2. O texto dramático
O texto dramático apresenta marcas distintivas que se configuram na sua estrutura
dialogal (através da qual progride a intriga ou ação dramática, destinando-se, prioritariamente, à
representação. Por isso, é conveniente reconhecer o conjunto de elementos que o integram e que
permitem distingui-lo dos textos poéticos e narrativos.
De entre esses elementos constitutivos destacam-se os seguintes:
Elementos que caraterizam o Texto Dramático
- Corresponde aos atos de fala das personagens (as
réplicas), pelas quais se dá a progressão dramática.
- Integra acontecimentos, situações ou ações experienciados
pelas personagens, que surgem contextualizados num
determinado espaço e num determinado tempo.
Texto principal
- Desenvolve-se, fundamentalmente, em diálogo (interação
estabelecida pelas personagens intervenientes), podendo
também surgir o monólogo (expressões associadas à
exteriorização de reflexões ou pensamentos da personagem)
ou os apartes (interação direta entre a personagem e o leitor /
espetador).
- Corresponde ao conjunto de didascálias (partes do texto
marcadas graficamente por outro tipo de letra ou por
parênteses e destacado do texto principal).
-
Representa
dramaturgo,
as
nas
indicações
quais
cénicas
se
fornecidas
encontram
pelo
informações
imprescindíveis à representação do texto principal.
- Integra informações dirigidas ao encenador, ao técnico de
luz e de som, ao figurinista, às personagens, do tipo:
Texto secundário
- identificação das personagens;
- caraterização física e psicológica dos interlocutores;
- indicações sobre o modo como as falas devem ser
proferidas;
- registo de aspetos paraverbais como a movimentação, as
expressões corporais e faciais, o tom de voz, os gestos;
- caraterização do espaço e do tempo, da intensidade e
focalização da iluminação, da disposição dos objetos em
cena, vários aspetos a contemplar na representação.
Professor António Fernandes
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3. A estrutura do texto dramático pode ainda ser percecionada por outras caraterísticas,
normalmente associadas à sua segmentação e tradicionalmente associadas aos seguintes
aspetos:
Estrutura tradicional do Texto Dramático
Associa-se à mudança de cenário ou momentos cruciais do desenvolvimento da ação
Ato
dramática.
Cena
Corresponde à entrada ou saída de personagens.
Atenção: muitos textos dramáticos fogem a este tipo de estrutura, e no teatro moderno verifica-se
mesmo o recurso aos jogos de luzes para proceder à mudança de situação / ação.
Frei Luís de Sousa
Segundo o biógrafo Francisco de Amorim, Frei Luís de Sousa foi escrito entre março e
abril de 1843 e a sua leitura pública ocorreria a 6 de maio desse mesmo ano, perante um público
curto e selecionado. Em 1850, o público, em geral, acederia à sua representação total, que
decorreu no teatro D. Maria II.
Pensa-se que, para redigir o seu drama, Almeida Garrett se socorreu de várias fontes,
embora as mais credíveis sejam aquelas a que o próprio autor alude na “Memória ao
Conservatório Real”, isto é, as literárias. Todavia, destacam-se as seguintes:
Fontes do drama Garrettiano
Manuel de Sousa Coutinho casara-se com D. Madalena de Vilhena, que fora
Históricas
casada em primeiras núpcias com D. João de Portugal de quem tivera três
filhos, verificando-se, aqui, a primeira fuga ao pendor histórico que enforma o
drama garrettiano.
Garrett menciona na “Memória ao Conservatório Real” a representação a que
assistiu, levada a cabo por uma companhia castelhana de teatro ambulante.
Cita ainda o drama O Cativo de Fez que lhe despertara a atenção para o
Literárias
assunto, cuja representação foi feita no Conservatório Real, em 1840, bem
como as insinuações de que foi alvo por ter imitado um assunto abordado num
romance de Ferdinand Denis, publicado em Paris em 1835, mas que Garrett
desmente.
Pessoais
A atribulada vida amorosa pode também ter sido usada como inspiradora do
drama que escreveu, especialmente do fim trágico que lhe conferiu. Com
efeito, Almeida Garrett teve um casamento fracassado com Luísa Midosi,
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4. tendo-se envolvido com Adelaide Pastor, que lhe deixara uma filha que, aos
olhos da sociedade, era considerada ilegítima. As palavras finais da
personagem Maria de Noronha poderão, por isso, ilustrar as preocupações que
dominavam o autor relativamente ao futuro da filha.
Relativamente à estrutura, há que distinguir entre estrutura interna e externa:
Estrutura de Frei Luís de Sousa
- Divisão em três atos e subdivisão de cada um em cenas:
Externa
Ato I – 12 cenas
Ato II – 15 cenas
Ato III – 12 cenas
- Respeita o desenrolar da ação ao longo dos atos e cenas, centrando-se no
Interna
conjunto de acontecimentos que envolve a família de Manuel de Sousa
Coutinho.
Cada ato divide-se em locais distintos:
Espaço em Frei Luís de Sousa
A ação, neste ato, decorre no palácio de Manuel de Sousa Coutinho, em
Ato I
Almada, onde se situa a “câmara antiga, ornada com todo o luxo e caprichosa
elegância portuguesa dos princípios do século XVII” e onde, na cena I, se
encontra D. Madalena a ler.
Passa-se no palácio onde D. Madalena e D. João de Portugal viveram,
Ato II
também em Almada, mais particularmente num “salão antigo, de gosto
melancólico e pesado, com grandes retratos de família”, de onde se destacam
o de el-rei D. Sebastião, Camões e de D João de Portugal.
