"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
Química Orgânica Estrutural
1. CAPÍTULO XIX
QUÍMICA ORGÂNICA: DA TEORIA DOS TIPOS À
TEORIA ESTRUTURAL
Apesar de Gerhardt não acreditar na realidade dos radicais, muitos
químicos não apenas aceitavam o fato da sua existência física mas
também tentavam isolá-los em estado livre. O primeiro a sentir que tinha
conseguido isso foi Robert Bunsen (1811-1899), que iniciou sua carreira
como químico orgânico mas adquiriu sua grande reputações posterior
nos campos da química inorgânica e físico-química. De 1839 a 1843
Bunsen estudou as reações dos compostos desagradáveis,
malcheirosos e venenosos do cacodil, derivados do óxido de cacodil
C4H12As2O. quando ele tratou o cloreto de cacodil com zinco ele obteve
o que considerou ser o radical cacodil livre, C4H12As2, agora escrito
(CH3)2As.As(CH3)2. Essa descoberta foi tida como a mais forte evidência
para a existência dos radicais livres.
Em 1849 Hermann Kolbe (1818-1884) eletrolizou acetate de potássio e
obteve um gás que ele acreditou ser o radical metila livre, apesar de ele
ser na verdade etano. Quase ao mesmo tempo Edward Frankland
(1825-1899) tratou iodeto de etila com zinco e isolou a “etila” livre, na
verdade butano. Como resultado de tais estudos, os químicos
começaram a abandonar as teorias do tipo e tentaram encontrar ao
menos a posição dos radicais nas moléculas orgânicas. Eles ainda não
tinham procurado mais profundamente na estrutura dos próprios
radicais. Trabalhando majoritariamente sobre o princípio da analogia,
eles começaram a se aproximar da moderna fórmula estrutural.
Charles Wurtz (1817-1884) era um pupilo e amigo de Dumas, ainda que
tenha permanecido um admirador do trabalho de Laurent e Gerhardt.
Ele adotou e usou ideias de todos os três cientistas. Em 1849 ele
2. descobriu as aminas primárias que ele chamou de metil e etilamida.
Wurtz reconheceu que eles eram derivados da amônia nos quais o
hidrogênio tinha sido substituído por uma metila ou etila, mas ele não
desenvolveu essa ideia. Seu trabalho foi assumido por A. W. von
hofmann (1818-1892), que conclusivamente provou a relação das
aminas com a amônia por uma bem sucedida substituição de todos os
hidrogênios por grupos orgânicos, produzindo aminas primárias,
secundárias e terciárias, e então chegando a sais quaternários de
amônio. Hofmann atribuiu esses compostos a um “tipo amônia.”
Pela mesma época, A. W. Williamson (1824-1904) mostrou que os
éteres poderiam ser preparados pelo tratamento do sal de potássio de
um álcool com um iodeto de alquila. Isso mostrou que a teoria do hidrato
de Liebig sobre a estrutura dos álcoois estava incorreta, e permitiu a
formulação de um “tipo aquoso.” Esses tipos eram usualmente
representados nas fórmulas a seguir. Pode ser visto que essa era uma
verdadeira abordagem
à fórmula estrutural, embora Hofmann e Williansom, pensando na
analogia em um sentido formal, não, naturalmente, percebeu isso.
Gerhardt generalizou a “nova teoria de tipos” introduzindo o tipo
hidrogênio, o qual incluía os hidrocarbonetos, e o tipo cloreto de
hidrogênio, o qual incluía o cloreto de etila. Esses são exibidos nas
fórmulas abaixo.
3. Com base em tais tipos, Williamson e Gerhardt escreveram o ácido
acético como um membro do tipo água:
e assim previram que deveria ser possível preparar o composto
Isso poderia ser um “ácido anidro,” um ácido anidrido em termos
modernos. Gerhardt realmente preparou tais compostos em seu
laboratório. As fórmulas do químico orgânico tinham começado a ter
valor preditivo ao invés de ter utilidade apenas para propósitos de
classificação, Essa foi a primeira evidência clara do caminho para a
teoria estrutural, na qual a predição de possíveis reações é uma das
facetas mais importantes.
