1. Processo Penal
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Aula 9. Denúncia e queixa-crime. Conceito. Requisitos. Prazo. Aditamento. Rejeição.
DENÚNCIA
Conceito
Diante dos elementos apresentados pelo inquérito policial ou pelas peças de informação que
recebeu, o órgão do Ministério Público, verificando a prova da existência de fato que caracteriza
crime em tese e indícios da autoria, forma o promotor a opinio delicti (opinião sobre o delito). Assim
formada sua convicção promove a ação penal pública incondicionada com o oferecimento da
denúncia, denominação que se dá à petição inicial dessa ação pelo artigo 24 do CPP. A denúncia é
uma exposição, por escrito, de fatos que constituem em tese um ilícito penal, ou seja, de fato
subsumível em um tipo penal previsto em lei, com a manifestação expressa da vontade de que se
aplique a lei penal a quem é presumivelmente o seu autor e a indicação das provas em que se
alicerça a pretensão punitiva. Como a denúncia é a peça inicial da ação penal pública, é
evidentemente incabível o seu oferecimento a respeito de crime que se apura exclusivamente
mediante queixa, ainda que seja ele conexo com outro ilícito penal apurável por iniciativa do
Ministério Público. Conforme vimos anteriormente é condição da ação a legitimidade para agir
(legitimatio ad causam) e, no caso da ação penal privada, é titular do interesse o ofendido por
substituição processual determinada pelo art. 100 CP. Válido relembrar que a inexistência de
inquérito policial não impede o oferecimento da denúncia quando o requerimento ou representação
dirigidos ao representante do Ministério Público vierem instruídos com os elementos indispensáveis
à prova da materialidade do delito e os indícios de autoria.
Requisitos da denúncia
O artigo 41 do CPP trata dos requisitos que devem estar presentes na denúncia a fim de que possa
ser ela recebida instaurando-se a ação penal condenatória: “A denúncia ou queixa conterá a
exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado
ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando
necessário, o rol das testemunhas.”
1. exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias: o fato descrito deve ser
subsumível a uma descrição abstrata na lei (tipo penal); se não se reveste de tipicidade não há
imputação de crime e a denúncia deve ser rejeitada. É inepta e não deve ser recebida a denúncia
que não especifica, nem descreve, ainda que sucintamente, o fato criminoso atribuído ao acusado,
que seja vaga, imprecisa, confusa, lacônica. Também é de ser rejeitada a denúncia em que não se
descreve elemento essencial do tipo penal, como as expressões grosseiras no crime de desacato, o
sentimento pessoal que moveu o agente no delito de prevaricação, a forma de inobservância do
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cuidado objetivo na infração culposa etc. É inepta, assim, a denúncia quando não se descreve na
inicial circunstâncias relevantes para a caracterização do crime. Devem estar relatadas na denúncia
todas as circunstâncias do fato que possam interessar à apreciação do crime, sejam elas
mencionadas expressamente em lei como qualificadoras, agravantes, atenuantes, causas de aumento
ou diminuição de pena etc., como as que se referem ao tempo, lugar, meios e modos de execução,
causas, efeitos etc. Devem ser esclarecidas as questões mencionadas nas seguintes expressões
latinas: quis (o sujeito ativo do crime); quibus auxiliis (os autores e meios empregados); quid (o
mal produzido); ubi (o lugar do crime); cur (os motivos do crime); quomodo (a maneira pelo qual
foi praticado) e quando (o tempo do fato). Pode a peça ser concisa, ou seja, sucinta, mas deve
conter os elementos essenciais, a falta ou omissão de circunstância não a invalida. Assim tem se
decidido a respeito da omissão do dia, mês e hora, local, nome da vítima, instrumento do crime,
isso porque a deficiência da denúncia que não impede a compreensão da acusação nela formulada
não enseja a nulidade do processo. Já se entendeu, inclusive, que só é indispensável o relato de
qualificadoras, mas não das circunstâncias agravantes. Ademais, na forma do artigo 569 do CPP, as
omissões da denúncia podem ser supridas a todo tempo, antes da sentença. Na hipótese de
concurso de pessoas, a denúncia deve especificar a participação de cada um dos co-autores ou
partícipes, esclarecendo-se o modo como cada um deles concorreu para o evento. Entretanto, pela
própria natureza da conduta criminosa, como nos crimes societários, de autoria coletiva ou
multitudinários, não se pode exigir que a denúncia descrimine pormenorizadamente os atos
específicos de cada um, mas exigível que demonstre a mínima participação dos agentes, sua
contribuição para o crime. É indispensável, porém, sempre, que se afirme ter havido prévio ajuste
entre eles. Não basta, aliás, a condição de sócio para justificar a condenação pelo ilícito praticado
por meio da sociedade. Omitindo-se na denúncia elemento essencial do tipo penal sem que seja ela
aditada até a sentença, impõe-se a absolvição do acusado por atipicidade da conduta.
