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3 TRAJETORIAS DOCENTES: A ESCOLHA DA PROFISSÃO – PROFESSORA? POR
QUÊ?
[...] diferentes trajetórias e distintos momentos (...) Histórias no plural; formas de falar a vida (fora ou dentro da escola)
no plural; maneira de mudar essa vida no plural também. E é nesse plural que reside à singularidade que faz de nós
seres humanos, que nos permite descontinuar para continuar. ( KRAMER, 1994, p.199)
A escolha da profissão de professor (a) está relacionada a uma diversidade de relações
(plural) que marca o percurso da vida escolar de modo muito singular. Cruzam-se acasos,
circunstanciais e coincidências que vão se construindo nas trajetórias e selecionando escolhas.
A leitura dos relatos de histórias de formação das professoras da creche, referente ao eixo
trajetórias docentes, possibilita a aproximação de como cada uma dessas professoras, a seu modo, e
do lugar que privilegiou falar, abordam processos que estão envolvidos na constituição do “ser
professora”, “a escolha da profissão”, “porque ser professora”.
Ao analisar fragmentos dessas falas, passo a observar que o cotidiano escolar dessas
professoras não são seus unicamente, mas são nossos, porque neste cotidiano da prática docente
parece estar as experiências vividas de toda uma geração que se educou e educou desde as últimas
cinco décadas. Assim, vejo que o “ser professora” se constitui historicamente, ou melhor, o
processo em que um sujeito se torna professor (a) é histórico, mesmo sem o pretender, pois assim
como Kramer (1994) sinalizou acima, é no plural que se constitui o singular.
Essas professoras, nas relações sociais de seu tempo, ao se constituírem em professoras
vão se apropriando das vivências,
[...] práticas intelectuais, de valores éticos e das normas que regem o cotidiano educativo
e as relações no interior e no exterior do corpo docente. Nesse processo, vão construindo
seu “ser profissional”, na adesão a um projeto histórico de escolarização. (FONTANA,
2000, p.48)
Sendo assim, torna-se pertinente à questão: quais são os fatores históricos-sociais que
determinam a escolha pela profissão de professora? Por que mesmo com a desvalorização
salarial que o magistério está vivenciando existe um número significativo de mulheres que o
procuram? Estas questões já vêm sendo abordadas há algum tempo por pesquisadores na área da
formação de professores, sendo possível elucidar muitos argumentos e até mesmo ampliar o
conhecimento do espaço sociocultural que envolve a mulher professora e sua relação com a
educação. Nos capítulos anteriores, já mencionei alguns elementos que justificam o magistério,
como escola prioritária do sexo feminino, principalmente por ser somente no século passado que
o ensino tornou-se extensivo a todos, inclusive às mulheres. Remetendo-me às professoras,
dessa pesquisa, o que as levou a escolha de ser professoras revelam a “vocação” como um
discurso conclusivo:
93
“Cursei pedagogia com habilitação em pré-escola e séries iniciais e pós-graduação na
mesma área. Não poderia ser outra coisa á não ser professora. Acredito sinceramente
que esta é a minha vocação, pois desde criança nunca sonhei ou idealizei outra coisa”.
Professora Ivana.
“[...] meu pai me matriculou... depois de uma longa conversa com meus pais, optei pelo
magistério... quando você casar pode trabalhar em um período só, dá tempo para cuidar
da casa, do marido e dos filhos.Professora Andréia Pruner
A questão da escolha de ser professora pode ser identificada, nestes fragmentos, na
medida em que a vocação surge como uma das principais justificativas pela escolha, bem como a
influência dos pais, ficando expresso um discurso “naturalista” da vocação. Neste sentido, o
magistério é visto como profissão que não recebeu influência externa. Também outras professoras
fizeram menção à existência de certo tipo de herança familiar na escolha da profissão, ou seja, a
influência da mãe-professora, como é o caso das professoras Beatriz, Elizângela e Elly Simone,
respectivamente:
“No segundo grau, optei por cursar o magistério por influência da minha mãe que era
professora e também pelo fato de gostar da companhia das crianças”.
“ Minha vida escolar teve inicio somente com a entrada na primeira série. Minha mãe
era professora...”
“Fui aluna desde o berçário da minha mãe que era professora... e fui incentivada pela
minha tia e outros parentes a tentar o vestibular da Acafe e cá estou hoje (professora)...”
Poderiam estas professoras me perguntar que mal haveria no fato delas terem tido essa
influência? A questão não está propriamente em “seguir o exemplo da mãe”, mas desejo ressaltar
como nossos comportamentos vão sendo reproduzidos e produzidos em um contínuo processo de
significações. Assim, Rosemberg (1982, p.10) comenta sobre a crescente escolarização da mulher
nos últimos anos, mas, paradoxalmente, observa que:
[...] apesar da expansão da sua escolaridade, as mulheres e os homens continuam
seguindo carreiras diferentes. De uma forma constante através dos anos e de uma forma
sistemática na história individual dos estudantes, as mulheres tendem a seguir cursos
impregnados de conteúdos humanísticos e que desembocam, imediata ou posteriormente,
em profissões tipicamente femininas, entre elas o magistério.
Admito que exista uma possibilidade de autonomia do sujeito frente aos padrões
culturais, entretanto, essa autonomia só será conquistada a partir de um espaço reflexivo sobre
diversos fatores responsáveis pela padronização dos nossos comportamentos.
Então, estas falas permitem pensar o magistério como uma atividade de amor, de doação,
de gostar de crianças, ou seja, a realização da ação docente tem como pressuposto a “vocação”.
Este discurso ao longo do tempo, fortaleceu o abandono dos homens nas salas de aulas,
principalmente na educação infantil, sendo que este fato caracterizou-se, também, como a forma de
legitimação da entrada das mulheres na profissão, visto também como a entrada desta no domínio
94
público. O magistério passa então a ser associado a características “tipicamente femininas” como:
paciência, afetividade e doação. Características estas que se articulam à tradição religiosa da
atividade docente, enfatizando assim a idéia de que a docência constitui-se mais enquanto
“sacerdócio” do que profissão. Este pensar sobre o modo de ser professora como “trabalhadora
dócil, dedicada e pouco reivindicadora” é o que mais tarde surge como forma de justificativa para
os baixos salários, dificultando as discussões a respeito da profissão de ser professora.
Nessa análise, observa-se que os relatos estão carregados das marcas sociais e culturais do
lugar em que vivem, pois mesmo nos cursos de formação é fortalecido o discurso da prática
docente como sendo feminino voltado à vocação, afetividade, estudo, qualificação, provisoriedade,
autonomia, paixão, disponibilidade, amizade, criatividade, sacrifício, conquista, luta, etc. A
afetividade é destacada por estas professoras como um dos atributos mais importantes para exercer
a função de professora na educação infantil. Acentuam a necessidade da privacidade familiar e o
amor materno como indispensáveis ao desenvolvimento físico e emocional das crianças, aparecem
assim o desejo de cursar Psicologia, não sendo possível talvez a Pedagogia preencha esta vontade,
atendendo ainda o desejo dos pais, conforme relata a professora Priscila, acreditando ter feito a
escolha certa.
“[...] meu desejo era cursar Psicologia, recordo claramente de uma psicóloga que
aplicava testes vocacionais, nos ajudando a identificar uma possível melhor escolha.
Então prestei vestibular pela 2 vez , novamente não me classifiquei. Em meu 3 vestibular
optei pelo desejo de meus pais e minha segunda opção, prestando assim vestibular para
Pedagogia... Cada dia que passa tenho certeza de que fiz a escolha certa, pois amo o que
faço e principalmente as crianças... [...] das profissões que um dia queria aprofundar-
me, como ser uma pediatra ou uma psicóloga, o meu ideal seria trabalhar com crianças.
Na fala desta professora há resquício, ainda, compartilhado pela sociedade
contemporânea, ou seja, o projeto burguês para a mulher permanece. Desta maneira, para as
mulheres serem predominantes em sala de aula da educação infantil a questão de gênero é
predominante. Assim, para o magistério legitimar-se socialmente, “precisa tomar de empréstimo
atributos que são tradicionalmente associados às mulheres, como amor, sensibilidade, cuidado, etc.
para que possa ser reconhecido como profissão admissível ou conveniente”. (LOURO, 1997, p. 96-
97)
Percebe-se que, apesar dos percursos serem singulares, há evidências de que a escolha de
ser professora não é um fato decorrente de uma escolha livre de pressões, mas sim, produto de
imposições e determinações valorativas de classe e gênero1
. Neste sentido é perceptível que
algumas escolheram ser professora devido a necessidade de se profissionalizar em curto prazo com
1
Conferir esta idéia na pesquisa de Belmira Bueno: “Autobiografia e formação de professores: um estudo sobre
representações de alunas de um curso de magistério” (1996)
95
pouco investimento financeiro e encontraram algumas vantagens que outras profissões não
oferecem. Assim, relatam que de principio não tinham como escolha ser professora, desejavam
outros cursos, trabalhavam no comércio sendo a remuneração mais atrativa:
“[...] sempre tive vontade de cursar Direito, mas não foi possível. Então continuei com a
Pedagogia. Sempre gostei de crianças e acreditei que era possível fazer algo que
gostava. Sem falar que não trabalhava aos sábados e com aquela idéia de dois meses de
férias. Além de prazeroso seria vantajoso.Professora Elisângela
“[...] minha mãe dava força para fazer o magistério, mas aquela história professor
ganha pouco e eu tinha arrumado um estágio de dois anos no Besc, então fiz Técnico em
Administração. Quando terminei o segundo grau, resolvi ficar um ano sem estudar,
estava trabalhando na Collci, nessa época. Então, no ano seguinte, fiz cursinho pré
vestibular no Potencial e prestei prova para Comércio Exterior, fui chamada mas não fiz
a matricula. Queria fazer pedagogia, mas o lado financeiro me decepcionava. Então fui
trabalhar na Pega Mania e depois de pensar muito fiz o vestibular para Pedagogia,
passei e comecei a cursar[...] Professora Anelise.
“[...] quando cheguei no ensino médio, resolvi fazer o magistério. Fiz, mas não tinha
muito interesse em seguir carreira. O que eu queria mesmo era trabalhar em escritório.
Quando me formei no magistério, fui trabalhar no escritório das Lojas HM. Não
satisfeita com o trabalho, minha irmã estava grávida e precisava de alguém para
substituí-la quando ganhasse nenê. Ela foi já no escritório e mandou eu pedir a conta.
Pedi e fui trabalhar no lugar dela na... Deste dia em diante não parei mais ... não foi
“eu”quem escolheu ser professora de educação infantil e nem creche. Tudo foi
acontecendo. Primeiro fiz o magistério, mas não queria seguir a carreira, pois queria
trabalhar em escritório, mas como não estava me adaptando, minha irmã mais velha
(hoje aposentada) era professora e estava grávida, quando foi falar comigo para eu sair
do meu trabalho para substituí-la Não pensei duas vezes. Acho que chegou a hora de
mudar.Experiência nova e me identifiquei com a educação infantil.”Professora Sônia.
Neste relato, a professora destaca o dom inato, ainda que não expressa claramente, porém
quando afirma “tudo foi acontecendo” demonstra a naturalização da função, pois assim como sua
irmã foi professora é natural que seja também. Outra professora destaca o curso de Pedagogia
como a decisão de ser professora:
“[...] quando comecei o 2ª grau, decidi fazer Ciências Contábeis... quando terminei o 2ª
grau parei de estudar, não queria fazer faculdade, pois em Brusque não tinha nenhuma
que eu me interessava, e fiquei quatro anos sem estudar. Comecei a trabalhar na
Companhia Industrial Schlösser S/A... quando resolvi sair da empresa, já estava
cursando a faculdade de Pedagogia e tinha decidido trabalhar como professora.”
Professora Siomara.
A professora Naide demonstra a importância que tinha a professora em seu lugar social,
tanto que sua mãe incentivou a seguir este caminho. O nível de satisfação em aceitar a sugestão de
sua mãe em relação à profissão se deve a ascensão social obtida em relação à sua família de
origem, se não em termos de quantidade de capital econômico, ao menos no que toca à maior
quantidade de capital cultural adquirido pelo aumento do nível de escolarização, do fundamental
para o superior :
96
“[...] minha mãe disse para fazer o magistério, pois era uma profissão muito importante
e valorizada. Então lá fui eu...Tive aulas de Psicologia com a Dona Ude, que hoje é a
Reitora da Unifebe. Era um curso legal, acabei gostando pelo menos me livrei dos
cálculos. Gostava de fazer os trabalhos, de ler as apostilas, mas sempre muito
tímida...[...] prestei o vestibular para Administração como 1 opção e Pedagogia como 2
opção. [...] passei em Pedagogia para minha revolta.. [...] o tempo passou e fui tomando
gosto pela faculdade... ” Professora Naide
O valor do magistério é decorrente da trajetória social desta professora, pois ao que tudo
indica, conforme outro depoimento “é que me sentia um Bicho do mato do interior na cidade grande”, vivia
em uma cidade que a grande maioria trabalhava com a terra, eram agricultores, portanto, ser
professora neste lugar social representava status. Além de desenvolver uma função importante,
estaria longe dos cálculos, nestas circunstâncias ser professoras seria uma boa escolha.
Esta facilidade e simplicidade de raciocínio que marcou a tomada de decisão quanto à
escolha de ser professora, aparece desenhado na memória de outra professora: “[...] sempre gostei mais
das aulas de português, história, Geografia etc. do que das ciências exatas. Esse foi um dos motivos que me levou a
cursar o 2ª grau Magistério”Professora Elisângela. Parece, assim, que a escolha em cursar o magistério
resulta do insucesso em outras tentativas, seja financeira ou ainda de conhecimento, como é o caso
de não se identificar com cálculos, as ciências exatas. Neste sentido, o diploma de magistério se
torna útil e funcional. Estas perspectivas estão relacionadas ao status profissional e à pouca
legitimidade de que goza o magistério, valores estes socialmente atribuídos a esta profissão e que
estas contribuem para o reforço de maneira inconsciente, pois faz parte do projeto de escolarização
das depoentes.
No entanto, segundo seus relatos, após ingressarem no magistério, estas passaram a gostar
da experiência e acreditam ser esta realmente a “vocação”, romantizando então a profissão.
Variados relatos evidenciam uma visão romântica da profissão, como se pode verificar nos
excertos retirados das entrevistas.
“[...] acredito, após ouvir diversas colegas, diretoras, etc que sou professora para os
pequenos. Sou mesmo, pois amo trabalhar com eles.”Professora Elly Simone
“Então fui trabalhar na Unimed Cooperativa de Trabalho Médico, no setor de serviço
social. Fiquei nesta empresa por dois anos e meio e lá tive certeza que queria ser
professora, pois o serviço social (através dos projetos) me revelou que poderia ser uma
boa educadora.” Professora Siomara.
“[...] pude contribuir e dar a minha parcela de amor, carinho e educação, cuidados e
muitos abraços, beijos e sorrisos.” Professora Naide.
97
Estas professoras protagonistas desta pesquisa são jovens professoras, algumas já são mães
com experiências, outras não, percursos, tempos diferentes, o que exige atenção na análise, pois
constituem um grupo com diferentes histórias de como escolheram ou foram “escolhidas” para
exercer a prática docente na Educação Infantil e que se assemelham, por vezes, pois fazem parte do
mesmo projeto de escolarização. Assim, o que as levou a ter esta escolha ou serem escolhidas
repetem em seus relatos o ambiente de familiaridade, de afetividade, quase que ausência de
competição, de exigência, que se vivia na escola, então afirma a professora Ana Paula:
“Procuro estar sempre de bem com todos os meus alunos, ter uma relação de respeito e
muito afeto, gosto de tê-los sempre ao meu redor” e a professora Elly Simone continua:
“[...] não sei, mas acho que é minha vocação cuidar dos pequenininhos, amo acariciá-
los, sentir o amor deles pela professora, ensinar a falar, acalmar seus medos e receios.”
Poderia inferir que além de analisar os motivos de escolha em relação ao ser professora,
hoje já está mais presente que mulheres desejam profissionalizar-se. As razões são muitas, entre
elas as
decorrentes das mudanças sociais, econômicas e culturais que marcaram o momento
atual, entre as quais a expansão dos meios de produção, maior necessidade de mão-de-
obra e de escolarização, maior apelo ao consumo, o papel dos meios de comunicação
criando e transmitindo novos valores e necessidades, movimentos reivindicatórios em
prol de direitos sociais e cidadania, o controle da natalidade, novos papéis e funções a
serem desenvolvidas pela mulher. (BUENO, 1996, p. 98-99)
Assim também relata a professora Siomara:
“Pretendo continuar sendo professora nos próximos anos, a experiência foi muito
gratificante. Quero me profissionalizar mais, fazendo uma pós-graduação em educação
infantil... Tenho muita força de vontade, e isso ajuda a sempre querer mais, saber mais.
São pequenos gestos, pequenas demonstrações que fazem valer todo o nosso esforço de
fazer uma faculdade, uma pós-graduação etc...”
É neste contexto que estas professoras vão se constituindo professoras, porém há a
possibilidade de autoconhecer, de criticar-se, optando por outro processo de se fazer professoras,
assim como propõe FONTANA (2000, p. 48),
[...] somente o distanciamento da experiência imediata e o confronto com outras
perspectivas emergentes na prática social tornam possível a esse individuo perceber-se no
contexto em que se foi constituído professor (a), analisar a emergência, a articulação e a
superação das muitas vozes e das categorias por elas produzidas, para significar os
processos culturais e então criticar-se ( ou não) e rever-se ( ou não), aderindo ( ou não ) a
um outro projeto de escolarização.
Nesta perspectiva, a professora Andréia Ristow relata:
“[...] Sabemos que a visão sobre a educação infantil na sociedade ainda é muito
“atrasada”. Embora já tenha conseguido ser amparada por lei e reconhecida como
primeira etapa da educação básica com gratuidade e não obrigatoriedade. Muitos ainda
têm a visão apenas do cuidar principalmente em creches. Sentimos isso todos os dias,
onde os pais ainda preocupam-se com os cuidados, alimentação e higiene. Mesmo que
98
conversamos, explicamos e os envolvemos nos projetos educativos, ainda não são a
grande parte que muda a sua concepção de educação infantil como primordial para o
desenvolvimento global da criança. Mas não vamos desistir, pois cada vez mais lutamos
para conseguir que a sociedade, os pais entendam e valorizem o trabalho na educação
infantil. Sempre trabalhei com maternal e jardim I e II, mas o que sempre me identifiquei
foi com a turma de 0 a 3 anos ( integral), o trabalho em creche, embora não seja
valorizado externamente, é muito gratificante e nos preenche, pois temos mais tempo com
as mesmas crianças onde conseguimos criar um vínculo afetivo maior, ajudando-os
assim no dia-a- dia em nossa prática pedagógica... Acredito ser por estas questões a
minha escolha pela educação infantil e preferencialmente por turmas de creche onde sei
que elas têm potencial a serem explorados e podemos contribuir para que o
desenvolvimento ocorra.” Professora Andréia Ristow.
Ao que tudo indica esta professora, entre outras, vem acompanhando a busca da
construção de outra maneira de se ver professora da creche, ou seja, a sua função. Recentemente,
vem se discutindo sobre o atendimento da infância no Brasil, como já demonstraram Kulhmann Jr.
(1999) e Bujes (2001), estes entre outros pesquisadores afirmam que em relação a atividade
educativa da creche vêm tomando espaço o movimento em relação ao profissional que nela atua.
Esse “deslizamento” da função do atendimento centrado no “cuidar” para o “educar” vem
provocando muitos debates acerca da relação doméstica e educação. Mas, nesse espaço
educacional, chamado creche, quando se tem apenas a função de substituir a família, torna-se uma
dificuldade problematizar como um espaço educativo que não meramente assistencialista. No
entanto, já se percebe, novas políticas públicas para a educação infantil, então, talvez comecem a
emergir propostas de qualificação e escolarização desses profissionais também em serviço, ou seja,
a formação contínua, que se constitui em um avanço sobre a função do profissional desse segmento
de ensino, pensando em um outro projeto de escolarização para esta profissional, que envolva a
reflexão sobre a sua constituição como professora.
Diante destes depoimentos, é possível considerar os relatos de história de formação das
alunas/professoras como uma representação, em seu caráter constitutivo, pois as idéias que as
professoras têm sobre gênero, sua condição social, idade... não são apenas o modo como expressam
os significados atribuídos, mas formas de produzir a prática docente na educação infantil, neste
sentido faz-se necessário incluir nas políticas públicas para este segmento de ensino o trabalho com
memórias. Busco então auxílio em Foucault (1993) em seu artigo intitulado A escrita de si (p.135 –
150), quando ele analisa alguns procedimentos de enunciação biográfica e mostra sua validade para
as artes de si mesmo. Uma conclusão que chego após sua leitura, é que a escrita de si é sempre uma
forma de constituir uma representação de si, seja pela enunciação do visível, seja pela descoberta
do invisível. Entretanto, a despeito dela consistir, em si, em uma representação, sua utilidade reside
no fato de poder, ao repensar a trilha dos acontecimentos, alimentarem o potencial de diferenciação
de si mesmo. Ou seja, ao escrever sobre si, as professoras registram as marcas subjacentes a um
99
estado de ser atual. Isso é importante à medida que se recupera a potencialidade destas marcas e, de
certa forma, estas se predispõem ao atravessamento pelas forças vivas do mundo, pelos
acontecimentos. Ao serem atravessadas pelo acontecimento, a estabilidade se abala e, tendo
vivificadas as memórias, elas tem disponível o potencial de vir a ser algo diferente do que tem sido.
