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O QUADRO POLÍTICO INTERNACIONAL APÓS
O 11 DE SETEMBRO DE 2001
Walmir Barbosa*
APRESENTAÇÃO
O presente texto é um ensaio acerca das relações internacionais após os
atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 e da intervenção militar terrorista dos
Estados Unidos no Afeganistão. Como tal ele pretende proporcionar uma leitura do
quadro político internacional, de forma a buscar identificar algumas tendências das
relações internacionais no período histórico atual. Período que, a nosso ver, teve seu
início anteriormente ao 11 de setembro, ainda no governo Bill Clinton, mas que se definiu
claramente com a eleição de George W. Bush e os referidos atentados.
Este ensaio é a materialização de resultados do desenvolvimento do projeto de
pesquisa “Cenários possíveis das relações internacionais após o 11 de setembro de
2001”, aprovado junto a VPG/Coordenação de Pesquisa da UCG. O desenvolvimento do
referido projeto contou com a indispensável participação e colaboração de Lorena Martins
Rodrigues Alves, estudante do Curso de Direito da UCG, de Sebastião Cláudio Barbosa,
mestrando em educação pela UFG e de Paulo Faria, membro da organização não
governamental Coletivo Educacional e Cultural.
Este ensaio se dirige aos estudantes que cursam a disciplina Ciência Política e aos
do curso de Relações Internacionais, bem como a todos aqueles preocupados com a
busca de uma abordagem dialética materialista histórica dos fenômenos em curso.
*
É mestre em História das Sociedades Agrária pela UFG e professor da UCG e do CEFET-GO.
2
1. INTRODUÇÃO
Abro a janela, vejo o horizonte! Ando três passos
para ele, ele anda 30 passos para longe de mim.
Corro 30 kilômetros para ele. Ele dispara 300
kilômetros para bem longe de mim.
Mas para que serve a utopia?
Para caminhar!
Eduardo Galeano
A queda do Muro de Berlim em 1988 e o fim da URSS em 1991 marcaram o triunfo
dos Estados Unidos no âmbito da Guerra Fria. Este triunfo se materializou na proposta de
uma “Nova Ordem Mundial” por parte dos Estados Unidos ao final dos anos 80 e início
dos anos 90 do século XX. A “Nova Ordem Mundial” proposta pelos Estados Unidos,
tendo à frente o governo George H. Bush, consistia fundamentalmente nos seguintes
pontos (Fernandes, 2002):
a) os vários fóruns multilaterais do sistema ONU deveriam se transformar no núcleo
ordenador de uma nova ordem mundial mais estável no mundo. O objetivo seria o
de superar tensões e antagonismos por meio da mediação e/ou mecânica
jurídico/institucional do sistema ONU;
b) o Conselho de Segurança da ONU assumiria uma nova centralidade como foro de
negociação e resolução de problemas relacionados à paz e à segurança no
sistema político internacional. O objetivo seria estabelecer uma política de
pactuação entre as potências militares, de forma a convertê-las em guardiões e
gestores da ordem mundial;
c) os organismos econômicos do sistema ONU (FMI, Banco Mundial, OMC etc)
exerceriam o papel de “indutores” e “guardiões” dos mercados abertos. O objetivo
seria assegurar que os organismos econômicos sustentassem política, econômica
e tecnicamente orientações de forte conteúdo liberal.
A “Nova Ordem Mundial” proposta pelos Estados Unidos representava a busca por
coesionar a hegemonia norte-americana por meio de pactos de compromissos, isto é, a
3
forma de exercício da hegemonia norte-americana que aglutinava de forma subordinada,
subalterna ou não, interesses e metas de outros países, Estados e capitais. Mas de fato,
representou uma forma de realimentar a hegemonia norte-americana em prejuízo de
todos os demais países, embora em qualidade e quantidade diferenciada.
Os Estados Unidos buscaram alcançar vários objetivos estratégicos no plano
econômico e no plano político-ideológico. No plano econômico a “Nova Ordem Mundial”
almejou, em primeiro lugar, conquistar e consolidar novos mercados de exportação para
produtos e capitais norte-americanos, de forma a compensar a retração da demanda
interna provocada pela contenção dos níveis salariais e de emprego criado pelo ciclo
recessivo de 1988/92 e pela elevação do custo do capital constante que se dava em parte
às custas do capital variável, em função da elevação dos novos custos tecnológicos que a
reestruturação produtiva1
legou da era Ronald Reagan. Em segundo lugar, viabilizar um
ambiente mundial de liberdade de movimentação favorável às corporações e bancos
norte-americanos, francamente beneficiados pela posição diplomática e militar vantajosa
dos Estados Unidos nas relações internacionais, em um contexto em que os mesmos
encontravam-se acossados pelas corporações e bancos europeus e japoneses. Em
terceiro lugar, assegurar que os organismos econômicos do sistema ONU (FMI, Banco
Mundial, OMC etc) permanecessem como verdadeiros prolongamentos do Departamento
do Tesouro dos Estados Unidos, de forma a usufruir das vantagens que o padrão dólar
proporcionava nas relações econômicas internacionais.
No plano político-ideológico a “Nova Ordem Mundial” almejou, em primeiro lugar,
afirmar a tese do “Fim da História”, isto é, o de que teria esgotado a possibilidade de
ocorrerem novas revoluções/transformações sociais e que teria sido consagrada a
eternização do liberalismo econômico e político moderno. Em segundo lugar, confirmar os
Estados Unidos como o guardião da nova ordem, cujas ações políticas e militares
estariam justificadas/legitimadas pelo sistema ONU.
A “Nova Ordem Mundial” proposta pelos Estados Unidos demonstrou ser capaz de
coesionar a hegemonia norte-americana por meio de pactos de compromissos e, dessa
forma, realimentá-la. No Brasil, por exemplo, assistimos, ao longo dos anos 90, os efeitos
desse novo projeto de hegemonia. No plano econômico ocorreu a abertura incondicional
1
Combinação da revolução técnico-científica e dos novos métodos de gestão produtiva iniciados nos
Estados Unidos e na Europa na segunda metade dos anos 70, cujos desdobramentos no mundo do
trabalho foram o desemprego e o subemprego, a flexibilização das legislações de proteção ao trabalho,
entre outros. No Brasil a reestruturação produtiva teve início no governo Sarney (1985-89), mas se
aprofundou nos governos de Collor (1990-92) e nos de Fernando Henrique Cardoso (1995-98) e (1999-02).
4
da economia brasileira aos produtos e serviços importados, a entrada maciça de
empresas transnacionais e a subordinação do país aos organismos internacionais (FMI,
Banco Mundial e OMC). No plano político-ideológico ocorreu o avanço da idéia de que
transformações sociais não mais seriam possíveis, de que a globalização seria inevitável
e de que o país deveria se submeter à benevolente “Nova Ordem Mundial” sob liderança
dos Estados Unidos, o grande ganhador em todo esse processo.
A “Nova Ordem Mundial” proposta pelos Estados Unidos, todavia, despertou uma
crescente resistência. Esta resistência foi especialmente grande após a crise mexicana e
o seu prolongamento sistêmico em 1994.
5
2. PACTO FORDISTA, ACUMULAÇÃO E CRISE
A crise do neoliberalismo tem gerado a
oportunidade para aprofundá-lo. Cortes nos
gastos sociais, reestruturação de empresas, altas
taxas de juros, baixos salários e amplos
programas de privatização melhoram os
indicadores macroeconômicos e pioram os
indicadores macrosociais.
James Petras
A compreensão da proposição, crise e esgotamento da “Nova Ordem Mundial” e do
caminho para uma ordem mundial não prevista, nos impõe identificar velhas e novas
determinantes que condicionam o momento atual do sistema do capital e do seu sócio-
metabolismo. Assume relevância especial a tentativa do sistema do capital de
repor/aprofundar o domínio sobre o mundo do trabalho e a crise de acumulação do
capital, bem como a tentativa de restabelecer uma taxa de acumulação que ultrapasse a
pura e simples reiteração econômico-produtiva, isto é, que ultrapasse a reposição das
estruturas, processos e dinâmicas econômicas sem, todavia, realizar a acumulação de
capital real. A superação da crise de acumulação, por meio de uma taxa de acumulação
elevada, no âmbito do sistema do capital, significa a imposição de formas ainda mais
brutais de exploração econômica, dominação política e opressão ideológica aos
trabalhadores e aos povos das regiões periféricas e semi-periféricas do capitalismo.
2.1. A crise do pacto fordista
Uma angústia e um mal estar tomou conta das grandes massas que compõe o
mundo do trabalho, povos oprimidos e setores médios formados por assalariados e
pequenos proprietários em todo o mundo. Em primeiro lugar, emergem aspectos como a
degradação acelerada das condições de trabalho, o desemprego estrutural, a
precarização do contrato de trabalho, a destruição/desarticulação do sistema de proteção
social, o ressurgimento da fome, das epidemias, da subalternidade da mulher. Em
segundo lugar, aprofundam-se aspectos como a decadência dos valores ético-morais em
níveis individuais e coletivos, a arrogância das classes possuidoras, a ostentação da
riqueza, o individualismo possessivo. Em terceiro, intensificam-se aspectos como os
6
grandes acidentes ecológicos, o desmatamento nos continentes onde ocorrem grandes
florestas, a poluição dos mares. E, por fim, radicalizam aspectos como a imposição dos
países capitalistas centrais sobre países capitalistas periféricos e semi-periféricos, a
guerra entre Estados e intra-Estado, a criminalidade.
No Brasil essa realidade encontra-se expressa por meio de aspectos como o
endividamento interno e externo e a desnacionalização da economia, com a maciça
transferência de excedentes para os países centrais do capitalismo; a desagregação
social no espaço urbano, com o conseqüente crescimento da criminalidade e
generalização da pobreza; a deterioração do mundo do trabalho e das tradicionais
ideologias liberais ancoradas no “vencer na vida pelo trabalho”, com a relação
infantilizada da família com a escola; a expectativa de um acontecimento inusitado
(loteria, Big Brother, futebol, show do milhão, grupos de pagode etc) para a ascensão
social, ou o fracasso dessas expectativas como fator impulsionador do pentacostalismo.
Essa realidade não compõe um quadro nem singular e nem original em suas
formas. De fato, a história da sociedade capitalista e burguesa é marcada,
profundamente, por ela. Todavia, havemos de registrar que essas formas de
manifestação da sociedade capitalista e burguesa podem se apresentar intensas e
aceleradas em determinadas conjunturas e/ou períodos históricos. Em nossa perspectiva,
nos encontramos atualmente numa dessas conjunturas e/ou períodos históricos.
Encerrou-se o período histórico compreendido entre o pós-guerra, quando teve
início a Guerra Fria, e 1988/91, época da contra-revolução liberal no leste europeu e do
fim da União Soviética. Período esse marcado pelo pacto fordista, que consistiu numa
reação defensiva das classes dominantes dos Estados Unidos e da Europa Ocidental,
para fazer face à grande crise econômica depressiva que teve início nos anos 30, o
controle parcial/temporário do impulso reprodutivo incontrolável do sistema do capital, a
reconstrução européia e japonesa e a contenção das lutas de classes e da ameaça de
“sovietização” da Europa Ocidental.
As bases políticas do pacto fordista articulava empresários, partidos políticos,
tecnocratas, sindicatos, dirigentes e quadros das organizações operárias. Essas forças
políticas e sociais procuravam ocupar o Estado, ampliar o fundo público por meio de uma
política fiscal ampla e consistente e reorientar o fundo público, de forma a contemplar dois
grandes objetivos. De um lado, realizar as grandes compras, os financiamentos
produtivos, as pesquisas em ciência e tecnologia incorporadas às políticas
governamentais, o que significava aprofundar o papel do Estado como um instrumento
7
estrategicamente necessário para viabilizar a acumulação de um capital que tendia para o
oligopolismo. De outro, para criar a rede de proteção social, a saúde pública, a melhoria
das condições de trabalho e existência dos trabalhadores. O que significava ampliar as
bases do ‘contrato social’ liberal-burguês e afastar o ‘perigo’ do socialismo, na medida em
que o Estado assumia outras perspectivas de classes além da própria perspectiva
burguesa e é claro, baratear o custo de reprodução da força de trabalho para o capital, na
medida em que transferia seus custos de reprodução, a exemplo daqueles vinculados à
saúde, educação e previdência, para o Estado.
Efetivamente ocorreu, ao longo do período, uma elevada acumulação do capital,
uma melhora significativa das condições de trabalho e uma consistente rede de proteção
social. Ocorreu, ainda, a crença de que o capitalismo poderia ser “domesticado” e
“civilizado”; de que se poderia coesionar as perspectivas do mundo do trabalho com as
perspectivas do sistema do capital; de que a caracterização, conduzida pela dialética
materialista histórica à ordem capitalista e burguesa, intrinsecamente exploratória,
destrutiva e parasitária, não se sustentava; e, por fim, de que a idéia da revolução social
não mais se justificava.
No Brasil tais processos, comandados pelo sistema do capital, não dispuseram das
mesmas reservas econômicas, políticas, ideológicas e sociais, em decorrência da
condição de país de capitalismo semi-periférico. Além da criação/expansão precária dos
sistemas previdenciário, de saúde e de educação públicos, ocorreu um enorme
intervencionismo estatal industrializante sob regimes liberais populistas, conservadores ou
ditatoriais, e uma hiper exploração do mundo do trabalho (no campo e na cidade), tendo
em vista financiar as transformações produtivas, sob a grade de ferro da dependência e
subalternidade e transferir excedentes para os países centrais do capitalismo via
endividamentos, remessas de lucros etc.
No final dos anos 70 e início dos anos 80 do século XX o pacto fordista começou a
ruir. As eleições de Margareth Thatcher, na Inglaterra e de Ronald Reagan, nos Estados
Unidos, representantes exemplares do ultraconservadorismo inglês e norte-americano,
evidenciava e testemunhava a crise do pacto fordista. Amparados em programas
ultraliberais, eles propunham políticas que materializavam aspectos como a
desregulamentação da economia, a privatização de empresas do setor público, a restrição
dos direitos trabalhistas e da rede de proteção social, a redução de impostos sobre o
setor produtivo, a abertura das economias nacionais.
8
O pacto fordista ruía em face da crescente resistência da classe operária à
extração da mais-valia pelo sistema do capital, do acirramento da competição dos países
capitalistas centrais pelo mercado mundial e da tendência continuada de queda da taxa
média de lucro – ou queda da taxa média de acumulação do capital, relacionada a
aspectos como a elevação da composição orgânica do capital (composição entre os
capitais constante e variável), a própria luta da classe operária contra a extração da mais-
valia e pela ampliação das bases do ‘Welfare state’ e o acirramento da competição dos
países capitalistas centrais pelo mercado mundial. Mas o pacto fordista ruía, também,
devido ao afastamento conjuntural da ameaça ao capitalismo ocidental em decorrência do
declínio econômico da União Soviética e da ausência de ideologias socialistas
revolucionárias na subjetividade da classe operária e demais trabalhadores em
conseqüência do próprio pacto fordista. Configurava-se, portanto, um ambiente favorável
para a recondução do domínio incontestável do capital sobre o mundo do trabalho e para
a contenção da tendência de queda da taxa média de lucro do capital.
