, visando o crescimento
da manifestação. Eis a fala do idoso:
“Tem as dançarinas, tem a Maria Bonita, o Lampião, as ciganas, os
cangaceiros, a lua, a estrela, o sol, os anjos, o rei, a rainha. A gente quanto
mais figuras quer colocar para crescer mais a gente coloca e o Reis cresce
mais ainda, aí também vai do gosto da gente, né? Se às vezes a gente
quer que cresça mais o Reis, a gente vai modificando mais coisa
multiplicando os personagens” (I9).
As figuras são variadas, e a disposição dos participantes também varia de
Reisado para Reisado. Em todas as representações os lugares de destaque são
destinados ao rei, a rainha, ao sol, a lua e a estrela. As roupas dos participantes são
ricamente enfeitadas com babados de papel crepom, flores, espelhos e muita areia
prateada.
4.3.3 Meu senhor dono da casa abre a porta queremos entrar
No que se refere à sexta pergunta, “Desde quando você participa do
Reisado? De quando você começou a participar do reisado até hoje, houve alguma
mudança no mesmo? E o que contribuiu para essa mudança?” Destacamos dois
grupos que são representados com as falas a seguir:
40. 49
“Foi o terno que foi para Bonfim e eu participei, foi em 1966 foi o primeiro, o
ano em que eu me casei. Houve mudança sim, nos personagens que eram
moças e rapazes e hoje são mais crianças e adolescentes porque os
outros não querem mais. Acho que é o tempo hoje, pois eles pensam de
outro jeito e a televisão contribui para isso, o povo era mais são, santo.
Hoje o povo não quer mais, misturam o santo com profano, muitos vão
para mangar” (I1).
E em outro momento, como forma de desabafo o idoso 1 torna a dizer:
“É hoje está tudo diferente, antes era só cristã, muito bonito, sagrado. Mas
agora também estão fazendo outros, o do (...) e o da (...) e saem aí, mas é
diferente não é como eles fazem, eles colocam soldados e os personagens
que não tem, e misturam as coisas o candomblé no meio, mas não pode
não é assim” (I1).
“Desde criança. Agora a gente já não faz como era antes, precisa de
material o povo não quer mexer no bolso, quer ir atrás do prefeito, antes a
gente colocava a mão no bolso só precisava dizer como era a roupa. A
falta de participação. Agora a gente só chama as pessoas quando sai da
igreja e na rua improvisado sem as roupas de terno, forma um grupo e vai
a casa onde tem um presépio e canta. Não sei por que não vão, a gente
chama e colocam dificuldades são adultos, crianças. E também precisamos
de pessoas de responsabilidade para fazer, só vão quando é assim com
roupa comum. E os jovens não valorizam os conhecimentos do passado, e
agora com tanto conhecimento é internet, televisão aí eles acham que são
os donos da verdade” (I5).
“Eu era nova, eu estou com 79 anos e já vou fazer 80 anos agora em
outubro e desde quando eu era moça já participava. Era de 12 anos acima
que a gente participava, era uma velha que colocava as lapinhas e
chamava a gente e a gente participava. Não tem mudança, a mesma coisa.
Vamos para as caatingas, entra nas casas” (I3).
“Eu comecei a participar com uns 40 anos e quando eu era mais nova eu
não ligava muito não, mas depois que eu fiquei assim mais velha foi que eu
me influí, mas quando eu era mais nova eu não me influí muito não. Eu
acho a mesma coisa, mesmo jeito, para mim né, o mesmo jeitinho não tem
diferença nenhuma” (I9).
Os idosos 1 e 5 representam o primeiro grupo que mostra tristeza e
indignação ao afirmar que o Reisado sofreu mudanças ao longo dos anos.
Apontando também os fatores que influenciaram tais mudanças percebemos que a
participação das pessoas nessa manifestação popular vem diminuindo a cada ano,
mas um grupo pequeno de participantes insiste em continuar essa tradição que para
eles é muito forte e esforçam-se para fazer sua continuidade. Percebemos também,
que esse grupo composto de católicos e evangélicos sabendo que o reisado foi
introduzido no Brasil através do catolicismo e que por este sempre foi realizado, não
considera como legítimo o Reisado que é feito por católicos, espíritas e praticantes
41. 50
do candomblé. Visto que o grupo um considera essa manifestação como sua, e os
demais grupos onde a presença do sincretismo é mais forte como sendo invasores.