No entanto, a professora Kelli afirma que sua escolha na profissão de professora se
definiu com o nascimento do seu filho:
“[...] o nascimento do meu filho Lucas foi um momento marcante em minha vida,
despertou em mim o desejo e a necessidade de me dedicar à criança desta faixa etária,
conhecer seus anseios, suas limitações, suas necessidades, seu potencial... quando somos
mães, conhecemos verdadeiramente a necessidade de afeto que uma criança pequena
precisa para sentir-se bem no ambiente escolar, pois aqui será a sua 2ª casa!”
Isto justifica que em decorrência da feminização, a professora passou culturalmente a se
relacionar com a professora-mãe, com a conotação de ter que cuidar de crianças, das exigências de
meiguice, docilidade, paciência... Tais características são percebidas em nossa sociedade como
pertinentes ao sexo feminino, sendo representada como uma professora ideal, dotada de expressão
afetiva e obrigações morais, conforme relata a revista Veja na década de 70, mostrando como
durante todas estas últimas décadas a professora vem se construindo, ou se desqualificando, pois as
pesquisas realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos2
já revelavam o despreparo
das jovens professoras recém-formadas nas escolas normais.
2
Ministério da Educação e Cultura, 1970.
100
FIGURA 3 – Imagem retirada da revista Veja de 1970
Ziraldo (1995) contrapondo-se a esse tipo de professora idealizada escreve o livro:
“Uma professora muito maluquinha”, editado pela primeira vez em 1995, conta a historia de uma
professora apaixonante que se torna fundamental na vida de seus alunos. Define sua professora
inesquecível de maluquinha, pois suas características são diferentes desta anterior citada: “tinha o
sorriso solto, parecia com a Rita Haywort, era dinâmica, criativa e desvendava junto com os alunos
os mistérios da linguagem...”.
101
É pertinente pensar se algumas dessas professoras, quando concretizam a escolha de ser
professora se basearam num modelo de professora inesquecível de Ziraldo, uma maluquinha, ou se
basearam mais com o modelo de professora ideal divulgada na década de 70 pela revista Veja.
Então, do refrão popular já muito cantarolado até por professoras, as quais por vezes se
orgulhavam em ouvir “Que saudade da professorinha que me ensinou o b-a-bá à história da
professora maluquinha há uma distância. Distância essa que no percurso da vida escolar dessas
professoras aqui registrado permite identificar quatro categorias referentes à escolha de se tornar
professora: vocação, influência da mãe-professora e demais pessoas da família, gênero, a entrada
no magistério e no curso de Pedagogia, por meio de suas professoras com seus modos de ministrar
as aulas.
Esta última categoria, a entrada no magistério e no curso de Pedagogia é determinante
para a escolha de ser professora, que se concretiza em detrimento das outras categorias citadas,
pois quando uma das professoras afirma “foi muito rico o aprendizado” permite inferir que os (as)
professores (as) ensinavam bem. Portanto, para a professora Kelli, o ingresso no Magistério foi a
decisão de ser professora, lembrando que já anteriormente ela afirma que a chegada do filho define
esta escolha, alegando agora que no magistério aprendeu muito, enquanto que o curso de
Pedagogia deixa a desejar:
“[...] Quando cheguei no magistério onde eu resolvi ser professora, não tive muito
incentivo, pois eu trabalhava no escritório de uma transportadora. Os familiares e
amigos achavam o fim do mundo, sair do escritório para trabalhar com criança pequena:
ouvir choro, trocar fralda, etc...[...] eu não estava realizada sempre tive vontade de fazer
uma faculdade, [...] o magistério, onde aprendi muito, foi muito rico o aprendizado
comparando com os dias atuais de hoje que estou na faculdade.O professor Nelson, um
ótimo professor de didática [...] consegui uma vaga de auxiliar (apoio) no “Centro de
Educação Infantil Tia Ana”. Foi um ano muito bom, não encontrei muitos problemas,
pois como eu era mãe, deu para tirar de letra. Estou apaixonada de trabalhar com
crianças dessa faixa etária.
Há professoras que enaltecem o curso de Pedagogia, outras demonstram que o curso
pouco contribuiu para a vida profissional, como é o caso desta professora.
Ao analisar estas falas, volto a pergunta inicial, o que leva essas mulheres a escolherem o
curso de Pedagogia e se tornarem professoras, se mesmo, por vezes, o curso apresenta falhas, e
conforme já foi sinalizado há a desvalorização salarial e por conseqüência, certo desprestigio
social, conforme os familiares da professora Kelli observaram, afirmado ser o “fim do mundo” sair
de um trabalho intelectualizado para cuidar de bebês.
Neste viés, faz-se necessário analisar como o curso de Pedagogia está construindo ou
desconstruindo os motivos da entrada das alunas, como está auxiliando as professoras no fazer
102
docente, afastando ou confirmando o discurso da profissão professores como uma missão, um
sacerdócio.
Esta análise será visualizada no item a seguir quando as professoras relatam o processo de
formação inicial e contínua. Assim, continuarei a busca de desvelar, por meio dos relatos de
história de formação, o processo através dos quais as professoras constituíram um estilo didático,
uma vez que, como já foi dito, ninguém se forma no vazio.
Será que há professores (as) guardados na memória dessas professoras e que despertou o
interesse por esta profissão? A depoente Elly Simone justifica a sua decisão final às professoras do
curso de Pedagogia, afirmando que para continuar na profissão deu continuidade aos estudos,
fazendo uma especialização na área. Então ela recorda:
“[...] o curso de Pedagogia me fez um bem danado, pois até então eu era tímida e
reservada... a professora Maria de Lourdes (Udi)... admirava e desejava ser como ela e
como a professora tão querida e especial, D. Bernadete Fischer; que na época era
Diretora do colégio Dom João Becker e me ofereceu meu 1ª emprego como professora
substituta. Como sei que a profissão exige, resolvi fazer um curso de pós-graduação, o
qual me incentivou e me ajudou ainda mais para que continuasse nessa profissão.”
Assim como Elly Simone, provavelmente, outras professoras guardam na memória
professores (as) que pela forma de lecionar, de ensinar na sala de aula possibilitaram mudanças na
vida, pois passaram a se conhecer melhor, ao mesmo tempo em que oportunizaram um modo de ser
diferente que traz a sensação de prazer, alívio, conquista, que por sua vez define a escolha de ser
professora. Quando a professora em seu relato afirma que o curso de Pedagogia “lhe fez um bem
danado” isso permite inferir que as professoras citadas por ela possibilitaram uma mudança no jeito
de ser que ao tudo indica ser provocada pela estruturação da estrutura estruturada/estruturante
denominada aqui pelo “modo de ensinar”. Durante os capítulos anteriores, venho afirmando que
essa estrutura opera o habitus professoral bem-sucedido, e que esse, por sua vez, pode passar por
reestruturação, como no caso deste relato acima, pelo modo como a aluna era tratada pelas
professoras e como ministrava as aulas, a tal ponto destas professoras possibilitarem a vencer o
obstáculo da timidez. Assim, mais uma vez mostro que as experiências vividas durante a história
de formação são reveladoras dos meandros das práticas pedagógicas.
A escolha da profissão para estas professoras passou por momentos de dúvidas,
oscilações, que podem ser lidas, por um lado como um espaço de autonomia desta professora, uma
possibilidade de elaboração do próprio projeto de vida. Porém, observa-se, por outro lado, a
escolha não é livre, a tomada de decisão foi marcada, em geral, por influências da família e da
escola. A influência familiar se dá através da orientação dos pais ou porque tinha algum parente
(mãe ou tia) professora. O peso do meio escolar aparece através da identificação com alguns
professores marcantes. A entrada no magistério e no curso de Pedagogia define a escolha de ser
103
professora por ser legitimado para a formação de professores, sendo que a especialização, vista
como formação contínua, contribuiu para permanecer no exercício da prática docente. São fatos
que relativizam a autonomia do sujeito, que acaba por fazer suas escolhas de frente ao leque de
opções que a sociedade lhe oferece.
As análises realizadas até aqui auxiliam para reforçar que: nas experiências vividas na
história da escolarização há um habitus professoral que se desenvolve por meio de processos que
engendram a mudança de um determinado conhecimento para outro. Essas professoras que
recordam professores (as) principalmente do magistério ou da pedagogia, mencionaram ser a
qualidade do trabalho que é resultante do modo de ministrar as aulas, que esses (as) professores
(as) ficaram guardados (as) na memória desde alunas.
Vejo importante ressaltar que o trabalho com memórias na formação de professores (as)
foi (é) pouco visitado por pesquisadores, e, assim, “todo cuidado é pouco”, pois as constatações
aqui realizadas, por meio da análise dos relatos de história de formação, podem até contribuir para
a desvalorização do nosso jeito de ser professoras do que para justificar que somos proprietários de
um estatuto de conhecimentos próprios, bem como dar um estatuto ao saber da experiência,
conforme reforça Nóvoa (1995, p. 25). Neste sentido, a intenção é valorizar a professora na sua
profissão, por meio da reinserção do feminino na história, que é permitido quando cada professora
passa a se autoconhecer, autocriticar, passando a refletir sobre o projeto de escolarização que a
constituiu/constitui, assim há o fortalecimento de continuar na profissão, resistindo a dominação, a
naturalização, pois
ao se olharem eles vêem, nos olhos uns dos outros, noites como a sua: noites onde
habitam a paixão pela vida, a memória e o desejo de resistir. Noites que não são
interioridades, mas processos criativos de multiplicidades e singularidades. Noites que
não expulsam jamais de si, noites que nunca abandonam.(BELTRÃO, 2000, p. 90)
É nesta perspectiva que a seguir irei observar como a formação inicial e contínua vem
auxiliando, ou não, as professoras no cotidiano docente.
104
3.1 PROCESSOS DE FORMAÇÃO: FORMAÇÃO INICIAL E CONTÍNUA
Textos que os mestres constituem para dizer de si próprios a si próprios (...) ao serem trabalhados, esses
relatos favorecem o redimensionamento das experiências de formação e das trajetórias profissionais e tendem a fazer
com que se infiltrem na prática atual novas opções, novas buscas e novos modos de conduzir o ensino (CATANI,
1997, p. 18).
Assim como Catani propõe, reconstituíram, no item anterior, fatos, acontecimentos,
situações, que privilegiaram como significativos em torno das lembranças do processo de escolha
da profissão, sendo que neste item, serão evidenciadas as experiências vividas nos cursos de
formação inicial e contínua. Será que é possível visualizar como essas professoras se tornaram o
que são em sala de aula? Como foi produzida “professora e como está se produzindo “professora”?
Nesse sentido é que me proponho a olhar o processo de formação de professoras a partir da sua
produção e da sua subjetividade, deslocando-a das questões referentes à produção acadêmica, pois
como aponta Pereira (1996, p. 15)
A produção da subjetividade responde a uma espécie de orquestração de forças, visíveis e
invisíveis, que compõem o mundo do sujeito. Quero dizer que aquilo que sou agora é uma
forma que resulta de uma certa combinação de traços produzidos e/ou acumulados em
minha vida, vitalizados pela interferência de forças outras, visíveis (oriundas do campo
das virtualidades, das forças vivas do mundo).
Olhando sob esse aspecto, vivenciamos a urgência do debate sobre a subjetividade,
banida, por um longo período, das construções científicas. Subjetividade entendida, no contexto
deste estudo, como produção, como processo de subjetivação.
As aprendizagens situadas em tempos e espaços determinados e precisos atravessam a
vida dessas professoras e o acesso ao modo como cada professora se forma, como a sua
subjetividade é produzida, permite conhecer a singularidade da sua história, o modo singular como
age, reage e interage com os seus contextos.
Nesta perspectiva, proponho pensar o processo de produção do ser professor a partir de
devires, de agenciamentos que atravessam os sujeitos e configuram subjetividades. Nos relatos de
história de formação, as professoras podem identificar as rupturas e as continuidades, as
transferências de preocupações e de interesses, as referências presentes no cotidiano docente.
Esta pesquisa entende formação como um processo que atravessa toda a vida da pessoa,
pois conforme Catani (1997, p.25 e 34), durante muito tempo a formação de professores foi
entendida como inculcação de um conjunto de conhecimentos produzidos de forma alheia ao
professor. De maneira oposta, a autora afirma que o modo de ser professora não se constitui
somente a partir dos estudos das teorias pedagógicas, mas estão “enraizadas em contextos e
105
histórias individuais que antecedem, até mesmo, a entrada deles na escola, estendendo-se a partir
daí por todo percurso escolar e profissional”.
Em relação a um momento da trajetória da formação, no que tange à escolha do curso
universitário, nem todas as professoras tinham a certeza de ser a escolha certa a Pedagogia, mas
por vezes oscilaram entre Psicologia, outras, o desejo era o curso de Administração, Direito. Para
algumas, a opção se fez por Pedagogia, primeiro por não passar na primeira opção do vestibular,
ficando com a segunda opção que se refere à Pedagogia; segundo por ser Pedagogia o curso mais
próximo da sua condição financeira.
Os sentidos de muitas situações parecem ser dados depois do acontecimento, neste
sentido, aqui, cabe a reflexão a respeito da visão de história com a qual se está operando. Como
coloca Bourdieu (1997), seria a vida um todo coerente e orientado, ou, muito mais,
descontinuidade, elementos justapostos que requerem uma criação artificial de sentido? Os sujeitos
inventam sentidos, mas esses sentidos não se constituem sob o nada, mas, sob o que já é dado,
historicamente, porque essas professoras ao contarem sua história de formação estabelecem uma
certa coerência por meio de laços lógicos entre acontecimentos-chaves.
Compreender como cada professora se formou é encontrar as relações entre as
pluralidades que atravessam a vida pessoal e profissional (Nóvoa, 1995, p.114), pois Dominicé,
citado por Nóvoa (1995, p.115), trabalha largamente o conceito de processo de formação,
identificando-o a um desenrolar complexo, um conjunto em movimento, uma globalidade própria à
vida de cada pessoa.
Conforme Nóvoa (1995, p.116):
o processo de construção de uma identidade profissional própria não é estranho à função
social da profissão, ao estatuto da profissão e do profissional, à cultura do grupo
profissional e ao contexto sócio-político em que se desenrola, ou seja, essa identidade vai
sendo desenhada não só a partir do enquadramento intraprofissional, mas também, com a
contribuição das interações que se vão estabelecendo entre o universo profissional e os
outros universos sócio-culturais.
Assim a professora Andéia Ristow comenta:
“[...] o Fábio (agora meu esposo) que na época fazia faculdade de ciências da
computação na (UNIVALI), sendo que a primeira coisa que fez foi me incentivar a voltar
a estudar. Trazia folders dos cursos para que eu pudesse ver qual me agradava, como eu
trabalhava em uma loja de roupas de crianças e me identificava e gostava delas,
interessei-me por Pedagogia... [...] tive professores nota 10, compreensivos, inovadores
e muito preocupados com a prática na sala de aula. Durante a minha faculdade, não tive
a oportunidade de estar vivenciando os conteúdos com a prática escolar, pois eu era
gerente da loja onde trabalhava e o meu salário era muito bom. Por este motivo, não
pude lecionar antes de me formar.”
O fato de gostar de crianças levou esta professora escolher o curso de Pedagogia, seus
professores lhe foram significativos, como ela mesmo comenta, preocupados com a prática na sala
106
de aula, no entanto, ação essa que ela não exercia, mas ao que tudo indica seria noções básicas para
atuar em sala de aula, que por sua vez não ficou tão claro assim por justamente ela não estar no
exercício da função. Nóvoa (1995) observa que a formação inicial está cada vez mais ligada ao
caráter meramente introdutório que lhe compete. Não há dúvidas de que o trabalho, a prática, nas
diferentes escolas, vai ensinando, vai completando a formação da professora, através do auxílio e
da influência de outros colegas, mas, também, da própria seleção que o exercício individual do
magistério vai fazendo. O professor vai “aprendendo fazendo com seus alunos”, e retendo o que dá
certo, incorporando-o para futuras soluções.
Também no Magistério, na Pedagogia, nesta formação inicial, a professora Elizângela
procurou uma oportunidade de fazer novas aprendizagens no campo cultural, social e do
conhecimento, e assim relata:
“[...] magistério... [...] foi a melhor época de estudo. Aprendi muita coisa referente a
educação mas também foi uma época muito divertida. [...] tivemos ótimos professores
que nos trouxeram muitos conhecimentos... [...] aprendemos à escrita correta das letras,
passo a passo, para ensinar aos futuros alunos. [...] professora envolvente, contagiante,
sempre queria que escrevêssemos e falássemos com a alma.[...] então continuei com a
Pedagogia. Sempre gostei de crianças e acreditei que era uma oportunidade de fazer
algo que gostava. Foi com a Pedagogia que conheci os verdadeiros autores da
educação... [...] Agora estou cursando a pós-graduação em Educação Infantil e Séries
Iniciais.
Esta professora demonstra a necessidade de continuar estudando, então investe na
formação contínua, da mesma forma a professora Beatriz afirma: “Somente após 08 anos que retomei os
estudos, fiz a pós-graduação em Desenvolvimento da Criança em Brusque. Neste intervalo, porém, não deixei de me
atualizar, pois participava com empenho a todos os cursos promovidos pela Secretaria da Educação entre outros.
Há professoras que relatam que a formação inicial foi importante, no entanto, o que foi
mais importante foram os cursos de aperfeiçoamento profissional, chamados de formação contínua,
que acabam tendo um maior significado na vida profissional, por talvez tratar de maneira mais
prática, ou seja, atendem as expectativas emergenciais ao que se refere ao cotidiano docente. Nesta
perspectiva, a professora Lúcia afirma:
“[...] a faculdade me deu suporte teórico, mas onde eu encontrava novidades e jeitos
diferentes de lecionar eram nos cursos que a prefeitura incentivava, e eu participava de
todos com vontade de aprender cada vez mais. Havia muita troca de idéias.”
Segundo Nóvoa, as experiências profissionais não são formadoras de si. È o modo como
as pessoas as assumem que as tornam potencialmente formadoras. (1995, p. 137). Portanto, para
algumas professoras com quem realizai esta pesquisa, a profissão é a mediação que lhes permite
uma intervenção no espaço social na sua dimensão macro. Elas vêem na profissão um meio
privilegiado de contribuição no sentido da mudança e, por isso, empenham-se nela fortemente.
Essa argumentação é possível conferir na fala da professora Andréia Ristow:
107
“[...] o professor tem uma grande responsabilidade em suas mãos, responsabilidade esta
de estar incentivando o hábito pela leitura, escrita, autonomia, etc... [...] de plantar,
dentro de cada vida, a necessidade de buscar e não se acomodar. Pois a sociedade, as
crianças, os pais, ou seja, as famílias precisam de educadores comprometidos com a
educação e que tenham a consciência de que podemos sim, transformar, mudar a
concepção de educação que muitos ainda possuem.”
Esta professora pode-se inferir, vê na escola um espaço de abertura de perspectivas e de
valores, descobrindo também que a profissão que exerce pode se configurar em um projeto capaz
de dar um novo sentido ao fazer docente.
Analisando estas falas até aqui, concordo com Nóvoa (1995, p. 145) que é possível pensar
que os processos de formação de cada professora é o resultado da ação conjugada de três processos
de desenvolvimento: processo de crescimento individual, em termos de capacidade, personalidade
e capacidade pessoal de interação com o meio; processo de aquisição e aperfeiçoamento de
competências de eficácia no ensino e de organização do processo de ensino-aprendizagem; e o
processo de socialização profissional, em termos normativos ou de adaptação ao grupo profissional
a que pertence e a escola onde trabalha.
Nas histórias de formação dessas professoras revelam que seus processos de formação
não se constituíram apenas por meio de cursos freqüentados em escolas e universidades durante
determinado períodos de suas vidas. Concordando com Nóvoa (1991, p. 70) “estar em formação
implica um investimento pessoal, livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com
vista a construção de uma identidade pessoal, que é também uma identidade profissional”. Então, a
formação se constrói por meio de um trabalho de reflexibilidade crítica sobre as práticas e de
reconstrução permanente de uma identidade pessoal. Nesta perspectiva, relata a professora Andréia
Pruner:
“Estou adorando, venho através das outras professoras e orientadora fazendo um bom
trabalho. Busco sempre informações, em livros e na internet, sobre essa faixa etária para
poder desenvolver meu trabalho melhor ainda”.
A professora Priscila observa que o Estágio foi um momento significativo,
provavelmente, por oportunizar a relação teoria e prática, sendo que a pós-graduação lhe trouxe um
maior aperfeiçoamento, assim como ela registra:
“Um ponto marcante desta fase fora o Estágio que realizei na Escola Círculo Bom
Samaritano, tendo como objetivo incentivar o gosto pela leitura infantil. [...] Iniciei
minha pós-graduação em paralelo ao oitavo semestre da faculdade. Minha sala era
composta por muitas colegas da faculdade. Meu aperfeiçoamento foi obtido nesta pós-
graduação [...]”
Estas falas remete a pensar segundo Candau (1997, p. 64)
a formação continuada não pode ser considerada como meio de acumulação (cursos,
palestras, seminários, etc., de conhecimentos ou de técnicas), mas sim como um trabalho
108
de reflexibilidade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma
identidade pessoal e profissional, em interação mútua.