No Brasil tais processos coincidiram e se interpenetraram com a fase final da
transição conservadora da ditadura militar para o regime liberal conservador representado
pela “Nova República”. Sob a derrota do Movimento Pelas Diretas Já e das reformas
estruturais formuladas pelos movimentos sociais, por um lado, e do conluio liberal-
conservador do Colégio Eleitoral e da Assembléia Constituinte de 1987/88, por outro,
alcançavam-se diversos objetivos, a saber: a transição das bases jurídico-políticas da
ditadura militar para bases jurídico-políticas liberais clássicas; a derrota da resistência
operária e popular reconstruída no bojo da luta contra a ditadura militar e contra a
exploração do sistema do capital e a recondução do pleno domínio do sistema do capital
sobre o mundo do trabalho; o início da ofensiva liberal por meio da campanha política e
ideológica contra o serviço público, contra o socialismo, e o marxismo, e pela privatização
do setor público, abertura econômica para a entrada de mercadorias, serviços e capitais
financeiros especulativos e produtivos oligopolistas.
O mundo do trabalho por meio dos movimentos sociais, em especial o sindical,
começava a perder a dinâmica da luta de resistência em curso e que dava sinais de que
poderia se desenvolver para a conquista da iniciativa política, isto é, de que as forças
políticas e sociais do mundo do trabalho fizessem com que as forças políticas e sociais do
sistema do capital agissem defensivamente em face das suas ações políticas. Tal
processo foi consumado por meio do trauma sócio-político representado pela vitória
9
eleitoral de Fernando Collor de Mello em 1989 e pelo desemprego estrutural, acarretado
pela reestruturação produtiva e pela crise econômica aprofundados a partir de 1990.
A tentativa de retomada da luta de resistência, numa qualidade superior, a exemplo
da greve dos petroleiros de 1995, também foi seguida de derrota política. Tal realidade
ampliou a ofensiva do sistema do capital- parcialmente representado pelas forças políticas
e sociais, expressas no governo Fernando Henrique Cardoso e na sua base de
sustentação política no Estado e na sociedade-, contra os direitos trabalhistas e pelo
arrocho salarial, maior subordinação da sociedade brasileira ao endividamento interno e
externo, a privatização das gigantescas empresas estatais etc.
O fim do pacto fordista restringiu os mecanismos políticos e econômicos de
controle parcial/temporário do impulso reprodutivo incontrolável do sistema do capital. Em
conseqüência, passamos a nos encontrar em um contexto de liberdade quase total do
capital para desenvolver e valorizar. Equivale dizer que a humanidade encontra-se quase
que totalmente sobre a lógica de impulso de reprodução incontrolável do sistema do
capital causadora da degradação das condições de existência das amplas massas; da
crise ético-moral que conquista novos terrenos na sociedade; do acirramento dos danos
ambientais, e da radicalização do imperialismo, entre outros tantos processos.
2.2. Nova onda de mundialização do capital
O sistema do capital somente pode ser compreendido a partir da categoria
‘contradição’ como uma oposição inclusiva. Capital versus trabalho, capital unitário versus
capital unitário, capital não monopolista/oligopolista versus capital
monopolista/oligopolista, capital produtivo (produtor de valor e de mais-valia) versus
capital comercial (capital empregado na intermediação e na distribuição) e capital
financeiro (capital monetário centralizado e concentrado) e vice-versa, capital de matriz
nacional versus capital de outra matriz nacional, e assim por diante. Esta contradição,
impulsionada pela luta de classes e pela competição no mercado, desencadeia um
movimento de reprodução anárquico e incontrolável que se materializa em contradições,
descompassos e conflitos entre produção e consumo e produção e distribuição (Chesnais,
1997, p. 15-17).
Com o fim do leste europeu e da União Soviética, o sistema do capital completou o
seu processo de mundialização pois se fez presente em todos os cantos do planeta, não
encontra nenhum tipo de sistema competidor ou desafiador em escala internacional e
10
apresenta um entrelaçamento profundo, a partir dos grupos monopolistas/oligopolistas
com interesses assentados nos seus respectivos Estados. E se mundializou, ainda, no
sentido de que proletarizou/concentrou grandes contingentes de trabalhadores (operários,
desempregados, marginalizados, segmentos médios, assalariados etc)2
e estendeu as
relações de produção capitalistas sobre todo o mundo, ainda que coetaniamente tenha
preservado formas não capitalistas de produção.
A fase atual da mundialização do sistema do capital assumiu formas diversas e
inquestionáveis. Todavia, três formas se destacaram. Em primeiro lugar, a referida
mundialização ocorreu dirigida e controlada pelo capital monopolista/oligopolista, que se
utilizou das políticas de liberalização e desregulamentação. Estas políticas permitiram ao
capital monopolista/oligopolista avançar, por um lado, no domínio da moeda e das
finanças e, por outro, nas novas condições de trabalho e de contratação da força de
trabalho.
Em segundo lugar, a referida mundialização foi profundamente caracterizada pela
expansão inaudita do capital financeiro extremamente concentrado e centralizado. O
capital financeiro configurou, por meio das dívidas internas e externas, a principal forma
de transferência de mais-valia e renda dos Estados que compõe a periferia e a semi-
periferia capitalista para os Estados que compõe o centro capitalista, em especial os
Estados Unidos.
O capital financeiro configurou, ainda, uma dinâmica de reprodução circunscrita
dentro da esfera financeira, isto é, sem necessariamente interagir de forma subordinada
com o capital produtivo, como de fato ocorreu no início da industrialização, no final do
século XVIII e no estabelecimento do capitalismo monopolista no final do século XIX. O
capital financeiro procura, atualmente, compartilhar/disputar com o capital produtivo a
maior cota da mais-valia e renda socialmente produzida, seja na forma: de controle que
exerce sobre o fundo público por meio da dívida pública; de financiamento da expansão
mundializada do capital monopolista/oligopolista; de especulação em torno de ações e
títulos nas bolsas de valores; ou ainda das dívidas externas dos Estados.
A expansão, sem precedentes, das operações de capital que conserva a forma
especulativa (monetária) e se valoriza por apropriação de parte dos rendimento do capital
produtivo (produtor de valor e mais-valia), sem sair da esfera financeira, revela um grau
extremado do fetichismo das relações sociais do capitalismo contemporâneo. Marx havia
2
Ricardo Antunes utiliza o conceito “a-classe-que-vive-do-trabalho” para expressar os diversos tipos de
trabalhadores que passaram a compor o mundo do trabalho, desde a elaboração de O Capital de Karl Marx.
11
identificado a tendência histórica de parasitismo do capitalismo, em especial pelo
advento/expansão do capital especulativo. Segundo ele (Marx apud Chesnais, 1997, p.
18),
Embora não seja senão uma parte do lucro, isto é, da mais-valia que o capitalista ativo extorque do
operário, o juro aparece agora [...] como o fruto propriamente dito do capital; inversamente, o lucro,
que toma a forma de lucro de empresa, aparece como um simples acessório adicional, que é
acrescentado durante o processo de reprodução.
A forma fetichizada do capital e a representação do fetiche capitalista atingem aqui a sua
apresentação mais acabada. A fórmula D-D’ representa a forma sem conteúdo do capital, a
inversão e a materialização das relações de produção elevadas à máxima potência: a forma
produtora de juro, a forma simples do capital em que ele é a condição prévia de seu próprio
processo de reprodução; a capacidade do dinheiro, ou da mercadoria, de multiplicar o seu próprio
valor, independentemente da reprodução, é a mistificação capitalista em sua forma mais brutal.
É, portanto, no capital portador de juros que esse fetiche automático está claramente exposto: valor
que se valoriza a si mesmo, dinheiro que engendra dinheiro; nessa forma, ele deixa de carregar as
marcas de sua origem.
O capital financeiro passou a ser defendido por poderosas instituições financeiras
internacionais (FMI, BIRD etc) e por Estados hegemônicos na ordem internacional, em
especial os Estados Unidos.
Em terceiro lugar, a referida mundialização foi acompanhada da reestruturação
produtiva. O processo de reestruturação produtiva consistiu, de um lado, na revolução
tecnológica baseada na automação, nos microcomputadores e nos novos materiais.
Portanto, um novo padrão tecnológico intensificador da produtividade do trabalho foi
incorporado nos setores produtivos e de serviços. De outro lado, o processo de
reestruturação produtiva provocou a implementação de novos métodos de gestão em
substituição e/ou hibridagem com o método fordista de produção. Portanto, uma busca
pela intensificação do trabalho em termos quantitativos – trabalhadores produzem mais
aceleradamente e ampliando atribuições – e qualitativos – trabalhadores produzem sob
competências e habilidades novas, mais complexas e diversificadas.
A reestruturação produtiva proporcionou aspectos como a ampliação da mais-valia
relativa e, também, da absoluta, o que, objetivamente, reduziu o custo do capital variável
na composição do capital. Todavia, proporcionou também aspectos como o desemprego
estrutural, a flexibilização do mercado de trabalho, a subcontratação, a perda de direitos
trabalhistas.
A fase atual da mundialização do sistema do capital, em que pese a inexistência de
qualquer tipo de sistema competidor ou desafiador, em escala internacional, tenderá a
coexistir com formas de crescente resistência nascidas do mundo do trabalho em escala
12
local, regional, nacional e internacional. Tal tendência encontra-se esboçada em
decorrência da queda das ilusões e das máscaras do denominado “socialismo real” e da
social-democracia, que, de fato, inicialmente representavam formas não capitalistas que
foram, progressivamente, se subordinando ao controle do sistema do capital, e da
liberdade de ação desse sistema e do seu sistema sócio-metabólico, que tem acirrado o
caráter explorador, destrutivo e parasitário do capital.
2.3. A mundialização do sistema de capital e o Estado
O sistema do capital, que também se expressa como unidade diferenciada e
hierarquizada no plano da economia mundial, determina relações de rivalidade, de
dominação e de dependência política entre os Estados.
Primeiramente, porque os Estados fazem parte do sistema do capital, conforme
evidencia o caráter do Direito (leis, instituições e magistratura) e do Burocratismo (aparato
administrativo, modus operandi e burocracia). O Estado converte-se num pressuposto
político-jurídico e ideológico do domínio do sistema do capital.
Em segundo lugar, porque o Estado converteu-se num instrumento sem o qual a
acumulação de capital, na fase monopolista/oligopolista, não pode se realizar. As
compras públicas, o financiamento público, a dívida pública, as leis de controle do
trabalho são exemplos e testemunhos do papel (e a quem serve este papel)
desempenhado pelo Estado na atualidade.
Em terceiro lugar, porque o Estado cumpre o papel de organizador das relações de
rivalidade, de dominação e de dependência política no sistema de Estados. Ao definir a
hierarquia entre os Estados, define a posição de cada país no que tange aos capitais
especulativos, produtivos e comerciais, isto é, como dominantes (centrais) ou como
dominados (periféricos e semi-periféricos) no âmbito da referida hierarquia.
O realce assumido pelo Estado na fase monopolista/oligopolista do capital e que foi
aprofundado em face das novas realidades, permitiu aos Estados Unidos conhecerem
uma expansão inaudita da sua hegemonia nos anos 80 e 90 do século XX.
Primeiramente, assumiram uma posição privilegiada no plano internacional como única
superpotência militar do planeta, à medida em que se encaminhava a crise agônica e o
fim da União Soviética. Em segundo lugar, converteram-se no centro do capital financeiro
internacional. As maiores corporações financeiras e a base financeira do FMI e do Banco
Mundial compõe o dominante capital financeiro especulativo e parasitário norte-
13
americano. Agregado a este capital, os Estados Unidos concentram as maiores
corporações produtivas e comerciais do planeta.
Os Estados Unidos possuem a capacidade de estabelecer regras de jogo sobre as
quais eles possam vencer e quebrar essas mesmas regras de jogo sobre as quais eles
possam perder, unilateralmente. Esta capacidade advém do padrão dólar, do domínio dos
organismos econômicos internacionais e da superioridade bélico-militar.
2.4. A crise de acumulação do capital
A reação do capitalista em face de outro capitalista o obriga a intensificar o trabalho
e aumentar o rendimento por meio de novos equipamentos tecnológicos. O aumento do
custo do capital devido à elevação do capital constante é compensado pela redução dos
custos do capital variável, pelo aumento da escala de produção e pela elevação da
“qualidade” da mercadoria. Mas os preços das mercadorias dificilmente poderão ser
conservados, em decorrência dos demais capitalistas que, obrigatoriamente, terão que
seguir o mesmo exemplo, o que determina uma redução do custo médio das mercadorias
em função das disputas no mercado.
Esta tendência, em face da automação e da informática e dos novos métodos de
gestão da produção que gera o desemprego estrutural e que reduz a capacidade de
resistência do trabalho em face do capital, tem levado a uma queda da renda da família
média que vive de salários e dos pequenos proprietários urbanos e rurais. Agrega-se a
este quadro a transformação de uma parte importante da classe trabalhadora do planeta
em lumpem-proletário, isto é, em contingentes de trabalhadores que compõem
marginalmente, ou mesmo sequer compõem, o exército industrial de reserva. São os 2,8
bilhões de pessoas que se encontram na linha de pobreza e/ou miséria absoluta
(desqualificados, desempregados e degradados) em todo o mundo e que se transformam
em superpopulação relativa para o capital.
Esta realidade nos ajuda a entender um aspecto central da crise de acumulação
atual. O contínuo aumento da mais-valia em sua dimensão relativa, oriundo dos
investimentos de capital constante na forma de equipamentos tecnológicos mais
sofisticados, pressiona para a redução dos custos do capital variável (salários) na
composição orgânica de capital. A elevação dos custos do capital, constante na
composição orgânica de capital, tem ocorrido mais rapidamente não apenas devido à
elevação dos custos da nova tecnologia, mas também devido ao ciclo de renovação
14
tecnológica ter sido reduzido pela competitividade globalizada. Estes custos têm se
apresentado extremamente elevados, mesmo quando os custos de capital variável tem
sido rebaixados, por meio da eliminação de direitos e conquistas dos trabalhadores.
Os problemas que decorrem imediatamente da crescente composição orgânica do
capital agravam os problemas ligados à realização do valor. O fosso que separa o
mercado real do mercado potencial de consumo de mercadorias e serviços tem se
ampliado. Observamos, atualmente, o crescimento dos contingentes de trabalhadores
(empregados, industrial de reserva e superpopulação relativa) que vivem uma retração do
consumo de mercadorias e serviços.
Este quadro foi agravado pela brutal concorrência inter-imperialista. Esta
concorrência intensificou sobremaneira a concorrência unidade capitalista versus unidade
capitalista, a concorrência entre unidades capitalistas no âmbito nacional e a concorrência
entre unidades capitalistas no âmbito internacional, de forma a turbinar os processos
acima descritos.
As pressões do capital financeiro internacional agravaram o quadro. Capital este
que subtrai parte do seu lucro do lucro do capital produtivo, de forma direta (financiamento
do capital produtivo por parte do capital financeiro) e de forma indireta (dívida pública que
vilipendia o fundo público para cuja composição também concorrem políticas fiscais que
atuam sobre o capital produtivo) além, é claro, do artificialismo monetário especulativo,
isto é, do lucro especulativo sem mediações produtivas e públicas.
