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Poemas Escolhidos | Bocage

                                          Magro, de olhos azuis, carão moreno,
                                          Apenas vi do dia a luz brilhante
                                          Ó tranças, de que Amor prisão me tece,
                                          Da pérfida Gertrúria o juramento
                                          Das terras a pior tu és, ó Goa,
                                          Camões, grande Camões, quão semelhante
                                          Incultas produções da mocidade
                                          Lembrou-se no Brasil bruxa insolente
                                          Cartaz
                                          Vós, ó Franças, Semedos, Quintanilhas,
                                          Sanhudo, Inexorável Despotismo,
                                          Liberdade, onde estás? Quem te demora?
                                          Importuna Razão, não me persigas;
                                          Oh retrato da morte, oh Noite amiga
                                          Meu ser evaporei na lida insana
                                          Já Bocage não sou!... À cova escura

                                          Créditos

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Poemas Escolhidos | Bocage
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão(1) na altura,
Triste de facha,(2) o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno:
Incapaz de assistir (3) num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas (4) mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno:
Devoto incensador de mil deidades (5)
(Digo, de moças mil) num só momento,
Inimigo de hipócritas, e frades:*
Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou cagando ao vento.*


Glossário
1 - Mediano, medíocre, médio
2 - De rosto, de cara
3 - Usado no sentido de morar
4 - Brancas como neve
5 - Divindades, venerações

*- Versos corrigidos na edição de 1804


Comentários:
Esse soneto é considerado o Auto-retrato do poeta. Ele foi corrigido, pelo próprio Bocage, na
edição de 1804. Os versos "Inimigo de hipócritas, e frades" e "Num dia em que se achou
cagando ao vento" foram substituídos, respectivamente, por "E somente no altar amando os
frades" e "Num dia em que se achou pachorrento", no qual pachorrento tem o significado de
paciente. Optamos por divulgar a primeira versão do poema porque a consideramos mais
original. Nesse soneto, no qual o poeta vê com humor e um certo cinismo as suas desventuras,
percebe-se toda a instabilidade do poeta, tanto no sentido físico, quanto no moral. Ele é incapaz
de assistir, aqui empregado no sentido de morar, "num só terreno".




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Poemas Escolhidos | Bocage
Apenas vi do dia a luz brilhante
Lá de Tubal(1) no empório celebrado,
Em sangüíneo caráter foi marcado
Pelos destinos meu primeiro instante.
Aos dois lustros(2) a morte devorante
Me roubou, terna mãe, teu doce agrado;
Segui Marte(3) depois, enfim meu fado
Dos irmãos, e do pai me pôs distante.
Vagando a terra curva, o mar profundo,
Longe da pátria, longe da ventura
Minhas faces com lágrimas inundo.
E enquanto insana multidão procura
Essas quimeras, esses bens no mundo,
Suspiro pela paz na sepultura.


Glossário
1- Tubal viveu em Setúbal, conforme a história mítica
2- Qüinqüênio, Espaço de 5 anos
3-Deus latino da guerra


Comentários:
Nesse soneto Bocage faz referência a morte de sua mãe. Em seguida ele nos fala sobre a sua
entrada para Marinha de Guerra e sobre as suas viagens. Essa idéia é reforçada com a presença
da "Marte" o deus romano da guerra. Finalizando o poema o eu-lírico, que deseja a paz da
sepultura, se opõem aos homens que procuram como loucos os bens materiais, que não passam
de quimeras, ou seja, sonhos fantasiosos.




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Poemas Escolhidos | Bocage
Ó tranças, de que Amor prisão me tece,
Ó mãos de neve, que regeis meu fado!
Ó Tesouro! ó mistério! ó par sagrado,
Onde o menino alígero(1) adormece!
Ó ledos(2) olhos, cuja luz parece
Tênue raio do sol! Ó gesto (3) amado,
De rosas e açucenas semeado
Por quem morrera esta alma, se pudesse!
Ó lábios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcíssimos favores
Talvez o próprio Júpiter (4) suspira!
Ó perfeições! Ó dons encantadores!
De quem sois?... Sois de Vênus?(5) -
É mentira; Sóis de Marília, sois de meus amores.


Glossário

1 - Cúpido / Literalmente, alígero significa rápido ligeiro.
2- Risonho alegre
3 - significa rosto, é muito comum na poesia clássica
4 - Deus supremo, o pai de todos
5 - Deusa da beleza e do amor


Comentários:
Esse soneto é um ótimo exemplo do estilo árcade. Nele temos a presença da natureza e de
figuras mitológicas como Vênus e Júpiter. O poema é construído baseado na oposição beleza e o
seu efeito. As mãos da musa tecem o fado do poeta, os seus lábios tiram a sua paz. A beleza da
mulher amada é detalhada por quase todo o poema e, no final, ela é comparada a Vênus, deusa
da beleza e do amor, e em nada perde para ela, pois até mesmo Júpiter por ela suspira.




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Poemas Escolhidos | Bocage
Da pérfida(1) Gertrúria o juramento
Parece-me que estou inda escutando,
E que inda ao som da voz suave e brando
Encolhe as asas, de encantado, o vento:
No vasto, infatigável pensamento
Os mimos da perjura(2) estou notando...
Eis Amor, eis as Graças festejando
Dos ternos votos o feliz momento.
Mas ah!... Da minha rápida alegria
Para que acendes mais as vivas cores,
Lisonjeiro pincel da fantasia?
Bastam, cega paixão, loucos amores;
Esqueçam-se os prazeres de algum dia,
Tão belos, tão duráveis como as flores.