Kolbe provavelmente trouxe as fórmulas de tipo mais perto das fórmulas
estruturais do que qualquer químico antes de Kekulé, o qual forneceu a
explicação moderna de estrutura, e seu trabalho na verdade foi uma
sobreposição Kolbe persistiu no uso de pesos equivalentes, C = 6 e O
= 8, até 1870, assim que em suas fórmulas C, é sempre igual a C, e O2
a O na acepção moderna. Isso frequentemente requeria que ele
adicionasse um grupo OH extra para corrigir os oxigênios para o
número certo e dava às suas fórmulas uma aparência estranha, mas
realmente elas eram muito próximas às fórmulas modernas.
4. Em 1850 ele reconheceu que o grupo acetila consistia de uma metila
unida com outro carbo que era o verdadeiro “ponto de ataque do poder
de ligação do oxigênio, cloro, etc.” De alguma forma mais tarde ele
formulou os ácidos graxos como derivados do ácido carbônico que ele
tinha descrito, como o ácido dibásico 2HO,C2O4. Ele substituiu um OH
(e um O para preservar o balanço equivalente) por metila, a qual ele
escrevia como C2H3, para obter o ácido metil-carbônico monobásico,
ou ácido acético HO,(C2H3)C2O3. Aqui ele reconheceu a existência de
um grupo especial (carboxila) que caracterizou as fórmulas de todos os
ácidos graxos. Ele mais tarde viu que se ele substituísse o grupo “HOO”
do seu ácido acético por H a fórmula ficaria
e ele obteria a fórmula para o acetaldeído, e a substituição do H nessa
fórmula por outro grupo metila rendia a acetona
.
As relações entre ácidos, aldeídos e cetonas estava assim esclarecida,
e o grupo carbonila foi reconhecido como uma entidade. A partir das
suas formulações foi fácil fornecer uma estrutura para o álcool, que
Kolbe escreveu como
Essa fórmula permitiu a visualização de novas classes de álcoois,
obtidos por substituição de um ou ambos hidrogênios dentro das
“chaves” (“{ }”) por radicais. Kolbe predisse a existência do que ele
chamava “álcool mono e di-metilado”:
5. O primeiro álcool secundário, isopropílico, foi preparado por Charles
Friedel (1832-1899) em 1862, e o primeiro álcool terciário, álcool
t-butilico, por Alexander Mikhailovich Butlerov (182801886) em 1864.
Novamente pode-se ver que essas aproximações às fórmulas
estruturais modernas tinham valor preditivo.
O aluno e colaborador de Kolbe, Frankland, foi além das ideias do seu
mestre. Seus estudos sobre compostos metalorgânicos mostraram que
no caso do nitrogênio, fósforo, arsênico, e antimônio, um átomo desses
elementos sempre se combinava com três ou cinco radicais orgânicos.
Zinco, mercúrio, e oxigênio combinavam com dois. Isso levou-o em
1852 à descoberta de que “não importa qual o caráter dos átomos que
se ligam, o poder-de-combinação do elemento que atrai, se posso usar
esse termo, é sempre satisfeito pelo mesmo número de átomos.” Esse
termo, poder-de-combinação, foi expresso por seus contemporâneos de
forma variável como atomicidade ou unidades de afinidade. O nome
valência foi introduzido por C. W. Wichelhaus (1842-1927) em 1868.
Assim um conceito de máxima importância para a Química em geral foi
primeiro utilizado numa tentativa de clarear a natureza dos compostos
orgânicos. Ele serviu uma vez mais para direcionar a atenção dos
químicos orgânicos para o problema da afinidade, como o termo
“unidades de afinidade” sugere. Por enquanto, pouca atenção foi dada à
causa da valência, mas a ideia de um número limitado de centros de
valência e suas possíveis orientações levou a muitos avanços
importante.
A química orgânica tinha agora atingido o ponto no qual a constituição
interna dos radicais poderia ser considerada. Quase simultaneamente
esse problema foi atacado independentemente por Friedrich August
Kekulé (1829-1896) na Alemanha, e Archibald Scott Couper
6. (1831-1892) em Paris, para o qual ele tinha vindo da Escócia para
trabalhar no laboratório de Wurtz.
