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http://www.iel.unicamp.br/biblioteca/arquivos/Normalizacao_Bib_IEL_032009.pdf
A Religiosidade em Aululária de Plauto e O santo e a porca de Ariano Suassuna.
“Ai a crise, ai a carestia! E é tudo
querendo me roubar! Mas Santo
Antônio me protege! ”1
Quando Ariano Suassuna subintitula sua peça O santo e a porca (1957) como
uma imitação nordestina de Plauto, faz muito mais que aludir à fabula palliata
Aululária do comediógrafo romano. Ao se utilizar do adjetivo “nordestina”, procura
marcar uma das características centrais de sua produção teatral: a armoralidade, a cuja
fase seminal o drama de Suassuna já pertencia (Santos, 1999, p. 22).
O Movimento Armorial2 foi lançado oficialmente em 18 de outubro de 1970 (ou
seja, quatorze anos antes da referida peça), com um concerto realizado no Recife pela
recém criada Orquestra Armorial e uma exposição de artes plásticas, manifestações
organizadas pela Universidade Federal de Pernambuco. Ele surgiu da união de jovens
artistas: Ariano Suassuna, Antonio Madureira, Francisco Brennand, Raimundo Carrero,
Gilvan Samico, Géber Accioly dentre outros, que procuravam, através de pesquisas e
experimentações, criar uma arte que amalgamasse a cultura popular do Nordeste e a arte
erudita, ou seja, unisse o regional ao universal.
As bases, e ao mesmo tempo bandeiras, do Movimento Armorial3 são o
romanceiro4 e o folheto5 que, segundo SANTOS (1999), representam um aspecto
1 SUASSUNA, Ariano. O santo e a porca. Rio de Janeiro, José Olympio, 2005, p.10.
2 A arte Armorial brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito
mágico dos “folhetos” do Romanceiro Popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a Música de
viola, rabeca ou pífano que acompanha seus “cantares”, e coma Xilogravura que ilustra suas capas, assim
como com o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro
relacionados. (Suassuna, 1974, pg.7)
3 A arte Armorial brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito
mágico dos “folhetos” do Romanceiro Popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a Música de
viola, rabeca ou pífano que acompanha seus “cantares”, e coma Xilogravura que ilustra suas capas, assim
particular e carregado de originalidade, uma vez que estabelecem uma relação estreita
entre as diferentes expressões de arte e os próprios artistas, servindo não como uma
fonte única, mas reunindo três modos de expressão, que, conforme a autora, foram
separados pela cultura letrada: o literário, o teatral e o poético.
Suassuna, em sua produção literária, sobretudo naquela voltada a teatro, lança
mão de uma armoralidade avant la lettre. Isso se vê no modo como ele se utiliza
largamente do romanceiro para criar suas histórias, além de fazer a transposição de
obras canônicas do teatro universal para o ambiente nordestino, caso da peça que é
objeto do nosso estudo.
Essa transposição é feita levando em conta diversos aspectos que caracterizam o
Nordeste, sejam eles culturais, sociais, religiosos, geográficos, climáticos. Tudo para
que a história que será (re)contada se configure não como uma simples cópia a falsear
quer a obra imitada, quer aquilo que se possa chamar “realidade”6. Trata-se de um
retrato da terra do autor, o sertão (que é para ele real e ao mesmo tempo mítico) em que
como com o espírito e a forma das Artes e espetáculos com esse mesmo Romanceiro relacionados.
(Suassuna, 1974, pg.7)
4 O Romanceiro Popular do Nordeste teve origem ibérica, mas atraiu para si outras tradições , como um
largo rio que por onde passa vai capturando afluentes.O Nordeste brasileiro não apenas passou adiante os
romances em verso trazidos de Portugal, mas lhes deu um formato próprio, criou novos temas,
personagens, ciclos inteiros de assuntos. No Nordeste tambémforaminventadas novas formas de estrofe,
novas maneiras de organizar as rimas, dando ao nosso romanceiro nordestino um perfil distinto do
Romanceiro Ibérico. (Tavares, 2005, pg.100)
5 Impressos em papel pardo, medindo cerca del2X l6 cm, com 8, 16,24ou32páginas, contendo ilustrações
em xilogravuras condizentes como conteúdo, os folhetos servemde suporte material para a chamada
Literatura Popular em Verso, encontrada no Nordeste Brasileiro. Esse tipo de literatura ocupa um espaço
de criação que deve ser percebido em vários níveis: o simbólico, o artístico, o lingüístico, o social, o
político, o econômico e especialmente o histórico. Desde que surgiu no Nordeste do Brasil, independente
do sistema literário institucionalizado, em meados do século XIX, vem-se testemunhando fatos da
História do Brasil, o que revela a preocupação dos poetas e ouvintes com o mundo ao seu redor. (Grillo,
2008, pg.189).
6 “Quero ser, dentro de minhas possibilidade, é claro, um recriador da realidade como tragédia e como
comédia, a exemplo do que foram Plauto, Brueghel, Molière, Bosch, Shakespeare, Goya e nossos grandes
pintores coloniais. Quero um teatro trágico e cômico, vivo e vigoroso como nosso romanceiro popular,
um teatro que se possa montar sem maiores mistérios, até nos recintos de circo, onde o verdadeiro teatro
tem-se refugiado, depois que o teatro moderno enveredou por seus caminhos de morte e decadência ”.
(Suassuna in (ed.), Almanaque Armorial, pg.47)
ele viveu desde sua infância e que por isso servirá de palco para as histórias que serão
narradas e encenadas. 7
Em O santo e a porca, Suassuna faz uma releitura da comédia paliata (fabula
palliata)8 plautina, traduzida no Brasil como A Comédia da panelinha9 ou Comédia da
Marmita10. O dramaturgo paraibano deixa marcada a filiação de sua comédia: além de
se utilizar do mote da avareza (que inspirou outras grandes obras, como L’Avare de
Molière, criar nomes sonoramente parecidos com os da peça latina e mesmo lançar mão
de passagens idênticas da matriz textual – assuntos já discutidos em estudos sobre
ambas as obras11 - , procura dar uma coloração nordestina a sua peça. Nesse sentido, as
personagens, por exemplo, representam tipos bastante presentes nos folhetos, como o
amarelinho ou quengo12, nessa história representado pela empregada doméstica Caroba
e, em certa medida, por seu namorado, Pinhão. Esse aspecto, pretendemos discutir de
modo mais aprofundado em um momento posterior de nossa pesquisa.
Acreditamos que, dentre outras questões que devem ser analisadas à luz de
novas investigações e discussões, está o elemento religioso. Isso porque, ao que parece,
há, nas peças romana e nordestina, uma ligação entre a divindade e um dos temas
7 Sobre Suassuna enquanto realista, cf. prefácio d’O Santo e a Porca: “Meu teatro procura se aproximar
da parte do mundo que me foi dada; um mundo de sol e de poeira, como o que conheci em minha
infância, com atores ambulantes ou bonecos de mamulengo representando gente comum e às vezes
representando atores, com cangaceiros, santos, poderosos, assassinos, ladrões, palhaços, prostitutas,
juizes, avarentos, luxuriosos, medíocres,homens e mulheres de bem — enfim, um mundo de que não
estejam ausentes — se não no teatro, que não é disso, mas na poesia ou na novela — nemmesmo os seres
da vida mais humilde, as pastagens, o gado, as pedras, todo este conjunto de que o s ertão está povoado”
(Prefácio a O santo e a porca, p.7). Sobre diversos conceitos de realismo e ilusão aplicados à leitura de
peças de Plauto, cf. Cardoso (2010).
8 Literalmente “peça em que os personagens usampálio”, uma vestimenta grega. A denominação designa
modernamente comédias faladas em latim, mas adaptadas de obras da Grécia antiga, desenvolvendo-se
em ambiente grego.