Glossário

1 - traidora, desleal, infiel, que mente a fé jurada
2 - que jura em falso


Comentários:
Tudo leva a crer que esse soneto foi inspirado na traição de Gertrudes (Gertrúria) que casou-se
com o irmão de Bocage, Gil Bocage, quando o poeta estava na Índia. Nesse poema percebe-se a
dor e amargura do eu-lírico ao perceber que sua amada o traiu. A conclusão do poema é muito
cínica. O amor é comparado com as flores, belas, porém, pouco duradouras.




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Poemas Escolhidos | Bocage
Das terras a pior tu és, ó Goa,
Tu pareces mais ermo, que cidade;
Mas alojas em ti maior vaidade
Que Londres, que Paris, ou que Lisboa:
A chusma(1) de teus íncolas (2) pregoa
Que excede o grão-Senhor na qualidade;
Tudo quer senhoria; o próprio frade
Alega, para tê-la, o jus da c'roa!
De timbres prenhe (3) estás; mas ouro e prata
Em cruzes, com que dantes te benzias
Foge a teus infanções (4) de bolsa chata
Oh que feliz, e esplêndida serias,
Se algum fusco Merlin,(5) que faz bagata
Te alborcasse (6) a Pardaus (7) as senhorias


Glossário

1 - Grande quantidade, montão
2 - Moradores, habitantes
3 - Pleno, repleto, cheio
4 - Antigo título da nobreza
5 - Lendário mago da corte do Rei Arthur
6- Permutasse, trocasse
7 - Antiga moeda da Índia portuguesa


Comentários:
Essa Goa sobre a qual Bocage descarrega o seu Sarcasmo é muito diferente daquela que foi
conquistada por Afonso de Albuquerque e que se transformou no maior centro comercial do
oriente. Na visão do poeta Goa é "Das terras a pior" , seus habitantes são pretensiosos e vivem
se vangloriando do seu luxo e riqueza, porém o império está em franca decadência, o império
está falido e corrupção toma conta de seus habitantes. Para reverter essa situação, concluí
ironicamente o poeta, somente Merlin com sua poderosa magia.




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Poemas Escolhidos | Bocage
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa no fez perdendo o Tejo
Arrostar(1) co sacrílego (2) gigante: (3)
Como tu, junto ao Ganges sussurrante
Da penúria cruel no horror me vejo:
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante:
Ludibrio (4) , como tu, da sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura:
Modelo meu tu és... Mas, oh tristeza!...
Se te imito nos transes da ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.


Glossário

1 - Olhar de frente
2 - Que cometeu sacrilégio, ato de impiedade, de profanação
3 Referência ao episódio do Gigante Adamastor, de Os Lusíadas. Representa o cabo das
tormentas (Sul da África), limite do mar conhecido por Vasco da Gama.
4 - Escarneço, zombo


Comentários:
Nesse soneto Bocage invoca Camões, comparando as suas desventuras com as dele. As
semelhanças entre os dois são muitas: Ambos cruzaram o cabo da Boa Esperança, eram
boêmios, briguentos, tiveram muitos amores e morreram quase na miséria. No último terceto do
poema, Bocage, como era de costume no período Neoclássico, admite que Camões é o seu
modelo. No entanto, ele lamenta o fato de se equiparar ao "grande Camões" "Nos transes da
ventura" e não no dom de fazer versos.




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Poemas Escolhidos | Bocage
Incultas produções da mocidade
Expondo a vossos olhos, ó leitores:
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade, e não louvores:
Ponderai da fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas, e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração dos seus favores:
E se entre versos de sentimento
Encontrades alguns, cuja aparência
Indique festival contentamento,
Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Cantados pela voz da Dependência.


Comentários:
Esse soneto pode ser considerado como o julgamento literário que Bocage faz dos poemas que
escreveu na juventude. Ao criticá-los, ele crítica também o estilo da época e o fingimento das
composições árcades. Por meio da forma imperativa, ele amplia a intensidade apelativa do
poema e pede aos leitores para que tenham piedade de seus versos, pois é só piedade eles
buscam. A utilização de iniciais maiúsculas em "Fingimento" e "Despotismo" personifica idéias
abstratas. Ao fazer isso, ele pode estar tentando transferir a eles um pouco da responsabilidade
pela autoria dessas "Incultas produções".




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Poemas Escolhidos | Bocage
Lembrou-se no Brasil bruxa insolente
De amar ao pobre mundo estranha peta; (1)
Procura um mono (2), que infernal careta
Lhe faz de longe, e lhe arreganha o dente:
Pilhando-o por mercê do Averno (3) ardente,
Conserva-lhe as feições na face preta;
Corta-lhe a cauda, veste-o de roupeta,
E os guinchos(4) lhe converte em voz de gente:
Deixa-lhes os calos, deixa-lhe a catinga;
Eis entre os Lusos o animal sem rabo
Prole(5) se aclama da rainha Ginga: (6)
Dos versistas se diz modelo e cabo;
A sua alta ciência é a mandinga,
O seu benigno Apolo (7) é o Diabo.