Kekulé descobriu a solução ao velho quebra-cabeça do reconhecimento
da atomicidade do carbon. Em 1858 ele mostrou que o carbono era
“tetratômico,” isso é, tinha quatro “unidades de afinidade” pelas quais
ele poderia se unir a quatro elementos monoatômicos como hidrogênio
e dois elementos diatômicos como oxigênio. O passo decisivo era o
reconhecimento de que um átomo de carbono poderia usar uma das
suas unidades de afinidade para se unir como outro átomo de carbono,
e que cada um poderia então ter três unidades para se combinar com
outros átomos. Dessa forma cadeias de átomos de carbono poderiam
ser construídas, e o esqueleto de carbono se tornou a base para os
compostos orgânicos. Nesse livro-texto de química orgânica publicado
em 1861, Kekulé foi capaz de definir a ciência na forma moderna como
a química dos compostos de carbono. Todos os traços de vitalismo
desapareceram com essa afirmação, apesar do próprio vitalismo não
estivesse de forma alguma morto. A teoria da cadeia de carbono deu
uma explicação para a lei da homologia que Gerhardt introduziu quando
ele mostrou que uma grande série de compostos similares tais como
álcoois e ácidos diferiam uns dos outros apenas pelo acréscimo de CH2.
Couper desenvolveu essencialmente a mesma teoria de Kekulé e
expressou suas ligações de afinidade por linhas como é feito hoje em
dia ao invés de uma representação diagramática, a qual Kekulé utilizava
anteriormente, e a qual não era conveniente para uma visualização da
estrutura atual. O trabalho de Couper permaneceu despercebido, mas
em 1861 Alexander Crum Brown (1888-1922) na Universidade de
Edingurgh, e em 1864 Wurtz em Paris, usava essencialmente as
modernas fórmulas gráficas.
A.M. Butlerov adotou a causa da nova teoria com grande entusiasmo e
elaborou muitas das consequências. Ele enfatizou fortemente o fato de
que existia apenas uma fórmula para um dado composto, ao invés das
várias fórmulas que Gerhardt e outros tinham usado, dependendo das
7. várias reações de compostos. Butlerov introduziu o termo “estrutura
química” em 1861 em um encontro de química em Speyer na Alemanha.
Seu livro-texto de química orgânica, publicado em Russo em 1864 e
traduzido para o alemão em 1868, foi o primeiro livro que realmente
usou as novas fórmulas. Ele contribuiu muito para a nova teoria.
A natureza dos compostos alifáticos estava agora satisfatoriamente
explicada, mas a estrutura das substâncias aromáticas permanecia um
mistério. Isso foi dissipado por Kekulé em 1865. Seu fantástico poder de
visualização da estrutura dos esqueletos de carbono nos compostos
orgânicos foi talvez devido ao seu treinamento inicial em arquitetura. A
qualquer custo, em um momento ocioso ele imaginou uma cadeia de
carbono se dobrando e se unindo a si mesma para formar um anel.
A partir daí ele deduziu a estrutura do benzeno e a natureza de todo o
Sistema de compostos aromáticos. Quando seu aluno Wilhelm Korner
(1839-1925) mostrou que o número de benzenos isoméricos
trissubstituídos derivados de cada um dos benzenos dissubstituídos
indicou as estruturas orto-, meta- ou para- dos últimos, os compostos de
referência essenciais necessários para determinar as estruturas de
compostos orgânicos mais complexos se tornou disponível.
Uns poucos conceitos além tornaram possível muitos dos
desenvolvimentos posteriores em química estrutural. Crum Brown em
1864 escreveu uma dupla ligação para o etileno, e Lothar Meyer
(1830-1895), lembrado por seu trabalho posterior sobre tabela periódica,
referindo-se à ela como “insaturada” em um livro publicado no mesmo
ano. Emil Erlenmeyer (1825-1909) em 1862 reconheceu a tripla ligação
no acetileno. Butlerov em 1876 deu exemplos do tautomerismo, e em
1885 sua teoria foi independentemente desenvolvida por Peter Conrad
Laar (1853-1929) de Hanover, quem sugeriu o nome para esse
fenômeno. Kekulé acreditava que o carbono era sempre quadrivalente,
mas evidência da sua divalência gradualmente se acumulavam,
especialmente nos Estados Unidos da América. Os estudos de John
ulric Nef (1862-1915) em Chicago no final do Século XIX finalmente
8. provou a existência do estado divalente. Em 1900 Moses Gomberg
(1866-1947), que tinha nascido na Rússica mas desenvolveu sua
carreira científica para a Universidade de Michigan, preparou compostos
contendo carbono trivalente. A ideia da quadrivalência constante desse
elemento foi finalmente abandonada.
A teoria estrutural formal não permitia a influência dos grupos vizinhos
sobre a ratividade das várias partes das moléculas orgânicas. V. V.