9 A. COSTA, Aulularia (A Comédia da Panelinha. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1967.
10 MEDEIROS, de Walter A comédia da marmita. Introdução, versão e notas de Walter de Medeiros.
Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1994.
11 POCIÑA LÓPEZ, A. J. (1996) “Pervivência de Plauto en la literatura brasileña: la comédia O santo e a
porca de Ariano Suassuna”, Florentia Iliberritana 2, 291-298.); BOLDRINI, Sandro (1985) “Il santo e la
scrofa: un'imitazione di Plauto nel Nordest brasiliano pp. (251-270); e GUAPIASSU, Paulo (1980) A
Marmita e a Porca: A Presença Plautiana na Comédia Nordestina. pp. (146-155).
12 Suassuna, em seu prefácio à peça A farsa da Boa Preguiça, designa Caroba e Pinhão como
representantes desse tipo nordestina. Cf. ainda Vassalo, O Sertão Medieval, pp. (75-85) ; Matos, O palco
palimpsesto, pp.(107-112)
centrais de seu enredo: o matrimônio. Vejamos como isso ocorre em ambas as peças:
primeiro, trataremos da presença das divindades em Aululária e, em seguida, um breve
cotejo com esse aspecto em O Santo e a Porca.
Deuses em Aulularia
Em Aululária, de Plauto, quem recita o prólogo é uma divindade romana: o deus
Lar13 da família de Euclião. É o próprio deus quem se apresenta aos espectadores:
“Para que ninguém pergunte, admirado, quem sou, eu o direi em poucas
palavras. Eu sou o deus Lar desta casa, de onde me viste sair. Esta casa, há
muitos anos que nela estou, que a habito, desde quando era do pai e do avô
deste que hoje nela vive.” (Aul. 1-5)14
Plauto nos mostra um deus aparentemente ressentido pelo abandono a ele legado
por várias gerações da família de Euclião, na qual a avareza mostra-se como uma
constante, algo quase hereditário:
“Morto o que me havia confiado o ouro, pus-me a observar se, por ventura, o
filho tinha por mim mais um pouco de consideração. Ora, realmente, este
cada vez se preocupava menos comigo e cada vez menos me prestava as
honras devidas. Dei-lhe a paga que merecia: morreu pobre como viveu.
Deixa um filho, o que mora atualmente nesta casa, com as mesmas
características morais que o pai e o avô”. (Aul.:16-23).
Após colocar o público a par da história, a divindade deixa claro o motivo pelo
qual revelara ao velho Euclião a existência da panela de ouro: “Tem ele uma única filha;
faz-me esta, todos os dias oferenda de incenso, vinho ou outra coisa qualquer; dá-me
coroas de flores”. Aul.: (24-25). A moça se chama Fedra e, diferentemente dos
13 Em Roma cada família tinha um deus protetor doméstico os Lares, cultuados no lararium, uma espécie
altar ou capela doméstica destinada ao culto dos Lares. No caso de sacrifícios domésticos, eram
oferecidas flores, perfumes e um pouco de tudo o que tivesse na mesa a esse deus. Cf. P. Grimal,
Dicionário de Mitologia grega e romana, sob verbete “Lar”; Tassilo Orpheu Spalding. Dicionário da
mitologia latina, p.58.
14 Salvo indicação em contrário, as traduções da peça Aulularia aqui citadas são de Aída Costa (Plauto,
1967).
ancestrais de sua família, honra o ente divino com oferendas diárias, ou seja: é uma
devota ardorosa do deus Lar.
Ficamos sabendo também, através do prólogo, de dois dados importantes para a
nossa consideração da religiosidade na peça romana. Um deles é que a moça fora
violentada durante as Cerealia [PRONUNCIAR Kêreália], festas em homenagem à
deusa Ceres (Deméter em grego)15.
O outro dado é que, como antecipa o deus Lar, Fedra, apesar de não saber quem
a violou, casar-se-ia com o responsável pelo ato, através da ajuda divina, se assim o
desejasse. Nas palavras do deus: “Por sua causa fiz que seu pai descobrisse o tesouro, a
fim de que, mais facilmente, a pudesse casar, se ela assim o desejasse”. Aul.: (26-27).
Ao público moderno, é possível que a divindade romana pareça interesseira,
rancorosa e até vingativa, por manipular, de alguma forma, as personagens para que seu
intento se realizasse e Fedra se casasse com Lyconides (o jovem que a violara). Ao
revelar sobre o tesouro a Euclião, o deus faz com que o velho tenha seu comportamento
alterado16 e passe a isolar-se em um mundo de preocupações e angústias, do tipo: “ Vou
já ver se o ouro está como o deixei”, diz Euclião, “Pobre de mim, ele me atormenta de
todo jeito.” Aul. (67-68). É o Lar, ainda, quem inspira o velho Megadoro, rico vizinho
de Euclião, a pedir a mão da moça ao pai, conforme anuncia o deus: “Hoje farei que um
15 “Não sabemos exatamente quais as particularidades das festas de Ceres celebradas em Roma—as
chamadas Cerealia. Virgílio, nas Geórgicas, aconselha os jovens a fazerem libações comvinho emhonra
de Ceres, o que não condiz com o costume grego - que prescrevia total abstinência de qualquer espécie de
bebida durante os festejos em homenagem a Deméter. Ovidio, nos Fastos, se refere às Cerealia, não
chegando, contudo, a descrevê-las com precisão. Lembra, entretanto, que no dia 11 de abril, quando se
iniciam as festividades que duram nove dias — referência às nove noites durante as quais Ceres procurou
pela filha raptada—, devem-se queimar grãos de incenso em homenagem à deusa ou, na falta de
incenso,acender tochas odoríferas.” CARDOSO, Zélia de Almeida, Figuras femininas em Plauto:
Convencionalismo e Originalidade. P.259.
16 Ao que parece, antes da descoberta da panela de ouro, Euclião possuía outro comportamento, isso é
perceptível ao se analisar a fala de Estáfila na cena II do ato I: “Estáfila: Por Cástor, não serei capaz de
dizer que mal aconteceu ao meu senhor, não sou capaz de imaginar de que loucura está possuído. À
coitada de mim, como estão vendo, põe-me, num dia, dez vezes fora de casa. Por Pólux, não sei que fúrias
se apoderaram desse homem. Leva as noites todas em claro; e os dias, passa-os todos emcasa, como um
sapateiro coxo. E não sei como continuam a esconder-lhe a desonra da filha; sua hora se aproxima. Só me
resta – eu acho – transformar-me num i maiúsculo, com um nó corredio no pescoço.” (Aululária, p. 78)
velho da vizinhança a peça e casamento. E o farei para que a despose mais facilmente o
jovem que a seduziu”.Aul.: (31-34).
Percebemos, assim, que a temática do casamento aparece, desde o início da
peça, de certa forma atrelada à questão da religiosidade, uma vez que todo o
“imbróglio” criado a partir do achado do tesouro por Euclião deu-se com o propósito,
expresso pelo deus, de ajudar sua devota a ser desposada. Ou seja, o que move a
divindade é proporcionar uma recompensa à Fedra por louvá-lo diariamente (além de,
ao que parece, um desejo divino acertar as contas com o avarento e seus antepassados).
Entre lararia e oratórios
Assim como nas casas romanas havia o lararium, local em que eram feitas
oferendas ao lar familiaris, é comum nas casas do Nordeste brasileiro a presença de
oratórios na sala, lugar de destaque da casa, onde é colocado o santo de devoção
familiar; há, ainda, o costume de se celebrarem as novenas, quando os vizinhos se
reúnem para rezar em louvor desse santo. 17
Ao que parece, Suassuna, ao fazer a transposição da fábula plautina para esse
ambiente, procura manter traços da matriz textual que facilmente serão entendidos pelos
leitores de Plauto, ao mesmo tempo em que incorpora elementos do cotidiano
nordestino, proporcionando uma leitura abrangente para públicos variados e mantendo
em suas peças a tão prezada armoralidade18.