Glossário

1   -   Mentira
2   -   Designação geral para os macacos
3   -   Inferno
4   -   Som agudo e inarticulado do homem e de alguns animais
5   -   Geração, progênie, descendente
6   -   Rainha Ginga, da angola.
7   -   Deus Grego-romano, o mais belo dos deuses



Comentários:
Esse soneto, de tom extremamente irônico, foi dedicado a Domingos Caldas Barbosa, presidente
da Nova Arcádia. Nele, Bocage compara Caldas a um demônio que, para iludir os portugueses,
disfarça seus guinchos em canções. Esse demônio, por ser descendente da rainha Ginga,
adversária dos portugueses durante a época da colonização, é um inimigo do povo português.




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Poemas Escolhidos | Bocage
Cartaz:

Quarta-feira catorze do corrente
Se apresenta outra vem com bom cenário
No Salitre a comédia do "Antiquário",
A que tem concorrido imensa gente:

É obra traduzida novamente
Por um poeta, amigo do empresário,
Memorião,(1) que engole um dicionário,
E orna de verdes pâmparos(2) a frente:

Em lugar de entremez(3) se há de seguir
Do Franco a grande peça curiosa,
Tragédia de "Sesóstris" que faz rir

Tem versos naturais, parecem prosa!
Que venha o nobre público a aplaudir
Espera a companhia obsequiosa.


Glossário

1 - quem tem boa memória, ou facilidade para decorar
2 - ramos mais novos da videira
3 – composição teatral curta, de caráter jocoso


Comentários:
Soneto com tom satírico. Nele é anunciado a repetição de uma peça, cuja tradução é atribuída a
Belchior Manuel Curvo Semedo, membro da Nova Arcádia. No entanto, essa peça só está sendo
apresentada porque o tradutor é "amigo do empresário". Note que a peça será apresentada em
uma quarta-feira, referência irônica às reuniões da Nova Arcádia que, por acontecerem às
quartas-feiras, ficaram conhecidas como "quartas-feiras de Lereno".




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Poemas Escolhidos | Bocage
Vós, ó Franças, Semedos, Quintanilhas,
Macedos e outras pestes condenadas;
Vós, de cujas buzinas penduradas
Tremem de Jove(1) as melindrosas filhas;
Vós, néscios, que mamais das vis quadrilhas
Do baixo vulgo insossas gargalhadas,
Por versos maus, por trovas aleijadas,
De que engenhais (2) as vossas maravilhas;
Deixai Elmano, que, inocente honrado
Nunca de vós se lembra, meditando
Em coisas sérias, de mais alto estado.
E se quereis, os olhos alongando,
Ei-lo! Vede-o no Pindo (3) recostado,
De perna erguida sobre vós...


Glossário

1 - Outro nome de Júpiter.
2 - Inventais, traçais, maquinais
3 - Nome do monte consagrado a Apolo e às musas na Grécia antiga


Comentários:
O tom desse soneto é irônico. Nele, Bocage compara os membros da Nova Arcádia à "pestes
condenadas". Ele ainda zomba deles usando nomes árcades como Jove e Pindo. Essas "pestes",
como diz Bocage, fazem uma poesia maçante e vivem perseguindo Elmano, que, além de ser um
poeta superior, é um homem honrado, que nunca se lembra deles porque está ocupado com a
verdadeira poesia "coisas sérias, de mais alto estado". A superioridade de Elmano fica clara no
último terceto: ele está no Pindo sob a proteção de Apolo e das musas enquanto que os outros...
Em algumas publicações esse verso é completado com "mijando" ou "cagando".As duas palavras
se encaixam perfeitamente no verso, ou seja, a métrica e rima ficam perfeitas.




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Poemas Escolhidos | Bocage
Sanhudo,(1) Inexorável(2) Despotismo,(3)
Monstro que em pranto, em sangue a fúria cevas,(4)
Que em mil quadros horríficos te enlevas,
Obra da Iniqüidade(5) e do Ateísmo;
Assanhas o danado Fanatismo
Porque te escore o tronco onde te enlevas;
Porque o sol da Verdade envolva em trevas,
E sepulte a Razão num denso abismo:
Da sagrada Virtude o colo pisas,
E aos satélites vis da prepotência
De crimes infernais o plano gizas:(6)
Mas, apesar da bárbara insolência,
Reinas só no ext´rior, não tiranizas
Do livre coração a independência.


Glossário

1 - temível
2 - inabalável
3 - sistema de governo com poder absoluto e arbitrário
4 - alimentar, nutrir
5 - injustiça
6 - delinear, traçar


Comentários:
Esse é um soneto que reflete as idéias liberais da Revolução Francesa. No poema existe uma atitude prê-
romântica, pois o Despotismo opressor não consegue atingir o coração que é livre. Vale lembrar que os
autores do Romantismo, que estaria por vir, tinham posições políticas muito semelhantes a essas. Por isso,
reforça-se ainda mais a antecipação romântica de Bocage.




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Poemas Escolhidos | Bocage
Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Por que (triste de mim)! por que não raia
Já na esfera de Lísia(1) a tua aurora?
Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia:
Oh! Venha... Oh! Venha, e trêmulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!
Eia! Acode ao mortal, que frio e mudo
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo:
Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso nume tu és, e glória, e tudo,
Mãe do gênio e prazer, oh Liberdade!


Glossário

1 - Esfera lísea - o contexto indica que se refere a Portugal


Comentários:
Esse é outro soneto ideológico. Nele existe a defesa dos ideais liberais e a crítica ao Despotismo
opressor. Por isso, o poema torna-se uma espécie de canto a liberdade, que possuí a função de
acorda Portugal, uma terra que ainda está adormecida. Novamente temos o uso de iniciais
maiúsculas para personificar idéias abstratas.