Esta pesquisa possibilita detectar falhas, dúvidas, expectativas que as professoras têm em
relação ao seu fazer docente. As professoras afirmam ser a universidade um espaço de reflexão e
de reconstrução de saberes, porém, quando concluem seu curso superior, algumas dúvidas
permanecem tendo duas opções a seguir: ou “entrar” na rotina realizando seu fazer docente sempre
do mesmo modo, “viciado” em chavões, macetes e improvisações, ou repensar, reconstruir
conforme seus saberes teóricos e práticos.
A professora Kelli conclui:
“O trabalho em grupo é muito bom. Hoje não tenho medo nem insegurança, é isso
mesmo que eu quero para mim. Em 2004, entrei na faculdade, estou no 4 período, tenho
muita coisa para aprender, principalmente em relação aos autores. Mas na prática é o
meu dia-a-dia na sala de aula que me enriquece”.
A professora observa que a faculdade é importante, pois lhe trará conhecimentos teóricos,
mas, por sua vez, reforça a troca entre colegas como essencial, assim como revela a prática ser a
constituidora de seu fazer docente. Pode se inferir que esta professora chama a atenção da
importância de serem ouvidas, ou imbuídas de repensar a própria prática. Esse ouvir talvez não só
entre colegas como ela citou a importância do trabalho em grupo, mas se constituir num espaço em
que se pensa a própria formação continuada. Todos os relatos dessas professoras têm ligações com
o percurso profissional em Educação Infantil, nas suas falas, na relação de troca entre as colegas de
trabalho, que se reconstroem e se constituem sujeitos socioculturais, ou seja, estão sempre se
fazendo num permanente constituir-se.
Então, concluo que estas professoras dependendo do meio ou grupo no qual estão
inseridas, são influenciadas diretamente no seu modo de vida profissional e pessoal. Nòvoa (1995,
p. 82) afirma:
Há muitos fatores que influenciam o modo de pensar, de sentir, e de actuar dos
professores, ao longo do processo de ensino: o que são como pessoas, os seus diferentes
contextos biológicos e experienciais, isto é, as suas histórias de vida e os contextos sociais
em que crescem, aprendem e ensinam.
É justamente este contexto social em que as professoras ensinam que nos remete aos
aprendizes que são as crianças também inseridas em um contexto social e histórico. Para um
melhor entendimento sobre esses sujeitos aprendizes se faz necessário revisitar, teoricamente, a
história da infância e da Educação Infantil, revendo as concepções de criança, infância e educação
infantil, fundamentais para a qualidade no trabalho pedagógico.
Provavelmente no momento em que as professoras conseguirem situar histórica e
socialmente estas crianças, com auxílio dos cursos de formação, seja a pedagogia ou a pós-
109
graduação, acredito que o projeto pedagógico dá e para a Educação Infantil mudaria, e se ligaria a
um projeto político e social mais amplo, contribuindo desta forma para a construção formação
dessas professoras.
Considero, portanto, que a formação dessas professoras resulta não apenas de um
treinamento específico, numa instância acadêmica. Tomo em conta sim, a idéia de que a
pessoalidade e a profissionalidade dessas professoras andam juntas, isto é, ser a professora nais
quais estas se tornaram é uma alternativa, uma saída que estas construíram, a fim de realizar um
projeto emergente em sua subjetividade. Não aceito aqui a idéia de vocação, missão ou entrega,
mas ao contrário, considero que ser professora é um modo de ser de um sujeito que, tendo vivido
um dado quadro existencial, coloca-se agora como sujeito atuante de uma carreira. È uma diferença
de si que elas acolheram.
O processo de formação, tanto inicial como contínua, irão à última instância,
instrumentalizá-las, podendo legitimar e institucionalizar sua escolha. Pensar, portanto, o processo
de formação dessas professoras passa, a meu ver, pelo pensar o processo de produção de si. Então
volto a perguntar: Como se vem a ser a professora que se está sendo? Como se constituem os
quadros de referências dessas professoras que fizeram esta escolha? De que modo os meios formais
(os cursos de formação, por exemplo) interferem e contribuem no desempenho do ser professora?
Como se processam os cruzamentos entre as referências vividas ao longo da própria história e
aquelas representadas no processo de formação? Como se desenvolvem as competências
necessárias ao exercício da profissão? Para tanto faz-se necessário uma investigação articulada
com a reflexão sobre a sua própria prática, que visa possibilitar a identificação de alguns dos
principais dispositivos e caminhos de engendramento da prática profissional que oportunizam a
construção de um estilo didático e é o que irei discutir no último item deste terceiro capítulo.
110
3.2 UM ESTILO DIDÁTICO: UMA CONTRUÇÃO
“[...] na responsabilidade de seguir e assumir um trabalho; nas experiências novas; nos desafios; nos
tropeços e nas tentativas frustrantes de investidas que acabaram dando certo, que hoje sou o que sou, aprendi o que
aprendi, consegui o que fui atrás, devido a tudo isso dou valor a muitos valores que são para mim o princípio e a base
para a construção de um sujeito e também a base para a sua caminhada na escola.” Professora Naide.
A base para a caminhada na escola, a prática docente, conforme o que relata esta
professora é construída a partir de experiências vividas durante todo o período da escolarização, e,
também, durante toda a vida, pois esta permite aprender as estruturas estruturadas/estruturantes de
um habitus professoral. Estas estruturas se referem justamente a tudo aquilo que a professora
mencionou: “nas experiências novas, nos desafios, nos tropeços...” que se constituem os modos de pensar e
agir, por meio das representações, que vão se organizando resultando em práticas que “acabam dando
certo”, definindo o seu jeito de ser e estar no mundo, ou seja, de atuar como professora, ou melhor,
ainda irão permitir a construção de um estilo didático.
Desta forma, a partir do momento que as práticas pedagógicas são efetivadas, por meio de
um estilo didático construído,
segundo um esquema gerador pré-estabelecido, elas podem sofrer reestruturação advindas
de novos elementos sócio-históricos-culturais que vão sendo engendrados no seio da
sociedade como um todo. É nessa medida que se pensa, aqui, o engendramento do habitus
professoral: um modo de pensar e agir na situação de ensino escolarizado.( SILVA, 2003,
p. 39)
Com auxílio desta pesquisadora, passo a observar que assim as professoras vão
construindo um estilo didático, pois a professora Ana Paula confirma que seu estilo de trabalhar se
desenvolve a partir das práticas boas das pessoas e procura aprender com os erros:
“Não sei se tive uma professora em que me inspiro tento ‘copiar’ das pessoas sempre as
coisas boas que elas têm e aprender com os erros... Meu estilo de trabalhar é baseado
mais nas brincadeiras, jogos, e trabalho coletivo concreto, penso que as crianças
aprendem mais com o que podem tocar e pegar.”
Esta professora, da mesma maneira, lembra como iniciou na profissão e revela como foi
se constituindo a professora que é, deixando explícito que as experiências vividas são guardadas na
memória e a partir do que foi significativo é que se evidencia na prática. Assim, as experiências
acumuladas, ou melhor, todo esse “equipamento cultural acumulado” é que a professora se apóia
para trabalhar nas salas de aulas da creche, ou seja, constitui-se em um jeito de dar aulas, em um
habitus professoral, confirmando que não somente o curso de Pedagogia poderá oportunizar este
aprendizado do modo de ensinar, mas também o resultado de aprendizagem não intencional. È
neste viés que a relação teoria e prática se concretizam pelo jeito de dar aulas, pelo modo do qual
um determinado conteúdo é explicado que se torna significativo, resultante de um habitus
professoral bem sucedido que, por sua vez, será utilizado na prática docente, possibilitando novas
111
cenas para o cotidiano das creches. Utilizo-me do elemento explicação dos conteúdos, apoiando-
me em Silva (2003, p.93), quando esta observa que este elemento “qualifica as questões que dizem
respeito à relação teoria e a prática”, tendo em vista que as professoras ao relatarem sobre como
construíram um estilo didático, ressaltam a importância deste elemento para que possam efetivar
uma prática docente eficiente e igualmente reclamam quando isto não acontece, pois entendem que
quando há uma boa explicação da matéria, entendida por elas como uma habilidade de minuciar de
maneira estratégica um assunto, oportunizando o entendimento de ações práticas, de situações
cotidianas, enriquecendo a atuação docente e a criação de novas práticas. Dessa maneira, reforça-
se a idéia de que para investigar os estilos didáticos utilizados por essas professoras para ensinar as
crianças da creche é relevante analisar e refletir sobre as experiências vividas na história da
escolarização, incluindo a trajetória profissional. Nesta perspectiva revela a professora Priscila “[...]
acumulei experiências em sala de aula substituindo professoras em várias oportunidades e escolas. Conforme
Fontana (2000, p. 52),
[...]os estudos afirmam, por exemplo, que os professores atribuem significados a suas
experiências e à trajetória vivida e consideram que se formam na própria trajetória da
docência com os alunos e com os colegas... mas não abordam ou problematizam os
processos pelos quais a formação pelo outro e esses significados foram produzidos e se
consolidaram.
Observo, então, que ao analisar os fragmentos de seus relatos, elas próprias enumeram
muitas estratégias utilizadas para driblar o dia-a-dia, quando a insegurança e o que fazer diante de
situações práticas que a teoria não explica, partilham entre colegas tais práticas docentes, “trocam
idéias, experiências que deram certo, reúnem-se para estudar, participam de cursos específicos”,
assim como diz a professora Andréia Ristow:
“[...]fiz inúmeros cursos... 1ª jornada Curitibana de Educação Escolar e Pré-Escola,
realizada nas dependências da PUC – PR... participei do 3ªEncontro Nacional de
Jardim de Infância e Pré-Escola, realizado em Balneário Camboriul... Neste ano,
encontrei a Clarice leal que falava sobre Motivação e Valorização Profissional. Foi
maravilhoso!!! E assim fui tentando suprir a falta da prática docente, para o
complemento da faculdade.
Também se utilizam da estratégia da interação professoras e crianças, como elas próprias
relataram “ouvem mais as crianças, as acompanham de perto, respeitando os seus interesses”. No
entanto, não se aproximam da
dinâmica em que vão sendo produzidas, aproximando-nos do “perceber-se professor” já
constituído e não dos processos pelos quais se foi constituído. A gênese e o
desenvolvimento, nos indivíduos, do seu “ser profissional” não são traçados.Eles são
inferidos a partir das representações já constituídas e da interpretação que delas se faz
com base nas teorias assumidas.. . Embora se assuma o sujeito como histórico e social,
congela-se o movimento e fixa-se o sujeito. (FONTANA, 2000, p. 53) .
112
Este se configura em um desafio, pois essas professoras entram em contato com
diferentes teorias, significam, resignificam suas práticas, nas experiências vividas, no movimento
da construção/formação do ser professora, com o propósito de aqui apresentá-lo, mesmo na sua
incompletude, sempre a partir do outro, que se mescla no seu ser e que é revelado nos relatos no
próprio processo de constituição e é “nesse jogo, seria necessário explicitar, quem se diz e quem é
dito, quem silencia quem, o que é silenciado, por quem e por quê.” (FONTANA, 2000, p.55).
Este outro, em algumas vezes, são as colegas de trabalho, é assim que a professora
Siomara se vê ao observar o quanto foi rápido para ela estar em sala de aula e qual foi a sua atitude
diante do exercício, da profissão, quando a insegurança, o medo de planejar a acompanhava:
“Penso que foi tudo muito rápido, de repente lá estava eu, em uma sala de maternal com
18 crianças. Foi difícil, principalmente no primeiro mês, era totalmente inexperiente e
sabia da responsabilidade de cuidar e educar essas fofurinhas. Pude contar com a
Roberta (auxiliar) que foi ainda continua sendo, o meu refúgio, para ajudar em todas as
situações... Não trabalhamos como eu professora e ela auxiliar, trabalhamos juntas, ela
me ensina e me auxilia em todas as tarefas ... Eu escolhi ser professora de creche, porque
eu achava que era mais fácil. Como iniciei agora, eu pensava que seria mais leve e que
poderia aprender e ver como seria para mais tarde (quem sabe) ser uma professora de 1ª
a 4ª série. Com certeza já tive algumas experiências que não é mais fácil, nem mais leve,
pelo contrário, precisamos estar dispostas e com muita vontade dia-a-dia.... Meu grande
medo era como fazer planejamento, o que fazer com as crianças, o dia todo... Penso que
tudo que a criança aprende na creche é através, muitas vezes, do estilo didático de cada
professora. Para ser uma professora de creche, você deve se doar por inteiro para as
crianças, você deve ser carinhosa, atenciosa,,paciente e com certeza gostar de crianças.”
Esta professora chama a atenção para o desconforto causado no inicio do exercício da
profissão, frisa que se apoiou na amiga de trabalho (o outro), esta que lhe ensinou a ser professora,
e ainda, escolheu ser professora de creche, porque a imagem que tinha da professora, deste
segmento, era aquela que só iria cuidar, então não havia necessidade de conhecimentos mais
elaborados, no entanto, o dia-a-dia lhe fez sentir que não é tão fácil assim. Então, penso que hoje
esta professora pode ver este momento como uma oportunidade pedagógica necessária e que o
desconforto daquele momento vivido hoje pode se transformar em questionamentos igualmente
necessários para o seu fazer docente que, por sua vez, a propiciou avançar na prática pedagógica.
Ainda é pertinente pensar, a professora estava cursando o segundo ano do curso de pedagogia,
curso este legitimado para a formação docente, como ainda não sabia planejar aulas? Quando e
como se aprende a ser professora? A ministrar aulas?
Poderia inferir que ao aceitar o desafio de ser professora beneficiou-se de imediato das
experiências vividas como aluna, mesmo que inconscientemente, e, naquele momento, como
professora, que estava se apoiando ainda na amiga. É provável que no seu modo de ser professora
encontram-se as representações que construiu sobre o cotidiano do mundo escolar, bem como
sobre a profissão-professora (o outro). Nesta perspectiva, habitus consiste na matriz de percepções,
113
de observações e ações, que tem por objetivo orientar tanto a prática planejada da professora em
sala de aula, como a improvisação que eventualmente ocorrem, tanto a concretização de receitas
didáticas como a invenção de novas estratégias, tanto as ações inconscientes como as atitudes mais
bem pensadas.
Esta idéia fortaleceu o pensamento de que as vivências que são concretizadas no âmbito
das práticas sociais podem construir habitus, o que já foi comentado nos capítulos anteriores, e
novamente constatado aqui. A esta noção de habitus, já explorado, exaustivamente, por Bourdieu,
poderia ainda somar um outro questionamento: porque essas professoras não buscaram auxílio em
manuais didáticos, sendo estes autorizados para serem explorados no exercício da profissão, pois
não é aí que contém informações necessárias referentes aos saberes imprescindíveis a uma prática
pedagógica eficiente?
Estas professoras utilizaram-se, mesmo que inconsciente, das experiências vividas como
alunas, ora mesclando com o auxílio de amigas que ensinam a exercer a profissão e buscando
efetivar um trabalho docente por meio da construção de um habitus, que se deu ao valorizar o
trabalho docente de professoras ( o outro) que para elas obtiveram um resultado bem-sucedido,
tirando uma lição que ficou guardada na memória, e hoje se utilizam na efetivação da prática. Pois
é assim mesmo que afirma uma dessas professoras “as crianças aprendem por meio do estilo didático de
cada professora”. Também quando sua atuação docente, ou seja, a constituição de um determinado
habitus, não é bem-sucedido, passa a ser estruturado por um outro habitus professoral. Esta
situação se expõe no relato da professora Andréia Ristow:
“É assim que ocorre o meu trabalho com as crianças, nada mecânico, nada sem
objetivos de interesse da criança... Meu fazer pedagógico foi construído ao longo desta
caminhada de sete anos de sala de aula, sempre observando, pesquisando, fazendo e
refazendo várias ações, pois erramos muito nesta caminhada, lembro-me da vez que dava
aula no planalto, onde uma aluna sempre na hora dos brinquedos, retirava a caixa de
papelão, entrava dentro e brincava com a caixa. Eu sempre brigava dizendo para sair,
para não estragar a caixa. Somente no outro ano “caiu a minha ficha” que era
importante para ela e que estava aprendendo bem mais com a caixa que ela tanto
explorava, do que com os brinquedos que eu/professora achava mais interessante para
ela. Desta forma, é claro, comecei a mudar minha prática e observar e analisar o que
realmente é interessante e significativo para as crianças. Não é a toa que hoje, meus
alunos conseguem brincar mais, explorar objetos, construir e destruir caixas, sucatas e
serem mais independentes.”
Este depoimento permite admitir que é pela prática docente ser desenvolvida por habitus,
que se pode questionar a disciplina de Didática, entendendo esta como a responsável por construir
um estilo didático, ou seja, por se tornarem professoras. No entanto, todas as professoras, ao iniciar
na profissão, não buscaram, ou não encontram subsídio para desenvolver a prática docente no
curso de pedagogia e mais especificamente na disciplina de Didática, pois nenhuma mencionou em
114
suas memórias, mas sim buscaram refúgio nas amigas de trabalho e nas experiências vividas na
história da escolarização, bem como na prática do dia-a-dia, “pesquisado, fazendo e refazendo”, pois o
que todas, sem exceção, deixaram explícito é que desejavam ao exercer a função, saber como é ser
professora na educação infantil, tanto que a professora Siomara “... achava que seria mais fácil...”, pois
até então o curso de pedagogia não deu conta de ensinar o modo de ser professora.
Ao falarem sobre o conhecimento adquirido para exercer a função de professora, uma
delas apenas se refere ao professor de Didática:
“Acredito que toda a minha didática foi embasada no meu Magistério que como já falei
foi muito rico em atividades práticas, pesquisas, etc... O professor, destaque desta época,
foi o professor Nelson Frener, um ótimo professor de didática... Hoje curso o terceiro
período da faculdade na Unifebe (Pedagogia) onde estou aprofundando mais meus
conhecimentos. Porém sinto dificuldade na relação entre teoria e prática, pois penso que
a Universidade deveria fazer esta ponte. Mas na prática é o meu dia-a-dia na sala de
aula que me enriquece”.
Ao que tudo indica, não é a disciplina em si que é importante, mas sim o modo pelo qual
o professor lecionou as suas aulas, o que conta é a qualidade do encontro, a qualidade do trabalho
que não resulta do pedagogismo, mas sim da relação estabelecida que desperta sentidos,
significados que motivam o aprendizado, sendo oportunizado pela atividade prática, ou seja, “rico
em atividades práticas, pesquisas” . Confirmando que a qualidade do encontro propiciada pelo modo de
lecionar implica na explicação de teorias, de conteúdos, utilizando-se o professor da estratégia de
aula expositiva, que está sendo tão criticada e até em desuso, pois o discurso contemporâneo
implica em se utilizar de diferentes estratégias como por exemplo a multimídia, e no entanto, estas
professoras e outras não questionam a necessidade de se utilizarem de diferentes estratégias, mas
sim uma boa explicação de um determinado assunto teórico, que se relacione de alguma forma com
as questões do cotidiano da prática docente. Então ao se perguntar de quais experiências essas
professoras constroem o seu saber docente, confirma-se cada vez mais que
os professores tomam como fonte básica de orientação para seu fazer cotidiano conselhos
ou prescrições de professores mais experientes , e/ou imitam professores ou evitam agir
como professores de que não gostavam, muitas vezes minimizando indicações dos
especialistas. (DIAS DA SILVA, apud SILVA, 2003, p. 100)
Portanto, ao se referir ao curso de pedagogia que hoje está cursando, a professora Kelli
fez uma crítica, não a disciplina por sua natureza, mas pelo fato de como os (as) professores (as)
ministram as suas aulas, ou seja, não fazem a relação teoria e prática, o que cresce o desestímulo
em continuar cursando. Esta afirma que a prática do dia-a-dia lhe engrandece, como uma forma de
suprir este referencial que não encontra no curso, ou seja, não ajuda no desempenho do trabalho de
sala de aula, na efetivação da prática, porque a prática pedagógica de seus (as) professores (as)
assim é vista ineficiente. Assim, também, comenta a professora Jandira: “Profissionais que fazem
115
confundir suas atitudes, pois dominam a “teoria”, mas a prática.... Este comentário da professora confirma
aquela idéia do educador americano John Dewey, quando se diz que um professor tem dez anos de
experiência , será que tem mesmo? Ou tem um ano de experiência repetido dez vezes? Então,
Nóvoa (1995) afirma que só uma reflexão sistemática e continuada é capaz de promover a
dimensão formadora da prática.
Os grupos de professoras confirmam que aprenderam a prática docente no exercício do
cotidiano das salas de aula, na prática. Esta observação não se baseia na qualidade dos
ensinamentos oferecidos pelo curso de pedagogia, formação inicial ou contínua, mas porque
estabeleciam relação com o modo pela qual tinham aprendido a ser professoras que se reforça na
atuação do dia-a-dia. Apesar de estas professoras legitimarem o curso de pedagogia como essencial
para a atuação docente e reforçam que para permanecer na função é necessária a formação
contínua, insistem em afirmar igualmente que se aprende a ser professora, a construir um estilo
didático na prática. Prática esta que se constróe a partir das experiências já vividas no mundo
escolar, aliada ao auxílio de colegas de trabalho, na discussão sobre a prática, como confere uma
dessas professoras: “Eu e a Rosi, planejamos sempre juntas e trabalhamos bem unidas, construímos um elo de
amizade bem verdadeiro e uma sempre ajuda a outra e assim nosso trabalho acontece. Professora Andréia Ristow.