“(...) III – As afirmações de que a ré sabia que o seu namorado fazia tráfico de
substância entorpecente e que tinha o livre arbítrio para não acompanhá-lo em viagem na
qual seria adquirida a substância ilícita não passam de ilações e conjecturas que (...)
impossibilitam o decreto condenatório. IV - À míngua de provas suficientes para embasar a
pretensão acusatória, impõe-se a aplicação do princípio in dubio pro reo, que funciona como
critério de resolução da incerteza, expressão do princípio da presunção de inocência. V –
Ainda que a denunciada soubesse da ação criminosa, não se pode responsabilizá-la, a título
de co-autora ou partícipe se tanto a denúncia quanto a sentença condenatória deixam de
apontar a forma com a qual teria concorrido para a consumação do crime, limitando-se,
apenas, em afirmar que, na condição de namorada do réu confesso, se não sabia, deveria
saber que se tratava de um traficante e que, naquele dia, transportava a droga ilícita. V –
Apelação provida (...).” (TRF 1.ª R. – 3.ª T. – AP 0044721-13.2006.4.01.9199 – rel. Klaus
Kuschel – J 20.06.2011)
“(...) 1. Inepta é a denúncia que não descreve o fato criminoso com todas as suas
circunstâncias, tal como exige o art. 41 do CPP. 2. Sendo atípica a hipótese denunciada,
deve prevalecer o resultado absolutório, na medida em que defeso ao julgador valorar
circunstâncias fáticas não descritas na denúncia – pena de dar esteio a mal disfarçada
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mutatio libelli em segundo grau. Deram provimento ao apelo defensivo (unânime). (...).”
(TJRS – 5.ª Câm. Crim. –AP 70043050210 – rel. Amilton Bueno de Carvalho – J.
22.06.2011)
“1. A inicial acusatória apresentada pelo Ministério Público estadual atribuiu aos
pacientes a conduta de exploração sexual apenas pelo fato de serem eles os proprietários do
estabelecimento para o qual os corréus conduziam os menores com o fim de praticar os
atos libidinosos descritos na denúncia. 2. Da detida leitura da exordial acusatória, denota-se
a atribuição de uma responsabilidade de natureza objetiva, uma vez que não se demonstrou
em que consistiu o vínculo entre os pacientes e a conduta dos corréus, nem a adesão
daqueles aos crimes praticados, tendo o Parquet estadual se limitado a afirmar que os
pacientes são proprietários do estabelecimento em que o evento criminoso ocorreu, sem
especificar que vantagens eles auferiam com as condutas atribuídas na acusação,
impossibilitando o exercício do contraditório e da ampla defesa. 3. A jurisprudência desta
Corte é pacífica no sentido da necessidade de se demonstrar o vínculo entre o agente e o
fato criminoso que lhe é imputado, sob pena de ofensa à ampla defesa. Precedentes. 4.
Reconhecida a inépcia formal da denúncia, fica prejudicada a análise da alegação de justa
causa para o prosseguimento da ação penal. 5. Ordem concedida para trancar a ação penal
em relação aos pacientes, sem prejuízo de que outra seja ofertada com descrição
circunstanciada da conduta a eles atribuída. (STJ HC 188.559/ PE - 6ª Turma- Rel. Min.
Sebastião Reis Junior – J. 1.3.2012)
2. a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo: qualificar
é apontar o conjunto de qualidades que individuam a pessoa, nela se incluindo o nome, o cognome,
nome de família ou apelido, pseudônimo, estado civil, filiação, cidadania, idade, sexo, estado físico.