17 VAINFAS, Ronaldo. “Santo Antônio na América Portuguesa: religiosidade e política”, in Revista USP,
São Paulo, n.57, p. 28-37, março/maio 2003.
18 “É por isso que procuro um teatro que tenha ligações com o clássico e com o barroco: na minh a
opinião, está é a posição que pode atingir melhor o real, no que se refere a mim e a meu povo. Faço da
originalidade um conceito bem diferente do de hoje, procurando criar um estilo tradicional e popular,
capaz de acolher o maior número possível de histórias, mitos, personagens e acontecimentos, para atingir
assim, através do que consigo entrever, emminha região, o espírito tradicional e universal .”
Em O santo e a porca, não há a presença da divindade de modo personificado (o
que ocorreu com o deus Lar, que recita o prólogo da Aululária): Santo Antônio nos é
apresentado na forma de uma estátua que é colocada por Euricão sobre uma porca de
madeira recheada de dinheiro. A função do santo é proteger tal tesouro contra o roubo.
Além de manter uma correspondência com o Lar familiaris romano, a
representação da divindade através de uma estátua serve para dar à narrativa a
verossimilhança pretendida por Suassuna, que se diz “um realista”: mas sou realista
não à maneira naturalista — que falseia a vida — mas à maneira de nossa maravilhosa
literatura popular, que transfigura a vida com a imaginação para ser fiel à vida.”19
A escolha de Santo Antônio pelo dramaturgo é feita de modo muito acertado e,
ao que parece, planejado. Nordeste, é este um dos santos mais queridos e , por que não
dizer?, próximo de seus devotos. Conhecido geralmente como casamenteiro, a divindade
possui também a fama de “achador”, entidade a que são dirigidas preces quando se quer
encontrar algo perdido, seja um objeto, um animal, ou mesmo a saúde. 20
O dramaturgo nordestino se utiliza da última característica como elemento
cômico, por exemplo, quando Euricão dialoga com o santo e diz:
“Ah, agora estou só. Estará escondido? O quarto está vazio. E aqui?
Ninguém. Agora, nós, Santo Antônio! Isso é coisa que se faça? Pensei que
podia confiar em sua proteção, mas ela me traiu! Você, que dizemser o santo
mais achador! É isso, Santo Antônio é achador e esta ajudando a achar minha
porca! Eu devia ter me pegado era com um santo perdedor!” (Suassuna
pp.53-54)
19 Suassuna OBRA, p. 6. Interessante é destacar que, as peças de Suassuna em que
divindades se pronunciam são ambientadas num plano além da vida, como se vê em o
Auto da Compadecida e A Pena e a Lei.
20 No início da Época Moderna, a face doméstica e afetiva de Santo Antônio se concentraria, no âmbito
do catolicismo popular, em sua virtude de “casamenteiro”, de santo promotor de matrimônios. “Casai-me
Santo Antônio, Casai-me!”, eis o que aparece em várias orações. Mas tal virtude de frei Antônio, depois
santo, mal aparece em sua hagiografia ou nos relatos sobre seus poderes taumatúrgicos. Sobressai, sim – e
esta virtude é de longevidade extraordinária –, seu imenso poder de recuperar “coisas perdidas”. Coisas e
pessoas. Talvez decorra daí a virtude “casamenteira” atribuída a Santo Antônio, pois entre o perdido e o
desejado a fronteira é sempre muito tênue. VAINFAS, RONALDO. Santo Antônio na América
Portuguesa: religiosidade e política, REVISTA USP, São Paulo, n.57, p. 28-37, março/maio 2003
Santo Antônio está tão presente na peça suassuniana que há, ao todo na fábula,
62 menções a ele21. Tais referências vão de simples interjeições: “Santo Antônio! Santo
Antônio”, a “conversas”, na verdade monólogos em que Euricão se dirige ao santo.
Além de trazerem informações sobre a divindade, tais falas fazem revelações sobre o
passado do velho avarento e colaboram para entendermos, inclusive, o porquê de sua
sovinice em relação à porca:
EURICÃO — Ai minha porquinha adorada, ai minha porquinha do coração!
Querem roubá-la, querem levar meu sangue, minha carne, meu pão de cada
dia, a segurança de minha velhice, a tranqüilidade de minhas noites, a
depositária de meu amor! Mas parece que Santo Antônio me abandonou por
causa da porca. Que santo mais ciumento, é "ou ele ou nada"! É assim? Pois
eu fico com a porca. Fui seu devoto a vida inteira: minha mulher me deixou,
a porca veio para seu lugar. E nunca nem ela nem você me derama sensação
que a porca dá. Ah, minha bela, ah, minha amada! Aqui você fica muito à
vista de todos, todo mundo deseja a sua beleza, a sua bondade. É melhor
levá-la para um lugar escondido. A mala do porão, é lá! Aí você ficará em
segurança e eu poderei dormir de novo. (Suassuna pp.33-34).
Diferentemente do que ocorre com Euclião na peça plautina, o motivo que faz
com que Euricão mude sua personalidade em O santo e a porca não é a ação direta da
divindade sobre ele, mas o abandono da esposa. É nesse ponto que parece ter havido
como que uma substituição desta pela porca. Ela representa uma dimensão material,
carnal, para o velho: é notável que ele emprega por diversas vezes o substantivo
“sangue”22 para se referir ao tesouro. Por exemplo, ao falar da visita de Eudoro
anunciada pela chegada da carta, Euricão reclama:
“Vive farejando ouro, como um cachorro da molest'a, como um urubu, atrás
do sangue dos outros. Mas ele está muito enganado. Santo Antônio há de
proteger minha pobreza e minha devoção”. (Suassuna, pg 23, grifo nosso)
Ao esconder a porca sob o socavão da escada, por achar que lá ela estaria segura,
ele diz:
“Ai minha porquinha adorada, ai minha porquinha do coração! Querem
roubá-la, querem levar meu sangue, minha carne, meu pão de cada dia, a
21 Cf. páginas djsjdsdsds.
22 Há ao todo cinco momentos em que Euricão se refere à porca relacionando-a ao substantivo sangue,em
todas eles, o tesouro do avarento encontra-se em suposto perigo de roubo
segurança de minha velhice, a tranqüilidade de minhas noites, a depositária
de meu amor!” (Suassuna pg.34, grifo nosso)
Achando que pinhão quer seu tesouro, quando na verdade este se refere à porca
encomendada para o jantar, exclama: “Está vendo, ladrão? É um ladrão, um criminoso,
um bandido que quer sugar meu sangue. O que é que você quer com minha porca?
(Suassuna pg. 42). Ao ouvir Caroba gritar pega ladrão por engano ao esbarrar em Dodó
boca da noite:
“ Ai, gritaram "Pega o ladrão!". Quem foi? Onde está? Pega, pega! Santo
Antônio, Santo Antônio, que diabo de proteção é essa? Ouvi gritar "Pega o
ladrão!". Ai, a porca, ai meu sangue, ai minha vida, ai minha porquinha do
coração!” (Suassuna pg. 48, grifo nosso)
Quando decide esconder seu tesouro no cemitério, para protegê-lo da ganância
dos vivos:
“ Lá, meu ouro, meu sangue, estará em segurança: o mundo dos mortos é
mais tranqüilo, e, digam o que disserem os idiotas, lá é o lugar em que se
perde tudo e não se acha nada! “ (Suassuna pg.54)
Suassuna lança mão dessa “paixão” do avarento, criando cenas de extrema
hilaridade, como quando Euricão acha que sua porca foi roubada e, com alivio por ver
que ela está em segurança, comenta:
Ah, está aqui, os ladrões ainda não conseguiram furtar nada. Ah, minha
porquinha querida, que seria de mim sem você? Chega dá uma vontade da
gente se mijar! Fique aí até outra oportunidade. Se eu pudesse, comia você
inteirinha! Ai, mas é impossível! Senão, desconfiam! (Suassuna pg. 13).