Na mesma ótica, confirma a professora Lúcia:
“[...] a Solange me ajudou muito com incentivos, carinho e mostrando tudo o que eu
precisava... marcou muito... eu pensava em ser uma professora carismática, cheia de
idéias, dinâmica... tudo o que eu via nela me admirava muito. Ela sentou-se comigo para
me mostrar como preparar uma aula, foi comigo a sala e me mostrou como deveria fazer
a aula acontecer... senti a necessidade de procurar mais, então prestei o vestibular e
entrei na faculdade. Passei o curso todo estudando e procurando respostas de como eu
conseguiria me superar e estar melhorando, cada vez mais, sendo também dinâmica,
cheia de novidades para os alunos. A faculdade me deu suporte mas onde encontrei
novidades e jeitos diferentes de lecionar eram nos cursos que a prefeitura incentivava...
havia muitas trocas de idéias.
A professora acima observa o quanto é significativo para o seu fazer docente, o falar,
refletir sobre, ou seja “trocar idéias”, que motivem a continuar na profissão, assim como é
significativo da mesma forma iniciar o exercício da profissão, podendo se espelhar em outra
professora que lhe dá apoio para a prática docente cotidiana. Então, passo a me questionar se essa
prática da qual elas se referem não seria o modo como cada uma delas se inseriu na profissão, ou
seja, no mercado de trabalho, como se usufruiu ainda, que inconsciente das experiências didáticas
acumuladas durante a história da escolarização.
Continuo a vasculhar e buscar me certificar como os saberes didáticos foram ensinados e
aprendidos nesses cursos por estas professoras. Passo então a pensar que essas professoras
poderiam estar estabelecendo uma relação entre os saberes didáticos (resultado da disciplina de
116
Didática) e a efetivação da prática docente. Mas por outro lado, elas não mencionam esta
disciplina, com exceção da professora Kelli, sendo que todas as demais observam apenas que
necessitam de conhecimentos teóricos, mas que por sua vez, estes se distanciam da prática. Parece-
me o mais conveniente afirmar que o estabelecimento de um habitus é construído a partir do
efetivo exercício da prática pedagógica à qual essas professoras foram submetidas quando alunas
durante sua história de escolarização, aliando ao auxílio de colegas de trabalho que se tornam
exemplos significativos de uma prática docente eficiente, como uma dessas professoras se referiu
um “refúgio”.
Posso dizer, assim, que a construção de um estilo didático antecede a formação que se dá
no magistério, na pedagogia, enfim, nos cursos responsáveis pela preparação para o exercício da
profissão docente. Ela se associa à própria história de vida da professora. O percurso de vida é um
percurso formador e, sem dúvida, não apenas marca, como sobretudo determina a vida profissional,
como se pode constatar nos fragmentos dos relatos aqui registrados e ainda mais estes que
marcaram a vida profissional destas professoras:
“[...] prestei vestibular para Pedagogia pela Furb. Iniciei o curso no 1ª semestre de
1987. Também foi neste mesmo ano que comecei a lecionar. Foram quatro anos que
enriqueceram e aprimoraram muito os meus conhecimentos a respeito da Educação. Foi
a época em que fiz muitas amizades... Em uma das aulas tínhamos que dar uma aula
fictícia. Esta aula era filmada para depois assistirmos e observarmos os pontos positivos
e os negativos. Lembro-me que ao assistir a fita observei que falava com freqüência a
palavra “né”. Até hoje me policio em torno desta palavra.”Professora Beatriz.
Observo que o que mais marcou foram as amizades e o fato de dar aula, mesmo que seja
fictícia, evidencia a prática como um dos momentos importantes e que oportunizou mudar o seu
jeito de se expressar, fez refletir sobre o seu modo de ensinar, oportunizando uma mudança na vida
prática.
A professora Anelise observa que o inicio da sua profissão foi significativo pela ajuda que
teve de colegas de trabalho, auxiliando-a a planejar aulas: “Algumas pessoas que trabalhavam no Osvaldo
Reis me ajudaram e eu preparava muito bem as aulas, estudava pesquisava cresci muito na ano que estava nesta
escola.. Esta, por sua vez, também chama atenção para o significado da prática, ao que tudo indica é
fazendo, atuando que se aprende a ser professora, sendo que este aprender se dá também pela ajuda
de outras professoras.
Neste viés, atualmente, começa-se a reconsiderar o papel do sujeito que reaparece face às
estruturas e aos sistemas, e, com ele, reaparece a qualidade face à quantidade e à vivência face ao
instituído. Assim, os sujeitos sociais e os atores sociais, não apenas do caso da Educação, mas nas
Ciências Humanas de um modo geral, são levados em consideração nas investigações e podem
117
descobrir que são capazes de alterar o significado das realidades institucionais e, fazendo isso,
modificam o significado de si mesmos.
Essas novas concepções teóricas, acerca da participação dos sujeitos nos processos
históricos, trazem conseqüências para os estudos sobre formação docente. Diferentemente do que
se acreditava nas décadas passadas, hoje se trabalha com a hipótese de que a identidade
profissional é inseparável da identidade pessoal, como já foi refletido nos capítulos anteriores.
Portanto, os estudos atuais procuram destacar que há uma relação estreita entre o que o professor é,
como ele se vê e a forma como desempenha a sua função profissional. Há relações estreitas entre
identidades profissionais e as pessoais em todas as dimensões ( sua identidade de gênero, de classe,
de etnia etc.). Como afirma Nóvoa (1992, p.25): “O professor é a pessoa e uma parte importante da
pessoa é o professor”.
Por isso, os estudos mais recentes vêm afirmando que a formação docente é algo muito
mais profundo e complexo do que a aquisição de habilidades e de competências. Durante as
décadas de 70 e 80, o movimento pedagógico insistiu em mudar os conteúdos sabidos, os
conteúdos dominados pelos professores. Era a crença de que, se o professor mudasse suas
concepções de Educação e tivesse maior domínio teórico, teríamos uma prática educativa de
melhor qualidade. Isso justifica o fato de no inicio da Educação Infantil, em Brusque, neste período
histórico, as coordenadoras insistirem tanto em estudar as teorias piagetianas, wigotskianas, sendo
que na prática tudo era muito confuso, demonstraram em seus depoimentos que a teoria se
distanciava da prática.
Entretanto, alguns estudiosos3
têm dado maior relevância ao fato de que a questão da
formação docente, a questão da configuração profissional, não é apenas algo relacionado ao
domínio de novas técnicas, nem de novos paradigmas teóricos. Não se trata apenas de uma questão
cognitiva, mas, também, de uma questão de se compreenderem os valores, as definições éticas e as
visões do homem sobre a Educação e o mundo em que essas professoras, por exemplo,
introjetaram-se e vêm se introjetando ao longo de suas vidas pessoais e profissionais.
A formação docente, baseada no modelo de racionalidade técnica e, segundo Schon,
baseada em soluções técnicas para a solução de problemas, começa a ser questionada já na década
de sessenta. Outros aspectos como complexidade, incerteza, instabilidade, singularidade e conflito
de valores passam a ser considerados.
A formação não é algo meramente precedente ao fazer pedagógico. Ela, sem dúvida,
acontece nos cursos de formação, nos cursos de Licenciatura, mas o local no qual ela se configura e
3
Por exemplo: Antônio Nóvoa, Ivo F. Goodson, Donald A. Schon, Philippe Perrenoud, Marilda da Silva, Denice
Catani, Belmira Bueno e outros.
118
no qual o profissional cria forma definitiva é no próprio trabalho, sendo exaustivamente
confirmado pelas depoentes desta pesquisa. A configuração da profissional da creche se dá,
portanto, no seu cotidiano e é, a partir dos conflitos que vivenciam na sua prática diária, que a
professora elabora e reelabora teorias, constrói novos saberes e novos saber-fazer. Ou seja, nesta
perspectiva, se sai da lógica do “estar preparada” para o preparando-se a partir do surgimento da
questão. É nesta perspectiva que estas professoras, na sua grande maioria, apresentaram quais
teorias e quais práticas pedagógicas guardam na memória e que permanecem em suas vivências
docentes e quais práticas e teorias se romperam a partir do que foi ensinado e criaram condições
para novas cenas na educação infantil, construindo um estilo didático, portanto, por meio de um
habitus professoral. Isto se justifica quando as professoras enaltecem a prática como a responsável
pelo fazer docente, ou seja, aprendem a ser professoras no exercício da função, observando no jeito
de ministrar aulas, procedimentos pedagógicos semelhantes aos vividos como alunas, e, agora,
reproduzidos como professoras, escolhendo um estilo didático para ministrar as aulas na creche.
As teorias piagetianas e wigotskyanas permanecem em seus discursos, no entanto, na prática
docente há rupturas que são oportunizadas pelo próprio fazer docente, nas trocas com as colegas de
trabalho quando passam a refletir sobre o fazer, sobre os conflitos, frustrações vividas, então
observam os erros, as práticas pedagógicas bem-sucedidas, nas quais foram submetidas quando
alunas e a professora que estão sendo, que darão lugar a novas ações, pensando assim, as teorias
também passam por rupturas (ou não), pois nesta ótica, essas professoras elaboram e reelaboram
teorias por meio dos saberes que constroem na efetivação da prática, no saber-fazer.
Também é preciso considerar que a prática docente envolva uma série de ações que, por
vezes, as professoras não sabem descrever com precisão, eis o motivo das falas das professoras se
contradizerem, como por exemplo: “da responsabilidade de cuidar e educar... Para ser uma professora de
creche, você deve se doar por inteiro para as crianças, você deve ser carinhosa, atenciosa,,paciente e com certeza
gostar de crianças.”Professora Siomara.. A professora Jandira continua afirmando:
“Hoje, em toda comunidade, os pais sentem o dom o qual tenho pela Edu. Infantil. Isso
acontece pela aceitação das crianças e o repasso das atividades acontecidas durante o
ano, pelas quais a criança modifica suas ações, demonstra conhecimento e mais, procuro
sempre interagir com os pais, pois os mesmos nos proporcionam mudança de atitude,
além de ser parceiro da escola, repassa segurança e estar acompanhando seus filhos, e
interagindo com eles através das pesquisas...Diante de minha vida profissional, procurei
trabalhar de forma lúdica, vivenciando a realidade através da fantasia transformando em
conhecimento,a criança demonstra através de atitude a mudança de comportamento...”
Ora, estas professoras afirmam a necessidade de desenvolver um trabalho com
responsabilidade em que devem estar presentes o cuidado e a educação, subentendendo que é
necessário um conhecimento teórico na área para exercer a função de ser professora de creche, ou
seja, usando de termos mais contemporâneos, ser a profissional dotada de um curso de pedagogia,
119
pós-graduação; ora a professora se contradiz afirmando que deve se doar por inteiro, prevalecendo
a vocação, o dom, então gostar de criança e ser afetuosa já é o suficiente, romantizando, portanto, a
profissão. Assim, como já foi sinalizado por Valle (2003), no fazer docente, permanecem os
aspectos da identidade vocacional mesclados aos aspectos da identidade profissional numa
perspectiva mais contemporânea.
No entanto, “existe um saber que se dá no fazer”. Esse saber tácito ou conhecimento
prático é adquirido por meio do exercício da atividade, a partir da experiência adquirida. As
professoras dão respostas imediatas a problemas que se enquadram dentro da mesma estrutura que
outros problemas já resolvidos, então, a professora Naide acredita que
“[...]cabe a nós, professores de educação infantil, “perseguir” tais características, pois é
aí que se esconde uma rica fonte de conhecimentos e um canal para trocas e
internalizações de novos conhecimentos. Hoje, percebo tudo isso trabalhando com a
faixa etária de 02 anos. Tem dias que eu quero sair correndo, pois não deu nada certo
daquilo que eu planejei. Chego em casa, paro e reflito e percebo que de uma maneira
indireta houve aprendizagem, troca e, principalmente amadurecimento, pois sempre se
aprende a conhecê-los e poder melhorar nosso trabalho com os fatos que ocorrem no
dia-a-dia. Gostaria de ficar muito tempo com a Educação Infantil, “ela” e eu temos
muito o que trocar, dialogar e aprimorar para obter cada vez mais qualidade no
atendimento e buscar dar contribuições e mediações mais acertadas no que diz respeito a
construção de sujeitos que não se deixem passar por anônimos na sociedade em que
vivem e sim dêem sua parceria de contribuição no sucesso de um mundo melhor e com
um futuro promissor para as demais gerações.
Desta maneira, o modelo de racionalidade técnica mostra-se inadequado, uma vez que
desconhece o papel do educador como agente de construção da sua própria prática. Ou seja, não
reconhece a professora como alguém que define quais são os problemas que merecem serem
levados em conta, a partir de sua filosofia de vida, das suas concepções de educação ou, ainda, a
partir da maneira como percebe o seu fazer docente.
Esse modelo é mais uma vez inadequado por não levar em consideração o saber da
experiência, ou seja, o saber que a professora da creche constrói na sua relação cotidiana com o
contexto educativo. No modelo de racionalidade técnica, concebe-se a prática pedagógica como
sendo uma transposição direta de preceitos teóricos, de métodos de trabalho e de receitas didáticas.
Considera-se a prática da professora como sendo a simples aplicação do que ela aprendeu nos seus
cursos de formação. Os diferentes fatores que influenciam e determinam a ação educativa não são
levados em conta pelo modelo de racionalidade técnica. Então, concluo que pelo fato destas
professoras terem sido formadas nessa concepção, prevalece a atitude de perguntar aos formadores
como devem fazer, de que forma, e com qual receita, sendo que nos relatos da história de
escolarização, mesmo que inconscientemente, revelam a gênese e o desenvolvimento do ser
professora, da construção de um estilo didático aqui traçados.
120
Diante do relato da professora Naide acima valorizado, esta pesquisa, aposta em uma
outra concepção acerca da formação docente que procura ressaltar o fato de que as professoras se
tornaram as professoras que são porque retraduzem para si, a partir das suas características
pessoais, os conhecimentos teóricos, as interações que vivenciam dentro e fora da escola, as
observações que fazem de outras práticas docentes antes de se tornarem professoras e o próprio
contexto onde atuam, que constituiu o engendramento do habitus professoral, que se traduz no
modo de pensar e agir no cotidiano da prática docente.
De acordo com esta perspectiva de análise, as professoras criam, a partir de sua
experiência, soluções para os problemas que elas próprias definiram como sendo relevantes, como
foi pontuado pela professora Naide no fragmento destacado acima. Ou seja, as professoras
constroem saber, constroem conhecimentos e não apenas se utilizam dos conhecimentos
produzidos nas instâncias consideradas responsáveis pela formação docente. No meu
entendimento, estas professoras passam a ter como perspectiva uma posição investigativa, de
pesquisa cotidiana.
Assim, é necessário compreender como e em que condições o conhecimento das
professoras, acerca da sua prática, vem sendo produzida nas escolas. Não basta afirmar que a
formação docente deve ocorrer concomitantemente à prática educativa, nem tão pouco que as
professoras devem ser reflexivas e autônomas. È preciso que se questione o modo como as práticas
escolares, com seus condicionamentos, podem limitar ou restringir a ação das professoras e
influenciar a sua formação, como afirma Perronoud (2001) o desafio consiste em levar o (a)
professor (a) habituado (a) a cumprir rotinas, a repensar a sua profissão.
Na medida em que fica evidenciada a importância dos saberes produzidos na prática e,
ainda, o papel que a própria professora tem na formação da sua identidade profissional, entendo
que a configuração da professora da creche relaciona-se a esses dois aspectos: o subjetivo e o da
formação.
Utopia? Parafraseando Caetano Veloso, “eu não espero o dia em que todos os homens
concordem, apenas sei de diversas harmonias possíveis no juízo final...” Assim, esta pesquisa
contribuiu para que eu pudesse construir uma reflexão significativa: é na explicação, por meio da
linguagem, do jeito de lecionar aulas (seja de professores mais experiente, os colegas de trabalho,
ou de seus professores ao longo da história da escolarização das experiências vividas como alunas
e a professora que está se sendo, a prática em si), que se configura o elemento principal para a
constituição do habitus professoral, é, portanto, a maneira de ser que qualifica, ou desqualifica a
relação teoria e prática que as professoras tanto desejam, sendo o modo de ensinar significativo,
121
quando lhes possibilita a mudança na vida prática, ou seja, a constituição de um outro habitus
professoral, sendo esta reflexão amalgamada nos depoimentos.
Não se trata de afirmar que somente se constrói um estilo didático por meio da
constituição de um habitus professoral, nem tão pouco desprezar os cursos destinados para a
formação de professores, mas cabe aqui uma reflexão sobre quais práticas e quais teorias
constróem a professora da creche, considerando que tanto os cursos de formação quanto as
experiências vividas na história da escolarização (habitus) guardam em si suas peculiaridades que
merecem procedimentos diferenciados para serem investigados, levando em conta que um depende
do outro, tendo em vista que ambos estão imbuídos no processo de ensinar e aprender.
122
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: DA HISTÓRIA VIVIDA À ANÁLISE DAS
EXPERIÊNCIAS DE OUTRAS HISTÓRIAS
Analisar as experiências vividas durante a história da escolarização das professoras da
creche se configurou em uma reflexão que, por sua vez, possibilitou constatar que o fazer docente
se constitui por habitus professoral. As memórias das professoras mostram como esse habitus se
constitui e como ele é no cotidiano da vida docente por meio do modo de ensinar, que oportuniza
uma mudança na vida prática, sendo assim definido: a constituição do habitus professoral se dá ao
longo do percurso da vida, independe de uma formação específica, tendo em vista que a prática
docente não se constitui apenas quando são assimiladas e entendidas as teorias pedagógicas, mas
desde muito cedo se encontram envolvidas em contextos e histórias individuais e que se prolongam
por toda a vida escolar e profissional resultando em um modo de ser e agir.
Desta forma, foi possível compreender os modos como as professoras vivenciam e
representam o processo do trabalho docente no cotidiano da creche, entendendo-o como um
processo de construção de experiências vividas singulares, que são possíveis de serem identificadas
a partir das trajetórias discentes e docentes as quais as professoras dão significado.
Chego a conclusão, então, que permanências e rupturas entretecem-se na produção das
práticas sociais cotidianas e na constituição da singularidade, apresentando contradições no
desenvolvimento da profissional da creche. Tornam-se professoras deste segmento tanto pela
apropriação e reprodução de concepções já estabelecidas no meio social e inscritos no saber
dominante da escola (permanências), quanto pela criação de maneiras de entender o exercício
docente nascidos na vivência pessoal com o ensino, seja como aluna ou como professoras nas
interações com suas crianças, com os colegas de trabalho, em movimentos reinvidicatórios que se
configuram em mudanças, oportunizadas pelas rupturas no modo de ser e agir, que se constitui por
sua vez em um habitus professoral.
Estas professoras foram oportunizadas a fazerem-se narradoras, assim não hesitei em
permanecer nos fragmentos, sendo apresentados apenas como exemplos, mas procurei explicitar a
possibilidade de singularização, a heterogeneidade e as transformações que poderão ocorrer, por
meio da análise do conteúdo dos relatos. Estes conteúdos ao serem reunidos e os fragmentos
selecionados são carregados de significados que possibilitaram visualizar como a professora da
creche se torna professora, como se constrói, como se forma. As narrativas produzem sentidos ao
fazer docente, quando assumem que o eu pessoal e o eu profissional constituem-se, de forma
recíproca, mostrando como se sentem e se dizem professoras, como foram se construindo entre
maneiras distintas de ser e conflitantes de encarar a profissão docente, nas diversas fases da
carreira. Debruçada sobre os depoimentos das professoras e sobre as ações por elas narradas,
123
destaco que as representações acerca do ser professora da creche são produzidas num movimento
de ambigüidade, oscilando entre conformação e resistência. Com relação a escolha e permanência
na função de professoras da creche mostram, portanto, comportamentos de conformação e de
resistência, levando em conta que há uma opção inicial relacionada à sobrevivência e à
permanência, também inicial, resultante da falta de outras possibilidades de trabalho na condição
de mãe que são ou desejam ser, ao mesmo tempo que o gostar de crianças aparece, contrapunham
uma identificação por parte de outras, ainda que muito tímida, voltada a atividade profissional
baseada no desejo encontrado diante às possibilidades de transformação e formação cultural das
novas gerações, neste caso das crianças com as quais trabalham.
Assim, algumas professoras mostram que vivem a profissão com o sentido de sacerdócio,
a abnegação sem limites, pois isso ao longo dos anos afeta tanto, que são movidas pela salvação
nacional da recompensa das flores recebidas, dos abraços e das lágrimas de pais reconhecedores do
seu trabalho. Ao mesmo tempo, outras professoras passam no seu dia-a-dia por momentos de
descobertas quando ensinam crianças, percebem-se fazendo aquilo que foram submetidas quando
viveram o papel de alunas, ou seja, práticas que deram certo. Por outro lado, quantas vezes
percebem que aquilo que desejavam ensinar acabavam de aprender na prática. Acreditam que na
sala de aula não se ensina somente o que está estipulado no programa, mas que se desenvolvem
práticas outras que são marcantes e significativos tanto para a professora quanto para a criança que
oportunizam mudanças na vida prática.