O segundo grupo representado pelos idosos 3 e 9 é formado por católicos,
espíritas e praticantes do candomblé que novamente nos mostra a presença do
sincretismo, pois sendo o Reisado uma manifestação católica já é realizada por
outras religiões. Diferente do grupo anterior, este não atribui nenhuma mudança ao
Reisado, e não age com indiferença com o Reisado realizado por outro grupo
religioso, mostrando-se mais forte, conquistando a cada ano um maior número de
participantes, pois hoje já são dois grupos de Reisados diferentes que saem as ruas
de Igara dirigidos apenas por pessoas deste segundo grupo.
Vale salientar que os componentes do segundo grupo não atribuem mudança
ao Reisado, no entanto, sua própria religião mudou, pois sendo estes praticantes do
candomblé, não realizavam a festa de Reis, mas nos últimos anos eles incorporaram
essa manifestação do catolicismo de forma que já sentem a mesma como parte de
sua identidade. Sobre esse processo de sincretismo do candomblé Ortiz (2006) vem
nos esclarecer:
O candomblé tende a manter uma tradição fixada nos tempos passados.
Esta dimensão de preservação da tradição se manifesta na sua estrutura
de culto assim como na ênfase que se dá à transmissão oral do
conhecimento. (...) Não se pode, porém, pensar o processo de
rememorização como sendo estático, a tradição nunca é mantida
integralmente. O estudo dos cultos afro-brasileiros mostra a existência dos
fenômenos de aculturação e sincretismo que indicam precisamente o
aspecto das mutações culturais. (...) A memória coletiva africana retém da
hagiografia católica aqueles elementos que têm alguma analogia com os
orixás sincretizados. (...) Tem-se assim que a memória coletiva se preserva
inclusive no momento em que dinamicamente o sincretismo se estabelece
(p.132-133).
Pode-se dizer que o sincretismo acontece não somente no candomblé como
também nas demais religiões, quando percebemos a presença da festa, da reza, o
festivo e o religioso manifestando-se na alma humana. Podemos dizer também que
o catolicismo é predominante no reisado, pois mesmo com aparente
enfraquecimento dos Reis dirigidos por o primeiro grupo formado por católicos, os
componentes do segundo grupo além de se declararem como tendo outra religião
também se declaram católicos, constituindo assim a maioria.
42. 51
O brasileiro é um povo católico. Isto também faz parte da identidade
brasileira, apesar de o catolicismo não ser brasileiro. Vale, entrementes, a
afirmação de que o brasileiro é católico, e o é estruturalmente para além da
fé católica institucionalizada. Tal catolicismo quase pode ser confundido
com o espírito de religiosidade do brasileiro (RIBEIRO, 1994, p. 57).
O Reisado desde sua origem em Igara era mais conhecido como “As
Lapinhas” e “Terno de Reis” atualmente só existe uma lapinha que é realizada pelos
católicos na casa onde se canta o Terno de Reis. Como nos mostra a fala do idoso
15:
“Hoje a gente vai assim mesmo com essas roupas, canta na lapinha da
igreja e vai para a casa de alguém que tem lapinha, lá a gente canta, come
pipoca o que derem e em seguida a gente fica cantando e lembrando os
Ternos de antes, como era bom. Teve esse ano e agora está sendo assim”
(I15).
Notamos assim, que à medida que o Reisado do segundo grupo cresce, o do
primeiro tem enfraquecido, pois dos vários Ternos que saíam no passado, resta
apenas um que foi citado acima pelo idoso 5. Como justificativa para essa
desintegração além dos fatores de mudança citados pelos idosos 1 e 5
anteriormente encontramos um outro na fala do idoso 1.
“Há dois anos não faço o Terno, um porque meu pai morreu, e o outro
porque morreu a filha de outra organizadora. Mas se Deus quiser não vai
morrer ninguém e no próximo ano eu faço” (I1).
O falecimento de parentes, participantes e/ou dirigentes do Reisado tem sido
mais uma causa do enfraquecimento dessa manifestação no distrito, sendo que hoje
há apenas três grupos de Reisado em Igara. Observamos assim, que a memória
cultural é atualizada na interação social, mas sem esses agentes culturais não há
memória e o Terno regride. Assim, na manifestação cultural popular os participantes
têm funções diferenciadas o que permite a manutenção da tradição, mas a ausência
de um desses componentes pode comprometer seu futuro. Como nos mostra Ortiz
(2006):
Isto implica considerar que a memória coletiva deve necessariamente estar
vinculada a um grupo social determinado. É o grupo que celebra sua
revificação, e o mecanismo de conservação do grupo está estreitamente
associado à preservação da memória. A dispersão dos atores tem