No enanto, com relação ao desfecho de ambas as peças, podemos perceber uma
diferença bastante pontual. Segundo a reconstituição moderna da peça23, Euclião, após
descobrir sobre a gravidez da filha, recupera seu tesouro e decide passá-lo ao genro
Lyconides. Com isso, além de ganhar uma família, passar seu tesouro a mãos jovens
que poderiam melhor cuidar dele.
23
Já Euricão, o avarento de Suassuna, perde tudo. Ao ser informado por Eudoro
que o dinheiro que guardara - após anos de duras economias - não tinha mais valor,
desespera-se e percebe a solidão em que se encontra. Quando a filha Margarida o
convida para morar com ela, escolhe isolar-se do mundo, trancando-se com Santo
Antônio como única companhia. É para o santo, pois, que o avarento volta após ter
perdido seu maior bem.
Há no final da peça do dramaturgo pernambucano uma espécie de moralidade,
talvez influência da religiosidade e, conforme apontam alguns trabalhos sobre o autor24,
com reminiscências do pensamento medieval bastante presente no Nordeste brasileiro.
Certamente há ainda vários elementos acerca da questão religiosa que precisam
ser aprofundados, levando em consideração, por exemplo, a presença do lar familiares
nas peças plautinas em geral, ou a influência da religiosidade em outras obras
suassunianas.
A religiosidade nas peças suassunianas: influências da fé nordestina.
A origem nordestina de Ariano Suassuna, que nasceu na Paraíba, mais
exatamente em Taperoá, está bastante presente nas obras do dramaturgo o qual procura
manter vivos e valorizar tanto o espaço geográfico quanto a cultura e os aspectos
religiosos oriundos deste torrão do Brasil.
No Nordeste brasileiro, a religiosidade, sobretudo o catolicismo, faz-se bastante
presente no dia a dia das pessoas, havendo, comumente, reuniões em casas para
celebração de novenas, romarias, procissões, em que as imagens dos santos de maior
24
devoção são levadas em andores, além de festas celebradas nos dias destes, o que ocorre
sempre em tons festivos.
Para Soares25, há no nessa região a prática de um catolicismo adaptado, levado a
cabo por pregadores que, de alguma forma, subvertem a religião oficial, ao torná-la
mais próxima da realidade das pessoas, além disso, os fiéis se apegam a essa
religiosidade quando se sentem inaptos para resolver as dificuldades pelas quais
passam, buscando ajuda, muitas vezes, em promessas feitas aos santos de devoção em
troca de favores divinos, ou seja, as divindades são vistas como a solução para os
problemas.
Suassuna traz essa religiosidade em sua produção teatral desde a sua peça de
estreia Uma mulher vestida de sol, escrita em 1947, a qual se inicia e termina com a
paráfrase das palavras do apocalipse:
“E viu-se um grande sinal no Céu, uma Mulher Vestida de Sol, que tinha a Lua
debaixo dos seus pés, e uma Coroa de doze Estrelas sobre a sua cabeça; e,
estando prenhada, clamava com dores de parto, e sofria tormentos por parir.”26.
Na história, que para alguns autores tem características do gênero tragédia, o
personagem Joaquim Maranhão, um coronel, com ciúmes da filha Rosa, mata
Francisco, rapaz da qual a jovem está grávida, esta, com raiva, trama a morte do próprio
pai, e após o crime, realizado por um antigo rival de Joaquim, chamado Antônio, mata-
se e com ela o filho. A história termina com o surgimento da figura de Nossa Senhora,
que de braços abertos envolve a moça com sua infinita piedade.
25 (...) o cristianismo vivido nessa região é eivado de paganismo apropriado pelas comunidades rurais e
por agentes religiosos que, sabendo ler, aprenderam a fazer adaptações que resultaram em religiosidades
alegres, festivas, constituídas de cores, de ritmos e de ruídos, mas também de choro, porque irritavam a
religião oficial, particularmente com os comportamentos considerados de desrespeito e de desacato a
Deus, a Jesus e a Nossa Senhora, como as práticas de ridicularização dos símbolos ou qualquer forma de
inversão ou negação da Igreja romana. Maria de Lourdes Soares: o nordeste, a política e a vulnerabilidade
da sobrevivência no sertão. Teor. Pol. e Soc. v.1, n.1, dez. 2008. (p.137).
26 SUASSUNA, Ariano. Uma mulher vestida de sol. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. p. 37; 194.
Percebe-se, nesse caso, assim como em outra obra do dramaturgo, certamente
das mais conhecidas, O auto da Compadecida, a presença da divindade como uma
espécie de elemento de socorro dos demais personagens, pois da mesma maneira que
em Uma mulher vestida de sol, é a virgem Maria que vem em defesa dos personagens
quando do julgamento realizado num plano além túmulo promovido na referida história.
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portuguesa. Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa, 1940.
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in Nuovi studi su Plauto. Gramática poética e fortuna letteraria di um texto esemplare
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em:http://periodicos.fundaj.gov.br/index.php/CAD/article/view/678/646. Acesso em: 17
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GRIMAL, Pierre. Dicionário de mitologia grega e romana. Rio de Janeiro, Bertrand,
GRIMAL, Pierre. O Teatro Antigo. Lisboa, Edições 70, 1986.
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Comédia Nordestina. Rio de Janeiro: PhD Thesis, UFRJ.
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Aulularia (A Comédia da Panelinha). Tradução, introdução e notas de Aída Costa. São
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Aululária (A comédia da Panela in A comédia latina) Tradução, introdução e notas
Agostinho da Silva, Rio de Janeiro, Coleção Ediouro. Tecnoprint, 1919
Comedias. Version de German Viveros. Cidade do México, Unviersidad Autónoma de
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Aulularia. Herausgegeben und erklärt von Walter Stockert. Beilage, Textedition.
Stuttgart, B.G. Teubner, 1983.
NOGUEIRA, Elza de Sa (2006). Daibert, tradutor de Rosa: outras veredas do grande
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POCIÑA LÓPEZ, A. J., “Pervivência de Plauto en la literatura brasilenã: la comédia
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POCIÑA LÓPEZ, A. J. (1996) “Pervivência de Plauto en la literatura brasileña: la
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SANTOS, Idelette M. F. dos (2009). Em demanda da Poética Popular. Ariano
Suassuna e o Movimento Armorial. 2a. ed. revista. Campinas, Editora da Unicamp.