Este contexto foi determinante no estabelecimento de uma curva descendente na
taxa de acumulação do capital. Esta curva teve início anteriormente a 1974/75, isto é, à
crise do petróleo e à conseqüente elevação dos custos gerais de produção e de capital e
à crescente resistência dos trabalhadores europeus a intensificação da acumulação
mediante a redução de salários, conquistas e direitos. A queda da taxa de acumulação do
capital somente apresentou uma certa estabilização nos anos 90, mas, ainda assim,
conservando uma taxa de queda média de 2% (Chesnais, 1997, p. 19).
Os capitalistas de cada grupo industrial e de cada país, bem como os Estados,
visto que também integram o sistema do capital, encontravam-se pressionados pela crise.
Encontravam-se pressionados, ainda, pela estagnação da demanda em termos absolutos
– isto é, pela estagnação da demanda geral - e pela retração da demanda em termos
relativos – ou seja, pela capacidade produtiva ampliada que, todavia, convive com um
elevado coeficiente de ociosidade.
15
2.5. Acumulação de capital e economia armamentista
A economia armamentista, em especial nos Estados Unidos, assumiu proporções
imprevistas no pós guerra e se conserva no pós Guerra Fria. Ela absorve atualmente
entre 20% e 30% dos pesquisadores, cientistas e engenheiros, compromete dois terços
da totalidade do orçamento destinado à pesquisa, absorve em torno de 50% do
orçamento público federal, gera um faturamento anual de 1 (um) US$ trilhão e emprega,
direta e indiretamente, 15 milhões de pessoas (Coggiola, 1996, p. 204-206).
A economia armamentista é o maior responsável pelo desenvolvimento tecnológico
nos Estados Unidos. Se é fato que desde o final do século XIX, com o advento do
capitalismo monopolista, ocorreu um desenvolvimento correlacionado entre tecnologia
bélica e tecnologia civil no mundo capitalista, não é menos verdade que no pós-Segunda
Guerra, a tecnologia bélica antecipou e, na maioria dos casos, determinou o
desenvolvimento da tecnologia civil. Soluções tecnológicas como circuitos integrados,
supercondutores, satélites, aviões, diversos tipos de alimentos industrializados, surgiram
quase sempre dos programas bélicos dos Estados Unidos. Somente após a sua
incorporação bélica é que foram gradativamente transportados para a tecnologia civil
dentro e fora dos Estados Unidos.
A economia armamentista concorreu, ainda, para a mistificação da ciência e da
tecnologia. Construiu-se uma ideologia que valoriza e fascina o poder de controle, de
previsibilidade, de cálculo e de exatidão. O que é complexo e o que é renovado
constantemente assumiu um papel sedutor, em contraposição ao que é simples e o que é
perene, passou a, quase sempre, ser desprezado.
Todo esse poderio econômico, social e ideológico é comandado, nos Estados
Unidos, por uma tríade composta por 48 grandes empreiteiras (que monopolizam 64% da
fabricação bélica mundial), pelo Pentágono e pela elite científica. O poder econômico da
referida tríade se prolonga para a esfera política, exercendo uma influência determinante
na mídia, no meio acadêmico e no Estado. A tríade compõe-se, em parte fundamental, do
bloco do poder e dos círculos hegemônicos nos Estados Unidos.
O governo norte-americano atua dentro de um estrito “keynesianismo militar”:
define quem, como e em qual direção inovar a tecnologia bélica; programa as
transferências dessa tecnologia para a tecnologia civil; transforma as aquisições militar
em instrumentos de políticas anticíclicas de estímulo à demanda e emprego com profundo
16
impacto em todas as cadeias produtivas; e tem nas exportações bélicas uma mercadoria
que atenua os desequilíbrios da balança comercial.
A mercadoria gerada pela economia armamentista proporciona a sua realização
como valor de troca, sem que, necessariamente, tenha que ser consumida. Quando
consumida, isto é, utilizada para destruir forças produtivas (consciência, força de trabalho,
estruturas econômicas e sociais, recursos naturais etc), é criadora de novas frentes de
expansão de capital, tendo em vista as reconstruções dos pós-guerras.
A economia armamentista, que assumiu uma posição estratégica na acumulação
da economia norte americana representa, ainda, um precioso instrumento imperialista. A
hiper-supremacia militar que ela proporciona aos Estados Unidos representa a espada da
hegemonia norte-americana sobre todos os demais países, isto é, uma ameaça a todos
aqueles que resistirem a abrir suas economias aos bens, serviços e capitais norte-
americanos; a dificultar o acesso norte-americano aos recursos naturais que o país
possui; e a cumprir os ‘contratos’ e ‘compromissos’ estabelecidos com o capital financeiro
norte-americano, na forma do pagamento das dívidas internas e externas.
A economia armamentista constitui-se, por sua vez, em uma fonte de desequilíbrio
fiscal do Estado norte americano e mobiliza fundos gigantescos cujos resultados
tecnológicos nem sempre podem ser absorvidos pela tecnologia civil. Todavia, as maiores
instabilidades econômicas estão relacionadas com a pressão sobre a taxa média de
lucros.
Conforme identificamos, a economia armamentista, ao se constituir em fator
impulsionador da economia capitalista para a mudança tecnológica, determina, ao mesmo
tempo, a elevação da composição orgânica do capital e a deterioração da proporção de
ganhos, em relação ao total do capital investido. Décadas de lucros continuados da
economia armamentista e a pronta oferta de tecnologia incorporada aos demais setores
da economia foram fatores responsáveis pelo declínio da média geral de lucros na
economia norte americana. Este fenômeno prolonga-se pelo conjunto da economia
mundial, visto que, com a mundialização globalizada e imperialista do sistema do capital,
todas as conquistas tecnológicas e os conseqüentes desdobramentos na composição
orgânica do capital, estendem-se de forma sistêmica, pelo conjunto do sistema.
17
2.6. Iniciativas de contratendências à crise de acumulação do capital
A reação à tendência de queda da taxa de acumulação do capital é uma
característica do sistema do capital. Atualmente ela tem assumido diversas formas.
Primeiramente, tem levado capitalistas e Estados a aumentar a intensidade e a
duração do trabalho e a baixar o preço da força de trabalho, a promover a precarização
do trabalho e o desemprego estrutural, bem como reduzir a participação dos
trabalhadores no orçamento público. Tal realidade representa, respectivamente, a
redução do capital variável na composição orgânica do capital e a ampliação do Estado,
como um instrumento da acumulação do capital por meio do vilipendiamento do fundo
público, de forma direta (dívida pública) e de forma indireta (financiamento).
Tal processo possui conseqüências graves no conjunto da sociedade. A erodização
das bases do trabalho representa um processo de erodização das bases da sociedade,
cujos desdobramentos se estendem da criação/expansão da população relativa do capital
à criminalidade e crise ético-moral.
Em segundo lugar, tem determinado um processo de intensa concentração de
capital. São aquisições e/ou fusões de empresas e grupos, mas que não pressupõe,
necessariamente, aumento do capital produtivo investido. A forma acima descrita, da
concentração de capital, se tornou uma maneira de o capital, suficientemente
concentrado, combater a queda da taxa média de lucro, absorvendo outras empresas, de
forma a reunir/integrar os mercados. Por outro lado, permite, eventualmente, integrar
alguns elementos da capacidade de produção e de pesquisa tecnológica dessas últimas,
mas desmantelando-as em grande parte.
Observa-se, ainda, que esta concentração tem assumido a forma de cartelização
econômica. Os grupos e empresas de capital produtivo e comercial têm buscado explorar
o poder econômico, resultante da sua própria dimensão, isto é, o poder de monopólio
(poder de produção e de controle de mercado) e o de “monopsônio” (poder de
comprador). Esta última característica tem se materializado em inúmeros acordos de
terceirização e de cooperação empresarial normalmente desigual, de forma a permitir o
surgimento das denominadas “empresas-rede”.
A empresa-rede é, de fato, uma empresa dominante que possui uma enorme
capacidade de se articular, incorporar e apropriar, pelo seu tamanho e poder de mercado,
da mais-valia e da renda criada coletivamente no seio de uma rede de empresas que
18
trabalham em conjunto. Isto evidencia que o caráter parasitário do capital não se reduz,
absolutamente, ao capital financeiro.
É importante realçar, ainda, que o fato da base fundamental do capital produtivo
encontrar-se na produção, não o impede de, também, se reproduzir como capital
financeiro, isto é, especulador, a exemplos dos bancos de propriedade de empresas e
grupos econômicos e como capital comercial, isto é, na distribuição/circulação das
mercadorias, a exemplo da comercialização on-line com o setor comercial das
corporações. O capital produtivo pode, também, tomar iniciativas como a emissão e
especulação com ações e títulos e a criação de instituições para financiar a demanda dos
bens por ele produzidos.
Em terceiro, tem desencadeado o aprofundamento do desperdício do capitalismo.
Para além do consumismo observa-se a redução da vida útil dos bens, denominada taxa
decrescente de utilização ou obsolescência programada dos bens. A redução da vida útil
dos bens, como um todo, ou de componentes substituídos dentro de uma programação,
reflete os problemas advindos da realização do valor (distribuição e consumo), o que tem
conduzido o sistema de capital a radicalizar o desperdício.
O desperdício na forma da taxa decrescente de utilização, ou obsolescência
programada dos bens, aprofunda os problemas da realização do valor, que, em princípio,
foi acionado para atenuar e/ou resolver. Isto porque a redução do ciclo de vida útil dos
bens, acompanhado do crescente valor agregado (custos tecnológicos elevados) aos
mesmos, impõe ao sistema do capital uma distribuição regressiva de rendas na
sociedade. Portanto, sob a manta da distribuição injusta de renda, há, de fato, a lógica
perversa do capital, da extração da mais-valia às condições politicamente criadas para a
realização do valor.
Em quarto lugar, a reação a tendência de queda da taxa de acumulação do capital
tem conduzido a uma crescente “presença” dos países centrais em regiões que possuem
recursos naturais que podem concorrer para a redução ao custo de reprodução do capital,
a exemplo das reservas de petróleo, de minérios estratégicos e de biodiversidade. Esta
“presença”, que pode assumir uma forma de domínio direto ou indireto, que se expressa
como assuntos da diplomacia, do direito e da guerra, nada mais representa do que
iniciativas do sistema do capital num contexto de crise de acumulação.
Em quinto, tem aprofundado o papel que a indústria armamentista e a guerra
ocupam no capitalismo. A indústria armamentista é, por excelência, a indústria do
desperdício, do valor de troca que se realiza sem que necessariamente tenha que ser
19
consumido. Indústria que, para tanto, exige que o Estado mobilize o fundo público para a
realização comercial dos seus bens, na forma do armamentismo, sob corrida bélica entre
os Estados ou não. A guerra, por sua vez, assegura novas frentes de reprodução do
capital sob a própria destruição de forças produtivas, bem como assegura o domínio do
mundo do trabalho e de povos, por parte do sistema do capital.
Enfim, a reação à queda da taxa de acumulação do capital assume diversas
formas. Todavia, são formas que, se de um lado, asseguram a continuidade da
reprodução do sistema do capital por meio do próprio aprofundamento da exploração, do
desperdício e da destruição, de outro aprofunda as próprias contradições sobre as quais
ele se reproduz.
2.7. Crise e tendência de incontrolabilidade do sistema do capital
Durante a fase da revolução industrial o capital produtivo foi capaz de subordinar o
capital comercial e o capital financeiro à lógica do capital produtivo. Atualmente
constatamos que o capital comercial, altamente concentrado, readquiriu a capacidade de
se colocar como rival do capital produtivo. Ele tem tido poder de determinar, em grande
medida, o tipo de produção de bens de consumo final, bem como de recolher uma parte
importante da mais-valia, mediante o controle eficaz do final da cadeia de realização do
valor (da distribuição ao acesso ao mercado). Constatamos, ainda, que o capital
financeiro, altamente centralizado, tende a se impor crescentemente sobre o capital
produtivo, de forma a controlar a sua reprodução a médio e, possivelmente, num futuro
não muito distante, a curto prazo. Abocanha, assim, uma gigantesca parcela da mais-valia
e do sobre-trabalho, socialmente produzido, e amplifica o fetiche ilusório de que o dinheiro
teria o poder de criar valor.
A mundialização do sistema do capital, sob a forma da concentração do capital
produtivo e comercial, da centralização do capital financeiro e da financeirização da
economia, tende a determinar a homogeneização dos ritmos de acumulação entre todas
as empresas e grupos econômicos. Este fenômeno se estende também por toda a
economia, por exemplo, dos países dominantes. De fato, o Japão perdeu seu ritmo de
acumulação e se aproximou da Europa, em especial, a partir de meados dos anos 90. Os
Estados Unidos, após os sete anos de ciclo econômico expansivo, em grande medida
artificial e especulativo - artificial porque não redefiniu a matriz tecnológica e energética e
porque se beneficiou da intensificação de consumo às custas de déficits comerciais e
20
públicos e do endividamento da família média norte-americana; e especulativo porque
maquiou o desempenho e faturamento de empresas, responsáveis pela ampliação
criminosa do valor patrimonial das empresas e grupos econômicos – convive com uma
queda do ritmo de crescimento econômico e com a tendência de nivelação com os ritmos
de crescimentos econômicos da Europa e do Japão.
A mundialização do sistema do capital tende a determinar, ainda, que as empresas,
grupos econômicos e países lancem mão de todos os instrumentos que possam atenuar a
tendência de queda dos ritmos de acumulação. Instrumentos que serão aplicados de
forma agressiva contra os trabalhadores, povos e países dependentes (periféricos e semi-
periféricos), visto que a própria tendência de homogeneização dos ritmos de acumulação,
entre todas as empresas, grupos econômicos e países dominantes, constitui, em si
mesmo, um fator intensificador da agressividade.
21
3. A RESISTÊNCIA À “NOVA ORDEM MUNDIAL”
Há razões bastante substanciais para a oposição
disseminada em todo o mundo contra a forma,
típica da globalização, de “direitos do investidor“
que vem sendo imposta.
Noam Chomsky
A proposição da “Nova Ordem Mundial” neoliberal e globalitária, sob hegemonia
dos Estados Unidos, cujos objetivos estratégicos eram buscar condições favoráveis para
aprofundar o domínio do sistema do capital sobre o mundo do trabalho e para superar a
crise de acumulação do capital, passou a orientar a agenda política internacional, de
forma definitiva, após a queda do leste europeu, a Guerra do Golfo e o fim da União
Soviética. Em contrapartida, passou também a enfrentar crescentes resistências em todo
o mundo, a partir de meados dos anos 90, do século passado.
Em primeiro lugar, países capitalistas centrais passaram a resistir a processos
como o avanço das forças econômicas dos Estados Unidos nos novos mercados por meio
da nova onda de mundialização das corporações e bancos norte-americanos; da
conservação de políticas protecionistas na economia norte-americana, em franca
contradição com a pressão que os Estados Unidos realizavam pela redução das barreiras
comerciais dos outros países; da imposição por parte dos Estados Unidos de acordos
comerciais amplamente favoráveis ao país do Tio San junto a países capitalistas
periféricos e semi-periféricos em prejuízo da Europa/Japão; da condução de espionagens
econômico-financeiras, por meio dos sistemas de comunicação/informação centrados nos
Estados Unidos viabilizando informações privilegiadas, favoráveis a empresas norte-
americanas, nas disputas de contratos comerciais etc.