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Poemas Escolhidos | Bocage
Importuna Razão, não me persigas;
Cesse a ríspida voz que em vão murmura;
Se a lei do Amor se força da ternura
Nem domas, nem contrastas, nem mitingas:(1)
Se acusas os mortais, e os não abrigas,
Se (conhecendo o mal) não dás a cura,
Deixa-me apreciar minha loucura,
Importuna Razão, não me persigas.
É teu fim, teu projeto encher de pejo(2)
Esta alma, frágil vítima daquela
Que, injusta e vária, noutros laços vejo:
Queres que fuja de Marília bela,
Que a maldiga, a desdenhe; e meu desejo
É carpir,(3) delirar, morrer por ela.


Glossário

1 - amansar, abrandar
2 - vergonha, pudor
3 - sofrer, chorar


Comentários:
Nesse soneto temos traços do Arcadismo e também do Romantismo. Marília está em outros
laços, que pode ser entendido como outros braços. Essa visão real, essa "Importuna Razão"
persegue o eu-lírico, que, aos invés de lhe dar ouvidos, prefere apreciar sua loucura. A Razão,
personificada pelo uso de iniciais maiúsculas, pede para o eu-lírico fuja de sua amada, porém,
seu desejo "É carpir, delirar, morrer por ela.". Nota-se claramente que nesse poema existe um
conflito entre a razão Arcade e a emoção tipicamente Romântica.




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Poemas Escolhidos | Bocage
Oh retrato da morte, oh Noite amiga
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha de meu pranto,
De meus desgostos secretária antiga!
Pois manda Amor, que a ti somente os diga,
Dá-lhes pio(1) agasalho no teu manto;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel, que a delirar me obriga:
E vós, oh cortesãos da escuridade,
Fantasmas vagos, mochos(2) piadores,
Inimigos, como eu, da claridade!
Em bandos acudi aos meus clamores;
Quero a vossa medonha sociedade,
Quero fartar meu coração de horrores.


Glossário

1 - piedoso
2 - espécie de coruja


Comentários:
Nesse soneto percebe-se claramente os traços prê-românticos de Bocage. A morte se faz
presente, confunde-se com a noite e é amiga do eu-lírico, mais que isso, ela é a "Calada
testemunha" do seu pranto. Além disso, surgem fantasmas e mochos, figuras noturnas, que
como ele são inimigos da claridade. Claridade essa que não deve ser vista simplesmente como
luz, mas sim como a luz do conhecimento e da razão, que se opõe a noite, ou seja, a incerteza,
aos mistérios da alma. No entanto, esse clima Romântico, que envolve o eu-lírico, não chega até
a mulher amada, que dorme tranqüilamente.




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Poemas Escolhidos | Bocage
Meu ser evaporei na lida(1) insana
Do tropel(2) de paixões, que me arrastava
Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana.
De que inúmeros sóis a mente ufana(3)
Existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua origem dana. (4)
Prazeres, sócios meus e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube
No abismo vos sumiu dos desenganos.
Deus, ó Deus!... Quando a morte à luz me roube
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube.


Glossário
1- Vida
2 - Grande confusão, desordem
3- Que se orgulha de algo


Comentários:
Esse soneto, de tom confessional, é um dos poemas de Bocage mais reproduzidos no Brasil. Ele
foi escrito pouco antes da morte de Bocage e é outro exemplo do pré-romântismo, porque a
emoção, mais uma vez é contraída pela rigidez do verso. No poema, o eu-lírico nos mostra como
a sua vida foi consumida em prazeres e amores. No último terceto ele invoca Deus, arrepende-
se dos erros cometidos em vida e, mostrando que está totalmente reconciliado com a religião,
espera encontrar na eternidade o perdão Divino.




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Poemas Escolhidos | Bocage

Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.
Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento;
Musa!...Tivera algum merecimento
Se um raio da razão seguisse pura!
Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:
Outro Aretino(1) fui...A Santidade Manchei!...
Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade.


Glossário

1 -Pedro Aretino famoso escritor satírico italiano que dosa desregramento, malevolência com
humor


Comentários:
Esse talvez seja um dos sonetos mais famosos de Bocage. Ele é o exemplo perfeito do termo
prê-romântico porque as emoções são contraídas, ou seja, estão presas a rigidez do verso
perfeito e a forma fixa de soneto. Esse poema foi escrito pouco antes da morte do poeta. Nele
vemos um eu-lírico arrependido da sua vida desgarrada e reconciliado a vida religiosa. Ao dizer
"Rasga meus versos, crê na eternidade" ele se desprende dos valores materiais e mostra-se
totalmente voltado para a eternidade.




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Elaboração: Prof. Abílio Friedman

Esse material é parte integrante do site www.mundocultural.com.br e pode ser
redistribuído livremente, desde que não seja alterado, e que as informações
acima sejam mantidas. Para maiores informações, escreva para
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Poemas de Bocage