SANTOS, Sônia Aparecida (2007) O Santo e a Porca: imitatio de Plauto no Nordeste
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SUASSUNA, Ariano. O Santo e a Porca. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio
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SUASSUNA, Ariano. Almanaque Armorial. Seleção, organização e prefácio: Carlos
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VAINFAS, Ronaldo. “Santo Antônio na América Portuguesa: religiosidade e
política”, in Revista USP, São Paulo, n.57, p. 28-37, março/maio 2003
A religião em Plauto e Suassuna

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A religião em Plauto e Suassuna

  • 1. http://www.iel.unicamp.br/biblioteca/arquivos/Normalizacao_Bib_IEL_032009.pdf A Religiosidade em Aululária de Plauto e O santo e a porca de Ariano Suassuna. “Ai a crise, ai a carestia! E é tudo querendo me roubar! Mas Santo Antônio me protege! ”1 Quando Ariano Suassuna subintitula sua peça O santo e a porca (1957) como uma imitação nordestina de Plauto, faz muito mais que aludir à fabula palliata Aululária do comediógrafo romano. Ao se utilizar do adjetivo “nordestina”, procura marcar uma das características centrais de sua produção teatral: a armoralidade, a cuja fase seminal o drama de Suassuna já pertencia (Santos, 1999, p. 22). O Movimento Armorial2 foi lançado oficialmente em 18 de outubro de 1970 (ou seja, quatorze anos antes da referida peça), com um concerto realizado no Recife pela recém criada Orquestra Armorial e uma exposição de artes plásticas, manifestações organizadas pela Universidade Federal de Pernambuco. Ele surgiu da união de jovens artistas: Ariano Suassuna, Antonio Madureira, Francisco Brennand, Raimundo Carrero, Gilvan Samico, Géber Accioly dentre outros, que procuravam, através de pesquisas e experimentações, criar uma arte que amalgamasse a cultura popular do Nordeste e a arte erudita, ou seja, unisse o regional ao universal. As bases, e ao mesmo tempo bandeiras, do Movimento Armorial3 são o romanceiro4 e o folheto5 que, segundo SANTOS (1999), representam um aspecto 1 SUASSUNA, Ariano. O santo e a porca. Rio de Janeiro, José Olympio, 2005, p.10. 2 A arte Armorial brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos “folhetos” do Romanceiro Popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a Música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus “cantares”, e coma Xilogravura que ilustra suas capas, assim como com o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionados. (Suassuna, 1974, pg.7) 3 A arte Armorial brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos “folhetos” do Romanceiro Popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a Música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus “cantares”, e coma Xilogravura que ilustra suas capas, assim
  • 2. particular e carregado de originalidade, uma vez que estabelecem uma relação estreita entre as diferentes expressões de arte e os próprios artistas, servindo não como uma fonte única, mas reunindo três modos de expressão, que, conforme a autora, foram separados pela cultura letrada: o literário, o teatral e o poético. Suassuna, em sua produção literária, sobretudo naquela voltada a teatro, lança mão de uma armoralidade avant la lettre. Isso se vê no modo como ele se utiliza largamente do romanceiro para criar suas histórias, além de fazer a transposição de obras canônicas do teatro universal para o ambiente nordestino, caso da peça que é objeto do nosso estudo. Essa transposição é feita levando em conta diversos aspectos que caracterizam o Nordeste, sejam eles culturais, sociais, religiosos, geográficos, climáticos. Tudo para que a história que será (re)contada se configure não como uma simples cópia a falsear quer a obra imitada, quer aquilo que se possa chamar “realidade”6. Trata-se de um retrato da terra do autor, o sertão (que é para ele real e ao mesmo tempo mítico) em que como com o espírito e a forma das Artes e espetáculos com esse mesmo Romanceiro relacionados. (Suassuna, 1974, pg.7) 4 O Romanceiro Popular do Nordeste teve origem ibérica, mas atraiu para si outras tradições , como um largo rio que por onde passa vai capturando afluentes.O Nordeste brasileiro não apenas passou adiante os romances em verso trazidos de Portugal, mas lhes deu um formato próprio, criou novos temas, personagens, ciclos inteiros de assuntos. No Nordeste tambémforaminventadas novas formas de estrofe, novas maneiras de organizar as rimas, dando ao nosso romanceiro nordestino um perfil distinto do Romanceiro Ibérico. (Tavares, 2005, pg.100) 5 Impressos em papel pardo, medindo cerca del2X l6 cm, com 8, 16,24ou32páginas, contendo ilustrações em xilogravuras condizentes como conteúdo, os folhetos servemde suporte material para a chamada Literatura Popular em Verso, encontrada no Nordeste Brasileiro. Esse tipo de literatura ocupa um espaço de criação que deve ser percebido em vários níveis: o simbólico, o artístico, o lingüístico, o social, o político, o econômico e especialmente o histórico. Desde que surgiu no Nordeste do Brasil, independente do sistema literário institucionalizado, em meados do século XIX, vem-se testemunhando fatos da História do Brasil, o que revela a preocupação dos poetas e ouvintes com o mundo ao seu redor. (Grillo, 2008, pg.189). 6 “Quero ser, dentro de minhas possibilidade, é claro, um recriador da realidade como tragédia e como comédia, a exemplo do que foram Plauto, Brueghel, Molière, Bosch, Shakespeare, Goya e nossos grandes pintores coloniais. Quero um teatro trágico e cômico, vivo e vigoroso como nosso romanceiro popular, um teatro que se possa montar sem maiores mistérios, até nos recintos de circo, onde o verdadeiro teatro tem-se refugiado, depois que o teatro moderno enveredou por seus caminhos de morte e decadência ”. (Suassuna in (ed.), Almanaque Armorial, pg.47)
  • 3. ele viveu desde sua infância e que por isso servirá de palco para as histórias que serão narradas e encenadas. 7 Em O santo e a porca, Suassuna faz uma releitura da comédia paliata (fabula palliata)8 plautina, traduzida no Brasil como A Comédia da panelinha9 ou Comédia da Marmita10. O dramaturgo paraibano deixa marcada a filiação de sua comédia: além de se utilizar do mote da avareza (que inspirou outras grandes obras, como L’Avare de Molière, criar nomes sonoramente parecidos com os da peça latina e mesmo lançar mão de passagens idênticas da matriz textual – assuntos já discutidos em estudos sobre ambas as obras11 - , procura dar uma coloração nordestina a sua peça. Nesse sentido, as personagens, por exemplo, representam tipos bastante presentes nos folhetos, como o amarelinho ou quengo12, nessa história representado pela empregada doméstica Caroba e, em certa medida, por seu namorado, Pinhão. Esse aspecto, pretendemos discutir de modo mais aprofundado em um momento posterior de nossa pesquisa. Acreditamos que, dentre outras questões que devem ser analisadas à luz de novas investigações e discussões, está o elemento religioso. Isso porque, ao que parece, há, nas peças romana e nordestina, uma ligação entre a divindade e um dos temas 7 Sobre Suassuna enquanto realista, cf. prefácio d’O Santo e a Porca: “Meu teatro procura se aproximar da parte do mundo que me foi dada; um mundo de sol e de poeira, como o que conheci em minha infância, com atores ambulantes ou bonecos de mamulengo representando gente comum e às vezes representando atores, com cangaceiros, santos, poderosos, assassinos, ladrões, palhaços, prostitutas, juizes, avarentos, luxuriosos, medíocres,homens e mulheres de bem — enfim, um mundo de que não estejam ausentes — se não no teatro, que não é disso, mas na poesia ou na novela — nemmesmo os seres da vida mais humilde, as pastagens, o gado, as pedras, todo este conjunto de que o s ertão está povoado” (Prefácio a O santo e a porca, p.7). Sobre diversos conceitos de realismo e ilusão aplicados à leitura de peças de Plauto, cf. Cardoso (2010). 8 Literalmente “peça em que os personagens usampálio”, uma vestimenta grega. A denominação designa modernamente comédias faladas em latim, mas adaptadas de obras da Grécia antiga, desenvolvendo-se em ambiente grego. 9 A. COSTA, Aulularia (A Comédia da Panelinha. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1967. 10 MEDEIROS, de Walter A comédia da marmita. Introdução, versão e notas de Walter de Medeiros. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1994. 11 POCIÑA LÓPEZ, A. J. (1996) “Pervivência de Plauto en la literatura brasileña: la comédia O santo e a porca de Ariano Suassuna”, Florentia Iliberritana 2, 291-298.); BOLDRINI, Sandro (1985) “Il santo e la scrofa: un'imitazione di Plauto nel Nordest brasiliano pp. (251-270); e GUAPIASSU, Paulo (1980) A Marmita e a Porca: A Presença Plautiana na Comédia Nordestina. pp. (146-155). 12 Suassuna, em seu prefácio à peça A farsa da Boa Preguiça, designa Caroba e Pinhão como representantes desse tipo nordestina. Cf. ainda Vassalo, O Sertão Medieval, pp. (75-85) ; Matos, O palco palimpsesto, pp.(107-112)