Um segundo fator é o fato de os Estados Unidos passarem a enfrentar oposição de
países capitalistas semi-periférico como a Rússia, Índia, China e Brasil. Estes países
passaram, em que pese a variação de intensidade, a resistir aos processos como: o
protecionismo dos Estados Unidos; aos posicionamentos favoráveis a eles emitidos pela
Organização Mundial do Comércio (OMC); à pressão do Departamento de Tesouro dos
Estados Unidos no tocante à forma de gestão das dívidas internas e externas, dos países
devedores; à imposição, por parte do maior país da América, de concessões econômico-
comerciais em favor da economia norte-americana.
22
Um terceiro fator que determinou o enfrentamento de crescentes resistências à
Nova Ordem Mundial proposta pelos Estados Unidos foi a oposição de movimentos
sociais, a exemplo do movimento “antiglobalização neoliberal”, das diversas vertentes do
fundamentalismo islâmico, do movimento indígena/campesino de Chiapas. Estes
movimentos passaram a resistir a processos como a destruição de postos de trabalho nos
países periféricos e semi-periféricos, a desarticulação econômico-social de comunidades
locais, o avanço inaudito do padrão cultural, representado pelo “American way of life”.
23
4. CRISE DA “NOVA ORDEM MUNDIAL” E ORDEM MUNDIAL INDEFINIDA
Estados e capitais das grandes potências sempre
competiram entre si e atuaram como oligopólios
em relação aos adversários externos. Devido a
isso se transformaram em máquinas de guerra
para se reorganizarem como um novo super
capitalismo.
José Luís Fiori
A “Nova Ordem Mundial” deu sinais de crise no final dos anos 90. De um lado, em
decorrência da crescente resistência de países e dos movimentos sociais à referida
ordem mundial. De outro, em decorrência do comportamento político dos Estados Unidos
no âmbito das relações internacionais, caracterizado por uma crescente agressividade.
Servem como testemunhas os intensos bombardeios norte-americanos na “área de
exclusão militar” do Iraque em 1998; a presença norte-americana nos Bálcãs, por meio do
bombardeio da Iugoslávia e da ocupação militar da região do Kosovo pelas forças
multinacionais, lideradas pelas forças norte-americanas em 1999; o aprofundamento da
presença dos Estados Unidos no conflito da Colômbia; o ataque, ocupação e
estabelecimento de um Estado títere no Afeganistão, em 2001.
Silenciosamente os Estados Unidos (e os países e movimentos sociais que
assumem oposição à política externa norte-americana) terminaram por, se não enterrar os
referenciais que haviam orientado a criação da chamada “Nova Ordem Mundial”, colocá-la
- a Nova Ordem Mundial - em um plano de menor relevo. Tal processo assumiu maior
visibilidade no segundo mandato do governo Bill Clinton (1997-2000).
Todavia, foi com a chegada dos republicanos ultraconservadores ao governo -
com George W. Bush à frente - que o novo eixo estruturador da política externa dos
Estados Unidos ficou consolidado. Os elementos que assumem centralidade no referido
eixo estruturador dessa política são o unilateralismo flexível – que permite a
materialização da ação política, por meio da opção da prática de supremacia, isto é, de
uma política na qual os interesses e metas dos países subordinados encontram pouco
espaço de convergência, negociação e pactuação em relação aos interesses e metas
norte-americanas – e a lógica da força – que desloca a lógica da persuasão/consenso em
favor de uma lógica estrita de força (coação e violência), na medida em que tal prática
encontra-se coerente com a opção da prática política de supremacia.
24
Esse novo eixo passou a perseguir dois objetivos políticos. O primeiro deles foi
impedir a formação e/ou consolidação de centros de poder que poderiam vir a ameaçar os
interesses norte-americanos. Isto significa a tentativa de repor a condição de única
superpotência em escala internacional e a de afirmar a sua hegemonia em escala
regional, respectivamente, em relação aos demais países de capitalismo central (em
particular França e Alemanha que lideram a Europa Unificada e Japão) e em relação aos
países de capitalismo central e semi-periférico. O segundo objetivo perseguido foi
preparar-se para recorrer a todos os instrumentos de força à sua disposição para alcançar
essas metas – inclusive a utilização ofensiva de armas nucleares.
O novo eixo estruturador da política externa dos Estados Unidos assumiu
contornos mais precisos, após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nas
duas torres gêmeas, que compunham o World Trade Center, e no Pentágono e que
culminou com a intervenção armada norte-americana no Afeganistão. Após o governo dos
Estados Unidos realizar o estabelecimento da ligação do regime político fundamentalista
islâmico, sustentado pelas milícias Taleban, no Afeganistão, com a rede terrorista Al
Qaeda, suposta articuladora dos referidos atentados, ele permitiu a construção do fato
político necessário para que os ensaios do novo eixo estruturador da política externa dos
Estados Unidos, presentes na recusa em assinar o protocolo de Kyoto, na retirada da
conferência contra o racismo em Durban e na retomada do projeto “Guerra nas Estrelas”,
pudesse apresentar uma materialização exemplar e justificável.
No plano externo, o novo eixo de política externa dos Estados Unidos assumiu
como suas características:
a) a transformação da chamada “guerra contra o terrorismo” no tema dominante da
sua política externa;
b) a definição imprecisa do que venha a ser “terrorismo”, “terroristas” e “guerra contra
o terrorismo”, de forma a permitir a contínua “eleição” de novos alvos, segundo a
conveniência política do momento;
c) a indefinição do período de duração da campanha de “guerra contra o terrorismo” e
a afirmação unilateral de que ela será prolongada, o que redefine o conceito de
guerra e coloca sobre o mundo a “espada de Dâmocles” norte-americana, a única
potência que se acha capaz de definir o que venha a ser “terrorismo”, “terroristas” e
“guerra contra o terrorismo” ;
25
d) a construção de “coalizões” internacionais em torno dos objetivos geopolíticos dos
Estados Unidos, de forma a estabelecer alianças e parcerias ad hoc pontuais e
seletivas, construídas por meio de acertos bilaterais, segundo as prioridades
variáveis da sua agenda externa, de um lado, e de outro, a sacrificar a
consolidação de um sistema multilateral de segurança coletiva;
e) a territorialização das ações militares, isto é, a retomada dos objetivos geopolíticos
de controle direto (econômico e militar), indireto (econômico e político) e misto
(econômico, político e militar) de povos e países, de forma que recuperam
modalidades de domínios territoriais referenciados no imperialismo do final do
século XIX e início do século XX, a exemplo da ocupação político-militar do
Afeganistão pelos Estados Unidos e forças aliadas e da recente ocupação político-
militar do Iraque, pelas forças anglo-americanas, com a formação,
respectivamente, do governo títere de Karzai, e do governo militar/civil de norte-
americanos e elites iraquianas;
f) a materialização de ações político-diplomáticas e militares na forma de uma
“cruzada” pseudo laica entre o “bem”, a “democracia”, a “civilização” contra,
respectivamente, o “mal”, a “tirania”, a “barbárie”, tão bem representada pela
célebre frase do presidente norte-americano George W. Bush, segundo o qual
“quem não está conosco esta contra nós”.
No plano interno, o novo eixo de política externa dos Estados Unidos assumiu
como suas características:
a) a redefinição da estratégia de segurança nacional, com a restrição dos direitos e
liberdades civis dos cidadãos norte-americanos em geral;
b) o controle eletrônico ostensivo por parte do aparato de segurança sobre a esfera
privada e a autorização para a violação de correspondência dos cidadãos norte-
americanos ou estrangeiros residentes nos Estados Unidos;
c) a autorização para a condução de prisões e interrogações de cidadãos
estrangeiros sem acusação prévia e mesmo sem qualquer prova de envolvimento
com o “terrorismo” ou mesmo com “agressores” dos interesses norte-americanos;
d) o julgamento de militares norte-americanos somente será realizado por tribunais
militares norte-americanos;
26
e) o controle de massas com repressão às manifestações de movimentos e
organizações norte-americanas contra a política externa dos Estados Unidos, a
exemplo da repressão ao protesto contra a guerra, no último dia 15 de fevereiro de
2003, em Nova York.
27
5. DETERMINANTES IMEDIATAS DO NOVO EIXO DE POLÍTICA EXTERNA DOS
ESTADOS UNIDOS
O direito internacional deve ser obedecido sempre
que possível; mas a ação unilateral se justifica
sempre que necessária para garantir os
interesses.
Bill Clinton
O novo eixo de política externa dos Estados Unidos possui determinantes mediatas
e imediatas. As determinantes mediatas são as determinantes profundas, correlacionadas
com a reposição do domínio do capital sobre o mundo do trabalho e a crise de
acumulação de capital, conforme já identificamos. As imediatas são as formas concretas e
próximas assumidas pelas determinantes mediatas, no período e/ou conjuntura histórica.
Identificá-las nos permite compreender melhor o terreno a partir do qual o referido eixo se
construiu, bem como compreender as contradições e tendências do mesmo.
5.1. Crise recessiva, desemprego e eleições
A recessão mundial possui, como uma das suas raízes, o processo de valorização
artificial de ativos financeiros. Processo esse que vem se desenvolvendo desde o início
dos anos 80, sob a pressão de ideólogos e de especuladores de organismos financeiros
internacionais como FMI e Banco Mundial, quando foram sendo eliminadas as
regulamentações que controlavam e segmentavam o mercado financeiro.
A globalização e a liberalização de capitais construiu uma economia mundial mais
interdependente e caracterizada pelo parasitismo e pela especulação financeira. Os riscos
de “contaminação” nas crises capitalistas, isto é, os riscos de crises capitalistas
sistêmicas, aumentaram.
Os sete anos de prosperidade do governo Bill Clinton legaram um endividamento
das famílias médias norte-americanas. Durante o governo Clinton a renda familiar foi
elevada e os juros ficaram baixos. A família média norte-americana intensificou o
consumo e adquiriu títulos e ações, negociadas nas bolsas de valores dos Estados
Unidos. Com rendas familiares robustas e as ações e títulos aquecidos, o peso da dívida
privada familiar ficou relativizada.
Todavia, com a chegada da recessão vieram o desemprego, a renegociação de
contratos de trabalho desfavoráveis aos trabalhadores, a redução da participação nos
28
lucros e prêmios produtivos, o que reduziu a renda familiar. A ação anti recessiva do
Federal Reserve (FED), por meio da redução dos juros, aliviava-se o crescimento relativo
da dívida privada familiar, mas não em termos absolutos, visto que o montante ficou
demasiadamente elevado. Por outro lado, os escândalos envolvendo a maquiagem de
faturamento das corporações econômicas, em especial da chamada “nova economia”,
jogaram por terra o valor patrimonial das empresas e, por conseqüência, das suas ações.
Isto representou um golpe na economia privada familiar, com uma redução da riqueza
patrimonial, um intenso endividamento da família média norte-americana e uma queda da
renda familiar. George W. Bush assumiu o governo nesse contexto.
O governo George W. Bush tem buscado mostrar aos norte-americanos que está
preocupado com a economia, tanto quanto está preocupado com a “guerra contra o
terrorismo”. Em diversas oportunidades tem abordado o problema da recessão e se
comprometido em atacar o desemprego.
As questões da recessão e do desemprego constituem-se em temas sensíveis
politicamente, em qualquer processo eleitoral de massas. Todavia, ocupam uma
sensibilidade ímpar na atual realidade política dos Estados Unidos, visto que este tema
desperta mais atenção dos norte-americanos do que a própria guerra.
Isso é conseqüência das fraturas políticas entre republicanos e democratas. Estas
fraturas fizeram-se presentes nas articulações e tentativas de impeachment, conduzidas
pelos republicanos contra o ex-presidente Bill Clinton. Fizeram-se presentes, ainda, na
vitória de George W. Bush com evidências de manipulações e fraudes, conduzidas por
seu irmão e governador do Estado da Flórida, já que foi a vitória eleitoral naquele estado
que garantiu, ao então candidato, uma pequena maioria no colégio eleitoral que o tornou
presidente. O consenso construído atualmente em torno da “guerra contra o terrorismo”,
que parece se constituir em uma política de estruturas profundas, isto é, em política de
Estado e não de governo, não atenuará as contradições entre republicanos e democratas,
salvo em conjunturas de maior tensão provocadas pela política externa dos Estados
Unidos.
Outra conseqüência é o fato de a composição da câmara dos deputados e do
senado, do país em questão ter se constituído sob um empate técnico entre republicanos
e democratas. O que significa que as iniciativas parlamentares e a tramitação de projetos
e/ou projetos-lei conduzidos pelo executivo tenderão a encontrar grandes resistências nas
duas casas do congresso norte-americano, em especial no que tange à redução fiscal, em
favor de empresas e grandes fortunas e à orçamentária, em prejuízo de programas
29
sociais (mas em favor da ampliação de investimentos no setor militar e na segurança
interna).
Uma terceira conseqüência determina que esta realidade é intensificada pela
seqüência de eleições legislativas, que anualmente ocorrem em diferentes Estados da
federação. Isso significa que se trata de um sistema político-eleitoral no qual as eleições
não dão descanso e cada conjuntura poderá ser explorada eleitoralmente de forma mais
imediata, com significativo impacto na composição das forças sociais e políticas do
congresso dos Estados Unidos.
E, por fim, as questões de recessão e desemprego despertam tanto a atenção dos
norte-americanos visto que ainda está presente o destino político sofrido pelo governo de
George H. Bush no início dos anos 90, quando elevada popularidade obtida com a Guerra
do Golfo compartilhava a conjuntura como o início de uma grande recessão. Ao término
de dois anos essa recessão havia arrasado com a popularidade que o então presidente
acumulara com a guerra e conduzia os democratas, com Bill Clinton à frente do governo,
por dois mandatos. De outro lado, é ainda forte as lembranças do ciclo econômico
virtuoso de sete anos de prosperidade e crescimento econômico, vividos nos governos
democratas de Bill Clinton, o que representa um fantasma sob a gestão republicana.
Enfim, a continuidade da recessão pode provocar em uma parte importante do eleitorado -
menos ideológico e mais sensível ao humor variável das taxas de emprego e
comportamento da renda familiar - uma correlação entre os democratas, que podem
passar a ser reconhecidos pelos eleitores como privilegiadores do crescimento
econômico, do emprego e da expansão da renda familiar, e os republicanos, como
privilegiadores dos gastos militares, dos assuntos externos e dos ricos.
A “guerra contra o terrorismo” interessa ao governo republicano de George W.
Bush como um bode expiatório internamente ao país para escamotear: a recessão e seus
efeitos; a redução dos impostos sobre lucros das grandes empresas e grandes fortunas; o
aprofundamento do controle do Estado sobre a população civil, entre outros fatores.
Todavia, a eficácia desta iniciativa depende, em grande medida, da capacidade desse
governo de administrar sua tênue necessidade “preparar” os norte-americanos para novas
ameaças terroristas, sem aterrorizá-los em demasia, de maneira a preservar o apoio
político-eleitoral, de um lado, e de construir a idéia de que o que se faz agora – guerra e
domínio direto e indireto norte-americano em regiões estratégicas – seria um preço a ser
pago para um futuro de paz e prosperidade sem que os sacrifícios sejam demasiados, de
outro.