Markovnikov (1858-1904), um aluno de Butlerov, foi uma vez
questionado, “Por quê o cloro no cloreto de acetila é tão diferente
daquele no cloreto de etila?” Para responder a tais questões ele estudou
o efeito dos vários grupamentos sobre a posição tomada pelo halogênio
e o hidrogênio de um ácido halogenado quando ele saturava uma
ligação dupla. A regra de Markovnikov, que encorpou os resultados dos
seus estudos, foi o primeiro precursor dos estudos estendidos sobre o
efeito da estrutura eletrônica sobre as reações orgânicas que ocuparam
muito da primeira metade do Século XX.
Kekulé, como os outros químicos do seu dia, não fez tentativa para
explicar as forças que mantinham os átomos unidos, mas seu senso
arquitetônico levou-o a descrever a valência das ligações como definida
e concreta. Essa ideia foi aplicada por Jacobus Henricus van’t Hoff
(1852-1911) e J. A. Le Bel (1847-1930) que descreveu as quatro
ligações como uniformemente direcionadas no espaço. Van’t Hoff
considerou o átomo de carbono como sendo tetraédrico e ambos
usaram ideias geométricas no seu trabalho.
Essa extensão das ideias estruturais em três dimensões permitiu uma
explicação das descobertas de Louis Pasteur (1822-1895). Em 1848 ele
estudou os sais isoméricos do ácido tartárico, que rotacionou o plano da
luz polarizada em direções opostas. Ele descobriu que os cristais
desses sais opticamente isoméricos eram imagens especulares um do
outro. Van’t Hoff e Le Bel independentemente e distantes dois meses
entre si mostraram que quando um átomo de carbono tem quatro
diferentes grupos em torno de si, isso é, é assimétrico, um novo tipo de
9. isomerismo é possível. Em tais compostos, os dois isômeros tinham
estruturas que eram imagens especulares um do outro, e esses
isômeros realmente mostravam o tipo de rotação oposta que Pasteur
tinha observado. Van’t Hoff mais tarde mostrou que quando a molécula
continha uma ligação dupla, como nos ácidos fumárico e malêico, outro
tipo de isomerismo, cis- e trans-, existia. A aplicação dessas ideias foi
largamente devida ao trabalho de Johannes Adolf Wislicenus
(1835-1902), quem popularizou esse novo campo da estereoquímica.
O uso prático mais importante das ideias estereoquímicas foi a
explicação da estrutura dos açúcares isoméricos dada por Emil Fischer
(1852-1919). Seu trabalho forneceu a base para toda a química dos
carbohidratos. Outras ideias estereoquímicas de importância foram a
teoria da tensão de Adolf Baeyer (1835-1917), que explicou a
estabilidade dos compostos cíclicos em termos da distorção dos
ângulos normais do átomo de carbono tetraédrico nas suas ligações de
valência, e a teoria do impedimento estérico de Victor Meyer
(1848-1897), que mostrou que grupos volumosos substituídos em
compostos orgânicos poderiam impedir reações nos átomos de carbono
vizinhos simplesmente por causa do seu tamanho. No final do Séculi
XIX, W. J. Pode (1870-1939) mostrou que os compostos assimétricos
do nitrogênio, enxofre, e selênio podiam ser preparados. Alfred Werner
(1866-1919) encontrou compostos complextos de Platina, Cobalto e
elementos similares que também mostravam isomerismo óptico. Assim,
estereoquímica era uma fenômeno geral, não restrito aos compostos de
carbono.
Na base dos conceitos teóricos que foram descritos, os químicos foram
capazes de elucidar as estruturas de alguns dos mais complexos
compostos orgânicos de ocorrência natural, e para sintetizar centenas
de milhares de substâncias previamente desconhecidas com absoluta
certeza sobre a sua constituição. É provável que o desenvolvimento da
química orgânica nos últimos cem anos representa o mais notável uso
do arrazoamento lógico de um tipo não-quantitativo que nunca tinha
sido observado antes. Os homens que desenvolveram esse campo
10. eram usualmente não treinados em física, e a intensa preocupação com
a química orgânica durante o Século XIX tendeu a ampliar a distância
entre químicos e físicos que começou a acontecer no final do Século
XVIII. Porém, a físico-química moderna teve seus primeiros
desenvolvimentos na mesma época. Pela maior parte do século os
trabalhadores dos dois ramos mantiveram alguma distância. Um certo
antagonismo existia entre aqueles que seguiam a lógica da matemática
e aqueles que perseguiam a lógica da química orgânica. Essa foi a
tarefa do Século XIX, unir esses dois essencialmente separados ramos
uma vez mais.