Não impede a denúncia a ignorância a respeito de algumas dessas qualidades e mesmo do nome do
imputado se é possível reproduzir na peça vestibular elementos que possam individuar a pessoa do
imputado (idade, sexo, características físicas, dados particulares, sinais de nascença, alcunhas etc.). Já
se admitiu o recebimento da denúncia quando o réu é qualificado indiretamente com alguns dados,
entre os quais, prenome e nome.
3. classificação do crime: é necessário também que se indique o dispositivo legal que contém o
tipo penal relativo ao fato concreto, ou seja, que dê o Ministério Público a classificação do crime.
Não basta que a denúncia contenha o nomen iuris do delito, eis que há, por vezes, delitos com a
mesma denominação na legislação penal comum e na lei especial. A eventual alternatividade na
classificação jurídica do fato não torna inepta a denúncia, porque não vincula o julgador. Não tem o
juiz poderes para alterar a classificação do crime; só o Ministério Público o pode fazer. A
classificação jurídica do fato na denúncia não é definitiva, podendo a imputação ser alterada no
decorrer do processo. Assim, não pode o juiz rejeitar a denúncia, por inépcia, mesmo quando
entender errada a classificação do crime oferecida na denúncia, já que se trata de irregularidade
sanável até a sentença. O acusado defende-se da imputação contida no fato descrito na denúncia e
não da classificação que lhe deu o seu subscritor.
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“1. Cotejando os tipos penais incriminadores indicados na denúncia, com as condutas
supostamente praticadas pelo Paciente, vê-se que, conquanto sucinta, a acusação atende aos
requisitos legais do art. 41 do Código de Processo Penal, de forma suficiente para a deflagração da
ação penal, bem assim para o pleno exercício de sua defesa. 2. A emendatio libelli e a mutatio libelli previstas, respectivamente, nos arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal - são institutos de que
o Juiz pode valer-se quando da prolação da sentença. Não há previsão legal para utilização destes
em momento anterior da instrução. Precedentes. 3. Explicite-se: "não é lícito ao Juiz, no ato de
recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir
definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê-lo adequadamente no
momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a emendatio libelli ou a mutatio libelli,
se a instrução criminal assim o indicar (STF, HC 87.324/SP, 1.ª Turma, Rel. Min. CÁRMEN
LÚCIA, DJ de 18/05/2007). 4. A existência de eventual erro na tipificação da conduta pelo Órgão
Ministerial não torna inepta a denúncia, e menos ainda é causa de trancamento da ação penal, pois o
Acusado defende-se do fato ou dos fatos delituosos narrados na denúncia, e não da capitulação
legal dela constante. 5. Eventual desclassificação de delito somente poderá ser discutida na
instrução criminal, durante o livre exercício do contraditório. 6. Ordem denegada.” (STJ – HC
165278/RS – 5ª Turma – Rel. Min. Laurita vaz – J. 11.10.2011)
4. rol de testemunhas: dispõe ainda o artigo 41 que a denúncia deve conter, “quando necessário, o
rol das testemunhas”. Trata-se, portanto, de faculdade, embora quase sempre seja indispensável a
prova testemunhal que, na maioria dos casos, comprova a autoria do crime e muitas de suas
circunstâncias. Caso não seja oferecido o rol de testemunhas na denúncia, não pode o lapso ser
suprido depois do seu recebimento, e muito menos após a instrução. O juiz, porém, poderá ouvir
outras testemunhas, além das indicadas pelas partes, bem como as pessoas a que as testemunhas se
referirem na instrução (art. 209, e § 1°, do CPP). Não há inépcia na denúncia pela ausência do rol
de testemunhas já que, quanto à prova não vigora qualquer limitação, a não ser no que se refere ao
estado das pessoas (art. 155).
Outros requisitos da denúncia
Embora não se contenha expressamente a exigência, a denúncia deve conter:
1. o endereçamento da petição, ou seja, a denominação do juiz a quem é dirigida. O erro no
endereçamento, porém, não acarreta a sua inépcia.
2. o nome, o cargo ou posição funcional, e a assinatura do prolator da denúncia.
3. ser escrita em vernáculo, pois os atos processuais devem ser praticados em português (arts. 193,
223, 236 e 784, § 1°, todos do CPP).