Constatei que a problemática da relação teoria e prática concretiza-se pelo jeito de dar
aulas, ou seja, é explicitado pelo conceito de habitus bourdiano, e mais propriamente pelo habitus
professoral de Silva (2003), pois está relação se dá pelo modo do qual um determinado conteúdo é
explicado (dimensão teórica), tornando-se significativo é apropriado pela aluna-professora
(dimesão prática), proporcionando a construção de um estilo didático, possibilitando em alguns
casos novas cenas para o cotidiano docente na educação infantil/ creche.
Repensar a prática docente, para esta pesquisa, exige, agora, uma postura menos
romântica, porém sem perder a ternura que nela se envolve. É dizer que esta prática é política, pois
acontece em espaços de conflitos e de negociações, é recolocar-se como professoras, que significa
compreender o sentido da própria atividade profissional, é modificar-se, é ir além de si mesma,
oportunizando a reconstrução de um outro habitus professoral.
Quem sabe, tão logo, muitas representações que maximizam o afeto e o amor como
atributos femininos vinculados ao magistério da educação infantil possam ser questionados nos
cursos de formação pelas pessoas mais interessadas nessa ruptura, (ou não?) as mulheres/
professoras.

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CARTA À COMUNIDADE

  • 1. 92 3 TRAJETORIAS DOCENTES: A ESCOLHA DA PROFISSÃO – PROFESSORA? POR QUÊ? [...] diferentes trajetórias e distintos momentos (...) Histórias no plural; formas de falar a vida (fora ou dentro da escola) no plural; maneira de mudar essa vida no plural também. E é nesse plural que reside à singularidade que faz de nós seres humanos, que nos permite descontinuar para continuar. ( KRAMER, 1994, p.199) A escolha da profissão de professor (a) está relacionada a uma diversidade de relações (plural) que marca o percurso da vida escolar de modo muito singular. Cruzam-se acasos, circunstanciais e coincidências que vão se construindo nas trajetórias e selecionando escolhas. A leitura dos relatos de histórias de formação das professoras da creche, referente ao eixo trajetórias docentes, possibilita a aproximação de como cada uma dessas professoras, a seu modo, e do lugar que privilegiou falar, abordam processos que estão envolvidos na constituição do “ser professora”, “a escolha da profissão”, “porque ser professora”. Ao analisar fragmentos dessas falas, passo a observar que o cotidiano escolar dessas professoras não são seus unicamente, mas são nossos, porque neste cotidiano da prática docente parece estar as experiências vividas de toda uma geração que se educou e educou desde as últimas cinco décadas. Assim, vejo que o “ser professora” se constitui historicamente, ou melhor, o processo em que um sujeito se torna professor (a) é histórico, mesmo sem o pretender, pois assim como Kramer (1994) sinalizou acima, é no plural que se constitui o singular. Essas professoras, nas relações sociais de seu tempo, ao se constituírem em professoras vão se apropriando das vivências, [...] práticas intelectuais, de valores éticos e das normas que regem o cotidiano educativo e as relações no interior e no exterior do corpo docente. Nesse processo, vão construindo seu “ser profissional”, na adesão a um projeto histórico de escolarização. (FONTANA, 2000, p.48) Sendo assim, torna-se pertinente à questão: quais são os fatores históricos-sociais que determinam a escolha pela profissão de professora? Por que mesmo com a desvalorização salarial que o magistério está vivenciando existe um número significativo de mulheres que o procuram? Estas questões já vêm sendo abordadas há algum tempo por pesquisadores na área da formação de professores, sendo possível elucidar muitos argumentos e até mesmo ampliar o conhecimento do espaço sociocultural que envolve a mulher professora e sua relação com a educação. Nos capítulos anteriores, já mencionei alguns elementos que justificam o magistério, como escola prioritária do sexo feminino, principalmente por ser somente no século passado que o ensino tornou-se extensivo a todos, inclusive às mulheres. Remetendo-me às professoras, dessa pesquisa, o que as levou a escolha de ser professoras revelam a “vocação” como um discurso conclusivo:
  • 2. 93 “Cursei pedagogia com habilitação em pré-escola e séries iniciais e pós-graduação na mesma área. Não poderia ser outra coisa á não ser professora. Acredito sinceramente que esta é a minha vocação, pois desde criança nunca sonhei ou idealizei outra coisa”. Professora Ivana. “[...] meu pai me matriculou... depois de uma longa conversa com meus pais, optei pelo magistério... quando você casar pode trabalhar em um período só, dá tempo para cuidar da casa, do marido e dos filhos.Professora Andréia Pruner A questão da escolha de ser professora pode ser identificada, nestes fragmentos, na medida em que a vocação surge como uma das principais justificativas pela escolha, bem como a influência dos pais, ficando expresso um discurso “naturalista” da vocação. Neste sentido, o magistério é visto como profissão que não recebeu influência externa. Também outras professoras fizeram menção à existência de certo tipo de herança familiar na escolha da profissão, ou seja, a influência da mãe-professora, como é o caso das professoras Beatriz, Elizângela e Elly Simone, respectivamente: “No segundo grau, optei por cursar o magistério por influência da minha mãe que era professora e também pelo fato de gostar da companhia das crianças”. “ Minha vida escolar teve inicio somente com a entrada na primeira série. Minha mãe era professora...” “Fui aluna desde o berçário da minha mãe que era professora... e fui incentivada pela minha tia e outros parentes a tentar o vestibular da Acafe e cá estou hoje (professora)...” Poderiam estas professoras me perguntar que mal haveria no fato delas terem tido essa influência? A questão não está propriamente em “seguir o exemplo da mãe”, mas desejo ressaltar como nossos comportamentos vão sendo reproduzidos e produzidos em um contínuo processo de significações. Assim, Rosemberg (1982, p.10) comenta sobre a crescente escolarização da mulher nos últimos anos, mas, paradoxalmente, observa que: [...] apesar da expansão da sua escolaridade, as mulheres e os homens continuam seguindo carreiras diferentes. De uma forma constante através dos anos e de uma forma sistemática na história individual dos estudantes, as mulheres tendem a seguir cursos impregnados de conteúdos humanísticos e que desembocam, imediata ou posteriormente, em profissões tipicamente femininas, entre elas o magistério. Admito que exista uma possibilidade de autonomia do sujeito frente aos padrões culturais, entretanto, essa autonomia só será conquistada a partir de um espaço reflexivo sobre diversos fatores responsáveis pela padronização dos nossos comportamentos. Então, estas falas permitem pensar o magistério como uma atividade de amor, de doação, de gostar de crianças, ou seja, a realização da ação docente tem como pressuposto a “vocação”. Este discurso ao longo do tempo, fortaleceu o abandono dos homens nas salas de aulas, principalmente na educação infantil, sendo que este fato caracterizou-se, também, como a forma de legitimação da entrada das mulheres na profissão, visto também como a entrada desta no domínio
  • 3. 94 público. O magistério passa então a ser associado a características “tipicamente femininas” como: paciência, afetividade e doação. Características estas que se articulam à tradição religiosa da atividade docente, enfatizando assim a idéia de que a docência constitui-se mais enquanto “sacerdócio” do que profissão. Este pensar sobre o modo de ser professora como “trabalhadora dócil, dedicada e pouco reivindicadora” é o que mais tarde surge como forma de justificativa para os baixos salários, dificultando as discussões a respeito da profissão de ser professora. Nessa análise, observa-se que os relatos estão carregados das marcas sociais e culturais do lugar em que vivem, pois mesmo nos cursos de formação é fortalecido o discurso da prática docente como sendo feminino voltado à vocação, afetividade, estudo, qualificação, provisoriedade, autonomia, paixão, disponibilidade, amizade, criatividade, sacrifício, conquista, luta, etc. A afetividade é destacada por estas professoras como um dos atributos mais importantes para exercer a função de professora na educação infantil. Acentuam a necessidade da privacidade familiar e o amor materno como indispensáveis ao desenvolvimento físico e emocional das crianças, aparecem assim o desejo de cursar Psicologia, não sendo possível talvez a Pedagogia preencha esta vontade, atendendo ainda o desejo dos pais, conforme relata a professora Priscila, acreditando ter feito a escolha certa. “[...] meu desejo era cursar Psicologia, recordo claramente de uma psicóloga que aplicava testes vocacionais, nos ajudando a identificar uma possível melhor escolha. Então prestei vestibular pela 2 vez , novamente não me classifiquei. Em meu 3 vestibular optei pelo desejo de meus pais e minha segunda opção, prestando assim vestibular para Pedagogia... Cada dia que passa tenho certeza de que fiz a escolha certa, pois amo o que faço e principalmente as crianças... [...] das profissões que um dia queria aprofundar- me, como ser uma pediatra ou uma psicóloga, o meu ideal seria trabalhar com crianças. Na fala desta professora há resquício, ainda, compartilhado pela sociedade contemporânea, ou seja, o projeto burguês para a mulher permanece. Desta maneira, para as mulheres serem predominantes em sala de aula da educação infantil a questão de gênero é predominante. Assim, para o magistério legitimar-se socialmente, “precisa tomar de empréstimo atributos que são tradicionalmente associados às mulheres, como amor, sensibilidade, cuidado, etc. para que possa ser reconhecido como profissão admissível ou conveniente”. (LOURO, 1997, p. 96- 97) Percebe-se que, apesar dos percursos serem singulares, há evidências de que a escolha de ser professora não é um fato decorrente de uma escolha livre de pressões, mas sim, produto de imposições e determinações valorativas de classe e gênero1 . Neste sentido é perceptível que algumas escolheram ser professora devido a necessidade de se profissionalizar em curto prazo com 1 Conferir esta idéia na pesquisa de Belmira Bueno: “Autobiografia e formação de professores: um estudo sobre representações de alunas de um curso de magistério” (1996)
  • 4. 95 pouco investimento financeiro e encontraram algumas vantagens que outras profissões não oferecem. Assim, relatam que de principio não tinham como escolha ser professora, desejavam outros cursos, trabalhavam no comércio sendo a remuneração mais atrativa: “[...] sempre tive vontade de cursar Direito, mas não foi possível. Então continuei com a Pedagogia. Sempre gostei de crianças e acreditei que era possível fazer algo que gostava. Sem falar que não trabalhava aos sábados e com aquela idéia de dois meses de férias. Além de prazeroso seria vantajoso.Professora Elisângela “[...] minha mãe dava força para fazer o magistério, mas aquela história professor ganha pouco e eu tinha arrumado um estágio de dois anos no Besc, então fiz Técnico em Administração. Quando terminei o segundo grau, resolvi ficar um ano sem estudar, estava trabalhando na Collci, nessa época. Então, no ano seguinte, fiz cursinho pré vestibular no Potencial e prestei prova para Comércio Exterior, fui chamada mas não fiz a matricula. Queria fazer pedagogia, mas o lado financeiro me decepcionava. Então fui trabalhar na Pega Mania e depois de pensar muito fiz o vestibular para Pedagogia, passei e comecei a cursar[...] Professora Anelise. “[...] quando cheguei no ensino médio, resolvi fazer o magistério. Fiz, mas não tinha muito interesse em seguir carreira. O que eu queria mesmo era trabalhar em escritório. Quando me formei no magistério, fui trabalhar no escritório das Lojas HM. Não satisfeita com o trabalho, minha irmã estava grávida e precisava de alguém para substituí-la quando ganhasse nenê. Ela foi já no escritório e mandou eu pedir a conta. Pedi e fui trabalhar no lugar dela na... Deste dia em diante não parei mais ... não foi “eu”quem escolheu ser professora de educação infantil e nem creche. Tudo foi acontecendo. Primeiro fiz o magistério, mas não queria seguir a carreira, pois queria trabalhar em escritório, mas como não estava me adaptando, minha irmã mais velha (hoje aposentada) era professora e estava grávida, quando foi falar comigo para eu sair do meu trabalho para substituí-la Não pensei duas vezes. Acho que chegou a hora de mudar.Experiência nova e me identifiquei com a educação infantil.”Professora Sônia. Neste relato, a professora destaca o dom inato, ainda que não expressa claramente, porém quando afirma “tudo foi acontecendo” demonstra a naturalização da função, pois assim como sua irmã foi professora é natural que seja também. Outra professora destaca o curso de Pedagogia como a decisão de ser professora: “[...] quando comecei o 2ª grau, decidi fazer Ciências Contábeis... quando terminei o 2ª grau parei de estudar, não queria fazer faculdade, pois em Brusque não tinha nenhuma que eu me interessava, e fiquei quatro anos sem estudar. Comecei a trabalhar na Companhia Industrial Schlösser S/A... quando resolvi sair da empresa, já estava cursando a faculdade de Pedagogia e tinha decidido trabalhar como professora.” Professora Siomara. A professora Naide demonstra a importância que tinha a professora em seu lugar social, tanto que sua mãe incentivou a seguir este caminho. O nível de satisfação em aceitar a sugestão de sua mãe em relação à profissão se deve a ascensão social obtida em relação à sua família de origem, se não em termos de quantidade de capital econômico, ao menos no que toca à maior quantidade de capital cultural adquirido pelo aumento do nível de escolarização, do fundamental para o superior :
  • 5. 96 “[...] minha mãe disse para fazer o magistério, pois era uma profissão muito importante e valorizada. Então lá fui eu...Tive aulas de Psicologia com a Dona Ude, que hoje é a Reitora da Unifebe. Era um curso legal, acabei gostando pelo menos me livrei dos cálculos. Gostava de fazer os trabalhos, de ler as apostilas, mas sempre muito tímida...[...] prestei o vestibular para Administração como 1 opção e Pedagogia como 2 opção. [...] passei em Pedagogia para minha revolta.. [...] o tempo passou e fui tomando gosto pela faculdade... ” Professora Naide O valor do magistério é decorrente da trajetória social desta professora, pois ao que tudo indica, conforme outro depoimento “é que me sentia um Bicho do mato do interior na cidade grande”, vivia em uma cidade que a grande maioria trabalhava com a terra, eram agricultores, portanto, ser professora neste lugar social representava status. Além de desenvolver uma função importante, estaria longe dos cálculos, nestas circunstâncias ser professoras seria uma boa escolha. Esta facilidade e simplicidade de raciocínio que marcou a tomada de decisão quanto à escolha de ser professora, aparece desenhado na memória de outra professora: “[...] sempre gostei mais das aulas de português, história, Geografia etc. do que das ciências exatas. Esse foi um dos motivos que me levou a cursar o 2ª grau Magistério”Professora Elisângela. Parece, assim, que a escolha em cursar o magistério resulta do insucesso em outras tentativas, seja financeira ou ainda de conhecimento, como é o caso de não se identificar com cálculos, as ciências exatas. Neste sentido, o diploma de magistério se torna útil e funcional. Estas perspectivas estão relacionadas ao status profissional e à pouca legitimidade de que goza o magistério, valores estes socialmente atribuídos a esta profissão e que estas contribuem para o reforço de maneira inconsciente, pois faz parte do projeto de escolarização das depoentes. No entanto, segundo seus relatos, após ingressarem no magistério, estas passaram a gostar da experiência e acreditam ser esta realmente a “vocação”, romantizando então a profissão. Variados relatos evidenciam uma visão romântica da profissão, como se pode verificar nos excertos retirados das entrevistas. “[...] acredito, após ouvir diversas colegas, diretoras, etc que sou professora para os pequenos. Sou mesmo, pois amo trabalhar com eles.”Professora Elly Simone “Então fui trabalhar na Unimed Cooperativa de Trabalho Médico, no setor de serviço social. Fiquei nesta empresa por dois anos e meio e lá tive certeza que queria ser professora, pois o serviço social (através dos projetos) me revelou que poderia ser uma boa educadora.” Professora Siomara. “[...] pude contribuir e dar a minha parcela de amor, carinho e educação, cuidados e muitos abraços, beijos e sorrisos.” Professora Naide.
  • 6. 97 Estas professoras protagonistas desta pesquisa são jovens professoras, algumas já são mães com experiências, outras não, percursos, tempos diferentes, o que exige atenção na análise, pois constituem um grupo com diferentes histórias de como escolheram ou foram “escolhidas” para exercer a prática docente na Educação Infantil e que se assemelham, por vezes, pois fazem parte do mesmo projeto de escolarização. Assim, o que as levou a ter esta escolha ou serem escolhidas repetem em seus relatos o ambiente de familiaridade, de afetividade, quase que ausência de competição, de exigência, que se vivia na escola, então afirma a professora Ana Paula: “Procuro estar sempre de bem com todos os meus alunos, ter uma relação de respeito e muito afeto, gosto de tê-los sempre ao meu redor” e a professora Elly Simone continua: “[...] não sei, mas acho que é minha vocação cuidar dos pequenininhos, amo acariciá- los, sentir o amor deles pela professora, ensinar a falar, acalmar seus medos e receios.” Poderia inferir que além de analisar os motivos de escolha em relação ao ser professora, hoje já está mais presente que mulheres desejam profissionalizar-se. As razões são muitas, entre elas as decorrentes das mudanças sociais, econômicas e culturais que marcaram o momento atual, entre as quais a expansão dos meios de produção, maior necessidade de mão-de- obra e de escolarização, maior apelo ao consumo, o papel dos meios de comunicação criando e transmitindo novos valores e necessidades, movimentos reivindicatórios em prol de direitos sociais e cidadania, o controle da natalidade, novos papéis e funções a serem desenvolvidas pela mulher. (BUENO, 1996, p. 98-99) Assim também relata a professora Siomara: “Pretendo continuar sendo professora nos próximos anos, a experiência foi muito gratificante. Quero me profissionalizar mais, fazendo uma pós-graduação em educação infantil... Tenho muita força de vontade, e isso ajuda a sempre querer mais, saber mais. São pequenos gestos, pequenas demonstrações que fazem valer todo o nosso esforço de fazer uma faculdade, uma pós-graduação etc...” É neste contexto que estas professoras vão se constituindo professoras, porém há a possibilidade de autoconhecer, de criticar-se, optando por outro processo de se fazer professoras, assim como propõe FONTANA (2000, p. 48), [...] somente o distanciamento da experiência imediata e o confronto com outras perspectivas emergentes na prática social tornam possível a esse individuo perceber-se no contexto em que se foi constituído professor (a), analisar a emergência, a articulação e a superação das muitas vozes e das categorias por elas produzidas, para significar os processos culturais e então criticar-se ( ou não) e rever-se ( ou não), aderindo ( ou não ) a um outro projeto de escolarização. Nesta perspectiva, a professora Andréia Ristow relata: “[...] Sabemos que a visão sobre a educação infantil na sociedade ainda é muito “atrasada”. Embora já tenha conseguido ser amparada por lei e reconhecida como primeira etapa da educação básica com gratuidade e não obrigatoriedade. Muitos ainda têm a visão apenas do cuidar principalmente em creches. Sentimos isso todos os dias, onde os pais ainda preocupam-se com os cuidados, alimentação e higiene. Mesmo que
  • 7. 98 conversamos, explicamos e os envolvemos nos projetos educativos, ainda não são a grande parte que muda a sua concepção de educação infantil como primordial para o desenvolvimento global da criança. Mas não vamos desistir, pois cada vez mais lutamos para conseguir que a sociedade, os pais entendam e valorizem o trabalho na educação infantil. Sempre trabalhei com maternal e jardim I e II, mas o que sempre me identifiquei foi com a turma de 0 a 3 anos ( integral), o trabalho em creche, embora não seja valorizado externamente, é muito gratificante e nos preenche, pois temos mais tempo com as mesmas crianças onde conseguimos criar um vínculo afetivo maior, ajudando-os assim no dia-a- dia em nossa prática pedagógica... Acredito ser por estas questões a minha escolha pela educação infantil e preferencialmente por turmas de creche onde sei que elas têm potencial a serem explorados e podemos contribuir para que o desenvolvimento ocorra.” Professora Andréia Ristow. Ao que tudo indica esta professora, entre outras, vem acompanhando a busca da construção de outra maneira de se ver professora da creche, ou seja, a sua função. Recentemente, vem se discutindo sobre o atendimento da infância no Brasil, como já demonstraram Kulhmann Jr. (1999) e Bujes (2001), estes entre outros pesquisadores afirmam que em relação a atividade educativa da creche vêm tomando espaço o movimento em relação ao profissional que nela atua. Esse “deslizamento” da função do atendimento centrado no “cuidar” para o “educar” vem provocando muitos debates acerca da relação doméstica e educação. Mas, nesse espaço educacional, chamado creche, quando se tem apenas a função de substituir a família, torna-se uma dificuldade problematizar como um espaço educativo que não meramente assistencialista. No entanto, já se percebe, novas políticas públicas para a educação infantil, então, talvez comecem a emergir propostas de qualificação e escolarização desses profissionais também em serviço, ou seja, a formação contínua, que se constitui em um avanço sobre a função do profissional desse segmento de ensino, pensando em um outro projeto de escolarização para esta profissional, que envolva a reflexão sobre a sua constituição como professora. Diante destes depoimentos, é possível considerar os relatos de história de formação das alunas/professoras como uma representação, em seu caráter constitutivo, pois as idéias que as professoras têm sobre gênero, sua condição social, idade... não são apenas o modo como expressam os significados atribuídos, mas formas de produzir a prática docente na educação infantil, neste sentido faz-se necessário incluir nas políticas públicas para este segmento de ensino o trabalho com memórias. Busco então auxílio em Foucault (1993) em seu artigo intitulado A escrita de si (p.135 – 150), quando ele analisa alguns procedimentos de enunciação biográfica e mostra sua validade para as artes de si mesmo. Uma conclusão que chego após sua leitura, é que a escrita de si é sempre uma forma de constituir uma representação de si, seja pela enunciação do visível, seja pela descoberta do invisível. Entretanto, a despeito dela consistir, em si, em uma representação, sua utilidade reside no fato de poder, ao repensar a trilha dos acontecimentos, alimentarem o potencial de diferenciação de si mesmo. Ou seja, ao escrever sobre si, as professoras registram as marcas subjacentes a um
  • 8. 99 estado de ser atual. Isso é importante à medida que se recupera a potencialidade destas marcas e, de certa forma, estas se predispõem ao atravessamento pelas forças vivas do mundo, pelos acontecimentos. Ao serem atravessadas pelo acontecimento, a estabilidade se abala e, tendo vivificadas as memórias, elas tem disponível o potencial de vir a ser algo diferente do que tem sido. No entanto, a professora Kelli afirma que sua escolha na profissão de professora se definiu com o nascimento do seu filho: “[...] o nascimento do meu filho Lucas foi um momento marcante em minha vida, despertou em mim o desejo e a necessidade de me dedicar à criança desta faixa etária, conhecer seus anseios, suas limitações, suas necessidades, seu potencial... quando somos mães, conhecemos verdadeiramente a necessidade de afeto que uma criança pequena precisa para sentir-se bem no ambiente escolar, pois aqui será a sua 2ª casa!” Isto justifica que em decorrência da feminização, a professora passou culturalmente a se relacionar com a professora-mãe, com a conotação de ter que cuidar de crianças, das exigências de meiguice, docilidade, paciência... Tais características são percebidas em nossa sociedade como pertinentes ao sexo feminino, sendo representada como uma professora ideal, dotada de expressão afetiva e obrigações morais, conforme relata a revista Veja na década de 70, mostrando como durante todas estas últimas décadas a professora vem se construindo, ou se desqualificando, pois as pesquisas realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos2 já revelavam o despreparo das jovens professoras recém-formadas nas escolas normais. 2 Ministério da Educação e Cultura, 1970.