  • 1. Poemas Escolhidos | Bocage Magro, de olhos azuis, carão moreno, Apenas vi do dia a luz brilhante Ó tranças, de que Amor prisão me tece, Da pérfida Gertrúria o juramento Das terras a pior tu és, ó Goa, Camões, grande Camões, quão semelhante Incultas produções da mocidade Lembrou-se no Brasil bruxa insolente Cartaz Vós, ó Franças, Semedos, Quintanilhas, Sanhudo, Inexorável Despotismo, Liberdade, onde estás? Quem te demora? Importuna Razão, não me persigas; Oh retrato da morte, oh Noite amiga Meu ser evaporei na lida insana Já Bocage não sou!... À cova escura Créditos Clique sobre o poema desejado www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 2. Poemas Escolhidos | Bocage Magro, de olhos azuis, carão moreno, Bem servido de pés, meão(1) na altura, Triste de facha,(2) o mesmo de figura, Nariz alto no meio, e não pequeno: Incapaz de assistir (3) num só terreno, Mais propenso ao furor do que à ternura; Bebendo em níveas (4) mãos por taça escura De zelos infernais letal veneno: Devoto incensador de mil deidades (5) (Digo, de moças mil) num só momento, Inimigo de hipócritas, e frades:* Eis Bocage, em quem luz algum talento; Saíram dele mesmo estas verdades Num dia em que se achou cagando ao vento.* Glossário 1 - Mediano, medíocre, médio 2 - De rosto, de cara 3 - Usado no sentido de morar 4 - Brancas como neve 5 - Divindades, venerações *- Versos corrigidos na edição de 1804 Comentários: Esse soneto é considerado o Auto-retrato do poeta. Ele foi corrigido, pelo próprio Bocage, na edição de 1804. Os versos "Inimigo de hipócritas, e frades" e "Num dia em que se achou cagando ao vento" foram substituídos, respectivamente, por "E somente no altar amando os frades" e "Num dia em que se achou pachorrento", no qual pachorrento tem o significado de paciente. Optamos por divulgar a primeira versão do poema porque a consideramos mais original. Nesse soneto, no qual o poeta vê com humor e um certo cinismo as suas desventuras, percebe-se toda a instabilidade do poeta, tanto no sentido físico, quanto no moral. Ele é incapaz de assistir, aqui empregado no sentido de morar, "num só terreno". www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 3. Poemas Escolhidos | Bocage Apenas vi do dia a luz brilhante Lá de Tubal(1) no empório celebrado, Em sangüíneo caráter foi marcado Pelos destinos meu primeiro instante. Aos dois lustros(2) a morte devorante Me roubou, terna mãe, teu doce agrado; Segui Marte(3) depois, enfim meu fado Dos irmãos, e do pai me pôs distante. Vagando a terra curva, o mar profundo, Longe da pátria, longe da ventura Minhas faces com lágrimas inundo. E enquanto insana multidão procura Essas quimeras, esses bens no mundo, Suspiro pela paz na sepultura. Glossário 1- Tubal viveu em Setúbal, conforme a história mítica 2- Qüinqüênio, Espaço de 5 anos 3-Deus latino da guerra Comentários: Nesse soneto Bocage faz referência a morte de sua mãe. Em seguida ele nos fala sobre a sua entrada para Marinha de Guerra e sobre as suas viagens. Essa idéia é reforçada com a presença da "Marte" o deus romano da guerra. Finalizando o poema o eu-lírico, que deseja a paz da sepultura, se opõem aos homens que procuram como loucos os bens materiais, que não passam de quimeras, ou seja, sonhos fantasiosos. www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 4. Poemas Escolhidos | Bocage Ó tranças, de que Amor prisão me tece, Ó mãos de neve, que regeis meu fado! Ó Tesouro! ó mistério! ó par sagrado, Onde o menino alígero(1) adormece! Ó ledos(2) olhos, cuja luz parece Tênue raio do sol! Ó gesto (3) amado, De rosas e açucenas semeado Por quem morrera esta alma, se pudesse! Ó lábios, cujo riso a paz me tira, E por cujos dulcíssimos favores Talvez o próprio Júpiter (4) suspira! Ó perfeições! Ó dons encantadores! De quem sois?... Sois de Vênus?(5) - É mentira; Sóis de Marília, sois de meus amores. Glossário 1 - Cúpido / Literalmente, alígero significa rápido ligeiro. 2- Risonho alegre 3 - significa rosto, é muito comum na poesia clássica 4 - Deus supremo, o pai de todos 5 - Deusa da beleza e do amor Comentários: Esse soneto é um ótimo exemplo do estilo árcade. Nele temos a presença da natureza e de figuras mitológicas como Vênus e Júpiter. O poema é construído baseado na oposição beleza e o seu efeito. As mãos da musa tecem o fado do poeta, os seus lábios tiram a sua paz. A beleza da mulher amada é detalhada por quase todo o poema e, no final, ela é comparada a Vênus, deusa da beleza e do amor, e em nada perde para ela, pois até mesmo Júpiter por ela suspira. www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 5. Poemas Escolhidos | Bocage Da pérfida(1) Gertrúria o juramento Parece-me que estou inda escutando, E que inda ao som da voz suave e brando Encolhe as asas, de encantado, o vento: No vasto, infatigável pensamento Os mimos da perjura(2) estou notando... Eis Amor, eis as Graças festejando Dos ternos votos o feliz momento. Mas ah!... Da minha rápida alegria Para que acendes mais as vivas cores, Lisonjeiro pincel da fantasia? Bastam, cega paixão, loucos amores; Esqueçam-se os prazeres de algum dia, Tão belos, tão duráveis como as flores. Glossário 1 - traidora, desleal, infiel, que mente a fé jurada 2 - que jura em falso Comentários: Tudo leva a crer que