4. deve constar o pedido de condenação do denunciado, mas estará ele implícito quando a denúncia
descreve o fato criminoso e pede a aplicação da lei penal mencionando os dispositivos aplicáveis à
espécie.
5. requerimento de citação do réu, mas a lei processual penal não o exige como expresso, estando
ele sempre implícito na peça acusatória.
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Princípio da indivisibilidade da ação penal
O princípio da indivisibilidade da ação penal significa a obrigatoriedade da ação penal com relação a
todos os autores do crime. Não se aplica à ação penal pública e não haverá inépcia na denúncia em
que se exclui algum indiciado. Cabe ao Ministério Público, na opinio delicti, oferecer a denúncia
apenas contra aqueles que entende responsáveis penalmente pelo ilícito. Além disso, pode o
Ministério Público denunciar posteriormente os demais autores do crime.
Prazo
Dispõe o artigo 46 do CPP sobre o prazo para o oferecimento da denúncia: “O prazo para
oferecimento de denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público
receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver
devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério
Público receber novamente os autos.” Concluído o inquérito policial e remetido a juízo, após a regular
distribuição e registro, os autos devem ser encaminhados com vista ao representante do Ministério
Público. A partir do recebimento deles passa a fluir o prazo de 5 dias para o oferecimento da
denúncia se o indiciado estiver preso e de 15 dias se estiver solto ou afiançado. O oferecimento da
denúncia não depende necessariamente de prévio inquérito policial, ou de que ele esteja concluído.
É possível que tenha elementos suficientes para o oferecimento da denúncia diante de peças de
informação ou de representação a ele dirigidas. Nessa hipótese, dispõe o art. 46, § 1°: “Quando o
Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contarse-á da data em que tiver recebido as peças de informação ou a representação”. No silêncio da lei
especial a respeito do prazo quando o indiciado estiver preso, não pode ele exceder o prazo comum
de 5 dias previsto no artigo 46 do CPP. Mas, existem prazos diferentes para o oferecimento de
denúncia na legislação penal especial:
1. crime eleitoral: 10 dias nas hipóteses de crime eleitoral (art. 357, L. 4.737/65 - Código Eleitoral)
2. crime de abuso de autoridade: 48 horas (art. 13, da Lei n° 4.898/65);
3. lei de drogas: 10 dias (art .54, III, L. 11.343/06);
Novas diligências
Nos termos do artigo 46, e art. 16 do CPP, o Ministério Público poderá requerer a devolução do
inquérito à autoridade policial para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia,
contando-se novo prazo da data em que o referido órgão receber novamente os autos. Caso o
Ministério Público requeira a devolução dos autos do inquérito policial em caso de réu preso, o
recolhimento do indiciado à prisão passa a constituir constrangimento ilegal à liberdade de
locomoção, cabendo habeas corpus a fim de ser posto em liberdade (art. 648, II). Não pode o juiz
indeferir o requerimento de devolução dos autos do inquérito à polícia quando o Ministério Público
entenda que a realização delas é indispensável ao oferecimento da denúncia. Caso contrário estaria
obrigando o Ministério Público, indiretamente, a renunciar ao exercício da ação penal ou à
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apresentação temerária de uma denúncia. Dispõe ainda o artigo 47: “Se o Ministério Público julgar
necessário maiores esclarecimentos e documentos complementares ou novos elementos de convicção, deverá requisitá-los,
diretamente, de quaisquer autoridades ou funcionários que devam ou possam fornecê-los”. Isso não significa,
porém, que ele não possa requerer ao juiz as diligências. O artigo 47 não pode se sobrepor à
disciplina específica do processo da ação penal pública, onde a cada passo se vê o Ministério
Público, como parte, requerer a substituição de testemunhas, a produção de provas de qualquer
espécie etc.
Excesso de prazo
O excesso de prazo no oferecimento da denúncia, esteja o indiciado preso, solto ou afiançado, não
é motivo de nulidade da denúncia ou do processo, já que inexiste, na hipótese, preclusão. Acarreta,
apenas, soltura do indiciado (se preso) e a possibilidade de oferecimento de ação privada subsidiária
da pública, além de eventual sanção administrativa ao faltoso.