  • 9. 100 FIGURA 3 – Imagem retirada da revista Veja de 1970 Ziraldo (1995) contrapondo-se a esse tipo de professora idealizada escreve o livro: “Uma professora muito maluquinha”, editado pela primeira vez em 1995, conta a historia de uma professora apaixonante que se torna fundamental na vida de seus alunos. Define sua professora inesquecível de maluquinha, pois suas características são diferentes desta anterior citada: “tinha o sorriso solto, parecia com a Rita Haywort, era dinâmica, criativa e desvendava junto com os alunos os mistérios da linguagem...”.
  • 10. 101 É pertinente pensar se algumas dessas professoras, quando concretizam a escolha de ser professora se basearam num modelo de professora inesquecível de Ziraldo, uma maluquinha, ou se basearam mais com o modelo de professora ideal divulgada na década de 70 pela revista Veja. Então, do refrão popular já muito cantarolado até por professoras, as quais por vezes se orgulhavam em ouvir “Que saudade da professorinha que me ensinou o b-a-bá à história da professora maluquinha há uma distância. Distância essa que no percurso da vida escolar dessas professoras aqui registrado permite identificar quatro categorias referentes à escolha de se tornar professora: vocação, influência da mãe-professora e demais pessoas da família, gênero, a entrada no magistério e no curso de Pedagogia, por meio de suas professoras com seus modos de ministrar as aulas. Esta última categoria, a entrada no magistério e no curso de Pedagogia é determinante para a escolha de ser professora, que se concretiza em detrimento das outras categorias citadas, pois quando uma das professoras afirma “foi muito rico o aprendizado” permite inferir que os (as) professores (as) ensinavam bem. Portanto, para a professora Kelli, o ingresso no Magistério foi a decisão de ser professora, lembrando que já anteriormente ela afirma que a chegada do filho define esta escolha, alegando agora que no magistério aprendeu muito, enquanto que o curso de Pedagogia deixa a desejar: “[...] Quando cheguei no magistério onde eu resolvi ser professora, não tive muito incentivo, pois eu trabalhava no escritório de uma transportadora. Os familiares e amigos achavam o fim do mundo, sair do escritório para trabalhar com criança pequena: ouvir choro, trocar fralda, etc...[...] eu não estava realizada sempre tive vontade de fazer uma faculdade, [...] o magistério, onde aprendi muito, foi muito rico o aprendizado comparando com os dias atuais de hoje que estou na faculdade.O professor Nelson, um ótimo professor de didática [...] consegui uma vaga de auxiliar (apoio) no “Centro de Educação Infantil Tia Ana”. Foi um ano muito bom, não encontrei muitos problemas, pois como eu era mãe, deu para tirar de letra. Estou apaixonada de trabalhar com crianças dessa faixa etária. Há professoras que enaltecem o curso de Pedagogia, outras demonstram que o curso pouco contribuiu para a vida profissional, como é o caso desta professora. Ao analisar estas falas, volto a pergunta inicial, o que leva essas mulheres a escolherem o curso de Pedagogia e se tornarem professoras, se mesmo, por vezes, o curso apresenta falhas, e conforme já foi sinalizado há a desvalorização salarial e por conseqüência, certo desprestigio social, conforme os familiares da professora Kelli observaram, afirmado ser o “fim do mundo” sair de um trabalho intelectualizado para cuidar de bebês. Neste viés, faz-se necessário analisar como o curso de Pedagogia está construindo ou desconstruindo os motivos da entrada das alunas, como está auxiliando as professoras no fazer
  • 11. 102 docente, afastando ou confirmando o discurso da profissão professores como uma missão, um sacerdócio. Esta análise será visualizada no item a seguir quando as professoras relatam o processo de formação inicial e contínua. Assim, continuarei a busca de desvelar, por meio dos relatos de história de formação, o processo através dos quais as professoras constituíram um estilo didático, uma vez que, como já foi dito, ninguém se forma no vazio. Será que há professores (as) guardados na memória dessas professoras e que despertou o interesse por esta profissão? A depoente Elly Simone justifica a sua decisão final às professoras do curso de Pedagogia, afirmando que para continuar na profissão deu continuidade aos estudos, fazendo uma especialização na área. Então ela recorda: “[...] o curso de Pedagogia me fez um bem danado, pois até então eu era tímida e reservada... a professora Maria de Lourdes (Udi)... admirava e desejava ser como ela e como a professora tão querida e especial, D. Bernadete Fischer; que na época era Diretora do colégio Dom João Becker e me ofereceu meu 1ª emprego como professora substituta. Como sei que a profissão exige, resolvi fazer um curso de pós-graduação, o qual me incentivou e me ajudou ainda mais para que continuasse nessa profissão.” Assim como Elly Simone, provavelmente, outras professoras guardam na memória professores (as) que pela forma de lecionar, de ensinar na sala de aula possibilitaram mudanças na vida, pois passaram a se conhecer melhor, ao mesmo tempo em que oportunizaram um modo de ser diferente que traz a sensação de prazer, alívio, conquista, que por sua vez define a escolha de ser professora. Quando a professora em seu relato afirma que o curso de Pedagogia “lhe fez um bem danado” isso permite inferir que as professoras citadas por ela possibilitaram uma mudança no jeito de ser que ao tudo indica ser provocada pela estruturação da estrutura estruturada/estruturante denominada aqui pelo “modo de ensinar”. Durante os capítulos anteriores, venho afirmando que essa estrutura opera o habitus professoral bem-sucedido, e que esse, por sua vez, pode passar por reestruturação, como no caso deste relato acima, pelo modo como a aluna era tratada pelas professoras e como ministrava as aulas, a tal ponto destas professoras possibilitarem a vencer o obstáculo da timidez. Assim, mais uma vez mostro que as experiências vividas durante a história de formação são reveladoras dos meandros das práticas pedagógicas. A escolha da profissão para estas professoras passou por momentos de dúvidas, oscilações, que podem ser lidas, por um lado como um espaço de autonomia desta professora, uma possibilidade de elaboração do próprio projeto de vida. Porém, observa-se, por outro lado, a escolha não é livre, a tomada de decisão foi marcada, em geral, por influências da família e da escola. A influência familiar se dá através da orientação dos pais ou porque tinha algum parente (mãe ou tia) professora. O peso do meio escolar aparece através da identificação com alguns professores marcantes. A entrada no magistério e no curso de Pedagogia define a escolha de ser
  • 12. 103 professora por ser legitimado para a formação de professores, sendo que a especialização, vista como formação contínua, contribuiu para permanecer no exercício da prática docente. São fatos que relativizam a autonomia do sujeito, que acaba por fazer suas escolhas de frente ao leque de opções que a sociedade lhe oferece. As análises realizadas até aqui auxiliam para reforçar que: nas experiências vividas na história da escolarização há um habitus professoral que se desenvolve por meio de processos que engendram a mudança de um determinado conhecimento para outro. Essas professoras que recordam professores (as) principalmente do magistério ou da pedagogia, mencionaram ser a qualidade do trabalho que é resultante do modo de ministrar as aulas, que esses (as) professores (as) ficaram guardados (as) na memória desde alunas. Vejo importante ressaltar que o trabalho com memórias na formação de professores (as) foi (é) pouco visitado por pesquisadores, e, assim, “todo cuidado é pouco”, pois as constatações aqui realizadas, por meio da análise dos relatos de história de formação, podem até contribuir para a desvalorização do nosso jeito de ser professoras do que para justificar que somos proprietários de um estatuto de conhecimentos próprios, bem como dar um estatuto ao saber da experiência, conforme reforça Nóvoa (1995, p. 25). Neste sentido, a intenção é valorizar a professora na sua profissão, por meio da reinserção do feminino na história, que é permitido quando cada professora passa a se autoconhecer, autocriticar, passando a refletir sobre o projeto de escolarização que a constituiu/constitui, assim há o fortalecimento de continuar na profissão, resistindo a dominação, a naturalização, pois ao se olharem eles vêem, nos olhos uns dos outros, noites como a sua: noites onde habitam a paixão pela vida, a memória e o desejo de resistir. Noites que não são interioridades, mas processos criativos de multiplicidades e singularidades. Noites que não expulsam jamais de si, noites que nunca abandonam.(BELTRÃO, 2000, p. 90) É nesta perspectiva que a seguir irei observar como a formação inicial e contínua vem auxiliando, ou não, as professoras no cotidiano docente.
  • 13. 104 3.1 PROCESSOS DE FORMAÇÃO: FORMAÇÃO INICIAL E CONTÍNUA Textos que os mestres constituem para dizer de si próprios a si próprios (...) ao serem trabalhados, esses relatos favorecem o redimensionamento das experiências de formação e das trajetórias profissionais e tendem a fazer com que se infiltrem na prática atual novas opções, novas buscas e novos modos de conduzir o ensino (CATANI, 1997, p. 18). Assim como Catani propõe, reconstituíram, no item anterior, fatos, acontecimentos, situações, que privilegiaram como significativos em torno das lembranças do processo de escolha da profissão, sendo que neste item, serão evidenciadas as experiências vividas nos cursos de formação inicial e contínua. Será que é possível visualizar como essas professoras se tornaram o que são em sala de aula? Como foi produzida “professora e como está se produzindo “professora”? Nesse sentido é que me proponho a olhar o processo de formação de professoras a partir da sua produção e da sua subjetividade, deslocando-a das questões referentes à produção acadêmica, pois como aponta Pereira (1996, p. 15) A produção da subjetividade responde a uma espécie de orquestração de forças, visíveis e invisíveis, que compõem o mundo do sujeito. Quero dizer que aquilo que sou agora é uma forma que resulta de uma certa combinação de traços produzidos e/ou acumulados em minha vida, vitalizados pela interferência de forças outras, visíveis (oriundas do campo das virtualidades, das forças vivas do mundo). Olhando sob esse aspecto, vivenciamos a urgência do debate sobre a subjetividade, banida, por um longo período, das construções científicas. Subjetividade entendida, no contexto deste estudo, como produção, como processo de subjetivação. As aprendizagens situadas em tempos e espaços determinados e precisos atravessam a vida dessas professoras e o acesso ao modo como cada professora se forma, como a sua subjetividade é produzida, permite conhecer a singularidade da sua história, o modo singular como age, reage e interage com os seus contextos. Nesta perspectiva, proponho pensar o processo de produção do ser professor a partir de devires, de agenciamentos que atravessam os sujeitos e configuram subjetividades. Nos relatos de história de formação, as professoras podem identificar as rupturas e as continuidades, as transferências de preocupações e de interesses, as referências presentes no cotidiano docente. Esta pesquisa entende formação como um processo que atravessa toda a vida da pessoa, pois conforme Catani (1997, p.25 e 34), durante muito tempo a formação de professores foi entendida como inculcação de um conjunto de conhecimentos produzidos de forma alheia ao professor. De maneira oposta, a autora afirma que o modo de ser professora não se constitui somente a partir dos estudos das teorias pedagógicas, mas estão “enraizadas em contextos e
  • 14. 105 histórias individuais que antecedem, até mesmo, a entrada deles na escola, estendendo-se a partir daí por todo percurso escolar e profissional”. Em relação a um momento da trajetória da formação, no que tange à escolha do curso universitário, nem todas as professoras tinham a certeza de ser a escolha certa a Pedagogia, mas por vezes oscilaram entre Psicologia, outras, o desejo era o curso de Administração, Direito. Para algumas, a opção se fez por Pedagogia, primeiro por não passar na primeira opção do vestibular, ficando com a segunda opção que se refere à Pedagogia; segundo por ser Pedagogia o curso mais próximo da sua condição financeira. Os sentidos de muitas situações parecem ser dados depois do acontecimento, neste sentido, aqui, cabe a reflexão a respeito da visão de história com a qual se está operando. Como coloca Bourdieu (1997), seria a vida um todo coerente e orientado, ou, muito mais, descontinuidade, elementos justapostos que requerem uma criação artificial de sentido? Os sujeitos inventam sentidos, mas esses sentidos não se constituem sob o nada, mas, sob o que já é dado, historicamente, porque essas professoras ao contarem sua história de formação estabelecem uma certa coerência por meio de laços lógicos entre acontecimentos-chaves. Compreender como cada professora se formou é encontrar as relações entre as pluralidades que atravessam a vida pessoal e profissional (Nóvoa, 1995, p.114), pois Dominicé, citado por Nóvoa (1995, p.115), trabalha largamente o conceito de processo de formação, identificando-o a um desenrolar complexo, um conjunto em movimento, uma globalidade própria à vida de cada pessoa. Conforme Nóvoa (1995, p.116): o processo de construção de uma identidade profissional própria não é estranho à função social da profissão, ao estatuto da profissão e do profissional, à cultura do grupo profissional e ao contexto sócio-político em que se desenrola, ou seja, essa identidade vai sendo desenhada não só a partir do enquadramento intraprofissional, mas também, com a contribuição das interações que se vão estabelecendo entre o universo profissional e os outros universos sócio-culturais. Assim a professora Andéia Ristow comenta: “[...] o Fábio (agora meu esposo) que na época fazia faculdade de ciências da computação na (UNIVALI), sendo que a primeira coisa que fez foi me incentivar a voltar a estudar. Trazia folders dos cursos para que eu pudesse ver qual me agradava, como eu trabalhava em uma loja de roupas de crianças e me identificava e gostava delas, interessei-me por Pedagogia... [...] tive professores nota 10, compreensivos, inovadores e muito preocupados com a prática na sala de aula. Durante a minha faculdade, não tive a oportunidade de estar vivenciando os conteúdos com a prática escolar, pois eu era gerente da loja onde trabalhava e o meu salário era muito bom. Por este motivo, não pude lecionar antes de me formar.” O fato de gostar de crianças levou esta professora escolher o curso de Pedagogia, seus professores lhe foram significativos, como ela mesmo comenta, preocupados com a prática na sala
  • 15. 106 de aula, no entanto, ação essa que ela não exercia, mas ao que tudo indica seria noções básicas para atuar em sala de aula, que por sua vez não ficou tão claro assim por justamente ela não estar no exercício da função. Nóvoa (1995) observa que a formação inicial está cada vez mais ligada ao caráter meramente introdutório que lhe compete. Não há dúvidas de que o trabalho, a prática, nas diferentes escolas, vai ensinando, vai completando a formação da professora, através do auxílio e da influência de outros colegas, mas, também, da própria seleção que o exercício individual do magistério vai fazendo. O professor vai “aprendendo fazendo com seus alunos”, e retendo o que dá certo, incorporando-o para futuras soluções. Também no Magistério, na Pedagogia, nesta formação inicial, a professora Elizângela procurou uma oportunidade de fazer novas aprendizagens no campo cultural, social e do conhecimento, e assim relata: “[...] magistério... [...] foi a melhor época de estudo. Aprendi muita coisa referente a educação mas também foi uma época muito divertida. [...] tivemos ótimos professores que nos trouxeram muitos conhecimentos... [...] aprendemos à escrita correta das letras, passo a passo, para ensinar aos futuros alunos. [...] professora envolvente, contagiante, sempre queria que escrevêssemos e falássemos com a alma.[...] então continuei com a Pedagogia. Sempre gostei de crianças e acreditei que era uma oportunidade de fazer algo que gostava. Foi com a Pedagogia que conheci os verdadeiros autores da educação... [...] Agora estou cursando a pós-graduação em Educação Infantil e Séries Iniciais. Esta professora demonstra a necessidade de continuar estudando, então investe na formação contínua, da mesma forma a professora Beatriz afirma: “Somente após 08 anos que retomei os estudos, fiz a pós-graduação em Desenvolvimento da Criança em Brusque. Neste intervalo, porém, não deixei de me atualizar, pois participava com empenho a todos os cursos promovidos pela Secretaria da Educação entre outros. Há professoras que relatam que a formação inicial foi importante, no entanto, o que foi mais importante foram os cursos de aperfeiçoamento profissional, chamados de formação contínua, que acabam tendo um maior significado na vida profissional, por talvez tratar de maneira mais prática, ou seja, atendem as expectativas emergenciais ao que se refere ao cotidiano docente. Nesta perspectiva, a professora Lúcia afirma: “[...] a faculdade me deu suporte teórico, mas onde eu encontrava novidades e jeitos diferentes de lecionar eram nos cursos que a prefeitura incentivava, e eu participava de todos com vontade de aprender cada vez mais. Havia muita troca de idéias.” Segundo Nóvoa, as experiências profissionais não são formadoras de si. È o modo como as pessoas as assumem que as tornam potencialmente formadoras. (1995, p. 137). Portanto, para algumas professoras com quem realizai esta pesquisa, a profissão é a mediação que lhes permite uma intervenção no espaço social na sua dimensão macro. Elas vêem na profissão um meio privilegiado de contribuição no sentido da mudança e, por isso, empenham-se nela fortemente. Essa argumentação é possível conferir na fala da professora Andréia Ristow:
  • 16. 107 “[...] o professor tem uma grande responsabilidade em suas mãos, responsabilidade esta de estar incentivando o hábito pela leitura, escrita, autonomia, etc... [...] de plantar, dentro de cada vida, a necessidade de buscar e não se acomodar. Pois a sociedade, as crianças, os pais, ou seja, as famílias precisam de educadores comprometidos com a educação e que tenham a consciência de que podemos sim, transformar, mudar a concepção de educação que muitos ainda possuem.” Esta professora pode-se inferir, vê na escola um espaço de abertura de perspectivas e de valores, descobrindo também que a profissão que exerce pode se configurar em um projeto capaz de dar um novo sentido ao fazer docente. Analisando estas falas até aqui, concordo com Nóvoa (1995, p. 145) que é possível pensar que os processos de formação de cada professora é o resultado da ação conjugada de três processos de desenvolvimento: processo de crescimento individual, em termos de capacidade, personalidade e capacidade pessoal de interação com o meio; processo de aquisição e aperfeiçoamento de competências de eficácia no ensino e de organização do processo de ensino-aprendizagem; e o processo de socialização profissional, em termos normativos ou de adaptação ao grupo profissional a que pertence e a escola onde trabalha. Nas histórias de formação dessas professoras revelam que seus processos de formação não se constituíram apenas por meio de cursos freqüentados em escolas e universidades durante determinado períodos de suas vidas. Concordando com Nóvoa (1991, p. 70) “estar em formação implica um investimento pessoal, livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista a construção de uma identidade pessoal, que é também uma identidade profissional”. Então, a formação se constrói por meio de um trabalho de reflexibilidade crítica sobre as práticas e de reconstrução permanente de uma identidade pessoal. Nesta perspectiva, relata a professora Andréia Pruner: “Estou adorando, venho através das outras professoras e orientadora fazendo um bom trabalho. Busco sempre informações, em livros e na internet, sobre essa faixa etária para poder desenvolver meu trabalho melhor ainda”. A professora Priscila observa que o Estágio foi um momento significativo, provavelmente, por oportunizar a relação teoria e prática, sendo que a pós-graduação lhe trouxe um maior aperfeiçoamento, assim como ela registra: “Um ponto marcante desta fase fora o Estágio que realizei na Escola Círculo Bom Samaritano, tendo como objetivo incentivar o gosto pela leitura infantil. [...] Iniciei minha pós-graduação em paralelo ao oitavo semestre da faculdade. Minha sala era composta por muitas colegas da faculdade. Meu aperfeiçoamento foi obtido nesta pós- graduação [...]” Estas falas remete a pensar segundo Candau (1997, p. 64) a formação continuada não pode ser considerada como meio de acumulação (cursos, palestras, seminários, etc., de conhecimentos ou de técnicas), mas sim como um trabalho
  • 17. 108 de reflexibilidade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal e profissional, em interação mútua. Esta pesquisa possibilita detectar falhas, dúvidas, expectativas que as professoras têm em relação ao seu fazer docente. As professoras afirmam ser a universidade um espaço de reflexão e de reconstrução de saberes, porém, quando concluem seu curso superior, algumas dúvidas permanecem tendo duas opções a seguir: ou “entrar” na rotina realizando seu fazer docente sempre do mesmo modo, “viciado” em chavões, macetes e improvisações, ou repensar, reconstruir conforme seus saberes teóricos e práticos. A professora Kelli conclui: “O trabalho em grupo é muito bom. Hoje não tenho medo nem insegurança, é isso mesmo que eu quero para mim. Em 2004, entrei na faculdade, estou no 4 período, tenho muita coisa para aprender, principalmente em relação aos autores. Mas na prática é o meu dia-a-dia na sala de aula que me enriquece”. A professora observa que a faculdade é importante, pois lhe trará conhecimentos teóricos, mas, por sua vez, reforça a troca entre colegas como essencial, assim como revela a prática ser a constituidora de seu fazer docente. Pode se inferir que esta professora chama a atenção da importância de serem ouvidas, ou imbuídas de repensar a própria prática. Esse ouvir talvez não só entre colegas como ela citou a importância do trabalho em grupo, mas se constituir num espaço em que se pensa a própria formação continuada. Todos os relatos dessas professoras têm ligações com o percurso profissional em Educação Infantil, nas suas falas, na relação de troca entre as colegas de trabalho, que se reconstroem e se constituem sujeitos socioculturais, ou seja, estão sempre se fazendo num permanente constituir-se. Então, concluo que estas professoras dependendo do meio ou grupo no qual estão inseridas, são influenciadas diretamente no seu modo de vida profissional e pessoal. Nòvoa (1995, p. 82) afirma: Há muitos fatores que influenciam o modo de pensar, de sentir, e de actuar dos professores, ao longo do processo de ensino: o que são como pessoas, os seus diferentes contextos biológicos e experienciais, isto é, as suas histórias de vida e os contextos sociais em que crescem, aprendem e ensinam. É justamente este contexto social em que as professoras ensinam que nos remete aos aprendizes que são as crianças também inseridas em um contexto social e histórico. Para um melhor entendimento sobre esses sujeitos aprendizes se faz necessário revisitar, teoricamente, a história da infância e da Educação Infantil, revendo as concepções de criança, infância e educação infantil, fundamentais para a qualidade no trabalho pedagógico. Provavelmente no momento em que as professoras conseguirem situar histórica e socialmente estas crianças, com auxílio dos cursos de formação, seja a pedagogia ou a pós-
  • 18. 109 graduação, acredito que o projeto pedagógico dá e para a Educação Infantil mudaria, e se ligaria a um projeto político e social mais amplo, contribuindo desta forma para a construção formação dessas professoras. Considero, portanto, que a formação dessas professoras resulta não apenas de um treinamento específico, numa instância acadêmica. Tomo em conta sim, a idéia de que a pessoalidade e a profissionalidade dessas professoras andam juntas, isto é, ser a professora nais quais estas se tornaram é uma alternativa, uma saída que estas construíram, a fim de realizar um projeto emergente em sua subjetividade. Não aceito aqui a idéia de vocação, missão ou entrega, mas ao contrário, considero que ser professora é um modo de ser de um sujeito que, tendo vivido um dado quadro existencial, coloca-se agora como sujeito atuante de uma carreira. È uma diferença de si que elas acolheram. O processo de formação, tanto inicial como contínua, irão à última instância, instrumentalizá-las, podendo legitimar e institucionalizar sua escolha. Pensar, portanto, o processo de formação dessas professoras passa, a meu ver, pelo pensar o processo de produção de si. Então volto a perguntar: Como se vem a ser a professora que se está sendo? Como se constituem os quadros de referências dessas professoras que fizeram esta escolha? De que modo os meios formais (os cursos de formação, por exemplo) interferem e contribuem no desempenho do ser professora? Como se processam os cruzamentos entre as referências vividas ao longo da própria história e aquelas representadas no processo de formação? Como se desenvolvem as competências necessárias ao exercício da profissão? Para tanto faz-se necessário uma investigação articulada com a reflexão sobre a sua própria prática, que visa possibilitar a identificação de alguns dos principais dispositivos e caminhos de engendramento da prática profissional que oportunizam a construção de um estilo didático e é o que irei discutir no último item deste terceiro capítulo.
