2. • Depois de cerca de duas décadas de Globalização o mundo
enfrenta o risco de voltar às economias fechadas com barreiras
alfandegárias e sem comércio internacional relevante e guerra
cambial.
• A vantagem da Globalização é a vantagem do comercio – a
melhor maneira de criar crescimento económico, como
sabemos desde Adam Smith.
• A Globalização financeira permitiu que as poupanças de uns
países alimentassem o consumo de outros num modelo que
Niall Fergunson chamou de “China-América”
• O regresso ao dólar e aos títulos americanos (Setembros de
2011) como único refúgio credível das poupanças mundiais
definem uma tendencia de crise da globalização e no mundo
multipolar
Desglobalização
3. • Com a crise de 2007/2009 acelerou-se o processo de
reajustamento geoestratégico com um papel mais
relevante a ser dado a novos atores como os BRICS.
• Do G7 ao G20 e a integração nos foruns da governança
mundial dos BRICS (Brasil, Russia, Índia, China e Africa
do Sul).
• Papel do G2 (América e China) e a reenergenica da
Turquia no âmbito da redefinição do papel da NATO e da
estabilização do mundo árabe.
• Redefinição do protagonismo do FMI no equilibrio
mundial e na crise da divída soberana na Europa.
Periodo de redefinição
geoestratégica
4. • As Relações Internacionais (RI) surgem como disciplina
acadêmica logo após o fim da Primeira Guerra Mundial (1914–
1918). É um campo que lida com a ausência de um poder
centralizado e por isso confronta-se com o tema da
multiplicidade de poderes que incidem na vida internacional.
• O pensador italiano Norberto Bobbio destacava a importância
das lições dos clássicos da filosofia para as RI,
• Historicamente os principais autores que ajudam a entender
dos desafios da área foram Maquiavel, Hobbes, Grócio e Kant
(auxiliam no entendimento da sociedade internacional e do
direito que emerge dela).
O Estudo das Relações
Internacionais (RI)
5. • Hobbes (1588–1679) realça o significado da anarquia e
do risco permanente da guerra de todos contra todos.
“Para seus seguidores, o direito internacional não é capaz
de conter esse risco”, diz Lafer. É do paradigma
hobbesiano que provém por analogia o paradigma da
visão realista no trato das RI, continua o professor, visão
essa que tem na obra de Maquiavel (1469–1527) e em sua
análise da verità effetuale delle cose uma permanente
fonte inspiradora.
Hobbes
6. • Grócio (1583–1645), por sua vez, articula a ideia de uma
sociedade internacional e nela identifica um ingrediente
positivo de sociabilidade que permite lidar, através do
Direito, com a cooperação entre os Estados que compõem
o sistema internacional. “Nesse paradigma o direito tem
condições de conter o ímpeto da política do poder,
alargando, pela criação de instituições como as
organizações intergovernamentais, os horizontes do
possível na tessitura de uma visão mais construtiva,
comunicativa e comunitária da vida internacional”.
Grócio
7. • Já Kant (1724–1804) introduz a conjetura de uma
operativa razão abrangente da humanidade, que pode
levar ao direito cosmopolita,traduzido no direito à
hospitalidade universal e que abre espaço para a
articulação de um internacionalismo que diz respeito aos
homens e aos Estados nas suas relações exteriores e de
interdependência como cidadãos de um mundo comum.
Kant
8. • Nos Lusíadas, os portugueses que encontraram novas terras e
novos céus deram início à unificação da história mundial.
“Essa unificação é um dos antecedentes do atual processo de
globalização”.
• No épico, uma das recompensas que Camões concede a Vasco
da Gama é o acesso à máquina do mundo, para que o
navegante pudesse saber para onde ir numa história que
passara a ter horizontes mais largos.
• “Esquivo e hermético tem sido o entendimento da máquina” –
Carlos Drummond de Andrade repete o escritor português.
• Entendê-la, porém, é o campo de excelência dos estudos das
RI e é ingrediente indispensável de conhecimento para a
condução da política internacional de um país.
A Máquina do Mundo
9. • No final da década de 1960, as engrenagens perceptíveis que
moviam a máquina eram a Guerra Fria, a batalha ideológica
entre Ocidente e Oriente, as relações de conflito e coexistência
entre as duas superpotências – Estados Unidos e União
Soviética –, a descolonização e o espaço que se abriu para a
polaridade Norte-Sul.