Aditamento da denúncia
Reconhece-se pacificamente ao Ministério Público o direito não só de corrigir as falhas e omissões
da denúncia, de acordo com o artigo 569 CPP (nesse caso pode se tratar de mera retificação de
dados circunstanciais, de data, lugar etc.), como de promover seu aditamento, a qualquer tempo,
durante a instrução. Pode fazê-lo para incluir novos ilícitos penais ao imputado ou para ampliar a
acusação a novos acusados pela prática da infração objeto da denúncia, em decorrência dos
elementos probatórios colhidos durante a instrução. Tal direito é induvidoso não só em decorrência
do artigo 569, como das regras de competência por conexão ou continência dos artigos 76 e 77, que
obrigam como norma geral a unidade de processo e julgamento, salvo quando, instauradas ações
penais diversas, estiver uma delas com sentença definitiva (art: 82, in fine CPP). Além disso, se ao
Ministério Público cabe aditar a queixa (art. 45 CPP), com maior razão poderá quando se tratar de
denúncia. O assistente do Ministério Público não tem direito a aditar a denúncia, já que não incluída
tal permissão no artigo 271 CPP. Mas, cumpre observar que verificada nova definição jurídica do
fato ao acusado, deve ser providenciada a citação do aditamento, possibilitando-se a reinquirição
de testemunhas já ouvidas ou o arrolamento de pessoas não ouvidas, e a produção de qualquer
prova admissível em juízo.é a chamada mutatio libelli, devendo ser obedecido o previsto no artigo
384 CPP.
QUEIXA-CRIME
Conceito
Queixa-crime, ou simplesmente queixa, é a denominação dada pela lei à petição inicial da ação penal
privada intentada pelo ofendido ou seu representante legal, tanto quando é ela principal ou
exclusiva, quando é subsidiária da ação pública. O autor é mencionado como “querelante”,
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enquanto o réu recebe o nome de “querelado”, denominações derivadas de “querela” que, no
vernáculo, significa demanda, discussão, questão. Já se tem utilizado também o termo “queixoso” e
as Ordenações Filipinas mencionavam também o “quereloso”.
Requisitos
Nos termos do artigo 41 CPP, a queixa deve estar revestida dos mesmos requisitos da denúncia.
válido relembrar: “A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas
as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa
identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.” Dela
difere somente pelo titular: enquanto a denúncia é a peça vestibular da ação pública, a queixa, da
ação privada. Tal como na denúncia, estando a inicial da queixa-crime instruída com documentos
aptos a revelar a ocorrência do delito e a indicar a autoria do mesmo, torna-se dispensável a
instauração de inquérito policial a respeito dos fatos, devendo ser a peça recebida pelo juiz. O artigo
44 dispensa as formalidades referentes ao nome do querelado e a menção do fato criminoso
“quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no
juízo criminal”, aludindo às medidas preliminares da ação penal.
Direito de queixa
O direito de queixa deve ser exercido pelo ofendido ou seu representante legal por meio de
“procurador com poderes especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do
querelante e a menção do fato criminoso” (art. 44). Há evidente equívoco tipográfico quanto à
palavra “querelante”, mencionada no texto, já que não há mandato sem o nome do mandante, no
caso o ofendido ou seu representante legal. O que deve ser mencionado é o nome do “querelado”.
Instrumento de mandato
É compreensível a exigência do art. 44 CPP: mandato com “poderes especiais” para queixa e que se
mencione o “fato criminoso”, uma vez que entre as sérias conseqüências de uma ação penal está,
inclusive, a possibilidade do querelante ser eventualmente denunciado pelo crime de denunciação
caluniosa (art. 339
CP). Assim, os poderes especiais se fazem necessários para fixação da
responsabilidade do mandante e do mandatário, que a procuração contenha poderes específicos
para a queixa-crime, que objetiva a punição do fato criminoso que ela menciona. O artigo 44 referese apenas à “menção do fato criminoso” na procuração, não exigindo que dela conste exaustiva
descrição do mesmo, como ocorre com a denúncia ou a queixa. Tem se considerado como
suficiente a simples referência ao boletim de ocorrência, ao nomen iuris ou ao artigo da lei penal ou
ao inquérito policial. Não é idônea para a propositura da queixa a procuração com a simples
cláusula ad juditia, ou a outorgada apenas para o inquérito policial. As omissões ou deficiências,
porém, consideram-se sanadas se também o querelante assinar a queixa. Mas, é praticamente
pacífico que as omissões das formalidades referidas sejam sanadas no curso da ação penal desde
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que não esgotado o prazo de decadência. Feita após esse prazo é inoperante, ocorrendo a causa
extintiva da punibilidade. A queixa, aliás, deve ser rejeitada se as omissões não mais podem ser
supridas dentro do prazo decadencial. Entretanto, com fundamento no artigo 568 CPP, que prevê a
possibilidade de ser sanada a ilegitimidade do representante da parte a todo tempo, já se tem
admitido a complementação até a sentença. Mas a expressão “a todo tempo” significa, no caso,
“enquanto for possível”, ou seja, enquanto não ocorrer a decadência.