  • 4. centrais de seu enredo: o matrimônio. Vejamos como isso ocorre em ambas as peças: primeiro, trataremos da presença das divindades em Aululária e, em seguida, um breve cotejo com esse aspecto em O Santo e a Porca. Deuses em Aulularia Em Aululária, de Plauto, quem recita o prólogo é uma divindade romana: o deus Lar13 da família de Euclião. É o próprio deus quem se apresenta aos espectadores: “Para que ninguém pergunte, admirado, quem sou, eu o direi em poucas palavras. Eu sou o deus Lar desta casa, de onde me viste sair. Esta casa, há muitos anos que nela estou, que a habito, desde quando era do pai e do avô deste que hoje nela vive.” (Aul. 1-5)14 Plauto nos mostra um deus aparentemente ressentido pelo abandono a ele legado por várias gerações da família de Euclião, na qual a avareza mostra-se como uma constante, algo quase hereditário: “Morto o que me havia confiado o ouro, pus-me a observar se, por ventura, o filho tinha por mim mais um pouco de consideração. Ora, realmente, este cada vez se preocupava menos comigo e cada vez menos me prestava as honras devidas. Dei-lhe a paga que merecia: morreu pobre como viveu. Deixa um filho, o que mora atualmente nesta casa, com as mesmas características morais que o pai e o avô”. (Aul.:16-23). Após colocar o público a par da história, a divindade deixa claro o motivo pelo qual revelara ao velho Euclião a existência da panela de ouro: “Tem ele uma única filha; faz-me esta, todos os dias oferenda de incenso, vinho ou outra coisa qualquer; dá-me coroas de flores”. Aul.: (24-25). A moça se chama Fedra e, diferentemente dos 13 Em Roma cada família tinha um deus protetor doméstico os Lares, cultuados no lararium, uma espécie altar ou capela doméstica destinada ao culto dos Lares. No caso de sacrifícios domésticos, eram oferecidas flores, perfumes e um pouco de tudo o que tivesse na mesa a esse deus. Cf. P. Grimal, Dicionário de Mitologia grega e romana, sob verbete “Lar”; Tassilo Orpheu Spalding. Dicionário da mitologia latina, p.58. 14 Salvo indicação em contrário, as traduções da peça Aulularia aqui citadas são de Aída Costa (Plauto, 1967).
  • 5. ancestrais de sua família, honra o ente divino com oferendas diárias, ou seja: é uma devota ardorosa do deus Lar. Ficamos sabendo também, através do prólogo, de dois dados importantes para a nossa consideração da religiosidade na peça romana. Um deles é que a moça fora violentada durante as Cerealia [PRONUNCIAR Kêreália], festas em homenagem à deusa Ceres (Deméter em grego)15. O outro dado é que, como antecipa o deus Lar, Fedra, apesar de não saber quem a violou, casar-se-ia com o responsável pelo ato, através da ajuda divina, se assim o desejasse. Nas palavras do deus: “Por sua causa fiz que seu pai descobrisse o tesouro, a fim de que, mais facilmente, a pudesse casar, se ela assim o desejasse”. Aul.: (26-27). Ao público moderno, é possível que a divindade romana pareça interesseira, rancorosa e até vingativa, por manipular, de alguma forma, as personagens para que seu intento se realizasse e Fedra se casasse com Lyconides (o jovem que a violara). Ao revelar sobre o tesouro a Euclião, o deus faz com que o velho tenha seu comportamento alterado16 e passe a isolar-se em um mundo de preocupações e angústias, do tipo: “ Vou já ver se o ouro está como o deixei”, diz Euclião, “Pobre de mim, ele me atormenta de todo jeito.” Aul. (67-68). É o Lar, ainda, quem inspira o velho Megadoro, rico vizinho de Euclião, a pedir a mão da moça ao pai, conforme anuncia o deus: “Hoje farei que um 15 “Não sabemos exatamente quais as particularidades das festas de Ceres celebradas em Roma—as chamadas Cerealia. Virgílio, nas Geórgicas, aconselha os jovens a fazerem libações comvinho emhonra de Ceres, o que não condiz com o costume grego - que prescrevia total abstinência de qualquer espécie de bebida durante os festejos em homenagem a Deméter. Ovidio, nos Fastos, se refere às Cerealia, não chegando, contudo, a descrevê-las com precisão. Lembra, entretanto, que no dia 11 de abril, quando se iniciam as festividades que duram nove dias — referência às nove noites durante as quais Ceres procurou pela filha raptada—, devem-se queimar grãos de incenso em homenagem à deusa ou, na falta de incenso,acender tochas odoríferas.” CARDOSO, Zélia de Almeida, Figuras femininas em Plauto: Convencionalismo e Originalidade. P.259. 16 Ao que parece, antes da descoberta da panela de ouro, Euclião possuía outro comportamento, isso é perceptível ao se analisar a fala de Estáfila na cena II do ato I: “Estáfila: Por Cástor, não serei capaz de dizer que mal aconteceu ao meu senhor, não sou capaz de imaginar de que loucura está possuído. À coitada de mim, como estão vendo, põe-me, num dia, dez vezes fora de casa. Por Pólux, não sei que fúrias se apoderaram desse homem. Leva as noites todas em claro; e os dias, passa-os todos emcasa, como um sapateiro coxo. E não sei como continuam a esconder-lhe a desonra da filha; sua hora se aproxima. Só me resta – eu acho – transformar-me num i maiúsculo, com um nó corredio no pescoço.” (Aululária, p. 78)
  • 6. velho da vizinhança a peça e casamento. E o farei para que a despose mais facilmente o jovem que a seduziu”.Aul.: (31-34). Percebemos, assim, que a temática do casamento aparece, desde o início da peça, de certa forma atrelada à questão da religiosidade, uma vez que todo o “imbróglio” criado a partir do achado do tesouro por Euclião deu-se com o propósito, expresso pelo deus, de ajudar sua devota a ser desposada. Ou seja, o que move a divindade é proporcionar uma recompensa à Fedra por louvá-lo diariamente (além de, ao que parece, um desejo divino acertar as contas com o avarento e seus antepassados). Entre lararia e oratórios Assim como nas casas romanas havia o lararium, local em que eram feitas oferendas ao lar familiaris, é comum nas casas do Nordeste brasileiro a presença de oratórios na sala, lugar de destaque da casa, onde é colocado o santo de devoção familiar; há, ainda, o costume de se celebrarem as novenas, quando os vizinhos se reúnem para rezar em louvor desse santo. 17 Ao que parece, Suassuna, ao fazer a transposição da fábula plautina para esse ambiente, procura manter traços da matriz textual que facilmente serão entendidos pelos leitores de Plauto, ao mesmo tempo em que incorpora elementos do cotidiano nordestino, proporcionando uma leitura abrangente para públicos variados e mantendo em suas peças a tão prezada armoralidade18. 17 VAINFAS, Ronaldo. “Santo Antônio na América Portuguesa: religiosidade e política”, in Revista USP, São Paulo, n.57, p. 28-37, março/maio 2003. 18 “É por isso que procuro um teatro que tenha ligações com o clássico e com o barroco: na minh a opinião, está é a posição que pode atingir melhor o real, no que se refere a mim e a meu povo. Faço da originalidade um conceito bem diferente do de hoje, procurando criar um estilo tradicional e popular, capaz de acolher o maior número possível de histórias, mitos, personagens e acontecimentos, para atingir assim, através do que consigo entrever, emminha região, o espírito tradicional e universal .”