• No final dos anos 80, porém, veio a inesperada queda do Muro
de Berlim, num contexto em que também se deram o fim do
socialismo real e a desagregação da União Soviética.
• “A máquina do mundo moveu-se aparentemente nos anos 90
para o que parecia ser a conjuntura de uma leitura kantiana na
realidade internacional”
Guerra Fria
10. • Os documentos resultantes da Conferência da ONU sobre Ambiente e
Desenvolvimento, a Rio-92 apontavam nessa direção. Foi a primeira
grande conferência da ONU sobre temas globais na década, e ela não
se pautou pela lógica diplomática das pluralidades definidas da
Guerra Fria, a partir dos blocos do Leste e do Oeste ou de Norte e
Sul. O mesmo se deu com as conferências das Nações Unidas nos
anos seguintes. Outro exemplo dessa mudança de direção foi a
conclusão do Uruguai Round do GATT em 1994, que levou à criação
da Organização Mundial do Comércio (OMC), primeira organização
internacional pós-Guerra Fria com vocação universal.
• “A OMC conseguiu construir um inédito sistema de solução de
controvérsias, alargando os horizontes do papel do direito e das
normas da vida econômica internacional e ecoando uma leitura
grociana de como administrar conflito e cooperação na vida
internacional”,
OMC e a pós-guerra fria
11. • Porém, a primeira guerra do século XXI fez a máquina do
mundo deslocar-se novamente, “desta vez de Kant para
Hobbes”.
• Os ataques terroristas aos Estados Unidos em 2001 colocaram
em novos termos o tema da paz e o desafio da segurança no
próprio centro do poder mundial, e pela primeira vez
internalizaram em território norte-americano as tensões do
mundo. Também mostraram que é possível fazer política
internacional no campo estratégico-militar sem ser um Estado.
• “A ação terrorista no mundo globalizado viu-se facilitada pela
possibilidade de atuar por meio de redes que permitem
transpor fronteiras e territórios e através de relações
clandestinas, que tendem a evadir-se do controle dos serviços
de inteligência dos Estados, como é o caso das redes da
criminalidade transnacional do tráfico de drogas e de armas”.
Terrorismo
12. • O início do século XXI também viu as políticas de
identidade e de reconhecimento e o “neotribalismo pós-
moderno”, na definição de Thomas Franck, minarem em
muitas regiões o postulado da integridade territorial dos
Estados, levando a processos e aspirações de secessão.
Sinais dessa realidade estão na multiplicação do número
de refugiados em diversas partes do mundo – os expulsos
da trindade povo-Estado-território.
• Ao lado dessa realidade, a xenofobia também indica que
“a hipótese de uma leitura cosmopolita de respeito ao
próximo baseada na hospitalidade universal não está se
consolidando”
Neo-tribalismo pós-moderno
13. • A primazia norte-americana que se esboçava com o
colapso do bloco soviético se viu minada, para o que
colaboraram os equívocos unilateralistas da guerra global
ao terrorismo declarada por George W. Bush e a perda de
foco dos Estados Unidos na complexidade do mundo.
Esses fatores explicam também a presente
multipolaridade política e económica do mundo, que está
dando novo espaço para a China, a Índia e o Brasil e
abrindo outras possibilidades para a Rússia pós-União
Soviética.
Mundo multipolar
15. • O sistema internacional ainda carece de governança apropriada
e continua permeável a tensões de hegemonia e pelas forças
centrífugas que são parte das engrenagens da máquina do
mundo. Uma das características do século XX foi conferir ao
campo diplomático estratégico um alcance planetário, no qual
os Estados passaram a conviver. As transformações
técnicas, económicas e intelectuais unificaram a humanidade –
“para o bem e para o mal” –, resultando numa nova e
abrangente experiência do tempo.
• As interações económicas, culturais e políticas se aceleraram
como fruto da integração propiciada pela informática.
• “Continuam a existir fronteiras, mas todas são porosas e por
isso mesmo continuamente transpostas, oficial ou
clandestinamente, pelas imagens, pelas ideias e pelos seres
humanos”.
Unificação da Humanidade
16. • Tempo on –line: Outra característica de nosso tempo é que
cada vez mais o mundo internaliza-se na vida dos países, ainda
que essa internalização tenha distintas modalidades e impactos.
A maneira como o espaço e o tempo penetram na vida das
pessoas foi profundamente alterada.