Princípio da indivisibilidade
Registra expressamente o artigo 48 o princípio da indivisibilidade da ação privada: “A queixa contra
qualquer dos autores do crime obrigará o processo de todos e o Ministério Publico velará pela sua indivisibilidade”.
Quando se trata de crime praticado por várias pessoas (concursus delinquentium) não se aceita que a
vítima escolha apenas um ou alguns dos que colaboraram na prática do ilícito penal, devendo a
queixa abranger todos os autores, co-autores ou partícipes do fato criminoso. Tendo conhecimento,
pelo inquérito policial ou outros elementos, que o crime foi praticado por mais de uma pessoa,
todas devidamente identificadas, e apresentando o ofendido queixa apenas contra uma delas, não
sendo a peça acusatória aditada no prazo decadencial ocorre a extinção da punibilidade de todos
os agentes pela renúncia tácita quanto aos excluídos, já que esta se comunica aos demais por
força do artigo 49 do CPP. Pode ocorrer, porém, que um ou outro partícipe do crime não seja
conhecido do ofendido ou de que não haja elementos que permitam a imputação. Nessas hipóteses,
a não inclusão deles na queixa não significa renúncia tácita e, portanto, não há causa de extinção da
punibilidade. Cabe ao Ministério Público zelar pela indivisibilidade da queixa (art. 48 CPP), ou seja,
verificar se foi ela proposta contra todos os autores do crime. Verificando que injustificadamente
foram excluídos dela um ou mais autores do crime, deve requerer seja decretada a extinção da
punibilidade pela renúncia. Não lhe é possível, na hipótese, aditar a queixa para incluir os partícipes
ou co-autores excluídos pelo querelante. Como vimos, o princípio da indivisibilidade também vige
na ação penal pública diante da regra da obrigatoriedade, mas a sua inobservância não causa
nulidade ou qualquer outra conseqüência.
Aditamento da queixa
Dispõe o artigo 45 que “a queixa, ainda quando a ação penal for privativa do Ofendido, poderá ser aditada pelo
Ministério Público, a quem caberá intervir em todos os termos subseqüentes do processo”. O dispositivo não trata,
evidentemente, da hipótese de conexão do crime apurado mediante a queixa com crime de ação
pública pois, nesse caso, o Ministério Público deverá oferecer denúncia, dando causa ao
litisconsórcio ativo. O Código do Processo Penal usa o verbo aditar no sentido de corrigir,
acrescentar, ampliar, complementar, e não de se iniciar uma nova ação, ainda que em litisconsórcio.
