Este documento resume a cena do Fidalgo na peça "Auto da Barca do Inferno", de Gil Vicente. O Diabo acusa o Fidalgo de ter levado uma vida de prazeres e abusos de poder. O Fidalgo tenta justificar a sua entrada na Barca da Glória com base no seu estatuto social, mas o Diabo usa a ironia para humilhá-lo. A atitude do Fidalgo evolui da arrogância para a resignação ao longo da cena.
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Auto da Barca do Inferno - Cena do Fidalgo
1. Relaciona as acusações feitas ao Fidalgo com os símbolos que o identificam e
caracterizam.
O Diabo acusa o Fidalgo de ter levado uma vida imoral e de prazer, abusando do seu poder,
simbolizado pela cadeira. O Anjo acusa-o, por um lado, de tirania, representada pelo Pajem, e,
por outro, de vaidade, materializada através do manto.
2. O Fidalgo usadiferentesargumentosparajustificar a sua pretensão de entrada na Barca
daGlória.Explicitaosargumentosdeautodefesaapresentadospelapersonagemjulgada.
Para se defender, o Fidalgo baseia-se, em primeiro lugar, no seu estatuto social, como se
depreende da seguinte passagem: “Sou fidalgo de solar, / é bem que me recolhais” (vv. 82-83).
Argumenta ainda que tem quem reze pela sua alma: “Que leixo na outra vida / quem reze
sempre por mi” (vv. 44-45).
3. Em relação aumdosargumentos que o Fidalgo apresenta ao Diabo, está implícita uma
crítica a uma certa prática da religião. Indica-a.
Gil Vicente pretende criticar as rezas mecânicas, falsas e sem devoção.
4. O estado deespírito deD.Anrique vai-se alterando à medida que a cena se desenvolve.
Indica e caracteriza cada um dos momentos psicológicos da personagem.
A evoluçãopsicológicadapersonagem percorre quatro momentos: a altivez, o arrependimento,
a humilhação e a resignação. No início da cena, o Fidalgo revela arrogância (“Parece-me isso
cortiço...”— v. 32) e prepotência (“Pera senhor de tal marca / nom há aqui mais cortesia?”— vv.
90-91). Num segundo momento, a personagem arrepende-se do seu comportamento em vida:
“Inferno há i pera mi? / Ó triste! Enquanto vivi / não cuidei que o i havia (...) confiei em meu
estado/ e não vi quemepera” - vv. 113-119).Em seguida,é humilhadopeloDiabo, tornando-se
mesmo humilde quando pede autorização ao Diabo para ir ver a sua mulher (vv. 148-149).
Finalmente, o Fidalgo acaba por se resignar: “Entremos, pois que assi é” (v. 162).
5. Em vários momentos o Diabo utiliza a ironia ao dirigir-se ao Fidalgo. Seleciona as
expressões em que tal se verifica e interpreta a utilização desse recurso estilístico.
As passagensem quea ironia é mais evidente são as seguintes: “— Ó poderoso dom Anrique, /
Cá vindes vós? Que cousa é esta?” (w. 24-25); “Embarque a vossa doçura, / que cá nos
entenderemos... (...)/ todos bem vos serviremos.” (vv. 122-127); “E ela, por não te ver, /
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despenhar-se-á dum cabeço” (vv. 150-151). A ironia do Diabo serve para humilhar o Fidalgo,
ridicularizando-o.Nestacena,trata-se deum dos principaisprocessos de criação do cómico de
linguagem.
6. Provaquenesta cena estão documentados os cómicos de linguagem, de situação e de
carácter.
O cómicodelinguagem verifica-seatravésdaironia utilizada não só pelo Diabo (“todos bem vos
serviremos” — v. 127), como também pelo Anjo (“e todo vosso senhorio” — v. 99) para
ridicularizar o Fidalgo.
O cómico de situação está patente no ridículo em que cai a personagem julga que não se
apercebe que se encontra sujeita a um julgamento definitivo, actuando como se estivesse viva:
“Pera senhor de tal marca / nom há aqui mais cortesia?”( vv. 90-91).
O cómicodecarácter,aliadoàmaneiradesere de se apresentarda personagem, resulta, nesta
cena, do aparato com que surge o Fidalgo “que chega com um Paje que lhe leva um rabo mui
comprido e ua cadeira d’espaldas” (didascália inicial).
7. Justifica a utilização do cómico nesta cena.
O principal objectivo do cómico nesta cena é o de criticar a nobreza, com a finalidade de
moralizar e divertir — Ridendo, castigat mores (a rir, critica os costumes).