30
5.2. Estados Unidos e o petróleo
A busca do controle de parte das maiores reservas de petróleo do planeta é o que
norteia a política estratégica dos Estados Unidos nas regiões do Golfo Pérsico e da Ásia
Central. A guerra contra o Afeganistão, que não é produtor de petróleo, decorreu da sua
localização estratégica para a exploração do precioso bem, na região da Ásia Central por
ser um país de passagem entre o Oriente Médio e a Ásia Central. A mais recente guerra
contra o Iraque, que produz atualmente 10% do tão disputado combustível no contexto
mundial, já decorre da necessidade de controle direto dessas reservas.
Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 serviram como pretexto para
que os Estados Unidos realizassem uma intervenção militar nas regiões do Golfo Pérsico
e da Ásia Central, como parte da criação das condições geopolíticas para o controle de
parte das maiores reservas de petróleo do planeta. A viabilidade desta estratégia depende
da construção de sólidas bases militares nas referidas regiões.
Os Estados Unidos são os maiores consumidores de petróleo e encontram-se
fortemente dependentes da sua importação. O país possui 4,2% da população mundial,
produz 9,8% do petróleo mundial, mas consome 25,6% do mesmo (Fonte: ENI, 2001.).
O orçamento de petróleo dos Estados Unidos é de aproximadamente 200 bilhões
de dólares anuais. Os gastos militares atuais, próximos dos US$ 400 bilhões, também
compõem, indiretamente, os gastos demandados para assegurar o controle de parte das
maiores reservas petrolíferas do planeta.
A Lei de Política Energética dos Estados Unidos de 1992 instituiu estoques
estratégicos para garantir o funcionamento do sistema econômico, em caso de uma
interrupção das rotas e fluxos de petróleo, de forma que o governo teria um espaço de
tempo para agir. Concluída a desobstrução, via militar ou não, as rotas e fluxos de
transporte do mesmo e do acesso aos campos de produção do combustível, em especial
do Oriente Médio, estariam assegurados.
Os estoques estratégicos norte-americanos representam 2,8% das reservas
estocadas no mundo, o que garantiria o seu consumo por apenas quatro anos. Portanto,
este seria o espaço de tempo para o país agir.
Os Estados Unidos, a exemplo da Europa e do Japão, dependem do acesso
permanente aos recursos petrolíferos de outras regiões, especialmente do Oriente Médio.
O modo de produção e de acumulação do capital opera sob uma economia do consumo e
31
do desperdício, cuja matriz energética ainda hoje são os combustíveis fósseis. O petróleo
encontra-se, portanto, no centro das relações de acumulação do capital.
O maior ou menor custo para o acesso às concorridas reservas ao petróleo pode
também determinar modificações no desenho político-econômico dos países de
capitalismo central, visto que esse acesso compõe o custo de reprodução do capital. A
elevação do custo do petróleo para a Europa e o Japão, em decorrência da posição
favorável dos Estados Unidos no que se refere ao controle do mesmo pode elevar custos
de produção e de comercialização na Europa e no Japão em relação aos Estados Unidos,
reduzir a competitividade industrial/comercial e, no limite, reduzir a taxa de acumulação do
capital no conjunto da economia deste continente e deste país. As bases sobre as quais
estão assentadas a acumulação do capital, por exemplo, o custo energético, pode
determinar a erosão, conservação e fortalecimento de hegemonias. Portanto, o custo do
petróleo ou o valor econômico que ele representa numa dada conjuntura não reflete em
absoluto o papel estratégico na reprodução do capital. Não considerar o papel que o
“objeto do desejo” ocupa nas relações políticas e, em especial nos conflitos e guerras, é
omitir cinicamente a sua profunda importância no processo de reprodução do capital.
Em que pese o papel que o petróleo ocupa no processo de redução do capital e o
custo para a sua extração, transporte beneficiamento, o seu preço é definido em termos
que ultrapassam a dimensão econômica imediata, isto é, ele é, em grande medida,
político. Representa a síntese momentânea da correlação de forças – relações inerentes
ao mercado cartelizado, a estratégias e pressões corporativas, ao poderio militar – dos
interesses envolvidos na apropriação de sua renda e de seus benefícios. Interesses que
podem ser de empresas, grupos econômicos e Estados.
Os principais produtores de petróleo do mundo em milhões de barris/dia são: 1º
Arábia Saudita: 8,5; 2º Estados Unidos: 8,1; 3º Rússia: 7; 4º Irã: 3,8; 5º México: 3,6; 6º
Noruega: 3,4; 7º China: 3,3; 8º Venezuela: 3,1; 9º Canadá: 2,7; 10º Emirados Árabes
Unidos: 2,6 (Fonte: ENI, 2001).
As maiores reservas comprovadas de petróleo em bilhões de barris se encontram
nos seguintes países: 1º Arábia Saudita: 262; 2º Iraque: 113; 3º Emirados Árabes Unidos:
98; 4º Kuwait: 97; 5º Irã: 90; 6º Venezuela: 78; 7º Rússia: 49; 8º Líbia: 30; 9º México: 27;
10º Nigéria: 24. Mas, segundo as fontes esses dados podem ser superiores (Fonte: ENI,
2001).
A ação militar sobre o Iraque, a exemplo da ação militar sobre o Afeganistão,
poderá desencadear oscilações nos preços, em especial no contexto de uma resistência
32
civil-popular à ocupação. Historicamente os picos de preços do petróleo sempre foram
acompanhados por crises político-militares no oriente médio. Mas os instrumentos de
regulação político-econômico-militar dos Estados Unidos e da Europa poderão manter os
seus valores dentro de faixas toleráveis aos seus próprios interesses.
Os Estados Unidos, que produzem 40% e importam 60% de todo o petróleo que
consomem, têm, portanto, na questão deste combustível um tema estratégico da sua
política externa. Tal importância é amplificada em face da distante realidade da transição
para uma outra matriz energética e do lobby das grandes corporações petrolíferas norte-
americanas junto às políticas de Estado e governamentais daquele país. Esta realidade
tenderá a assumir um sentido dramático à medida em que nas próximas duas ou três
décadas o progressivo esgotamento da produção de petróleo venha a elevar o preço
deste combustível, com intensas repercussões no custo de capital, no desequilíbrio
financeiro dos países, nas disputas por regiões produtoras – a exemplo do que foi o
conflito Irã versus Iraque. Este quadro poderá apresentar desdobramentos que estreitem
ainda mais a taxa média de acumulação de capital.
A presença de 65% das reservas mundiais de petróleo na região do Golfo Pérsico
colocou-a no centro da geopolítica internacional. Enquanto os Estados Unidos dependem
de 60% de importações de petróleo, a Europa depende de 68%, e o Japão, de 98%
(Fonte: ENI, 2001).
5.3. A importância estratégica do Iraque
O Iraque despertou atenção especial dos Estados Unidos. Isso não decorreu
apenas do fato daquele país não se encontrar sob a batuta política deste, contrariamente
a outros países árabes títeres da região. Há de se considerar a assinatura de pré-
contratos de exploração de petróleo entre empresas chinesas, francesas e russas e o
governo iraquiano.
Há de se considerar, também, a transformação do Euro em moeda de referência
entre as transações econômicas envolvendo Europa e Iraque, de forma a afastar os
Estados Unidos/Dólar das relações econômicas em favor da Europa/Euro e da alternativa
e oportuna político-econômica que tal medida representaria em termos da construção de
uma influência direta crescente da Europa sobre o Iraque. Tal processo representaria um
espaço de influência política e econômica que tenderia a se estender sobre grande parte
da região.
33
A ocupação político-militar norte-americana do Iraque, ou a sua transformação em
um Estado títere visa, de um lado, ao controle direto sobre a produção e as reservas de
petróleo deste país. De outro, visa a afastar a Europa da região do Golfo Pérsico e do
Oriente Médio, e/ou submeter a sua presença a um papel de coadjuvante político e
econômico de menor importância e subordinado aos Estados Unidos.
Esta economia política do petróleo nos ajuda a compreender o caráter da maioria
dos regimes políticos dos países produtores deste combustível. Estes regimes políticos
não primam pelos princípios da democracia e dos direitos humanos, pelo contrário
sustentam-se, como tais, pelos países de capitalismo central, em especial pelos Estados
Unidos, Inglaterra, França e Alemanha.
5.4. A indústria bélica dos Estados Unidos
A indústria bélica dos Estados Unidos fatura anualmente US$ 1 trilhão, compõe
uma profunda cadeia produtiva que emprega milhões de trabalhadores e tem se
constituído em um dos instrumentos da manutenção no poder de governos títeres e
autoritários. A cruzada de Bush, portanto, pode ser entendida, também, por este viés,
visto que a indústria armamentista é um dos segmentos econômicos que ganhará com a
guerra de Bush.
A “guerra contra o terrorismo” e a defesa da nação são apresentados como as
principais missões do governo George W. Bush. Tais missões, que podem ser
sintetizadas como a defesa do país, demanda custo, o que foi utilizado para justificar a
aprovação para 2003 do maior orçamento militar das duas últimas décadas (US$ 379
bilhões) e da duplicação do orçamento para segurança doméstica (US$ 38 bilhões).
O corte nos impostos (redução fiscal) e o aumento dos gastos militares, que
cumprem papel destacado no contexto da crise de reprodução do capital, representam
também pagamentos feitos pelo governo Bush às grandes corporações econômicas, em
especial à indústria bélica, que financiaram boa parte da sua campanha eleitoral. Todavia,
o governo Bush tenta mascarar esta realidade quando, de um lado, tenta relacionar a
busca pelo crescimento econômico com a “guerra contra o terrorismo” e, de outro, tenta
atribuir o déficit fiscal público aos custos da guerra “necessária”, escamoteando a
importância que a própria redução fiscal, promovida por ele, cumpriu neste quadro.
34
A indústria bélica é, ainda, um instrumento econômico tendo em vista a superação
da recessão econômica dos Estados Unidos, segundo uma espécie de “keynesianismo”
militar, conforme já observado.
5.5. Protecionismo econômico
Os Estados Unidos têm pregado a abertura econômica e tem sido o mais
protecionista dos países. Tem usufruído do apoio da Organização Mundial do Comércio
(OMC), no que tange aos temas por eles apresentados para a apreciação, disputa e
julgamento. As medidas protecionistas podem determinar uma variação de 8 a 30% dos
custos de importação.
A Lei Farm Bill prevê subsídios para o setor agropecuário dos Estados Unidos de
US$ 180 bilhões de dólares nos próximos dez anos. Esta lei interferirá profundamente no
mercado agrícola internacional de bens agropecuários, porque determinará menor preço,
dentro e fora do país, para os bens agropecuários de maior produção no mercado
mundial. Isto porque os Estados Unidos são os maiores produtores de bens
agropecuários como soja, trigo, milho e carnes.
Tal realidade provocará a queda de preços de produtos agrícolas em todo o
mundo, como também provocará problemas no âmbito do emprego, do balanço de
pagamento, do comércio e do equilíbrio fiscal em países periféricos e semi-periféricos,
como o Brasil. Agregam-se aos subsídios para o setor agropecuário, aspectos como as
leis sanitaristas e as pressões comerciais e financeiras dos Estados Unidos, que também
concorrerão para uma radicalização dos problemas acima identificados.
Tais processos agem fortemente nas exportações de produtos agropecuários e de
matérias primas e na redução dos seus preços. Concretamente eles representam uma
pressão nas balanças comerciais de países periféricos e semi-periféricos porque
transferem os déficits comerciais norte-americanos para estes países. Representam,
enfim, o usufruto da condição de império em favor da contenção da sua crise econômica
recessiva, imediata e, imediatamente, da criação de condições favoráveis para a
superação da sua crise de acumulação.
O setor siderúrgico norte americano, por sua vez, além dos subsídios reservados
ao aço, foi premiado pelas cotas e tarifas de importações sobre o aço importado. Tal
realidade desencadeou uma reação protecionista da Europa em face do aço norte-
americano.
35
Para países exportadores de produtos agropecuários e de aço, como o Brasil, tais
processos representam pressões nas balanças comercial e de pagamento além, é claro,
de conseqüências sociais e políticas de enorme gravidade.
36
6. SUSTENTAÇÃO IDEOLÓGICO-POLÍTICA DA NOVA POLÍTICA EXTERNA DOS
ESTADOS UNIDOS
O que se precisa hoje é de um novo tipo de
imperialismo, que seja aceitável ao mundo dos
direitos humanos e dos valores cosmopolitas, o
imperialismo pós-moderno voluntário da
economia global. No passado, os impérios
impuseram suas leis e seus sistemas de governo.
Hoje trata-se de movimento voluntário de auto
ajuda.
Robert Cooper
Um contexto histórico - marcado por aspectos como: a ascensão dos
ultraconservadores republicanos no governo dos Estados Unidos com George W. Bush à
frente; o colapso argentino; o atentado terrorista do dia 11 de setembro de 2001 e a
guerra no Afeganistão - colocou em cheque toda uma produção ideológico-político dos
anos 90. Teses como as que asseguravam: que as transformações históricas teriam
chegado ao fim com o advento do mercado global livre, do liberalismo e do fim do
socialismo; que o imperialismo seria coadunável com os direitos humanos; que a
globalização sob a nova roupagem liberal seria benévola e promotora da socialização do
conhecimento, da informação, dos valores democráticos e das vantagens comparativas
entre os Estados, caíram por terra.
Teorias, livros, ensaios, artigos e pronunciamentos sustentados nas referidas teses
e em outras, foram conduzidos pela história para a lata de lixo das ilusões perdidas. Os
resultados das ilusões, todavia, estão presentes.
No Brasil a ofensiva teve início no final dos anos 80, enormente beneficiada por
processos como a crise da União Soviética, a reintegração direta do leste europeu à
economia ocidental e a transição do regime político da ditadura militar para um regime
liberal conservador. No meio universitário ocorreu um ataque a dialética materialista
histórica e um avanço de diversas modalidades de metodologias, teorias e concepções
irracionalistas. Em termos políticos e econômicos as conseqüências foram a privatização
de empresas públicas, amplas concessões públicas, realizadas em favor de grupos
monopolistas/oligopolistas, a desnacionalização de economias, o endividamento interno e
37
externo gigantesco, a dependência do capital financeiro internacional, o desemprego
estrutural, a demolição de direitos dos trabalhadores, entre outras.
O despertar do mundo das ilusões na forma da volta das guerras, da corrida
armamentista e da reafirmação explícita dos Estados Unidos como epicentro do poder
político-militar internacional demandava novas contraposições ideológico-políticas.
Portanto, não era mais possível adiar a formulação explícita de uma nova polarização
ideológico-política.
Os Estados Unidos, em decorrência da necessidade de coesão interna, da
extorsão econômica planetária em favor da sua estrutura econômica e do seu belicismo,
necessitam construir inimigos externos. São inimigos virtuais ou relativos que
proporcionem uma racionalidade argumentativa justificadora e legitimadora da sua política
hegemonista e imperialista.
Desde o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos buscaram impor uma nova
polarização. Aquela que mais lhe interessou foi a que se estabeleceu entre capitalismo
neoliberal e os Estados fundamentalistas da sua periferia. Ela poderia ser caracterizada
como choque de civilizações – versão internacional e geopolítica das teorias do
multiculturalismo.