Diante do dispositivo citado e do que consta dos artigos 41 poderá o Ministério Público aditar a
queixa para acrescentar à acusação circunstâncias que possam influir na caracterização do crime e
sua classificação ou na fixação da pena (dia, hora, local, meios, modos, motivos, dados pessoais do
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querelado etc.). Não lhe é dado porém a produção de provas destinadas a viabilizar o recebimento
da peça acusatória privada. Já foi visto que, havendo injustificada exclusão de um ou de vários
autores do crime, na queixa, ocorre renúncia tácita que se comunica aos querelados. Nessa hipótese
não pode o Ministério Público aditar a queixa para incluir aqueles. Quando, porém, por
desconhecimento da identidade de alguns autores ou por falta de provas da participação desses coautores ou partícipes, não foi possível a inclusão deles na queixa, o aditamento para incluí-los assim
que surgirem os elementos suficientes, é não só lícito, como obrigatório. Nessa hipótese não houve
renúncia tácita e ao Ministério Público cumpre zelar pela indivisibilidade da ação privada, como está
expresso no artigo 45 do CPP. Há, porém, entendimento contrário, no sentido de que o Ministério
Público, na ação privada, é assistente do querelante e não parte legítima para dirigir a ação penal
contra quem não estava sendo acionado. É decorrência do artigo 45 também a manifestação do
Ministério Público que, ao ter vista de queixa crime, pronuncia-se pela existência de crime de ação
penal pública, oferecendo denúncia substitutiva da ação privada. É o que já se decidiu, por
exemplo, quanto à imputação do crime de denunciação caluniosa para substituir a referente a crime
contra a honra. No caso de ação privada subsidiária as atribuições do Ministério Público são mais
amplas pois lhe cabe “aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do
processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso, e a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a
ação como parte principal (art. 29)”. Como se trata de crime que, em princípio, se apura mediante ação
penal pública, no aditamento vige o princípio da obrigatoriedade quanto ao que concerne a tais
delitos. Pode assim o juiz, na hipótese de não haver aditamento que julga cabível, utilizar-se, por
analogia, do art. 28 do CPP, encaminhando os autos ao Procurador-geral. A denúncia substitutiva
só cabe, evidentemente, se o Ministério Público previamente repudiou a queixa. Também somente
pode retomar a ação como parte principal em caso de desídia do querelante, ou seja, quando tenha
ocorrido uma omissão caracterizadora da perempção, que não extingue a punibilidade quando se
trata de crime que se apura originariamente pela ação penal pública. O prazo para o aditamento da
queixa é de 3 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos, e, se
este não se pronunciar dentro do tríduo, entende-se que não tem o que aditar, prosseguindo-se nos
demais termos do processo (art. 46, § 2° CPP). A regra é válida tanto nas hipóteses do artigo 48
quanto na do artigo 29. Não impede ela, porém, que, diante de novos elementos surgidos durante a
instrução, se ofereça o aditamento tanto para complementar a acusação como incluir co-autores ou
partícipes, na hipótese já mencionada, até o momento da sentença. Aditando ou não a queixa, o
Ministério Público deve intervir em todos os termos do processo. A não intervenção em caso de
ação privada subsidiária é mencionada como nulidade (art. 564, III, d, 2ª parte CPP), mas se trata de
nulidade que se considera sanada se não for argüida em tempo oportuno (art. 572 CPP).
Prazo para a queixa
Enquanto a ação pública pode ser instaurada até ocorrer prescrição da pretensão punitiva, a queixa
só será admitida dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que o ofendido veio a saber
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quem é o autor do crime, na ação privada exclusiva, e do dia em que se esgota o prazo para o
oferecimento da denúncia, na hipótese de ação subsidiária (arts. 103, do CP, e 38 do CPP). Trata-se
de prazo ordenatório, em que a lei faculta a prática de um ato; escoado ele sem a propositura da
queixa, ocorre a decadência, causa extintiva da punibilidade. Os artigos 103 do CP e 38 do CPP
fixam o prazo comum, mas ressalvam a possibilidade de instituir a lei exceções à regra geral. Assim,
na hipótese de crime contra a propriedade imaterial (art. 184 CP) em que se exige perícia, a ação
penal deve ser proposta no prazo de 30 dias a contar da ciência pelo autor da homologação do
laudo (art. 529 do CPP). Os textos legais citados, ao preverem o prazo decadencial, condicionam-se
à circunstância de saber o ofendido, ou seu representante legal, quem é o autor do crime. Começa a
fluir, portanto, da certeza ou quase certeza do cometimento do crime pelo autor conhecido e não
de simples suspeitas. Como exceção, o prazo só começa a correr após o trânsito em julgado da
sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento, no caso do crime de
induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento (art. 236, parágrafo único, do CP). Os
prazos são os mesmos para os sucessores nos casos de morte ou ausência do ofendido diante do
que dispõem os artigos 38, parágrafo único, 24, parágrafo único, e 31, do Código de Processo
Penal. Não dispondo a lei expressamente sobre o termo inicial nessas hipóteses, será sempre a data
em que o sucessor tiver conhecimento da autoria do crime, por analogia com o que prevê o artigo
38, caput. Evidentemente, não se iniciará prazo para a queixa no caso de ter se esgotado o prazo
decadencial para o ofendido antes do dia de sua morte ou ausência, extinta já a punibilidade. Para a
contagem do prazo, que é de direito penal, já que o seu transcurso ocasiona causa extintiva da
punibilidade (decadência), conta-se o dia do início, ou seja, a data da ciência da autoria, nos termos
do artigo 10 do CP. Por essa mesma razão o prazo é fatal, não admitindo interrupção, suspensão ou
prorrogação.