esse soneto foi inspirado na traição de Gertrudes (Gertrúria) que casou-se com o irmão de Bocage, Gil Bocage, quando o poeta estava na Índia. Nesse poema percebe-se a dor e amargura do eu-lírico ao perceber que sua amada o traiu. A conclusão do poema é muito cínica. O amor é comparado com as flores, belas, porém, pouco duradouras. www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 6. Poemas Escolhidos | Bocage Das terras a pior tu és, ó Goa, Tu pareces mais ermo, que cidade; Mas alojas em ti maior vaidade Que Londres, que Paris, ou que Lisboa: A chusma(1) de teus íncolas (2) pregoa Que excede o grão-Senhor na qualidade; Tudo quer senhoria; o próprio frade Alega, para tê-la, o jus da c'roa! De timbres prenhe (3) estás; mas ouro e prata Em cruzes, com que dantes te benzias Foge a teus infanções (4) de bolsa chata Oh que feliz, e esplêndida serias, Se algum fusco Merlin,(5) que faz bagata Te alborcasse (6) a Pardaus (7) as senhorias Glossário 1 - Grande quantidade, montão 2 - Moradores, habitantes 3 - Pleno, repleto, cheio 4 - Antigo título da nobreza 5 - Lendário mago da corte do Rei Arthur 6- Permutasse, trocasse 7 - Antiga moeda da Índia portuguesa Comentários: Essa Goa sobre a qual Bocage descarrega o seu Sarcasmo é muito diferente daquela que foi conquistada por Afonso de Albuquerque e que se transformou no maior centro comercial do oriente. Na visão do poeta Goa é "Das terras a pior" , seus habitantes são pretensiosos e vivem se vangloriando do seu luxo e riqueza, porém o império está em franca decadência, o império está falido e corrupção toma conta de seus habitantes. Para reverter essa situação, concluí ironicamente o poeta, somente Merlin com sua poderosa magia. www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 7. Poemas Escolhidos | Bocage Camões, grande Camões, quão semelhante Acho teu fado ao meu, quando os cotejo! Igual causa no fez perdendo o Tejo Arrostar(1) co sacrílego (2) gigante: (3) Como tu, junto ao Ganges sussurrante Da penúria cruel no horror me vejo: Como tu, gostos vãos, que em vão desejo, Também carpindo estou, saudoso amante: Ludibrio (4) , como tu, da sorte dura Meu fim demando ao Céu, pela certeza De que só terei paz na sepultura: Modelo meu tu és... Mas, oh tristeza!... Se te imito nos transes da ventura, Não te imito nos dons da Natureza. Glossário 1 - Olhar de frente 2 - Que cometeu sacrilégio, ato de impiedade, de profanação 3 Referência ao episódio do Gigante Adamastor, de Os Lusíadas. Representa o cabo das tormentas (Sul da África), limite do mar conhecido por Vasco da Gama. 4 - Escarneço, zombo Comentários: Nesse soneto Bocage invoca Camões, comparando as suas desventuras com as dele. As semelhanças entre os dois são muitas: Ambos cruzaram o cabo da Boa Esperança, eram boêmios, briguentos, tiveram muitos amores e morreram quase na miséria. No último terceto do poema, Bocage, como era de costume no período Neoclássico, admite que Camões é o seu modelo. No entanto, ele lamenta o fato de se equiparar ao "grande Camões" "Nos transes da ventura" e não no dom de fazer versos. www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 8. Poemas Escolhidos | Bocage Incultas produções da mocidade Expondo a vossos olhos, ó leitores: Vede-as com mágoa, vede-as com piedade, Que elas buscam piedade, e não louvores: Ponderai da fortuna a variedade Nos meus suspiros, lágrimas, e amores; Notai dos males seus a imensidade, A curta duração dos seus favores: E se entre versos de sentimento Encontrades alguns, cuja aparência Indique festival contentamento, Crede, ó mortais, que foram com violência Escritos pela mão do Fingimento, Cantados pela voz da Dependência. Comentários: Esse soneto pode ser considerado como o julgamento literário que Bocage faz dos poemas que escreveu na juventude. Ao criticá-los, ele crítica também o estilo da época e o fingimento das composições árcades. Por meio da forma imperativa, ele amplia a intensidade apelativa do poema e pede aos leitores para que tenham piedade de seus versos, pois é só piedade eles buscam. A utilização de iniciais maiúsculas em "Fingimento" e "Despotismo" personifica idéias abstratas. Ao fazer isso, ele pode estar tentando transferir a eles um pouco da responsabilidade pela autoria dessas "Incultas produções". www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 9. Poemas Escolhidos | Bocage Lembrou-se no Brasil bruxa insolente De amar ao pobre mundo estranha peta; (1) Procura um mono (2), que infernal careta Lhe faz de longe, e lhe arreganha o dente: Pilhando-o por mercê do Averno (3) ardente, Conserva-lhe as feições na face preta; Corta-lhe a cauda, veste-o de roupeta, E os guinchos(4) lhe converte em voz de gente: Deixa-lhes os calos, deixa-lhe a catinga; Eis entre os Lusos o animal sem rabo Prole(5) se aclama da rainha Ginga: (6) Dos versistas se diz modelo e cabo; A sua alta ciência é a mandinga, O seu benigno Apolo (7) é o Diabo. Glossário 1 - Mentira 2 - Designação geral para os macacos 3 - Inferno 4 - Som agudo e inarticulado do homem e de alguns animais 5 - Geração, progênie, descendente 6 - Rainha Ginga, da angola. 