  • 19. 110 3.2 UM ESTILO DIDÁTICO: UMA CONTRUÇÃO “[...] na responsabilidade de seguir e assumir um trabalho; nas experiências novas; nos desafios; nos tropeços e nas tentativas frustrantes de investidas que acabaram dando certo, que hoje sou o que sou, aprendi o que aprendi, consegui o que fui atrás, devido a tudo isso dou valor a muitos valores que são para mim o princípio e a base para a construção de um sujeito e também a base para a sua caminhada na escola.” Professora Naide. A base para a caminhada na escola, a prática docente, conforme o que relata esta professora é construída a partir de experiências vividas durante todo o período da escolarização, e, também, durante toda a vida, pois esta permite aprender as estruturas estruturadas/estruturantes de um habitus professoral. Estas estruturas se referem justamente a tudo aquilo que a professora mencionou: “nas experiências novas, nos desafios, nos tropeços...” que se constituem os modos de pensar e agir, por meio das representações, que vão se organizando resultando em práticas que “acabam dando certo”, definindo o seu jeito de ser e estar no mundo, ou seja, de atuar como professora, ou melhor, ainda irão permitir a construção de um estilo didático. Desta forma, a partir do momento que as práticas pedagógicas são efetivadas, por meio de um estilo didático construído, segundo um esquema gerador pré-estabelecido, elas podem sofrer reestruturação advindas de novos elementos sócio-históricos-culturais que vão sendo engendrados no seio da sociedade como um todo. É nessa medida que se pensa, aqui, o engendramento do habitus professoral: um modo de pensar e agir na situação de ensino escolarizado.( SILVA, 2003, p. 39) Com auxílio desta pesquisadora, passo a observar que assim as professoras vão construindo um estilo didático, pois a professora Ana Paula confirma que seu estilo de trabalhar se desenvolve a partir das práticas boas das pessoas e procura aprender com os erros: “Não sei se tive uma professora em que me inspiro tento ‘copiar’ das pessoas sempre as coisas boas que elas têm e aprender com os erros... Meu estilo de trabalhar é baseado mais nas brincadeiras, jogos, e trabalho coletivo concreto, penso que as crianças aprendem mais com o que podem tocar e pegar.” Esta professora, da mesma maneira, lembra como iniciou na profissão e revela como foi se constituindo a professora que é, deixando explícito que as experiências vividas são guardadas na memória e a partir do que foi significativo é que se evidencia na prática. Assim, as experiências acumuladas, ou melhor, todo esse “equipamento cultural acumulado” é que a professora se apóia para trabalhar nas salas de aulas da creche, ou seja, constitui-se em um jeito de dar aulas, em um habitus professoral, confirmando que não somente o curso de Pedagogia poderá oportunizar este aprendizado do modo de ensinar, mas também o resultado de aprendizagem não intencional. È neste viés que a relação teoria e prática se concretizam pelo jeito de dar aulas, pelo modo do qual um determinado conteúdo é explicado que se torna significativo, resultante de um habitus professoral bem sucedido que, por sua vez, será utilizado na prática docente, possibilitando novas
  • 20. 111 cenas para o cotidiano das creches. Utilizo-me do elemento explicação dos conteúdos, apoiando- me em Silva (2003, p.93), quando esta observa que este elemento “qualifica as questões que dizem respeito à relação teoria e a prática”, tendo em vista que as professoras ao relatarem sobre como construíram um estilo didático, ressaltam a importância deste elemento para que possam efetivar uma prática docente eficiente e igualmente reclamam quando isto não acontece, pois entendem que quando há uma boa explicação da matéria, entendida por elas como uma habilidade de minuciar de maneira estratégica um assunto, oportunizando o entendimento de ações práticas, de situações cotidianas, enriquecendo a atuação docente e a criação de novas práticas. Dessa maneira, reforça- se a idéia de que para investigar os estilos didáticos utilizados por essas professoras para ensinar as crianças da creche é relevante analisar e refletir sobre as experiências vividas na história da escolarização, incluindo a trajetória profissional. Nesta perspectiva revela a professora Priscila “[...] acumulei experiências em sala de aula substituindo professoras em várias oportunidades e escolas. Conforme Fontana (2000, p. 52), [...]os estudos afirmam, por exemplo, que os professores atribuem significados a suas experiências e à trajetória vivida e consideram que se formam na própria trajetória da docência com os alunos e com os colegas... mas não abordam ou problematizam os processos pelos quais a formação pelo outro e esses significados foram produzidos e se consolidaram. Observo, então, que ao analisar os fragmentos de seus relatos, elas próprias enumeram muitas estratégias utilizadas para driblar o dia-a-dia, quando a insegurança e o que fazer diante de situações práticas que a teoria não explica, partilham entre colegas tais práticas docentes, “trocam idéias, experiências que deram certo, reúnem-se para estudar, participam de cursos específicos”, assim como diz a professora Andréia Ristow: “[...]fiz inúmeros cursos... 1ª jornada Curitibana de Educação Escolar e Pré-Escola, realizada nas dependências da PUC – PR... participei do 3ªEncontro Nacional de Jardim de Infância e Pré-Escola, realizado em Balneário Camboriul... Neste ano, encontrei a Clarice leal que falava sobre Motivação e Valorização Profissional. Foi maravilhoso!!! E assim fui tentando suprir a falta da prática docente, para o complemento da faculdade. Também se utilizam da estratégia da interação professoras e crianças, como elas próprias relataram “ouvem mais as crianças, as acompanham de perto, respeitando os seus interesses”. No entanto, não se aproximam da dinâmica em que vão sendo produzidas, aproximando-nos do “perceber-se professor” já constituído e não dos processos pelos quais se foi constituído. A gênese e o desenvolvimento, nos indivíduos, do seu “ser profissional” não são traçados.Eles são inferidos a partir das representações já constituídas e da interpretação que delas se faz com base nas teorias assumidas.. . Embora se assuma o sujeito como histórico e social, congela-se o movimento e fixa-se o sujeito. (FONTANA, 2000, p. 53) .
  • 21. 112 Este se configura em um desafio, pois essas professoras entram em contato com diferentes teorias, significam, resignificam suas práticas, nas experiências vividas, no movimento da construção/formação do ser professora, com o propósito de aqui apresentá-lo, mesmo na sua incompletude, sempre a partir do outro, que se mescla no seu ser e que é revelado nos relatos no próprio processo de constituição e é “nesse jogo, seria necessário explicitar, quem se diz e quem é dito, quem silencia quem, o que é silenciado, por quem e por quê.” (FONTANA, 2000, p.55). Este outro, em algumas vezes, são as colegas de trabalho, é assim que a professora Siomara se vê ao observar o quanto foi rápido para ela estar em sala de aula e qual foi a sua atitude diante do exercício, da profissão, quando a insegurança, o medo de planejar a acompanhava: “Penso que foi tudo muito rápido, de repente lá estava eu, em uma sala de maternal com 18 crianças. Foi difícil, principalmente no primeiro mês, era totalmente inexperiente e sabia da responsabilidade de cuidar e educar essas fofurinhas. Pude contar com a Roberta (auxiliar) que foi ainda continua sendo, o meu refúgio, para ajudar em todas as situações... Não trabalhamos como eu professora e ela auxiliar, trabalhamos juntas, ela me ensina e me auxilia em todas as tarefas ... Eu escolhi ser professora de creche, porque eu achava que era mais fácil. Como iniciei agora, eu pensava que seria mais leve e que poderia aprender e ver como seria para mais tarde (quem sabe) ser uma professora de 1ª a 4ª série. Com certeza já tive algumas experiências que não é mais fácil, nem mais leve, pelo contrário, precisamos estar dispostas e com muita vontade dia-a-dia.... Meu grande medo era como fazer planejamento, o que fazer com as crianças, o dia todo... Penso que tudo que a criança aprende na creche é através, muitas vezes, do estilo didático de cada professora. Para ser uma professora de creche, você deve se doar por inteiro para as crianças, você deve ser carinhosa, atenciosa,,paciente e com certeza gostar de crianças.” Esta professora chama a atenção para o desconforto causado no inicio do exercício da profissão, frisa que se apoiou na amiga de trabalho (o outro), esta que lhe ensinou a ser professora, e ainda, escolheu ser professora de creche, porque a imagem que tinha da professora, deste segmento, era aquela que só iria cuidar, então não havia necessidade de conhecimentos mais elaborados, no entanto, o dia-a-dia lhe fez sentir que não é tão fácil assim. Então, penso que hoje esta professora pode ver este momento como uma oportunidade pedagógica necessária e que o desconforto daquele momento vivido hoje pode se transformar em questionamentos igualmente necessários para o seu fazer docente que, por sua vez, a propiciou avançar na prática pedagógica. Ainda é pertinente pensar, a professora estava cursando o segundo ano do curso de pedagogia, curso este legitimado para a formação docente, como ainda não sabia planejar aulas? Quando e como se aprende a ser professora? A ministrar aulas? Poderia inferir que ao aceitar o desafio de ser professora beneficiou-se de imediato das experiências vividas como aluna, mesmo que inconscientemente, e, naquele momento, como professora, que estava se apoiando ainda na amiga. É provável que no seu modo de ser professora encontram-se as representações que construiu sobre o cotidiano do mundo escolar, bem como sobre a profissão-professora (o outro). Nesta perspectiva, habitus consiste na matriz de percepções,
  • 22. 113 de observações e ações, que tem por objetivo orientar tanto a prática planejada da professora em sala de aula, como a improvisação que eventualmente ocorrem, tanto a concretização de receitas didáticas como a invenção de novas estratégias, tanto as ações inconscientes como as atitudes mais bem pensadas. Esta idéia fortaleceu o pensamento de que as vivências que são concretizadas no âmbito das práticas sociais podem construir habitus, o que já foi comentado nos capítulos anteriores, e novamente constatado aqui. A esta noção de habitus, já explorado, exaustivamente, por Bourdieu, poderia ainda somar um outro questionamento: porque essas professoras não buscaram auxílio em manuais didáticos, sendo estes autorizados para serem explorados no exercício da profissão, pois não é aí que contém informações necessárias referentes aos saberes imprescindíveis a uma prática pedagógica eficiente? Estas professoras utilizaram-se, mesmo que inconsciente, das experiências vividas como alunas, ora mesclando com o auxílio de amigas que ensinam a exercer a profissão e buscando efetivar um trabalho docente por meio da construção de um habitus, que se deu ao valorizar o trabalho docente de professoras ( o outro) que para elas obtiveram um resultado bem-sucedido, tirando uma lição que ficou guardada na memória, e hoje se utilizam na efetivação da prática. Pois é assim mesmo que afirma uma dessas professoras “as crianças aprendem por meio do estilo didático de cada professora”. Também quando sua atuação docente, ou seja, a constituição de um determinado habitus, não é bem-sucedido, passa a ser estruturado por um outro habitus professoral. Esta situação se expõe no relato da professora Andréia Ristow: “É assim que ocorre o meu trabalho com as crianças, nada mecânico, nada sem objetivos de interesse da criança... Meu fazer pedagógico foi construído ao longo desta caminhada de sete anos de sala de aula, sempre observando, pesquisando, fazendo e refazendo várias ações, pois erramos muito nesta caminhada, lembro-me da vez que dava aula no planalto, onde uma aluna sempre na hora dos brinquedos, retirava a caixa de papelão, entrava dentro e brincava com a caixa. Eu sempre brigava dizendo para sair, para não estragar a caixa. Somente no outro ano “caiu a minha ficha” que era importante para ela e que estava aprendendo bem mais com a caixa que ela tanto explorava, do que com os brinquedos que eu/professora achava mais interessante para ela. Desta forma, é claro, comecei a mudar minha prática e observar e analisar o que realmente é interessante e significativo para as crianças. Não é a toa que hoje, meus alunos conseguem brincar mais, explorar objetos, construir e destruir caixas, sucatas e serem mais independentes.” Este depoimento permite admitir que é pela prática docente ser desenvolvida por habitus, que se pode questionar a disciplina de Didática, entendendo esta como a responsável por construir um estilo didático, ou seja, por se tornarem professoras. No entanto, todas as professoras, ao iniciar na profissão, não buscaram, ou não encontram subsídio para desenvolver a prática docente no curso de pedagogia e mais especificamente na disciplina de Didática, pois nenhuma mencionou em
  • 23. 114 suas memórias, mas sim buscaram refúgio nas amigas de trabalho e nas experiências vividas na história da escolarização, bem como na prática do dia-a-dia, “pesquisado, fazendo e refazendo”, pois o que todas, sem exceção, deixaram explícito é que desejavam ao exercer a função, saber como é ser professora na educação infantil, tanto que a professora Siomara “... achava que seria mais fácil...”, pois até então o curso de pedagogia não deu conta de ensinar o modo de ser professora. Ao falarem sobre o conhecimento adquirido para exercer a função de professora, uma delas apenas se refere ao professor de Didática: “Acredito que toda a minha didática foi embasada no meu Magistério que como já falei foi muito rico em atividades práticas, pesquisas, etc... O professor, destaque desta época, foi o professor Nelson Frener, um ótimo professor de didática... Hoje curso o terceiro período da faculdade na Unifebe (Pedagogia) onde estou aprofundando mais meus conhecimentos. Porém sinto dificuldade na relação entre teoria e prática, pois penso que a Universidade deveria fazer esta ponte. Mas na prática é o meu dia-a-dia na sala de aula que me enriquece”. Ao que tudo indica, não é a disciplina em si que é importante, mas sim o modo pelo qual o professor lecionou as suas aulas, o que conta é a qualidade do encontro, a qualidade do trabalho que não resulta do pedagogismo, mas sim da relação estabelecida que desperta sentidos, significados que motivam o aprendizado, sendo oportunizado pela atividade prática, ou seja, “rico em atividades práticas, pesquisas” . Confirmando que a qualidade do encontro propiciada pelo modo de lecionar implica na explicação de teorias, de conteúdos, utilizando-se o professor da estratégia de aula expositiva, que está sendo tão criticada e até em desuso, pois o discurso contemporâneo implica em se utilizar de diferentes estratégias como por exemplo a multimídia, e no entanto, estas professoras e outras não questionam a necessidade de se utilizarem de diferentes estratégias, mas sim uma boa explicação de um determinado assunto teórico, que se relacione de alguma forma com as questões do cotidiano da prática docente. Então ao se perguntar de quais experiências essas professoras constroem o seu saber docente, confirma-se cada vez mais que os professores tomam como fonte básica de orientação para seu fazer cotidiano conselhos ou prescrições de professores mais experientes , e/ou imitam professores ou evitam agir como professores de que não gostavam, muitas vezes minimizando indicações dos especialistas. (DIAS DA SILVA, apud SILVA, 2003, p. 100) Portanto, ao se referir ao curso de pedagogia que hoje está cursando, a professora Kelli fez uma crítica, não a disciplina por sua natureza, mas pelo fato de como os (as) professores (as) ministram as suas aulas, ou seja, não fazem a relação teoria e prática, o que cresce o desestímulo em continuar cursando. Esta afirma que a prática do dia-a-dia lhe engrandece, como uma forma de suprir este referencial que não encontra no curso, ou seja, não ajuda no desempenho do trabalho de sala de aula, na efetivação da prática, porque a prática pedagógica de seus (as) professores (as) assim é vista ineficiente. Assim, também, comenta a professora Jandira: “Profissionais que fazem
  • 24. 115 confundir suas atitudes, pois dominam a “teoria”, mas a prática.... Este comentário da professora confirma aquela idéia do educador americano John Dewey, quando se diz que um professor tem dez anos de experiência , será que tem mesmo? Ou tem um ano de experiência repetido dez vezes? Então, Nóvoa (1995) afirma que só uma reflexão sistemática e continuada é capaz de promover a dimensão formadora da prática. Os grupos de professoras confirmam que aprenderam a prática docente no exercício do cotidiano das salas de aula, na prática. Esta observação não se baseia na qualidade dos ensinamentos oferecidos pelo curso de pedagogia, formação inicial ou contínua, mas porque estabeleciam relação com o modo pela qual tinham aprendido a ser professoras que se reforça na atuação do dia-a-dia. Apesar de estas professoras legitimarem o curso de pedagogia como essencial para a atuação docente e reforçam que para permanecer na função é necessária a formação contínua, insistem em afirmar igualmente que se aprende a ser professora, a construir um estilo didático na prática. Prática esta que se constróe a partir das experiências já vividas no mundo escolar, aliada ao auxílio de colegas de trabalho, na discussão sobre a prática, como confere uma dessas professoras: “Eu e a Rosi, planejamos sempre juntas e trabalhamos bem unidas, construímos um elo de amizade bem verdadeiro e uma sempre ajuda a outra e assim nosso trabalho acontece. Professora Andréia Ristow. Na mesma ótica, confirma a professora Lúcia: “[...] a Solange me ajudou muito com incentivos, carinho e mostrando tudo o que eu precisava... marcou muito... eu pensava em ser uma professora carismática, cheia de idéias, dinâmica... tudo o que eu via nela me admirava muito. Ela sentou-se comigo para me mostrar como preparar uma aula, foi comigo a sala e me mostrou como deveria fazer a aula acontecer... senti a necessidade de procurar mais, então prestei o vestibular e entrei na faculdade. Passei o curso todo estudando e procurando respostas de como eu conseguiria me superar e estar melhorando, cada vez mais, sendo também dinâmica, cheia de novidades para os alunos. A faculdade me deu suporte mas onde encontrei novidades e jeitos diferentes de lecionar eram nos cursos que a prefeitura incentivava... havia muitas trocas de idéias. A professora acima observa o quanto é significativo para o seu fazer docente, o falar, refletir sobre, ou seja “trocar idéias”, que motivem a continuar na profissão, assim como é significativo da mesma forma iniciar o exercício da profissão, podendo se espelhar em outra professora que lhe dá apoio para a prática docente cotidiana. Então, passo a me questionar se essa prática da qual elas se referem não seria o modo como cada uma delas se inseriu na profissão, ou seja, no mercado de trabalho, como se usufruiu ainda, que inconsciente das experiências didáticas acumuladas durante a história da escolarização. Continuo a vasculhar e buscar me certificar como os saberes didáticos foram ensinados e aprendidos nesses cursos por estas professoras. Passo então a pensar que essas professoras poderiam estar estabelecendo uma relação entre os saberes didáticos (resultado da disciplina de