  • 7. Em O santo e a porca, não há a presença da divindade de modo personificado (o que ocorreu com o deus Lar, que recita o prólogo da Aululária): Santo Antônio nos é apresentado na forma de uma estátua que é colocada por Euricão sobre uma porca de madeira recheada de dinheiro. A função do santo é proteger tal tesouro contra o roubo. Além de manter uma correspondência com o Lar familiaris romano, a representação da divindade através de uma estátua serve para dar à narrativa a verossimilhança pretendida por Suassuna, que se diz “um realista”: mas sou realista não à maneira naturalista — que falseia a vida — mas à maneira de nossa maravilhosa literatura popular, que transfigura a vida com a imaginação para ser fiel à vida.”19 A escolha de Santo Antônio pelo dramaturgo é feita de modo muito acertado e, ao que parece, planejado. Nordeste, é este um dos santos mais queridos e , por que não dizer?, próximo de seus devotos. Conhecido geralmente como casamenteiro, a divindade possui também a fama de “achador”, entidade a que são dirigidas preces quando se quer encontrar algo perdido, seja um objeto, um animal, ou mesmo a saúde. 20 O dramaturgo nordestino se utiliza da última característica como elemento cômico, por exemplo, quando Euricão dialoga com o santo e diz: “Ah, agora estou só. Estará escondido? O quarto está vazio. E aqui? Ninguém. Agora, nós, Santo Antônio! Isso é coisa que se faça? Pensei que podia confiar em sua proteção, mas ela me traiu! Você, que dizemser o santo mais achador! É isso, Santo Antônio é achador e esta ajudando a achar minha porca! Eu devia ter me pegado era com um santo perdedor!” (Suassuna pp.53-54) 19 Suassuna OBRA, p. 6. Interessante é destacar que, as peças de Suassuna em que divindades se pronunciam são ambientadas num plano além da vida, como se vê em o Auto da Compadecida e A Pena e a Lei. 20 No início da Época Moderna, a face doméstica e afetiva de Santo Antônio se concentraria, no âmbito do catolicismo popular, em sua virtude de “casamenteiro”, de santo promotor de matrimônios. “Casai-me Santo Antônio, Casai-me!”, eis o que aparece em várias orações. Mas tal virtude de frei Antônio, depois santo, mal aparece em sua hagiografia ou nos relatos sobre seus poderes taumatúrgicos. Sobressai, sim – e esta virtude é de longevidade extraordinária –, seu imenso poder de recuperar “coisas perdidas”. Coisas e pessoas. Talvez decorra daí a virtude “casamenteira” atribuída a Santo Antônio, pois entre o perdido e o desejado a fronteira é sempre muito tênue. VAINFAS, RONALDO. Santo Antônio na América Portuguesa: religiosidade e política, REVISTA USP, São Paulo, n.57, p. 28-37, março/maio 2003
  • 8. Santo Antônio está tão presente na peça suassuniana que há, ao todo na fábula, 62 menções a ele21. Tais referências vão de simples interjeições: “Santo Antônio! Santo Antônio”, a “conversas”, na verdade monólogos em que Euricão se dirige ao santo. Além de trazerem informações sobre a divindade, tais falas fazem revelações sobre o passado do velho avarento e colaboram para entendermos, inclusive, o porquê de sua sovinice em relação à porca: EURICÃO — Ai minha porquinha adorada, ai minha porquinha do coração! Querem roubá-la, querem levar meu sangue, minha carne, meu pão de cada dia, a segurança de minha velhice, a tranqüilidade de minhas noites, a depositária de meu amor! Mas parece que Santo Antônio me abandonou por causa da porca. Que santo mais ciumento, é "ou ele ou nada"! É assim? Pois eu fico com a porca. Fui seu devoto a vida inteira: minha mulher me deixou, a porca veio para seu lugar. E nunca nem ela nem você me derama sensação que a porca dá. Ah, minha bela, ah, minha amada! Aqui você fica muito à vista de todos, todo mundo deseja a sua beleza, a sua bondade. É melhor levá-la para um lugar escondido. A mala do porão, é lá! Aí você ficará em segurança e eu poderei dormir de novo. (Suassuna pp.33-34). Diferentemente do que ocorre com Euclião na peça plautina, o motivo que faz com que Euricão mude sua personalidade em O santo e a porca não é a ação direta da divindade sobre ele, mas o abandono da esposa. É nesse ponto que parece ter havido como que uma substituição desta pela porca. Ela representa uma dimensão material, carnal, para o velho: é notável que ele emprega por diversas vezes o substantivo “sangue”22 para se referir ao tesouro. Por exemplo, ao falar da visita de Eudoro anunciada pela chegada da carta, Euricão reclama: “Vive farejando ouro, como um cachorro da molest'a, como um urubu, atrás do sangue dos outros. Mas ele está muito enganado. Santo Antônio há de proteger minha pobreza e minha devoção”. (Suassuna, pg 23, grifo nosso) Ao esconder a porca sob o socavão da escada, por achar que lá ela estaria segura, ele diz: “Ai minha porquinha adorada, ai minha porquinha do coração! Querem roubá-la, querem levar meu sangue, minha carne, meu pão de cada dia, a 21 Cf. páginas djsjdsdsds. 22 Há ao todo cinco momentos em que Euricão se refere à porca relacionando-a ao substantivo sangue,em todas eles, o tesouro do avarento encontra-se em suposto perigo de roubo
  • 9. segurança de minha velhice, a tranqüilidade de minhas noites, a depositária de meu amor!” (Suassuna pg.34, grifo nosso) Achando que pinhão quer seu tesouro, quando na verdade este se refere à porca encomendada para o jantar, exclama: “Está vendo, ladrão? É um ladrão, um criminoso, um bandido que quer sugar meu sangue. O que é que você quer com minha porca? (Suassuna pg. 42). Ao ouvir Caroba gritar pega ladrão por engano ao esbarrar em Dodó boca da noite: “ Ai, gritaram "Pega o ladrão!". Quem foi? Onde está? Pega, pega! Santo Antônio, Santo Antônio, que diabo de proteção é essa? Ouvi gritar "Pega o ladrão!". Ai, a porca, ai meu sangue, ai minha vida, ai minha porquinha do coração!” (Suassuna pg. 48, grifo nosso) Quando decide esconder seu tesouro no cemitério, para protegê-lo da ganância dos vivos: “ Lá, meu ouro, meu sangue, estará em segurança: o mundo dos mortos é mais tranqüilo, e, digam o que disserem os idiotas, lá é o lugar em que se perde tudo e não se acha nada! “ (Suassuna pg.54) Suassuna lança mão dessa “paixão” do avarento, criando cenas de extrema hilaridade, como quando Euricão acha que sua porca foi roubada e, com alivio por ver que ela está em segurança, comenta: Ah, está aqui, os ladrões ainda não conseguiram furtar nada. Ah, minha porquinha querida, que seria de mim sem você? Chega dá uma vontade da gente se mijar! Fique aí até outra oportunidade. Se eu pudesse, comia você inteirinha! Ai, mas é impossível! Senão, desconfiam! (Suassuna pg. 13). No enanto, com relação ao desfecho de ambas as peças, podemos perceber uma diferença bastante pontual. Segundo a reconstituição moderna da peça23, Euclião, após descobrir sobre a gravidez da filha, recupera seu tesouro e decide passá-lo ao genro Lyconides. Com isso, além de ganhar uma família, passar seu tesouro a mãos jovens que poderiam melhor cuidar dele. 23