7 - Deus Grego-romano, o mais belo dos deuses Comentários: Esse soneto, de tom extremamente irônico, foi dedicado a Domingos Caldas Barbosa, presidente da Nova Arcádia. Nele, Bocage compara Caldas a um demônio que, para iludir os portugueses, disfarça seus guinchos em canções. Esse demônio, por ser descendente da rainha Ginga, adversária dos portugueses durante a época da colonização, é um inimigo do povo português. www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 10. Poemas Escolhidos | Bocage Cartaz: Quarta-feira catorze do corrente Se apresenta outra vem com bom cenário No Salitre a comédia do "Antiquário", A que tem concorrido imensa gente: É obra traduzida novamente Por um poeta, amigo do empresário, Memorião,(1) que engole um dicionário, E orna de verdes pâmparos(2) a frente: Em lugar de entremez(3) se há de seguir Do Franco a grande peça curiosa, Tragédia de "Sesóstris" que faz rir Tem versos naturais, parecem prosa! Que venha o nobre público a aplaudir Espera a companhia obsequiosa. Glossário 1 - quem tem boa memória, ou facilidade para decorar 2 - ramos mais novos da videira 3 – composição teatral curta, de caráter jocoso Comentários: Soneto com tom satírico. Nele é anunciado a repetição de uma peça, cuja tradução é atribuída a Belchior Manuel Curvo Semedo, membro da Nova Arcádia. No entanto, essa peça só está sendo apresentada porque o tradutor é "amigo do empresário". Note que a peça será apresentada em uma quarta-feira, referência irônica às reuniões da Nova Arcádia que, por acontecerem às quartas-feiras, ficaram conhecidas como "quartas-feiras de Lereno". www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 11. Poemas Escolhidos | Bocage Vós, ó Franças, Semedos, Quintanilhas, Macedos e outras pestes condenadas; Vós, de cujas buzinas penduradas Tremem de Jove(1) as melindrosas filhas; Vós, néscios, que mamais das vis quadrilhas Do baixo vulgo insossas gargalhadas, Por versos maus, por trovas aleijadas, De que engenhais (2) as vossas maravilhas; Deixai Elmano, que, inocente honrado Nunca de vós se lembra, meditando Em coisas sérias, de mais alto estado. E se quereis, os olhos alongando, Ei-lo! Vede-o no Pindo (3) recostado, De perna erguida sobre vós... Glossário 1 - Outro nome de Júpiter. 2 - Inventais, traçais, maquinais 3 - Nome do monte consagrado a Apolo e às musas na Grécia antiga Comentários: O tom desse soneto é irônico. Nele, Bocage compara os membros da Nova Arcádia à "pestes condenadas". Ele ainda zomba deles usando nomes árcades como Jove e Pindo. Essas "pestes", como diz Bocage, fazem uma poesia maçante e vivem perseguindo Elmano, que, além de ser um poeta superior, é um homem honrado, que nunca se lembra deles porque está ocupado com a verdadeira poesia "coisas sérias, de mais alto estado". A superioridade de Elmano fica clara no último terceto: ele está no Pindo sob a proteção de Apolo e das musas enquanto que os outros... Em algumas publicações esse verso é completado com "mijando" ou "cagando".As duas palavras se encaixam perfeitamente no verso, ou seja, a métrica e rima ficam perfeitas. www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 12. Poemas Escolhidos | Bocage Sanhudo,(1) Inexorável(2) Despotismo,(3) Monstro que em pranto, em sangue a fúria cevas,(4) Que em mil quadros horríficos te enlevas, Obra da Iniqüidade(5) e do Ateísmo; Assanhas o danado Fanatismo Porque te escore o tronco onde te enlevas; Porque o sol da Verdade envolva em trevas, E sepulte a Razão num denso abismo: Da sagrada Virtude o colo pisas, E aos satélites vis da prepotência De crimes infernais o plano gizas:(6) Mas, apesar da bárbara insolência, Reinas só no ext´rior, não tiranizas Do livre coração a independência. Glossário 1 - temível 2 - inabalável 3 - sistema de governo com poder absoluto e arbitrário 4 - alimentar, nutrir 5 - injustiça 6 - delinear, traçar Comentários: Esse é um soneto que reflete as idéias liberais da Revolução Francesa. No poema existe uma atitude prê- romântica, pois o Despotismo opressor não consegue atingir o coração que é livre. Vale lembrar que os autores do Romantismo, que estaria por vir, tinham posições políticas muito semelhantes a essas. Por isso, reforça-se ainda mais a antecipação romântica de Bocage. www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 13. Poemas Escolhidos | Bocage Liberdade, onde estás? Quem te demora? Quem faz que o teu influxo em nós não caia? Por que (triste de mim)! por que não raia Já na esfera de Lísia(1) a tua aurora? Da santa redenção é vinda a hora A esta parte do mundo, que desmaia: Oh! Venha... Oh! Venha, e trêmulo descaia Despotismo feroz, que nos devora! Eia! Acode ao mortal, que frio e mudo Oculta o pátrio amor, torce a vontade, E em fingir, por temor, empenha estudo: Movam nossos grilhões tua piedade; Nosso nume tu és, e glória, e tudo, Mãe do gênio e prazer, oh Liberdade! Glossário 1 - Esfera lísea - o contexto indica que se refere a Portugal Comentários: Esse é outro soneto ideológico. Nele existe a defesa dos ideais liberais e a crítica ao Despotismo opressor. Por isso, o poema torna-se uma espécie de canto a liberdade, que possuí a função de acorda Portugal, uma terra que ainda está adormecida. Novamente temos o uso de iniciais maiúsculas para personificar idéias abstratas. www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 14. Poemas Escolhidos | Bocage Importuna Razão, não me persigas; Cesse