O documento discute a revisão do Código Penal brasileiro de 1940 pelos juristas e pelo Congresso. A proposta dos juristas inclui a legalização da eutanásia, criminalização da homofobia e expansão dos casos de aborto legalizado, além de aumentar penas alternativas e reduzir benefícios a presos. Alguns no Congresso querem tornar as penas mais rígidas, enquanto aliados do governo preferem uma abordagem mais branda.
1. Brasil
02 de Março de 2012
Legislação
Código Penal: os riscos de uma mudança necessária
Revisão do texto, que deve incluir ortotanásia, aborto e criminalização do preconceito contra
homossexuais, pode tornar a legislação ainda mais branda
Po Gab iel Ca o
Perto de completar 72 anos, o Código Penal brasileiro está em fase de revisão. Um grupo de 16 juristas convocados
pelo Senado devem concluir em maio a elaboração de uma proposta para o novo texto. A comissão é presidida por
Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça. Quando o colegiado encerrar seus trabalhos, começa o dos
senadores. A mudança na legislação pode passar por temas controversos. E a discussão carrega um risco: o de
tornar a legislação ainda mais liberal do que a atual – que já não combate o crime com eficácia.
O texto redigido pelos juristas ainda está em elaboração, mas as linhas gerais estão traçadas. As sugestões podem
ser divididas em três eixos principais: modernização da lei, incentivo às penas alternativas e maior rigor no regime de
progressão das penas. A primeira parte inclui tipificação de novos crimes. É o caso do terrorismo. Ao mesmo tempo,
toca em pontos historicamente controversos, como a liberação da ortotanásia, a criminalização da chamada
homofobia e a ampliação dos casos em que o aborto é permitido.
O mais provável é que, a partir de maio, a discussão sobre o Código Penal force o Congresso a debater três temas
explosivos de uma só vez. A ortotanásia (interrupção do tratamento médico de um paciente sem chances de
recuperação) nunca havia chegado à pauta do Parlamento. A tipificação do crime de homofobia já causa um acirrado
debate envolvendo lideranças religiosas, que se dizem tolhidas.
No caso do aborto, a ideia dos juristas é permitir que a interrupção da gravidez seja autorizada, por exemplo, quando
o bebê tiver um tipo grave de má-formação. Além disso, a prática pode ser liberada quando houver risco para a
saúde da mãe, mesmo que não haja perigo de morte. Hoje, o aborto só é permitido em casos de estupro e risco de
vida para a mãe.
O segundo eixo do texto elaborado pelos juristas trata da redução de benefícios. Entre eles, a prisão aberta, que
permite a condenados viver livremente fora da cadeia e, na prática, sem qualquer monitoramento. Outra proposta é
aumentar o tempo necessário para a obtenção da progressão da pena: de um sexto para um terço em crimes
comuns. Em crimes hediondos, o benefício só seria obtido com metade da pena (hoje, bastam dois quintos).
O terceiro eixo é o aumento da aplicação de penas alternativas. A ideia é ir além do pagamento de cestas básicas,
que mal funciona como punição. O objetivo é tornar essas medidas mais coerentes com o crime praticado e deixar a
pena de encarceramento para os criminosos mais perigosos. "Nós precisamos fazer uma lipoaspiração no Código
Penal", diz Pedro Taques (PDT-MT), um dos relatores da proposta no Senado.
Mais rigor - Tornar o código mais objetivo e eficiente é uma missão essencial. Mas, ao priorizar esse aspecto, os
parlamentares podem perder uma oportunidade rara: a de aumentar as brandas penas previstas para alguns crimes.
Aqui, um assassino pode pegar de 6 a 20 anos de cadeia. Na Argentina, por exemplo, um homicídio rende de 8 a 25
anos. Na Suécia, a pena mínima é de 10 anos. Na Venezuela, de 12. No Canadá, não há pena mínima e o castigo
máximo é a prisão perpétua. Nos Estados Unidos, a punição pode chegar à pena de morte.
Fora uma proposta do senador Pedro Taques, que pretende criar uma pena de até 40 anos para condenados por
desaparecimento de pessoas (como integrantes de grupos de extermínio que somem com os corpos das vítimas),
praticamente não há sugestões de aumento das penas. Os parlamentares também não podem perder a chance de
aumentar o rigor sobre a reincidência, para evitar os esdrúxulos episódios em que presos com uma ficha quilométrica
continuam soltos e atuando no mundo do crime.
É possível que, no saldo final, a lei saia mais branda do que a atual. Um risco do qual o senador Demóstenes Torres
(DEM-GO) está ciente. Assim como Pedro Taques, o democrata é promotor de Justiça e diz que o Congresso não
2. pode amenizar o peso da legislação. "Acho que seria temerário. A adoção de penas baixas, que é um caminho do
direito moderno no Brasil, acaba sendo um atraso em relação ao mundo", diz o democrata. Ele garante: "O Pedro
Taques, eu e outros senadores estamos afinados: o que sair da comissão de juristas e for na linha do
abrandamento, nós vamos modificar".
Mas há um obstáculo. O governo petista e seus aliados no Congresso são uma poderosa força no sentido oposto: de
forma geral, a bancada do PT é contra a redução da maioridade penal, pelo fim da pena a usuários de drogas e a
favor do aborto. A Câmara dos Deputados também discute alterações no Código Penal. Escolhido relator do texto, o
petista Alessandro Molon (RJ) adota por ora um discurso pragmático: "As questões polêmicas podem impedir que a
reforma avance , acredita. Vamos optar por uma reforma pé no chão".
A discussão deve ganhar força no fim do primeiro semestre. Mas, com as eleições municipais, o debate pode acabar
se estendendo para 2013.
Obsolesc ncia - O texto do Código Penal brasileiro é de 1940, quando o país vivia o governo autoritário de Getúlio
Vargas. A legislação não faz qualquer referência a crimes eletrônicos, por exemplo. E, como foi alterado diversas
vezes ao longo das décadas, o texto traz incongruências: a pena por falsificação de cosméticos, por exemplo, é maior
do que a punição por formação de quadrilha.