Ato III
Este momento da ação desenrola-se na “parte baixa do palácio de D. João de
Portugal …” e na capela da Senhora da Piedade que com ela comunica.
Observação : o ambiente que carateriza cada um destes espaços reflete o estado psicológico
das personagens, verificando-se o estreitamento do espaço dramático à medida que o desenlace
se aproxima.
Tempo
Tempo da ação
Ato I – fim de tarde
Ato II – oito dias depois
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5. Ato III – altas horas da noite
Vem desde o casamento de D. Madalena com D. João de Portugal (antes
de 1578); passa pelos sete anos em que se procurou saber do paradeiro
de D. João; integra os catorze anos em que D. Madalena esteve casada
Tempo dramático
com Manuel de Sousa, os oito dias em que viveu no palácio de D. João de
Portugal, os três dias (1 a 3 de agosto) que este levou até chegar à
presença de D. Madalena, até ao dia 4 de agosto – “Hoje”.
Como se pode verificar, também o tempo dramático se vai estreitando à
medida que o fim trágico se aproxima.
Personagens
Tal como acontece na tragédia, as personagens são nobres e reveladoras de grande dignidade.
Mesmo Telmo (um serviçal) nunca perde o aprumo.
São caraterizadas direta e indiretamente e podem considerar-se modeladas, uma vez que é o
conflito interior, a profundidade e a sua densidade psicológica que desencadeiam a tensão
dramática.
Destacam-se:
Manuel de Sousa Coutinho, D. Madalena, Maria de Noronha, D. João de
Portugal, Telmo Pais e Frei Jorge.
Linguagem
Esta é culta mas há, por vezes, um tom declamatório, configurado nas inúmeras exclamações,
interrogações e reticências, bem ao jeito do gosto romântico. É adequada às circunstâncias e às
personagens. Por isso, carrega-se de inquietação e angústia em D. Madalena; é respeitosa,
digna, mas também familiar em Telmo; elegante, nobre e assumindo, frequentemente, um tom
didático-moralizador em Manuel de Sousa; confidencial e de tom religioso em Frei Jorge; austera
e dramática no Romeiro.
Caraterísticas
Românticas
O assunto é nacional, impregnado do messianismo necessário à reação
contra a dominação espanhola; as personagens, sobretudo D. Madalena,
são verdadeiras heroínas românticas pelo comportamento emotivo, o
recurso à religião consoladora para minimizar o sofrimento (D. Madalena e
Manuel de Sousa ingressam na vida conventual); a sensibilidade cristã
percorre toda a obra e o próprio conflito tem origem na ética cristã; a
morte de uma personagem em cena é admissível no Romantismo, mas
não no Classicismo; a linguagem e o estilo apresentam caraterísticas
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6. românticas.
A unidade de ação e os acontecimentos progridem dramaticamente até ao
clímax; o sofrimento (pathos) apodera-se das personagens e dos
espetadores de forma progressiva até à catástrofe; o desafio ( hybris) é
visível
Clássicas
na
ação
de
incendiar
o
palácio;
a
fatalidade
atua
permanentemente, bem como o destino; estão presentes os presságios
(lançados por Telmo e cuja função se pode aproximar à do coro da
tragédia clássica); dá-se o reconhecimento (agnorise) que origina a
catástrofe; as personagens são nobres (aristocráticas) e sempre poucas
em cena. Porém, não obedece à unidade de tempo nem de espaço enão
é escrita em verso.
Classificação da obra
Como se depreende pela leitura da obra e das caraterísticas atrás enunciadas, o texto garrettiano
poderia ser classificado como tragédia pelo conteúdo mas drama pela forma, uma vez que está
escrito em prosa. Assim, poder-se-ia dizer que se trata de uma tragédia moderna, dado que a
matéria não é fornecida pela mitologia nem pela história grega, mas pela história nacional, bem
ao gosto da estética romântica. Contudo, é o próprio autor
quem afirma na “Memória ao
Conservatório Real” que se contenta com a designação de drama para a sua obra,
reconhecendo, todavia, que “se na forma desmerece da categoria (de tragédia), pela índole há de
ficar pertencendo sempre ao antigo género trágico”.
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7. românticas.
A unidade de ação e os acontecimentos progridem dramaticamente até ao
clímax; o sofrimento (pathos) apodera-se das personagens e dos
espetadores de forma progressiva até à catástrofe; o desafio ( hybris) é
visível
Clássicas
na
ação
de
incendiar
o
palácio;
a
fatalidade
atua
permanentemente, bem como o destino; estão presentes os presságios
(lançados por Telmo e cuja função se pode aproximar à do coro da
tragédia clássica); dá-se o reconhecimento (agnorise) que origina a
catástrofe; as personagens são nobres (aristocráticas) e sempre poucas
em cena. Porém, não obedece à unidade de tempo nem de espaço enão
é escrita em verso.
Classificação da obra
Como se depreende pela leitura da obra e das caraterísticas atrás enunciadas, o texto garrettiano
poderia ser classificado como tragédia pelo conteúdo mas drama pela forma, uma vez que está
escrito em prosa. Assim, poder-se-ia dizer que se trata de uma tragédia moderna, dado que a
matéria não é fornecida pela mitologia nem pela história grega, mas pela história nacional, bem
ao gosto da estética romântica. Contudo, é o próprio autor
quem afirma na “Memória ao
Conservatório Real” que se contenta com a designação de drama para a sua obra,
reconhecendo, todavia, que “se na forma desmerece da categoria (de tragédia), pela índole há de
ficar pertencendo sempre ao antigo género trágico”.
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