a ríspida voz que em vão murmura; Se a lei do Amor se força da ternura Nem domas, nem contrastas, nem mitingas:(1) Se acusas os mortais, e os não abrigas, Se (conhecendo o mal) não dás a cura, Deixa-me apreciar minha loucura, Importuna Razão, não me persigas. É teu fim, teu projeto encher de pejo(2) Esta alma, frágil vítima daquela Que, injusta e vária, noutros laços vejo: Queres que fuja de Marília bela, Que a maldiga, a desdenhe; e meu desejo É carpir,(3) delirar, morrer por ela. Glossário 1 - amansar, abrandar 2 - vergonha, pudor 3 - sofrer, chorar Comentários: Nesse soneto temos traços do Arcadismo e também do Romantismo. Marília está em outros laços, que pode ser entendido como outros braços. Essa visão real, essa "Importuna Razão" persegue o eu-lírico, que, aos invés de lhe dar ouvidos, prefere apreciar sua loucura. A Razão, personificada pelo uso de iniciais maiúsculas, pede para o eu-lírico fuja de sua amada, porém, seu desejo "É carpir, delirar, morrer por ela.". Nota-se claramente que nesse poema existe um conflito entre a razão Arcade e a emoção tipicamente Romântica. www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 15. Poemas Escolhidos | Bocage Oh retrato da morte, oh Noite amiga Por cuja escuridão suspiro há tanto! Calada testemunha de meu pranto, De meus desgostos secretária antiga! Pois manda Amor, que a ti somente os diga, Dá-lhes pio(1) agasalho no teu manto; Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto Dorme a cruel, que a delirar me obriga: E vós, oh cortesãos da escuridade, Fantasmas vagos, mochos(2) piadores, Inimigos, como eu, da claridade! Em bandos acudi aos meus clamores; Quero a vossa medonha sociedade, Quero fartar meu coração de horrores. Glossário 1 - piedoso 2 - espécie de coruja Comentários: Nesse soneto percebe-se claramente os traços prê-românticos de Bocage. A morte se faz presente, confunde-se com a noite e é amiga do eu-lírico, mais que isso, ela é a "Calada testemunha" do seu pranto. Além disso, surgem fantasmas e mochos, figuras noturnas, que como ele são inimigos da claridade. Claridade essa que não deve ser vista simplesmente como luz, mas sim como a luz do conhecimento e da razão, que se opõe a noite, ou seja, a incerteza, aos mistérios da alma. No entanto, esse clima Romântico, que envolve o eu-lírico, não chega até a mulher amada, que dorme tranqüilamente. www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 16. Poemas Escolhidos | Bocage Meu ser evaporei na lida(1) insana Do tropel(2) de paixões, que me arrastava Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava Em mim quase imortal a essência humana. De que inúmeros sóis a mente ufana(3) Existência falaz me não dourava! Mas eis sucumbe Natureza escrava Ao mal, que a vida em sua origem dana. (4) Prazeres, sócios meus e meus tiranos! Esta alma, que sedenta em si não coube No abismo vos sumiu dos desenganos. Deus, ó Deus!... Quando a morte à luz me roube Ganhe um momento o que perderam anos, Saiba morrer o que viver não soube. Glossário 1- Vida 2 - Grande confusão, desordem 3- Que se orgulha de algo Comentários: Esse soneto, de tom confessional, é um dos poemas de Bocage mais reproduzidos no Brasil. Ele foi escrito pouco antes da morte de Bocage e é outro exemplo do pré-romântismo, porque a emoção, mais uma vez é contraída pela rigidez do verso. No poema, o eu-lírico nos mostra como a sua vida foi consumida em prazeres e amores. No último terceto ele invoca Deus, arrepende- se dos erros cometidos em vida e, mostrando que está totalmente reconciliado com a religião, espera encontrar na eternidade o perdão Divino. www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 17. Poemas Escolhidos | Bocage Já Bocage não sou!... À cova escura Meu estro vai parar desfeito em vento... Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento Leve me torne sempre a terra dura. Conheço agora já quão vã figura Em prosa e verso fez meu louco intento; Musa!...Tivera algum merecimento Se um raio da razão seguisse pura! Eu me arrependo; a língua quase fria Brade em alto pregão à mocidade, Que atrás do som fantástico corria: Outro Aretino(1) fui...A Santidade Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia, Rasga meus versos, crê na eternidade. Glossário 1 -Pedro Aretino famoso escritor satírico italiano que dosa desregramento, malevolência com humor Comentários: Esse talvez seja um dos sonetos mais famosos de Bocage. Ele é o exemplo perfeito do termo prê-romântico porque as emoções são contraídas, ou seja, estão presas a rigidez do verso perfeito e a forma fixa de soneto. Esse poema foi escrito pouco antes da morte do poeta. Nele vemos um eu-lírico arrependido da sua vida desgarrada e reconciliado a vida religiosa. Ao dizer "Rasga meus versos, crê na eternidade" ele se desprende dos valores materiais e mostra-se totalmente voltado para a eternidade. www.mundocultural.com.br - Análises Literárias
  • 18. Poemas Escolhidos | Bocage Elaboração: Prof. Abílio Friedman Esse material é parte integrante do site www.mundocultural.com.br e pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, e que as informações acima sejam mantidas. Para maiores informações, escreva para fazam@mundocultural.com.br www.mundocultural.com.br - Análises Literárias