  • 25. 116 Didática) e a efetivação da prática docente. Mas por outro lado, elas não mencionam esta disciplina, com exceção da professora Kelli, sendo que todas as demais observam apenas que necessitam de conhecimentos teóricos, mas que por sua vez, estes se distanciam da prática. Parece- me o mais conveniente afirmar que o estabelecimento de um habitus é construído a partir do efetivo exercício da prática pedagógica à qual essas professoras foram submetidas quando alunas durante sua história de escolarização, aliando ao auxílio de colegas de trabalho que se tornam exemplos significativos de uma prática docente eficiente, como uma dessas professoras se referiu um “refúgio”. Posso dizer, assim, que a construção de um estilo didático antecede a formação que se dá no magistério, na pedagogia, enfim, nos cursos responsáveis pela preparação para o exercício da profissão docente. Ela se associa à própria história de vida da professora. O percurso de vida é um percurso formador e, sem dúvida, não apenas marca, como sobretudo determina a vida profissional, como se pode constatar nos fragmentos dos relatos aqui registrados e ainda mais estes que marcaram a vida profissional destas professoras: “[...] prestei vestibular para Pedagogia pela Furb. Iniciei o curso no 1ª semestre de 1987. Também foi neste mesmo ano que comecei a lecionar. Foram quatro anos que enriqueceram e aprimoraram muito os meus conhecimentos a respeito da Educação. Foi a época em que fiz muitas amizades... Em uma das aulas tínhamos que dar uma aula fictícia. Esta aula era filmada para depois assistirmos e observarmos os pontos positivos e os negativos. Lembro-me que ao assistir a fita observei que falava com freqüência a palavra “né”. Até hoje me policio em torno desta palavra.”Professora Beatriz. Observo que o que mais marcou foram as amizades e o fato de dar aula, mesmo que seja fictícia, evidencia a prática como um dos momentos importantes e que oportunizou mudar o seu jeito de se expressar, fez refletir sobre o seu modo de ensinar, oportunizando uma mudança na vida prática. A professora Anelise observa que o inicio da sua profissão foi significativo pela ajuda que teve de colegas de trabalho, auxiliando-a a planejar aulas: “Algumas pessoas que trabalhavam no Osvaldo Reis me ajudaram e eu preparava muito bem as aulas, estudava pesquisava cresci muito na ano que estava nesta escola.. Esta, por sua vez, também chama atenção para o significado da prática, ao que tudo indica é fazendo, atuando que se aprende a ser professora, sendo que este aprender se dá também pela ajuda de outras professoras. Neste viés, atualmente, começa-se a reconsiderar o papel do sujeito que reaparece face às estruturas e aos sistemas, e, com ele, reaparece a qualidade face à quantidade e à vivência face ao instituído. Assim, os sujeitos sociais e os atores sociais, não apenas do caso da Educação, mas nas Ciências Humanas de um modo geral, são levados em consideração nas investigações e podem
  • 26. 117 descobrir que são capazes de alterar o significado das realidades institucionais e, fazendo isso, modificam o significado de si mesmos. Essas novas concepções teóricas, acerca da participação dos sujeitos nos processos históricos, trazem conseqüências para os estudos sobre formação docente. Diferentemente do que se acreditava nas décadas passadas, hoje se trabalha com a hipótese de que a identidade profissional é inseparável da identidade pessoal, como já foi refletido nos capítulos anteriores. Portanto, os estudos atuais procuram destacar que há uma relação estreita entre o que o professor é, como ele se vê e a forma como desempenha a sua função profissional. Há relações estreitas entre identidades profissionais e as pessoais em todas as dimensões ( sua identidade de gênero, de classe, de etnia etc.). Como afirma Nóvoa (1992, p.25): “O professor é a pessoa e uma parte importante da pessoa é o professor”. Por isso, os estudos mais recentes vêm afirmando que a formação docente é algo muito mais profundo e complexo do que a aquisição de habilidades e de competências. Durante as décadas de 70 e 80, o movimento pedagógico insistiu em mudar os conteúdos sabidos, os conteúdos dominados pelos professores. Era a crença de que, se o professor mudasse suas concepções de Educação e tivesse maior domínio teórico, teríamos uma prática educativa de melhor qualidade. Isso justifica o fato de no inicio da Educação Infantil, em Brusque, neste período histórico, as coordenadoras insistirem tanto em estudar as teorias piagetianas, wigotskianas, sendo que na prática tudo era muito confuso, demonstraram em seus depoimentos que a teoria se distanciava da prática. Entretanto, alguns estudiosos3 têm dado maior relevância ao fato de que a questão da formação docente, a questão da configuração profissional, não é apenas algo relacionado ao domínio de novas técnicas, nem de novos paradigmas teóricos. Não se trata apenas de uma questão cognitiva, mas, também, de uma questão de se compreenderem os valores, as definições éticas e as visões do homem sobre a Educação e o mundo em que essas professoras, por exemplo, introjetaram-se e vêm se introjetando ao longo de suas vidas pessoais e profissionais. A formação docente, baseada no modelo de racionalidade técnica e, segundo Schon, baseada em soluções técnicas para a solução de problemas, começa a ser questionada já na década de sessenta. Outros aspectos como complexidade, incerteza, instabilidade, singularidade e conflito de valores passam a ser considerados. A formação não é algo meramente precedente ao fazer pedagógico. Ela, sem dúvida, acontece nos cursos de formação, nos cursos de Licenciatura, mas o local no qual ela se configura e 3 Por exemplo: Antônio Nóvoa, Ivo F. Goodson, Donald A. Schon, Philippe Perrenoud, Marilda da Silva, Denice Catani, Belmira Bueno e outros.
  • 27. 118 no qual o profissional cria forma definitiva é no próprio trabalho, sendo exaustivamente confirmado pelas depoentes desta pesquisa. A configuração da profissional da creche se dá, portanto, no seu cotidiano e é, a partir dos conflitos que vivenciam na sua prática diária, que a professora elabora e reelabora teorias, constrói novos saberes e novos saber-fazer. Ou seja, nesta perspectiva, se sai da lógica do “estar preparada” para o preparando-se a partir do surgimento da questão. É nesta perspectiva que estas professoras, na sua grande maioria, apresentaram quais teorias e quais práticas pedagógicas guardam na memória e que permanecem em suas vivências docentes e quais práticas e teorias se romperam a partir do que foi ensinado e criaram condições para novas cenas na educação infantil, construindo um estilo didático, portanto, por meio de um habitus professoral. Isto se justifica quando as professoras enaltecem a prática como a responsável pelo fazer docente, ou seja, aprendem a ser professoras no exercício da função, observando no jeito de ministrar aulas, procedimentos pedagógicos semelhantes aos vividos como alunas, e, agora, reproduzidos como professoras, escolhendo um estilo didático para ministrar as aulas na creche. As teorias piagetianas e wigotskyanas permanecem em seus discursos, no entanto, na prática docente há rupturas que são oportunizadas pelo próprio fazer docente, nas trocas com as colegas de trabalho quando passam a refletir sobre o fazer, sobre os conflitos, frustrações vividas, então observam os erros, as práticas pedagógicas bem-sucedidas, nas quais foram submetidas quando alunas e a professora que estão sendo, que darão lugar a novas ações, pensando assim, as teorias também passam por rupturas (ou não), pois nesta ótica, essas professoras elaboram e reelaboram teorias por meio dos saberes que constroem na efetivação da prática, no saber-fazer. Também é preciso considerar que a prática docente envolva uma série de ações que, por vezes, as professoras não sabem descrever com precisão, eis o motivo das falas das professoras se contradizerem, como por exemplo: “da responsabilidade de cuidar e educar... Para ser uma professora de creche, você deve se doar por inteiro para as crianças, você deve ser carinhosa, atenciosa,,paciente e com certeza gostar de crianças.”Professora Siomara.. A professora Jandira continua afirmando: “Hoje, em toda comunidade, os pais sentem o dom o qual tenho pela Edu. Infantil. Isso acontece pela aceitação das crianças e o repasso das atividades acontecidas durante o ano, pelas quais a criança modifica suas ações, demonstra conhecimento e mais, procuro sempre interagir com os pais, pois os mesmos nos proporcionam mudança de atitude, além de ser parceiro da escola, repassa segurança e estar acompanhando seus filhos, e interagindo com eles através das pesquisas...Diante de minha vida profissional, procurei trabalhar de forma lúdica, vivenciando a realidade através da fantasia transformando em conhecimento,a criança demonstra através de atitude a mudança de comportamento...” Ora, estas professoras afirmam a necessidade de desenvolver um trabalho com responsabilidade em que devem estar presentes o cuidado e a educação, subentendendo que é necessário um conhecimento teórico na área para exercer a função de ser professora de creche, ou seja, usando de termos mais contemporâneos, ser a profissional dotada de um curso de pedagogia,
  • 28. 119 pós-graduação; ora a professora se contradiz afirmando que deve se doar por inteiro, prevalecendo a vocação, o dom, então gostar de criança e ser afetuosa já é o suficiente, romantizando, portanto, a profissão. Assim, como já foi sinalizado por Valle (2003), no fazer docente, permanecem os aspectos da identidade vocacional mesclados aos aspectos da identidade profissional numa perspectiva mais contemporânea. No entanto, “existe um saber que se dá no fazer”. Esse saber tácito ou conhecimento prático é adquirido por meio do exercício da atividade, a partir da experiência adquirida. As professoras dão respostas imediatas a problemas que se enquadram dentro da mesma estrutura que outros problemas já resolvidos, então, a professora Naide acredita que “[...]cabe a nós, professores de educação infantil, “perseguir” tais características, pois é aí que se esconde uma rica fonte de conhecimentos e um canal para trocas e internalizações de novos conhecimentos. Hoje, percebo tudo isso trabalhando com a faixa etária de 02 anos. Tem dias que eu quero sair correndo, pois não deu nada certo daquilo que eu planejei. Chego em casa, paro e reflito e percebo que de uma maneira indireta houve aprendizagem, troca e, principalmente amadurecimento, pois sempre se aprende a conhecê-los e poder melhorar nosso trabalho com os fatos que ocorrem no dia-a-dia. Gostaria de ficar muito tempo com a Educação Infantil, “ela” e eu temos muito o que trocar, dialogar e aprimorar para obter cada vez mais qualidade no atendimento e buscar dar contribuições e mediações mais acertadas no que diz respeito a construção de sujeitos que não se deixem passar por anônimos na sociedade em que vivem e sim dêem sua parceria de contribuição no sucesso de um mundo melhor e com um futuro promissor para as demais gerações. Desta maneira, o modelo de racionalidade técnica mostra-se inadequado, uma vez que desconhece o papel do educador como agente de construção da sua própria prática. Ou seja, não reconhece a professora como alguém que define quais são os problemas que merecem serem levados em conta, a partir de sua filosofia de vida, das suas concepções de educação ou, ainda, a partir da maneira como percebe o seu fazer docente. Esse modelo é mais uma vez inadequado por não levar em consideração o saber da experiência, ou seja, o saber que a professora da creche constrói na sua relação cotidiana com o contexto educativo. No modelo de racionalidade técnica, concebe-se a prática pedagógica como sendo uma transposição direta de preceitos teóricos, de métodos de trabalho e de receitas didáticas. Considera-se a prática da professora como sendo a simples aplicação do que ela aprendeu nos seus cursos de formação. Os diferentes fatores que influenciam e determinam a ação educativa não são levados em conta pelo modelo de racionalidade técnica. Então, concluo que pelo fato destas professoras terem sido formadas nessa concepção, prevalece a atitude de perguntar aos formadores como devem fazer, de que forma, e com qual receita, sendo que nos relatos da história de escolarização, mesmo que inconscientemente, revelam a gênese e o desenvolvimento do ser professora, da construção de um estilo didático aqui traçados.
  • 29. 120 Diante do relato da professora Naide acima valorizado, esta pesquisa, aposta em uma outra concepção acerca da formação docente que procura ressaltar o fato de que as professoras se tornaram as professoras que são porque retraduzem para si, a partir das suas características pessoais, os conhecimentos teóricos, as interações que vivenciam dentro e fora da escola, as observações que fazem de outras práticas docentes antes de se tornarem professoras e o próprio contexto onde atuam, que constituiu o engendramento do habitus professoral, que se traduz no modo de pensar e agir no cotidiano da prática docente. De acordo com esta perspectiva de análise, as professoras criam, a partir de sua experiência, soluções para os problemas que elas próprias definiram como sendo relevantes, como foi pontuado pela professora Naide no fragmento destacado acima. Ou seja, as professoras constroem saber, constroem conhecimentos e não apenas se utilizam dos conhecimentos produzidos nas instâncias consideradas responsáveis pela formação docente. No meu entendimento, estas professoras passam a ter como perspectiva uma posição investigativa, de pesquisa cotidiana. Assim, é necessário compreender como e em que condições o conhecimento das professoras, acerca da sua prática, vem sendo produzida nas escolas. Não basta afirmar que a formação docente deve ocorrer concomitantemente à prática educativa, nem tão pouco que as professoras devem ser reflexivas e autônomas. È preciso que se questione o modo como as práticas escolares, com seus condicionamentos, podem limitar ou restringir a ação das professoras e influenciar a sua formação, como afirma Perronoud (2001) o desafio consiste em levar o (a) professor (a) habituado (a) a cumprir rotinas, a repensar a sua profissão. Na medida em que fica evidenciada a importância dos saberes produzidos na prática e, ainda, o papel que a própria professora tem na formação da sua identidade profissional, entendo que a configuração da professora da creche relaciona-se a esses dois aspectos: o subjetivo e o da formação. Utopia? Parafraseando Caetano Veloso, “eu não espero o dia em que todos os homens concordem, apenas sei de diversas harmonias possíveis no juízo final...” Assim, esta pesquisa contribuiu para que eu pudesse construir uma reflexão significativa: é na explicação, por meio da linguagem, do jeito de lecionar aulas (seja de professores mais experiente, os colegas de trabalho, ou de seus professores ao longo da história da escolarização das experiências vividas como alunas e a professora que está se sendo, a prática em si), que se configura o elemento principal para a constituição do habitus professoral, é, portanto, a maneira de ser que qualifica, ou desqualifica a relação teoria e prática que as professoras tanto desejam, sendo o modo de ensinar significativo,
  • 30. 121 quando lhes possibilita a mudança na vida prática, ou seja, a constituição de um outro habitus professoral, sendo esta reflexão amalgamada nos depoimentos. Não se trata de afirmar que somente se constrói um estilo didático por meio da constituição de um habitus professoral, nem tão pouco desprezar os cursos destinados para a formação de professores, mas cabe aqui uma reflexão sobre quais práticas e quais teorias constróem a professora da creche, considerando que tanto os cursos de formação quanto as experiências vividas na história da escolarização (habitus) guardam em si suas peculiaridades que merecem procedimentos diferenciados para serem investigados, levando em conta que um depende do outro, tendo em vista que ambos estão imbuídos no processo de ensinar e aprender.
  • 31. 122 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: DA HISTÓRIA VIVIDA À ANÁLISE DAS EXPERIÊNCIAS DE OUTRAS HISTÓRIAS Analisar as experiências vividas durante a história da escolarização das professoras da creche se configurou em uma reflexão que, por sua vez, possibilitou constatar que o fazer docente se constitui por habitus professoral. As memórias das professoras mostram como esse habitus se constitui e como ele é no cotidiano da vida docente por meio do modo de ensinar, que oportuniza uma mudança na vida prática, sendo assim definido: a constituição do habitus professoral se dá ao longo do percurso da vida, independe de uma formação específica, tendo em vista que a prática docente não se constitui apenas quando são assimiladas e entendidas as teorias pedagógicas, mas desde muito cedo se encontram envolvidas em contextos e histórias individuais e que se prolongam por toda a vida escolar e profissional resultando em um modo de ser e agir. Desta forma, foi possível compreender os modos como as professoras vivenciam e representam o processo do trabalho docente no cotidiano da creche, entendendo-o como um processo de construção de experiências vividas singulares, que são possíveis de serem identificadas a partir das trajetórias discentes e docentes as quais as professoras dão significado. Chego a conclusão, então, que permanências e rupturas entretecem-se na produção das práticas sociais cotidianas e na constituição da singularidade, apresentando contradições no desenvolvimento da profissional da creche. Tornam-se professoras deste segmento tanto pela apropriação e reprodução de concepções já estabelecidas no meio social e inscritos no saber dominante da escola (permanências), quanto pela criação de maneiras de entender o exercício docente nascidos na vivência pessoal com o ensino, seja como aluna ou como professoras nas interações com suas crianças, com os colegas de trabalho, em movimentos reinvidicatórios que se configuram em mudanças, oportunizadas pelas rupturas no modo de ser e agir, que se constitui por sua vez em um habitus professoral. Estas professoras foram oportunizadas a fazerem-se narradoras, assim não hesitei em permanecer nos fragmentos, sendo apresentados apenas como exemplos, mas procurei explicitar a possibilidade de singularização, a heterogeneidade e as transformações que poderão ocorrer, por meio da análise do conteúdo dos relatos. Estes conteúdos ao serem reunidos e os fragmentos selecionados são carregados de significados que possibilitaram visualizar como a professora da creche se torna professora, como se constrói, como se forma. As narrativas produzem sentidos ao fazer docente, quando assumem que o eu pessoal e o eu profissional constituem-se, de forma recíproca, mostrando como se sentem e se dizem professoras, como foram se construindo entre maneiras distintas de ser e conflitantes de encarar a profissão docente, nas diversas fases da carreira. Debruçada sobre os depoimentos das professoras e sobre as ações por elas narradas,
  • 32. 123 destaco que as representações acerca do ser professora da creche são produzidas num movimento de ambigüidade, oscilando entre conformação e resistência. Com relação a escolha e permanência na função de professoras da creche mostram, portanto, comportamentos de conformação e de resistência, levando em conta que há uma opção inicial relacionada à sobrevivência e à permanência, também inicial, resultante da falta de outras possibilidades de trabalho na condição de mãe que são ou desejam ser, ao mesmo tempo que o gostar de crianças aparece, contrapunham uma identificação por parte de outras, ainda que muito tímida, voltada a atividade profissional baseada no desejo encontrado diante às possibilidades de transformação e formação cultural das novas gerações, neste caso das crianças com as quais trabalham. Assim, algumas professoras mostram que vivem a profissão com o sentido de sacerdócio, a abnegação sem limites, pois isso ao longo dos anos afeta tanto, que são movidas pela salvação nacional da recompensa das flores recebidas, dos abraços e das lágrimas de pais reconhecedores do seu trabalho. Ao mesmo tempo, outras professoras passam no seu dia-a-dia por momentos de descobertas quando ensinam crianças, percebem-se fazendo aquilo que foram submetidas quando viveram o papel de alunas, ou seja, práticas que deram certo. Por outro lado, quantas vezes percebem que aquilo que desejavam ensinar acabavam de aprender na prática. Acreditam que na sala de aula não se ensina somente o que está estipulado no programa, mas que se desenvolvem práticas outras que são marcantes e significativos tanto para a professora quanto para a criança que oportunizam mudanças na vida prática. Constatei que a problemática da relação teoria e prática concretiza-se pelo jeito de dar aulas, ou seja, é explicitado pelo conceito de habitus bourdiano, e mais propriamente pelo habitus professoral de Silva (2003), pois está relação se dá pelo modo do qual um determinado conteúdo é explicado (dimensão teórica), tornando-se significativo é apropriado pela aluna-professora (dimesão prática), proporcionando a construção de um estilo didático, possibilitando em alguns casos novas cenas para o cotidiano docente na educação infantil/ creche. Repensar a prática docente, para esta pesquisa, exige, agora, uma postura menos romântica, porém sem perder a ternura que nela se envolve. É dizer que esta prática é política, pois acontece em espaços de conflitos e de negociações, é recolocar-se como professoras, que significa compreender o sentido da própria atividade profissional, é modificar-se, é ir além de si mesma, oportunizando a reconstrução de um outro habitus professoral. Quem sabe, tão logo, muitas representações que maximizam o afeto e o amor como atributos femininos vinculados ao magistério da educação infantil possam ser questionados nos cursos de formação pelas pessoas mais interessadas nessa ruptura, (ou não?) as mulheres/ professoras.