  • 10. Já Euricão, o avarento de Suassuna, perde tudo. Ao ser informado por Eudoro que o dinheiro que guardara - após anos de duras economias - não tinha mais valor, desespera-se e percebe a solidão em que se encontra. Quando a filha Margarida o convida para morar com ela, escolhe isolar-se do mundo, trancando-se com Santo Antônio como única companhia. É para o santo, pois, que o avarento volta após ter perdido seu maior bem. Há no final da peça do dramaturgo pernambucano uma espécie de moralidade, talvez influência da religiosidade e, conforme apontam alguns trabalhos sobre o autor24, com reminiscências do pensamento medieval bastante presente no Nordeste brasileiro. Certamente há ainda vários elementos acerca da questão religiosa que precisam ser aprofundados, levando em consideração, por exemplo, a presença do lar familiares nas peças plautinas em geral, ou a influência da religiosidade em outras obras suassunianas. A religiosidade nas peças suassunianas: influências da fé nordestina. A origem nordestina de Ariano Suassuna, que nasceu na Paraíba, mais exatamente em Taperoá, está bastante presente nas obras do dramaturgo o qual procura manter vivos e valorizar tanto o espaço geográfico quanto a cultura e os aspectos religiosos oriundos deste torrão do Brasil. No Nordeste brasileiro, a religiosidade, sobretudo o catolicismo, faz-se bastante presente no dia a dia das pessoas, havendo, comumente, reuniões em casas para celebração de novenas, romarias, procissões, em que as imagens dos santos de maior 24
  • 11. devoção são levadas em andores, além de festas celebradas nos dias destes, o que ocorre sempre em tons festivos. Para Soares25, há no nessa região a prática de um catolicismo adaptado, levado a cabo por pregadores que, de alguma forma, subvertem a religião oficial, ao torná-la mais próxima da realidade das pessoas, além disso, os fiéis se apegam a essa religiosidade quando se sentem inaptos para resolver as dificuldades pelas quais passam, buscando ajuda, muitas vezes, em promessas feitas aos santos de devoção em troca de favores divinos, ou seja, as divindades são vistas como a solução para os problemas. Suassuna traz essa religiosidade em sua produção teatral desde a sua peça de estreia Uma mulher vestida de sol, escrita em 1947, a qual se inicia e termina com a paráfrase das palavras do apocalipse: “E viu-se um grande sinal no Céu, uma Mulher Vestida de Sol, que tinha a Lua debaixo dos seus pés, e uma Coroa de doze Estrelas sobre a sua cabeça; e, estando prenhada, clamava com dores de parto, e sofria tormentos por parir.”26. Na história, que para alguns autores tem características do gênero tragédia, o personagem Joaquim Maranhão, um coronel, com ciúmes da filha Rosa, mata Francisco, rapaz da qual a jovem está grávida, esta, com raiva, trama a morte do próprio pai, e após o crime, realizado por um antigo rival de Joaquim, chamado Antônio, mata- se e com ela o filho. A história termina com o surgimento da figura de Nossa Senhora, que de braços abertos envolve a moça com sua infinita piedade. 25 (...) o cristianismo vivido nessa região é eivado de paganismo apropriado pelas comunidades rurais e por agentes religiosos que, sabendo ler, aprenderam a fazer adaptações que resultaram em religiosidades alegres, festivas, constituídas de cores, de ritmos e de ruídos, mas também de choro, porque irritavam a religião oficial, particularmente com os comportamentos considerados de desrespeito e de desacato a Deus, a Jesus e a Nossa Senhora, como as práticas de ridicularização dos símbolos ou qualquer forma de inversão ou negação da Igreja romana. Maria de Lourdes Soares: o nordeste, a política e a vulnerabilidade da sobrevivência no sertão. Teor. Pol. e Soc. v.1, n.1, dez. 2008. (p.137). 26 SUASSUNA, Ariano. Uma mulher vestida de sol. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. p. 37; 194.
  • 12. Percebe-se, nesse caso, assim como em outra obra do dramaturgo, certamente das mais conhecidas, O auto da Compadecida, a presença da divindade como uma espécie de elemento de socorro dos demais personagens, pois da mesma maneira que em Uma mulher vestida de sol, é a virgem Maria que vem em defesa dos personagens quando do julgamento realizado num plano além túmulo promovido na referida história. Referências bibliográficas ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA. Vocabulário ortográfico da língua portuguesa. Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa, 1940. ALFREDO, Olegário. “Santo Antônio: um santo casamenteiro” in Folclore em cordel: uma antologia”. Belo Horizonte: Crisálida, 2005. ARAUJO, Renata; RODRIGUES, Severino. Imitando Plauto: O dialogismo na obra O santo e a porca de Ariano Suassuna, Recife,2008, Ao pé da letra, pg.105-117 BOLDRINI, S. “ Il santo e la scrofa: un’imitazione di Plauto nel Nordest brasiliano” in Nuovi studi su Plauto. Gramática poética e fortuna letteraria di um texto esemplare p.251-269. CASCUDO, L.da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura / Instituto Nacional do Livro, 1954. GRILLO, M.. Da cantoria ao folheto: o nascimento da literatura de cordel nordestina. Cadernos de Estudos Sociais, América do Norte, 24, jun. 2011. Disponível em:http://periodicos.fundaj.gov.br/index.php/CAD/article/view/678/646. Acesso em: 17 Jul. 2013. GRIMAL, Pierre. Dicionário de mitologia grega e romana. Rio de Janeiro, Bertrand,
  • 13. GRIMAL, Pierre. O Teatro Antigo. Lisboa, Edições 70, 1986. GUAPIASSU, PAULO R. (1980) A Marmita e a Porca: A Presença Plautiana na Comédia Nordestina. Rio de Janeiro: PhD Thesis, UFRJ. A comédia da marmita. Introdução, versão e notas de Walter de Medeiros. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1994. Aulularia (A Comédia da Panelinha). Tradução, introdução e notas de Aída Costa. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1967. Aululária (A comédia da Panela in A comédia latina) Tradução, introdução e notas Agostinho da Silva, Rio de Janeiro, Coleção Ediouro. Tecnoprint, 1919 Comedias. Version de German Viveros. Cidade do México, Unviersidad Autónoma de México, 1978. Aulularia. Herausgegeben und erklärt von Walter Stockert. Beilage, Textedition. Stuttgart, B.G. Teubner, 1983. NOGUEIRA, Elza de Sa (2006). Daibert, tradutor de Rosa: outras veredas do grande sertão. Belo Horizonte; Juiz de Fora: Funalfa: C/Arte. POCIÑA LÓPEZ, A. J., “Pervivência de Plauto en la literatura brasilenã: la comédia O santo e a porca de Ariano Suassuna”, Florentia Iliberritana, 2 (1996), pp. 291-98. POCIÑA LÓPEZ, A. J. (1996) “Pervivência de Plauto en la literatura brasileña: la comédia O santo e a porca de Ariano Suassuna”, Florentia Iliberritana 2, 291-298. SANTOS, Idelette M. F. dos (2009). Em demanda da Poética Popular. Ariano Suassuna e o Movimento Armorial. 2a. ed. revista. Campinas, Editora da Unicamp. SANTOS, Sônia Aparecida (2007) O Santo e a Porca: imitatio de Plauto no Nordeste brasileiro, In: Revista Língua Literatura e Ensino (Caderno de Resumos), vol. II. SUASSUNA, Ariano. O Santo e a Porca. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1974. SUASSUNA, Ariano. Almanaque Armorial. Seleção, organização e prefácio: Carlos Newton Júnior. – Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 2008. VAINFAS, Ronaldo. “Santo Antônio na América Portuguesa: religiosidade e política”, in Revista USP, São Paulo, n.57, p. 28-37, março/maio 2003