• “Basta lembrar o tempo on-line da circulação em rede das
Sociedade em rede
17. • A governança em escala mundial é difícil porque a
diplomacia em escala internacional precisa lidar com pelo
menos três grandes dimensões: captar interesses comuns
e compartilhados; administrar as desigualdades; mediar a
diversidade cultural e os conflitos de valores. É nesse
cenário – em que o Direito Internacional se caracteriza
como um direito em movimento, num estado mais
provisório do que consolidado – que se situam a
globalização e as suas assimetrias, bem como as ameaças
de desglobalização.
Governança mundial
18. • A sociedade internacional é heterogénea por causa da distribuição
desigual do poder entre os Estados, dos desníveis de rendimentos entre
populações, da concentração de poder económico num circunscrito
número de empresas transnacionais de atuação planetária – as empresas
globais - e das diferenças na capacidade de produzir novos
conhecimentos que determinam o controle que uma sociedade é capaz de
exercer sobre seu destino.
• Atores governamentais e não-governamentais não têm uma mesma e
única concepção sobre a organização da ordem mundial e dos Estados
nacionais.
• Há ainda descontinuidades que derivam dos muitos mundos que são
parte integrante da ordem mundial. Em diferentes regiões podem ser
criados subsistemas regionais que levem a um modelo de governança –
como a integração europeia – ou, inversamente, que instiguem fortes
tensões, caso do Oriente Médio.
• “É preciso avaliar de forma diferenciada as especificidades que
compõem o pluralismo ontológico da máquina do mundo”.
Descontinuidades
19. • Cinco blocos – O internacionalista Andrew Hurrell, autor
do livro On global order, aponta o que seriam os cinco
grandes blocos temáticos da agenda internacional.
Cinco Blocos Temáticos
20. • O primeiro é a intensidade atual das políticas de
identidade e reconhecimento que afloraram com o
término da Guerra Fria. Os exemplos estão no Médio
Oriente, nas aspirações dos bascos na Espanha, no
Quebec canadiano, no Tibete e nos desastres
humanitários de Darfur, com a secessão do Sudão. Na
América Latina, há reivindicações de reconhecimento por
grupos ou regiões no Peru e na Bolívia.
Reemergência do
nacionalismo
21. • O segundo bloco envolve os desafios representados pelas
crescentes ambições normativas presentes na vida
internacional, cujo marco é a Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948. É uma política de direito
alicerçada na construção de uma sociedade internacional
constituída não só de Estados igualmente soberanos, mas
também de indivíduos livres e iguais. Ecoando Kant, é
uma concepção de que um direito violado numa parte do
mundo passe a ser sentida em toda parte, numa faceta
positiva da internalização do mundo na vida dos países
trazida pela globalização.
Direito entre Estados
23. • O quarto bloco está vinculado ao desafio da gestão da
economia globalizada num mundo caracterizado pela
desigualdade. Países tradicionais estão vulneráveis,
enquanto outros ascendem e os fluxos de investimentos
pelo globo se deslocam. A criação de blocos como o G-
20, em substituição ao G-7, é expressão dessas mudanças.
• O quinto diz respeito ao desenvolvimento sustentável
num cenário em que os temas ambientais, como as
mudanças climáticas, são globais.
Nova Ordem Económica
Mundial e Sustentabilidade
24. • É difícil fazer avaliação dos cenários futuros da máquina
do mundo, mas citando Guicciardini, contemporâneo de
Maquiavel, “entre os seres humanos, mais pode a
esperança do que o medo”.
Fim
Notas do Editor
Texto de Lafer, MNE do Brazil no tempo de FHC
O Desenvolvimentotecnologicouniformiza o mundo
CelsoLaferapontaque do encaminhamento do conjuntodessapautadepende “a equação de umaordemmundialquenãoameace a sobrevivência da própriahumanidade”. Aomesmo tempo, advertequecadabloco tem também as suasespecificidades – “um sapatonão serve emtodosospés, comodizemosamericanos”, lembra o professor. Um exemploestá no caso das questõesambientais, queenvolvemmudanças de matrizesenergéticasinternamente, mas tambémconflitos de interesses entre países. “Se souumailhapequena, o risco de submergirégrande, mas se sou um país continental, o riscoémenor”, compara. O professor reconhecequeédifícilfazeravaliação dos cenáriosfuturos da máquina do mundo, mas concluiusuaconferência com uma nota otimista, aocitarGuicciardini, contemporâneo de Maquiavel, paraquem, entre ossereshumanos, maispode a esperança do que o medo.