Nesta nova polarização, o capitalismo neoliberal foi apresentado como caminho
único. O que se pretendia era suplantar a contradição ideológico-política entre capitalismo
e socialismo.
O fundamentalismo foi apresentado como a negação da civilização e da
democracia. O que se pretendia era obscurecer as contradições e lutas de classes,
abertas ou ocultas, na forma dos grupos, classes e Estados em conflito.
6.1. Construindo um paralelo com a Guerra Fria
Donald Rumsfeld (2001), secretário de defesa norte-americana, buscou construir
um paralelo entre o combate ao comunismo e a União Soviética e o combate ao
terrorismo. Segundo ele, o combate ao comunismo e a União Soviética teria sido definido
entre 1946/50 e foi uma guerra longa, de forma que “uma União Soviética agressiva,
expansionista e armada até os dentes foi contida e impedida de ocupar a Europa
Ocidental e de espalhar o comunismo pelo mundo”.
Segundo Rumsfeld, esta política teria sido acertada, visto que a corrida militar
viabilizou a ruína das bases econômicas e sociais desse Estado e dos seus satélites, na
38
medida em que teria gerado um comprometimento dos seus PIBs com a corrida militar. O
combate ao terror seria, segundo ele, uma guerra longa, com ações militares e de
inteligência, mas que também ao final de um longo processo seria por todos reconhecida
a sua importância por extirpar o terrorismo internacional, a exemplo do que teria sido o
combate ao comunismo e à União Soviética.
Tal paralelo expressa-se na “satanização” de forças políticas e na ação repressiva
às referidas forças políticas, tendo em vista a defesa do status quo internacional. Nessa
medida, representa a tentativa de reunir e galvanizar um leque de forças e aliados que
envolvam os Estados centrais do capitalismo, os Estados títeres e as classes sociais
dominantes e dirigentes políticos dos Estados semi-periféricos e periféricos do capitalismo
subordinados ao papel e liderança hegemônica dos Estados Unidos, como baluarte da
defesa da ordem internacional.
6.2. Capitalizando o moralismo
O governo de George W. Bush tem buscado acentuar um discurso e uma prática
política conservadora e moralista internamente nos Estados Unidos. Tal discurso e tal
prática está relacionada com a tentativa de alcançar uma base de sustentação política e
ideológica à política de Estado, marcada pelo unilateralismo e militarismo, no plano
externo, e pela construção de bases político-eleitorais mais sólidas para seu governo, no
plano interno.
Seu conservadorismo propõe salas de aulas para meninos e meninas; dispõe a
apoiar apenas os colégios voltados para meninos e/ou para meninas; libera fundos mais
robustos para conduzir campanhas publicitárias em favor de abstinência sexual entre
jovens e contra o aborto; delega para entidades da sociedade civil de cunho religioso
recursos para o combate à pobreza e à dependência de drogas e restringe a atuação
direta do Estado a estas áreas. Por fim, tem-se observado o estímulo ao crescimento de
rituais religiosos em instituições e dependências governamentais desde a chegada dos
republicanos ultraconservadores ao governo.
A direita evangélica está mais organizada e influente. O seu apoio aos republicanos
ultraconservadores nas eleições representou, por sua vez, pressão sobre o próprio
governo republicano. Ela possue uma rede de ONGs conservadoras que, além de
articular política e religião, pode criar instrumentos da sociedade política do império
(Estado-governo) no âmbito da sociedade civil e/ou da sociedade civil do capital no
39
âmbito da sociedade norte americana como um todo. Esta questão pode, ainda,
representar a criação/expansão de uma rede de ONGs conservadoras em escala
internacional, em especial na América Latina, a exemplo do que organizações religiosas
desenvolveram na América latina no período de vigência da chamada Aliança para o
Progresso de John Kennedy, e mesmo posteriormente.
Essa política conservadora e moralista é acentuada, também, por outros meios. Ela
determinou a volta da disciplina Educação Cívica aos currículos escolares; interfere na
indústria cinematográfica de Hollywood pressionando para que a mesma produza mais
filmes que enalteçam o patriotismo e conduz campanhas publicitárias em favor da
realização do serviço e da carreira militar. O próprio Pentágono está financiando a criação
de jogos eletrônicos de guerra, voltados para crianças e adolescentes, com o propósito de
construir uma cultura militar, mais enraizada, no inconsciente coletivo da sociedade norte-
americana.
Concepções e valores religiosos e culturais, cujas raízes históricas se encontram
no puritanismo e que se fazem presentes nas estruturas mentais e culturais da sociedade
norte-americana, são explorados pela sociedade política (Estado e governo) e pela
sociedade civil do capital (corporações midiáticas, igrejas evangélicas e ONGs
conservadoras etc). São concepções e valores como aqueles identificados com a
“missão“ do povo norte-americano em face da humanidade, a condição de povo
predestinado a realizar no mundo valores “cristãos”, o Estado/governo como pastor de um
grande rebanho (o povo norte americano) e cuja função é protegê-lo do “mal” e das
“ameaças” externas ao rebanho.
Portanto, para que se possa justificar aspectos como os gastos militares, o
ocultamento da redução da carga de impostos sobre as grandes fortunas e empresas, o
fortalecimento dos republicanos ultraconservadores no Estado e a reafirmação da
hegemonia norte-americana sobre bases de supremacia política, tem que ser criado o
“inimigo externo” e serem instrumentalizados valores e concepções ideológicas que
compõem a subjetividade da sociedade norte-americana.
40
7. O DEBATE DIPLOMÁTICO NORTE AMERICANO
De todo esse mal resultará o bem. Em meio às
nossas lágrimas podemos vislumbrar
oportunidades de tornar o mundo melhor para as
gerações vindouras. E nós aproveitaremos essas
oportunidades.
George W. Bush
O fim da Guerra Fria não foi acompanhado pela definição de um direito ou norma
internacional claramente definida. Sequer uma instância suprema que avocasse do direito
de definir o que seria “eqüidade” e “justiça” foi criada. A ONU, que agia como tribunal de
entendimentos e que poderia ter sido convertida nesta instância, ficou progressivamente
enfraquecida ao longo dos anos 90, em especial a partir da Guerra do Kosovo, quando o
seu Conselho de Segurança foi ignorado pelos Estados Unidos e aliados, tendo em vista
a intervenção militar na Iugoslávia.
A fragilidade da ONU contrastava com a força dos Estados Unidos nos terrenos
militar, financeiro e informacional e com a globalização econômica que era imposta ao
mundo, a partir deles. Os Estados Unidos assumiam o papel de centro de referência
política, econômica e ideológica do mundo. Papel este para o qual foram beneficiados
também pelos sete anos de prosperidade da era Bill Clinton que, se por um lado, não foi
capaz de superar a crise de acumulação de capital nos Estados Unidos (e em grande
medida foi um ciclo econômico virtuoso às custas de fraude e corrupção). Por outro, foi
capaz de assegurar um ambiente interno de estabilidade econômica e social e um
superior desempenho econômico das corporações e bancos norte americanos, em face
do desempenho de corporações e bancos europeus e japoneses.
Todavia, os anos 90 foram também anos de situações adversas para a
preservação da hegemonia dos Estados Unidos. Os anos 90 foram responsáveis pelo
crescimento de um sentimento antiamericanista concomitante e proporcional ao
aprofundamento da hegemonia dos Estados Unidos. Déficits nas transações comerciais
entre Estados Unidos e Europa e Estados Unidos e Japão acentuaram desequilíbrios
econômicos externos do País. Internamente a disputa pelo governo travada entre
democratas e republicanos ameaçou se converter em instabilidades institucionais.
41
Um ambiente favorável ao surgimento de um novo “pacto de guerra” estava dado.
Faltavam atores determinados para criá-lo e um fato para justificá-lo. A eleição de George
W. Bush e os atos terroristas de 11 de setembro de 2001 atendiam às duas condições.
O “pacto de guerra” como uma política de Estado poderia se utilizar de duas
vertentes políticas norte-americanas. Primeiramente, a vertente tradicionalmente
identificada com os democratas, que valoriza uma via hegemonista e imperialista
incorporadora de metas e perspectivas, ainda que de forma subalterna dos demais países
e segundo a sua importância econômica, política e militar. Portanto, trata-se de uma
concepção de política externa fundada na pactuação política.
Em segundo lugar, a vertente tradicionalmente identificada com os republicanos,
que valoriza uma via hegemonista e imperialista pouco incorporadora de metas e
perspectivas dos demais países. Portanto, trata-se de uma concepção de política externa
fundada no exercício de supremacia política.
Joseph Nye, doutor em Ciência Política pela Universidade Harvard, consultor do
Departamento de Estado dos Estados Unidos de 1977 a 1979 no governo Jimmy Carter e
Presidente do Conselho Nacional de Segurança dos Estados Unidos, evidencia a
concepção tradicionalmente identificada com os democratas. Para ele a política externa
dos Estados Unidos deveria combinar o “hard power” – a utilização de instrumentos
militares e econômicos para coagir outros atores políticos, econômicos ou sociais a fazer
o que eles não querem, que sempre foi importante para os Estados Unidos e que foi
alentado após os atos terroristas de 11 de setembro de 2001 – com o “soft power” – a
habilidade de conseguir que se façam aquilo que se quer que eles façam, sobretudo por
meio de influência diplomática, cultural e ideológica. Para ele a era da informação global
tenderia a alentar o “soft power”.
Para Joseph Nye os Estados Unidos deveriam ser líderes na produção de bens
públicos globais nas áreas de desenvolvimento, segurança e combate ao terrorismo.
Todavia, é um critico da gestão George W. Bush. Este, segundo aquele, não conduziu
uma ampla discussão sobre os interesses nacionais dos Estados Unidos em face do
mundo e, por conseqüência terminara por cultivar no governo uma política menos
multilateral do que deveria ser. Este peso excessivo de ação política unilateral foi o que
teria determinado o abandono dos Estados Unidos do Tratado Antimísseis Balísticos
(TAB), que, embora, apóie a iniciativa e não acredite que ela possa realimentar uma
corrida armamentista, não reconhece que o momento tenha sido adequado para esta
iniciativa.
42
Para Joseph Nye o ambiente político internacional, criado após os atos terroristas
de 11 de setembro de 2001 teria determinado modificações nas relações internacionais. A
necessidade da cooperação internacional de grandes Estados na luta contra o terrorismo,
e de seus poderes de destruição em massa, até recentemente privilégio militar, teria
permitido um avanço da China e da Rússia nas relações políticas internacionais, embora,
em sua opinião, este avanço não tenha sido tão expressivo como muitos analistas
costumam identificar. A Europa teria permanecido em grande medida marginalizada por
não possuir uma única voz internacional, por não possuir forças de segurança para agir
de modo global, menos da Inglaterra, o único país europeu a possuí-las, mas não se
encontrar política e diplomaticamente subordinada à Europa.
Para Paul Wolfowitz, sub-secretário de Defesa do governo George W. Bush, a
política externa do seu País deveria combinar negociações duras com todos os Estados
que aceitam/subordinam aos termos das relações internacionais ditadas e/ou aceitas por
ele, com as ações preventivas, isto é, a ação armada contra aqueles que agem ou
poderiam agir desautorizando os interesses estratégicos do País. Para ele, os Estados
Unidos não poderiam, ainda se submeter à camisa de força que o sistema ONU
representaria, no que tange aos interesses estratégicos do poderio norte-americano.
A posição de Colin L. Powell (2001) parece coincidir, em linhas gerais, com as
posições de Joseph Nye em que pese a sua filiação republicana. Colin L. Powell
reconhece que os atos terroristas de 11 de setembro de 2001 criaram oportunidades para
fortalecer e/ou reconfigurar as relações internacionais e expandir ou estabelecer áreas de
cooperação. O eixo político seria avançar o padrão de política externa norte americana
nos campos de interesses fundamentais, que segundo ele seriam: a) direitos humanos; b)
governos responsáveis; c) mercados livres; d) não proliferação de armas nucleares; e)
resolução de conflitos.
Para Colin L. Powell, os Estados Unidos deveriam assumir iniciativas próximas e
concretas para evidenciar seus compromissos com o referido eixo. Comporia estas
iniciativas: a cooperação para suplantar a pandemia HIV/AIDS; o estabelecimento de um
cenário estratégico pós-Guerra Fria”; o lançamento de uma nova rodada comercial
internacional e a promoção da paz no Oriente Médio. O objetivo dessa política seria
segundo ele “(...) um mundo de democracia, oportunidades e estabilidade” (...) “no qual o
terrorismo não pode prosperar”.
43
8. CONSEQÜÊNCIAS IMEDIATAS DA NOVA DOUTRINA
É preciso a ordenação de um poder soberano
para que se possa então definir o que é a
equidade e a justiça, uma vez que é a autoridade
e não a verdade que faz a lei porque antes que se
designe o que é justo do que é injusto, deve haver
alguma força coercitiva.
Hobbes
A nova política externa dos Estados Unidos determinou e tem determinado
diversos processos político-institucionais e político-militares diretos. Estes processos
trazem conseqüências graves para o sistema de segurança internacional e para as
relações políticas regionais.
Dentre os processos político-institucionais destacou-se a oposição à ratificação do
Tribunal Penal Internacional; a recusa em assinar o protocolo de Kyoto; a retirada da
conferência da ONU sobre o racismo em Durban; a recusa em endossar o Instrumento de
Verificação do Protocolo de Armas Biológicas; a recusa em assinar o protocolo sobre
minas terrestres; a ruptura unilateral do Tratado de Mísseis Anti-Balísticos (ABM); a
ofensiva diplomática pelo controle de organizações da ONU e/ou afastamento de
responsáveis que representam obstáculos aos interesses norte-americanos, a exemplo do
afastamento do diplomata brasileiro José Maurício Bustani, que presidia a Organização
para a Proscrição de Armas Químicas (OPAQ) e da irlandesa Mary Robinson, Alta
Comissária de Direitos Humanos.
Dentre os processos político-militares diretos destacou-se a deflagração da guerra
contra o Afeganistão à revelia do Conselho de Segurança da ONU; a derrubada do
regime dos Talibãs e estabelecimento de um regime títere no Afeganistão, sustentado
pelas forças multinacionais que permanecem no país; a liberdade de ação ao governo de
Ariel Sharon contra os palestinos e israelenses-árabes; o envolvimento ativo na luta
contra o grupo guerrilheiro fundamentalista islâmico Abu Saiaf, nas Filipinas; a presença
mais ostensiva no conflito civil da Colômbia; a participação direta na tentativa de golpe
civil-militar contra o governo de Hugo Chaves na Venezuela, em abril de 2002; a guerra e
ocupação do Iraque; e a autorização e efetiva eliminação física de ativistas e dirigentes de
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Quadro político pós 11/9

  • 1. 1 O QUADRO POLÍTICO INTERNACIONAL APÓS O 11 DE SETEMBRO DE 2001 Walmir Barbosa* APRESENTAÇÃO O presente texto é um ensaio acerca das relações internacionais após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 e da intervenção militar terrorista dos Estados Unidos no Afeganistão. Como tal ele pretende proporcionar uma leitura do quadro político internacional, de forma a buscar identificar algumas tendências das relações internacionais no período histórico atual. Período que, a nosso ver, teve seu início anteriormente ao 11 de setembro, ainda no governo Bill Clinton, mas que se definiu claramente com a eleição de George W. Bush e os referidos atentados. Este ensaio é a materialização de resultados do desenvolvimento do projeto de pesquisa “Cenários possíveis das relações internacionais após o 11 de setembro de 2001”, aprovado junto a VPG/Coordenação de Pesquisa da UCG. O desenvolvimento do referido projeto contou com a indispensável participação e colaboração de Lorena Martins Rodrigues Alves, estudante do Curso de Direito da UCG, de Sebastião Cláudio Barbosa, mestrando em educação pela UFG e de Paulo Faria, membro da organização não governamental Coletivo Educacional e Cultural. Este ensaio se dirige aos estudantes que cursam a disciplina Ciência Política e aos do curso de Relações Internacionais, bem como a todos aqueles preocupados com a busca de uma abordagem dialética materialista histórica dos fenômenos em curso. * É mestre em História das Sociedades Agrária pela UFG e professor da UCG e do CEFET-GO.