Rejeição da denúncia e da queixa
O artigo 395 do CPP trata das hipóteses em que a denúncia ou a queixa deve ser rejeitada, não se
dando início à instrução criminal. A anterior redação do art. 43 CPP permitia haver um rol
meramente exemplificativo de causas autorizadoras da rejeição da denúncia ou queixa. A partir da
nova redação dada ao art. 395, através da L. 11.719/08, considera-se este um rol genérico que pode
abranger todas as situações concretas que permitem a rejeição da peça acusatória. Vejamos:
Art. 395: A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I - for manifestamente inepta;
II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou
III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.
1. inépcia da denúncia ou queixa (I): se dá a inépcia quando a peça de acusação não se presta
aos fins a que se destina, ou seja, não é apta na narrativa dos fatos para a compreensão lógica e
concatenada da acusação, garantindo a possibilidade de exercer o contraditório e ampla defesa por
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parte daquele que é acusado (réu ou querelado). Dentre outros, pode-se citar como fatores que
ensejam a inépcia:
a) descrição de fatos de maneira truncada, lacunosa ou em desacordo com os dados colhidos no
inquérito;
b) inserção de co-autores ou partícipes inexistentes nas investigações policiais;
c) narrativa tendente a descrição de um tipo penal, mas cuja conclusão aponta outro;
d) descrição muito extensa e detalhada do caso, de modo a tornar incompreensível o cerne da
imputação; etc.
2. falta de pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal: já estudamos
na teoria geral d ação penal esse assunto. Pressupostos processuais dizem respeito à existência do
processo e à validade da relação processual, ou seja, são condições prévias para a formação
definitiva de toda relação processual. São pressupostos processuais:
1. Pressupostos relativos ao processo
1.1. propositura de uma demanda.
1.2. investidura jurisdicional do órgão ao qual a demanda é endereçada.
2. Pressupostos relativos a validade do processo
2.1. Pressupostos processuais positivos subjetivos
2.1.1. Relativos ao juiz
2.1.1.1. Competência
2.1.1.2. Imparcialidade
2.1.2 Relativos às partes
2.1.2.1. Capacidade de ser parte
2.12.2. Capacidade processual
2.12.3. Capacidade postulatória
2.2. Pressupostos processuais positivos objetivos
2.2.1. Pressupostos processuais objetivos intrínsecos
2.2.1.1 Petição apta
2.2.1.2. Citação válida
2.2.2. Pressupostos processuais objetivos extrínsecos
2.2.2.1 Litispendência
2.2.2.2. Coisa julgada
2.2.2.3. Perempção
Raras são as vezes em que se rejeita uma peça de acusação por falta de pressupostos processuais,
vez que, busca-se, primeiramente a regularização dessa. Condições da ação referem-se ao exercício
da ação penal, são os requisitos exigidos pela lei para que o órgão acusatório consiga obter do
Poder Judiciário a análise sobre sua pretensão punitiva. São divididas em genéricas e específicas,
estas últimas chamadas de condições de procedibilidade. São elas:
1. Gerais:
1. Possibilidade jurídica do pedido;
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2. Legitimidade para agir (legitimatio ad causam);
3. Interesse de agir
2. Específicas (condições de procedibilidade)
3. faltar justa causa para o exercício da ação penal (III): a grande maioria da doutrina indica
que justa causa é exatamente o interesse de agir, que é uma das condições da ação. Ora, inexistindo
hipótese de interesse de agir, não há justa causa para a ação penal, devendo a peça de acusação ser
rejeitada.não obstante, a justa causa, não é só isso. Na verdade, vem a espelhar a síntese de todas as
condições da ação. Inexistindo quaisquer das condições, não há justa causa para a ação penal.
Portanto, o inciso II já abrange o inciso III.
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