  • 2. 2 1. INTRODUÇÃO Abro a janela, vejo o horizonte! Ando três passos para ele, ele anda 30 passos para longe de mim. Corro 30 kilômetros para ele. Ele dispara 300 kilômetros para bem longe de mim. Mas para que serve a utopia? Para caminhar! Eduardo Galeano A queda do Muro de Berlim em 1988 e o fim da URSS em 1991 marcaram o triunfo dos Estados Unidos no âmbito da Guerra Fria. Este triunfo se materializou na proposta de uma “Nova Ordem Mundial” por parte dos Estados Unidos ao final dos anos 80 e início dos anos 90 do século XX. A “Nova Ordem Mundial” proposta pelos Estados Unidos, tendo à frente o governo George H. Bush, consistia fundamentalmente nos seguintes pontos (Fernandes, 2002): a) os vários fóruns multilaterais do sistema ONU deveriam se transformar no núcleo ordenador de uma nova ordem mundial mais estável no mundo. O objetivo seria o de superar tensões e antagonismos por meio da mediação e/ou mecânica jurídico/institucional do sistema ONU; b) o Conselho de Segurança da ONU assumiria uma nova centralidade como foro de negociação e resolução de problemas relacionados à paz e à segurança no sistema político internacional. O objetivo seria estabelecer uma política de pactuação entre as potências militares, de forma a convertê-las em guardiões e gestores da ordem mundial; c) os organismos econômicos do sistema ONU (FMI, Banco Mundial, OMC etc) exerceriam o papel de “indutores” e “guardiões” dos mercados abertos. O objetivo seria assegurar que os organismos econômicos sustentassem política, econômica e tecnicamente orientações de forte conteúdo liberal. A “Nova Ordem Mundial” proposta pelos Estados Unidos representava a busca por coesionar a hegemonia norte-americana por meio de pactos de compromissos, isto é, a
  • 3. 3 forma de exercício da hegemonia norte-americana que aglutinava de forma subordinada, subalterna ou não, interesses e metas de outros países, Estados e capitais. Mas de fato, representou uma forma de realimentar a hegemonia norte-americana em prejuízo de todos os demais países, embora em qualidade e quantidade diferenciada. Os Estados Unidos buscaram alcançar vários objetivos estratégicos no plano econômico e no plano político-ideológico. No plano econômico a “Nova Ordem Mundial” almejou, em primeiro lugar, conquistar e consolidar novos mercados de exportação para produtos e capitais norte-americanos, de forma a compensar a retração da demanda interna provocada pela contenção dos níveis salariais e de emprego criado pelo ciclo recessivo de 1988/92 e pela elevação do custo do capital constante que se dava em parte às custas do capital variável, em função da elevação dos novos custos tecnológicos que a reestruturação produtiva1 legou da era Ronald Reagan. Em segundo lugar, viabilizar um ambiente mundial de liberdade de movimentação favorável às corporações e bancos norte-americanos, francamente beneficiados pela posição diplomática e militar vantajosa dos Estados Unidos nas relações internacionais, em um contexto em que os mesmos encontravam-se acossados pelas corporações e bancos europeus e japoneses. Em terceiro lugar, assegurar que os organismos econômicos do sistema ONU (FMI, Banco Mundial, OMC etc) permanecessem como verdadeiros prolongamentos do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, de forma a usufruir das vantagens que o padrão dólar proporcionava nas relações econômicas internacionais. No plano político-ideológico a “Nova Ordem Mundial” almejou, em primeiro lugar, afirmar a tese do “Fim da História”, isto é, o de que teria esgotado a possibilidade de ocorrerem novas revoluções/transformações sociais e que teria sido consagrada a eternização do liberalismo econômico e político moderno. Em segundo lugar, confirmar os Estados Unidos como o guardião da nova ordem, cujas ações políticas e militares estariam justificadas/legitimadas pelo sistema ONU. A “Nova Ordem Mundial” proposta pelos Estados Unidos demonstrou ser capaz de coesionar a hegemonia norte-americana por meio de pactos de compromissos e, dessa forma, realimentá-la. No Brasil, por exemplo, assistimos, ao longo dos anos 90, os efeitos desse novo projeto de hegemonia. No plano econômico ocorreu a abertura incondicional 1 Combinação da revolução técnico-científica e dos novos métodos de gestão produtiva iniciados nos Estados Unidos e na Europa na segunda metade dos anos 70, cujos desdobramentos no mundo do trabalho foram o desemprego e o subemprego, a flexibilização das legislações de proteção ao trabalho, entre outros. No Brasil a reestruturação produtiva teve início no governo Sarney (1985-89), mas se aprofundou nos governos de Collor (1990-92) e nos de Fernando Henrique Cardoso (1995-98) e (1999-02).
  • 4. 4 da economia brasileira aos produtos e serviços importados, a entrada maciça de empresas transnacionais e a subordinação do país aos organismos internacionais (FMI, Banco Mundial e OMC). No plano político-ideológico ocorreu o avanço da idéia de que transformações sociais não mais seriam possíveis, de que a globalização seria inevitável e de que o país deveria se submeter à benevolente “Nova Ordem Mundial” sob liderança dos Estados Unidos, o grande ganhador em todo esse processo. A “Nova Ordem Mundial” proposta pelos Estados Unidos, todavia, despertou uma crescente resistência. Esta resistência foi especialmente grande após a crise mexicana e o seu prolongamento sistêmico em 1994.
  • 5. 5 2. PACTO FORDISTA, ACUMULAÇÃO E CRISE A crise do neoliberalismo tem gerado a oportunidade para aprofundá-lo. Cortes nos gastos sociais, reestruturação de empresas, altas taxas de juros, baixos salários e amplos programas de privatização melhoram os indicadores macroeconômicos e pioram os indicadores macrosociais. James Petras A compreensão da proposição, crise e esgotamento da “Nova Ordem Mundial” e do caminho para uma ordem mundial não prevista, nos impõe identificar velhas e novas determinantes que condicionam o momento atual do sistema do capital e do seu sócio- metabolismo. Assume relevância especial a tentativa do sistema do capital de repor/aprofundar o domínio sobre o mundo do trabalho e a crise de acumulação do capital, bem como a tentativa de restabelecer uma taxa de acumulação que ultrapasse a pura e simples reiteração econômico-produtiva, isto é, que ultrapasse a reposição das estruturas, processos e dinâmicas econômicas sem, todavia, realizar a acumulação de capital real. A superação da crise de acumulação, por meio de uma taxa de acumulação elevada, no âmbito do sistema do capital, significa a imposição de formas ainda mais brutais de exploração econômica, dominação política e opressão ideológica aos trabalhadores e aos povos das regiões periféricas e semi-periféricas do capitalismo. 2.1. A crise do pacto fordista Uma angústia e um mal estar tomou conta das grandes massas que compõe o mundo do trabalho, povos oprimidos e setores médios formados por assalariados e pequenos proprietários em todo o mundo. Em primeiro lugar, emergem aspectos como a degradação acelerada das condições de trabalho, o desemprego estrutural, a precarização do contrato de trabalho, a destruição/desarticulação do sistema de proteção social, o ressurgimento da fome, das epidemias, da subalternidade da mulher. Em segundo lugar, aprofundam-se aspectos como a decadência dos valores ético-morais em níveis individuais e coletivos, a arrogância das classes possuidoras, a ostentação da riqueza, o individualismo possessivo. Em terceiro, intensificam-se aspectos como os
  • 6. 6 grandes acidentes ecológicos, o desmatamento nos continentes onde ocorrem grandes florestas, a poluição dos mares. E, por fim, radicalizam aspectos como a imposição dos países capitalistas centrais sobre países capitalistas periféricos e semi-periféricos, a guerra entre Estados e intra-Estado, a criminalidade. No Brasil essa realidade encontra-se expressa por meio de aspectos como o endividamento interno e externo e a desnacionalização da economia, com a maciça transferência de excedentes para os países centrais do capitalismo; a desagregação social no espaço urbano, com o conseqüente crescimento da criminalidade e generalização da pobreza; a deterioração do mundo do trabalho e das tradicionais ideologias liberais ancoradas no “vencer na vida pelo trabalho”, com a relação infantilizada da família com a escola; a expectativa de um acontecimento inusitado (loteria, Big Brother, futebol, show do milhão, grupos de pagode etc) para a ascensão social, ou o fracasso dessas expectativas como fator impulsionador do pentacostalismo. Essa realidade não compõe um quadro nem singular e nem original em suas formas. De fato, a história da sociedade capitalista e burguesa é marcada, profundamente, por ela. Todavia, havemos de registrar que essas formas de manifestação da sociedade capitalista e burguesa podem se apresentar intensas e aceleradas em determinadas conjunturas e/ou períodos históricos. Em nossa perspectiva, nos encontramos atualmente numa dessas conjunturas e/ou períodos históricos. Encerrou-se o período histórico compreendido entre o pós-guerra, quando teve início a Guerra Fria, e 1988/91, época da contra-revolução liberal no leste europeu e do fim da União Soviética. Período esse marcado pelo pacto fordista, que consistiu numa reação defensiva das classes dominantes dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, para fazer face à grande crise econômica depressiva que teve início nos anos 30, o controle parcial/temporário do impulso reprodutivo incontrolável do sistema do capital, a reconstrução européia e japonesa e a contenção das lutas de classes e da ameaça de “sovietização” da Europa Ocidental. As bases políticas do pacto fordista articulava empresários, partidos políticos, tecnocratas, sindicatos, dirigentes e quadros das organizações operárias. Essas forças políticas e sociais procuravam ocupar o Estado, ampliar o fundo público por meio de uma política fiscal ampla e consistente e reorientar o fundo público, de forma a contemplar dois grandes objetivos. De um lado, realizar as grandes compras, os financiamentos produtivos, as pesquisas em ciência e tecnologia incorporadas às políticas governamentais, o que significava aprofundar o papel do Estado como um instrumento
  • 7. 7 estrategicamente necessário para viabilizar a acumulação de um capital que tendia para o oligopolismo. De outro, para criar a rede de proteção social, a saúde pública, a melhoria das condições de trabalho e existência dos trabalhadores. O que significava ampliar as bases do ‘contrato social’ liberal-burguês e afastar o ‘perigo’ do socialismo, na medida em que o Estado assumia outras perspectivas de classes além da própria perspectiva burguesa e é claro, baratear o custo de reprodução da força de trabalho para o capital, na medida em que transferia seus custos de reprodução, a exemplo daqueles vinculados à saúde, educação e previdência, para o Estado. Efetivamente ocorreu, ao longo do período, uma elevada acumulação do capital, uma melhora significativa das condições de trabalho e uma consistente rede de proteção social. Ocorreu, ainda, a crença de que o capitalismo poderia ser “domesticado” e “civilizado”; de que se poderia coesionar as perspectivas do mundo do trabalho com as perspectivas do sistema do capital; de que a caracterização, conduzida pela dialética materialista histórica à ordem capitalista e burguesa, intrinsecamente exploratória, destrutiva e parasitária, não se sustentava; e, por fim, de que a idéia da revolução social não mais se justificava. No Brasil tais processos, comandados pelo sistema do capital, não dispuseram das mesmas reservas econômicas, políticas, ideológicas e sociais, em decorrência da condição de país de capitalismo semi-periférico. Além da criação/expansão precária dos sistemas previdenciário, de saúde e de educação públicos, ocorreu um enorme intervencionismo estatal industrializante sob regimes liberais populistas, conservadores ou ditatoriais, e uma hiper exploração do mundo do trabalho (no campo e na cidade), tendo em vista financiar as transformações produtivas, sob a grade de ferro da dependência e subalternidade e transferir excedentes para os países centrais do capitalismo via endividamentos, remessas de lucros etc. No final dos anos 70 e início dos anos 80 do século XX o pacto fordista começou a ruir. As eleições de Margareth Thatcher, na Inglaterra e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, representantes exemplares do ultraconservadorismo inglês e norte-americano, evidenciava e testemunhava a crise do pacto fordista. Amparados em programas ultraliberais, eles propunham políticas que materializavam aspectos como a desregulamentação da economia, a privatização de empresas do setor público, a restrição dos direitos trabalhistas e da rede de proteção social, a redução de impostos sobre o setor produtivo, a abertura das economias nacionais.
  • 8. 8 O pacto fordista ruía em face da crescente resistência da classe operária à extração da mais-valia pelo sistema do capital, do acirramento da competição dos países capitalistas centrais pelo mercado mundial e da tendência continuada de queda da taxa média de lucro – ou queda da taxa média de acumulação do capital, relacionada a aspectos como a elevação da composição orgânica do capital (composição entre os capitais constante e variável), a própria luta da classe operária contra a extração da mais- valia e pela ampliação das bases do ‘Welfare state’ e o acirramento da competição dos países capitalistas centrais pelo mercado mundial. Mas o pacto fordista ruía, também, devido ao afastamento conjuntural da ameaça ao capitalismo ocidental em decorrência do declínio econômico da União Soviética e da ausência de ideologias socialistas revolucionárias na subjetividade da classe operária e demais trabalhadores em conseqüência do próprio pacto fordista. Configurava-se, portanto, um ambiente favorável para a recondução do domínio incontestável do capital sobre o mundo do trabalho e para a contenção da tendência de queda da taxa média de lucro do capital. No Brasil tais processos coincidiram e se interpenetraram com a fase final da transição conservadora da ditadura militar para o regime liberal conservador representado pela “Nova República”. Sob a derrota do Movimento Pelas Diretas Já e das reformas estruturais formuladas pelos movimentos sociais, por um lado, e do conluio liberal- conservador do Colégio Eleitoral e da Assembléia Constituinte de 1987/88, por outro, alcançavam-se diversos objetivos, a saber: a transição das bases jurídico-políticas da ditadura militar para bases jurídico-políticas liberais clássicas; a derrota da resistência operária e popular reconstruída no bojo da luta contra a ditadura militar e contra a exploração do sistema do capital e a recondução do pleno domínio do sistema do capital sobre o mundo do trabalho; o início da ofensiva liberal por meio da campanha política e ideológica contra o serviço público, contra o socialismo, e o marxismo, e pela privatização do setor público, abertura econômica para a entrada de mercadorias, serviços e capitais financeiros especulativos e produtivos oligopolistas. O mundo do trabalho por meio dos movimentos sociais, em especial o sindical, começava a perder a dinâmica da luta de resistência em curso e que dava sinais de que poderia se desenvolver para a conquista da iniciativa política, isto é, de que as forças políticas e sociais do mundo do trabalho fizessem com que as forças políticas e sociais do sistema do capital agissem defensivamente em face das suas ações políticas. Tal processo foi consumado por meio do trauma sócio-político representado pela vitória
  • 9. 9 eleitoral de Fernando Collor de Mello em 1989 e pelo desemprego estrutural, acarretado pela reestruturação produtiva e pela crise econômica aprofundados a partir de 1990. A tentativa de retomada da luta de resistência, numa qualidade superior, a exemplo da greve dos petroleiros de 1995, também foi seguida de derrota política. Tal realidade ampliou a ofensiva do sistema do capital- parcialmente representado pelas forças políticas e sociais, expressas no governo Fernando Henrique Cardoso e na sua base de sustentação política no Estado e na sociedade-, contra os direitos trabalhistas e pelo arrocho salarial, maior subordinação da sociedade brasileira ao endividamento interno e externo, a privatização das gigantescas empresas estatais etc. O fim do pacto fordista restringiu os mecanismos políticos e econômicos de controle parcial/temporário do impulso reprodutivo incontrolável do sistema do capital. Em conseqüência, passamos a nos encontrar em um contexto de liberdade quase total do capital para desenvolver e valorizar. Equivale dizer que a humanidade encontra-se quase que totalmente sobre a lógica de impulso de reprodução incontrolável do sistema do capital causadora da degradação das condições de existência das amplas massas; da crise ético-moral que conquista novos terrenos na sociedade; do acirramento dos danos ambientais, e da radicalização do imperialismo, entre outros tantos processos. 2.2. Nova onda de mundialização do capital O sistema do capital somente pode ser compreendido a partir da categoria ‘contradição’ como uma oposição inclusiva. Capital versus trabalho, capital unitário versus capital unitário, capital não monopolista/oligopolista versus capital monopolista/oligopolista, capital produtivo (produtor de valor e de mais-valia) versus capital comercial (capital empregado na intermediação e na distribuição) e capital financeiro (capital monetário centralizado e concentrado) e vice-versa, capital de matriz nacional versus capital de outra matriz nacional, e assim por diante. Esta contradição, impulsionada pela luta de classes e pela competição no mercado, desencadeia um movimento de reprodução anárquico e incontrolável que se materializa em contradições, descompassos e conflitos entre produção e consumo e produção e distribuição (Chesnais, 1997, p. 15-17). Com o fim do leste europeu e da União Soviética, o sistema do capital completou o seu processo de mundialização pois se fez presente em todos os cantos do planeta, não encontra nenhum tipo de sistema competidor ou desafiador em escala internacional e
  • 10. 10 apresenta um entrelaçamento profundo, a partir dos grupos monopolistas/oligopolistas com interesses assentados nos seus respectivos Estados. E se mundializou, ainda, no sentido de que proletarizou/concentrou grandes contingentes de trabalhadores (operários, desempregados, marginalizados, segmentos médios, assalariados etc)2 e estendeu as relações de produção capitalistas sobre todo o mundo, ainda que coetaniamente tenha preservado formas não capitalistas de produção. A fase atual da mundialização do sistema do capital assumiu formas diversas e inquestionáveis. Todavia, três formas se destacaram. Em primeiro lugar, a referida mundialização ocorreu dirigida e controlada pelo capital monopolista/oligopolista, que se utilizou das políticas de liberalização e desregulamentação. Estas políticas permitiram ao capital monopolista/oligopolista avançar, por um lado, no domínio da moeda e das finanças e, por outro, nas novas condições de trabalho e de contratação da força de trabalho. Em segundo lugar, a referida mundialização foi profundamente caracterizada pela expansão inaudita do capital financeiro extremamente concentrado e centralizado. O capital financeiro configurou, por meio das dívidas internas e externas, a principal forma de transferência de mais-valia e renda dos Estados que compõe a periferia e a semi- periferia capitalista para os Estados que compõe o centro capitalista, em especial os Estados Unidos. O capital financeiro configurou, ainda, uma dinâmica de reprodução circunscrita dentro da esfera financeira, isto é, sem necessariamente interagir de forma subordinada com o capital produtivo, como de fato ocorreu no início da industrialização, no final do século XVIII e no estabelecimento do capitalismo monopolista no final do século XIX. O capital financeiro procura, atualmente, compartilhar/disputar com o capital produtivo a maior cota da mais-valia e renda socialmente produzida, seja na forma: de controle que exerce sobre o fundo público por meio da dívida pública; de financiamento da expansão mundializada do capital monopolista/oligopolista; de especulação em torno de ações e títulos nas bolsas de valores; ou ainda das dívidas externas dos Estados. A expansão, sem precedentes, das operações de capital que conserva a forma especulativa (monetária) e se valoriza por apropriação de parte dos rendimento do capital produtivo (produtor de valor e mais-valia), sem sair da esfera financeira, revela um grau extremado do fetichismo das relações sociais do capitalismo contemporâneo. Marx havia 2 Ricardo Antunes utiliza o conceito “a-classe-que-vive-do-trabalho” para expressar os diversos tipos de trabalhadores que passaram a compor o mundo do trabalho, desde a elaboração de O Capital de Karl Marx.
  • 11. 11 identificado a tendência histórica de parasitismo do capitalismo, em especial pelo advento/expansão do capital especulativo. Segundo ele (Marx apud Chesnais, 1997, p. 18), Embora não seja senão uma parte do lucro, isto é, da mais-valia que o capitalista ativo extorque do operário, o juro aparece agora [...] como o fruto propriamente dito do capital; inversamente, o lucro, que toma a forma de lucro de empresa, aparece como um simples acessório adicional, que é acrescentado durante o processo de reprodução. A forma fetichizada do capital e a representação do fetiche capitalista atingem aqui a sua apresentação mais acabada. A fórmula D-D’ representa a forma sem conteúdo do capital, a inversão e a materialização das relações de produção elevadas à máxima potência: a forma produtora de juro, a forma simples do capital em que ele é a condição prévia de seu próprio processo de reprodução; a capacidade do dinheiro, ou da mercadoria, de multiplicar o seu próprio valor, independentemente da reprodução, é a mistificação capitalista em sua forma mais brutal. É, portanto, no capital portador de juros que esse fetiche automático está claramente exposto: valor que se valoriza a si mesmo, dinheiro que engendra dinheiro; nessa forma, ele deixa de carregar as marcas de sua origem. O capital financeiro passou a ser defendido por poderosas instituições financeiras internacionais (FMI, BIRD etc) e por Estados hegemônicos na ordem internacional, em especial os Estados Unidos. Em terceiro lugar, a referida mundialização foi acompanhada da reestruturação produtiva. O processo de reestruturação produtiva consistiu, de um lado, na revolução tecnológica baseada na automação, nos microcomputadores e nos novos materiais. Portanto, um novo padrão tecnológico intensificador da produtividade do trabalho foi incorporado nos setores produtivos e de serviços. De outro lado, o processo de reestruturação produtiva provocou a implementação de novos métodos de gestão em substituição e/ou hibridagem com o método fordista de produção. Portanto, uma busca pela intensificação do trabalho em termos quantitativos – trabalhadores produzem mais aceleradamente e ampliando atribuições – e qualitativos – trabalhadores produzem sob competências e habilidades novas, mais complexas e diversificadas. A reestruturação produtiva proporcionou aspectos como a ampliação da mais-valia relativa e, também, da absoluta, o que, objetivamente, reduziu o custo do capital variável na composição do capital. Todavia, proporcionou também aspectos como o desemprego estrutural, a flexibilização do mercado de trabalho, a subcontratação, a perda de direitos trabalhistas. A fase atual da mundialização do sistema do capital, em que pese a inexistência de qualquer tipo de sistema competidor ou desafiador, em escala internacional, tenderá a coexistir com formas de crescente resistência nascidas do mundo do trabalho em escala
  • 12. 12 local, regional, nacional e internacional. Tal tendência encontra-se esboçada em decorrência da queda das ilusões e das máscaras do denominado “socialismo real” e da social-democracia, que, de fato, inicialmente representavam formas não capitalistas que foram, progressivamente, se subordinando ao controle do sistema do capital, e da liberdade de ação desse sistema e do seu sistema sócio-metabólico, que tem acirrado o caráter explorador, destrutivo e parasitário do capital. 2.3. A mundialização do sistema de capital e o Estado O sistema do capital, que também se expressa como unidade diferenciada e hierarquizada no plano da economia mundial, determina relações de rivalidade, de dominação e de dependência política entre os Estados. Primeiramente, porque os Estados fazem parte do sistema do capital, conforme evidencia o caráter do Direito (leis, instituições e magistratura) e do Burocratismo (aparato administrativo, modus operandi e burocracia). O Estado converte-se num pressuposto político-jurídico e ideológico do domínio do sistema do capital. Em segundo lugar, porque o Estado converteu-se num instrumento sem o qual a acumulação de capital, na fase monopolista/oligopolista, não pode se realizar. As compras públicas, o financiamento público, a dívida pública, as leis de controle do trabalho são exemplos e testemunhos do papel (e a quem serve este papel) desempenhado pelo Estado na atualidade. Em terceiro lugar, porque o Estado cumpre o papel de organizador das relações de rivalidade, de dominação e de dependência política no sistema de Estados. Ao definir a hierarquia entre os Estados, define a posição de cada país no que tange aos capitais especulativos, produtivos e comerciais, isto é, como dominantes (centrais) ou como dominados (periféricos e semi-periféricos) no âmbito da referida hierarquia. O realce assumido pelo Estado na fase monopolista/oligopolista do capital e que foi aprofundado em face das novas realidades, permitiu aos Estados Unidos conhecerem uma expansão inaudita da sua hegemonia nos anos 80 e 90 do século XX. Primeiramente, assumiram uma posição privilegiada no plano internacional como única superpotência militar do planeta, à medida em que se encaminhava a crise agônica e o fim da União Soviética. Em segundo lugar, converteram-se no centro do capital financeiro internacional. As maiores corporações financeiras e a base financeira do FMI e do Banco Mundial compõe o dominante capital financeiro especulativo e parasitário norte-
  • 13. 13 americano. Agregado a este capital, os Estados Unidos concentram as maiores corporações produtivas e comerciais do planeta. Os Estados Unidos possuem a capacidade de estabelecer regras de jogo sobre as quais eles possam vencer e quebrar essas mesmas regras de jogo sobre as quais eles possam perder, unilateralmente. Esta capacidade advém do padrão dólar, do domínio dos organismos econômicos internacionais e da superioridade bélico-militar. 2.4. A crise de acumulação do capital A reação do capitalista em face de outro capitalista o obriga a intensificar o trabalho e aumentar o rendimento por meio de novos equipamentos tecnológicos. O aumento do custo do capital devido à elevação do capital constante é compensado pela redução dos custos do capital variável, pelo aumento da escala de produção e pela elevação da “qualidade” da mercadoria. Mas os preços das mercadorias dificilmente poderão ser conservados, em decorrência dos demais capitalistas que, obrigatoriamente, terão que seguir o mesmo exemplo, o que determina uma redução do custo médio das mercadorias em função das disputas no mercado. Esta tendência, em face da automação e da informática e dos novos métodos de gestão da produção que gera o desemprego estrutural e que reduz a capacidade de resistência do trabalho em face do capital, tem levado a uma queda da renda da família média que vive de salários e dos pequenos proprietários urbanos e rurais. Agrega-se a este quadro a transformação de uma parte importante da classe trabalhadora do planeta em lumpem-proletário, isto é, em contingentes de trabalhadores que compõem marginalmente, ou mesmo sequer compõem, o exército industrial de reserva. São os 2,8 bilhões de pessoas que se encontram na linha de pobreza e/ou miséria absoluta (desqualificados, desempregados e degradados) em todo o mundo e que se transformam em superpopulação relativa para o capital. Esta realidade nos ajuda a entender um aspecto central da crise de acumulação atual. O contínuo aumento da mais-valia em sua dimensão relativa, oriundo dos investimentos de capital constante na forma de equipamentos tecnológicos mais sofisticados, pressiona para a redução dos custos do capital variável (salários) na composição orgânica de capital. A elevação dos custos do capital, constante na composição orgânica de capital, tem ocorrido mais rapidamente não apenas devido à elevação dos custos da nova tecnologia, mas também devido ao ciclo de renovação
  • 14. 14 tecnológica ter sido reduzido pela competitividade globalizada. Estes custos têm se apresentado extremamente elevados, mesmo quando os custos de capital variável tem sido rebaixados, por meio da eliminação de direitos e conquistas dos trabalhadores. Os problemas que decorrem imediatamente da crescente composição orgânica do capital agravam os problemas ligados à realização do valor. O fosso que separa o mercado real do mercado potencial de consumo de mercadorias e serviços tem se ampliado. Observamos, atualmente, o crescimento dos contingentes de trabalhadores (empregados, industrial de reserva e superpopulação relativa) que vivem uma retração do consumo de mercadorias e serviços. Este quadro foi agravado pela brutal concorrência inter-imperialista. Esta concorrência intensificou sobremaneira a concorrência unidade capitalista versus unidade capitalista, a concorrência entre unidades capitalistas no âmbito nacional e a concorrência entre unidades capitalistas no âmbito internacional, de forma a turbinar os processos acima descritos. As pressões do capital financeiro internacional agravaram o quadro. Capital este que subtrai parte do seu lucro do lucro do capital produtivo, de forma direta (financiamento do capital produtivo por parte do capital financeiro) e de forma indireta (dívida pública que vilipendia o fundo público para cuja composição também concorrem políticas fiscais que atuam sobre o capital produtivo) além, é claro, do artificialismo monetário especulativo, isto é, do lucro especulativo sem mediações produtivas e públicas. Este contexto foi determinante no estabelecimento de uma curva descendente na taxa de acumulação do capital. Esta curva teve início anteriormente a 1974/75, isto é, à crise do petróleo e à conseqüente elevação dos custos gerais de produção e de capital e à crescente resistência dos trabalhadores europeus a intensificação da acumulação mediante a redução de salários, conquistas e direitos. A queda da taxa de acumulação do capital somente apresentou uma certa estabilização nos anos 90, mas, ainda assim, conservando uma taxa de queda média de 2% (Chesnais, 1997, p. 19). Os capitalistas de cada grupo industrial e de cada país, bem como os Estados, visto que também integram o sistema do capital, encontravam-se pressionados pela crise. Encontravam-se pressionados, ainda, pela estagnação da demanda em termos absolutos – isto é, pela estagnação da demanda geral - e pela retração da demanda em termos relativos – ou seja, pela capacidade produtiva ampliada que, todavia, convive com um elevado coeficiente de ociosidade.
  • 15. 15 2.5. Acumulação de capital e economia armamentista A economia armamentista, em especial nos Estados Unidos, assumiu proporções imprevistas no pós guerra e se conserva no pós Guerra Fria. Ela absorve atualmente entre 20% e 30% dos pesquisadores, cientistas e engenheiros, compromete dois terços da totalidade do orçamento destinado à pesquisa, absorve em torno de 50% do orçamento público federal, gera um faturamento anual de 1 (um) US$ trilhão e emprega, direta e indiretamente, 15 milhões de pessoas (Coggiola, 1996, p. 204-206). A economia armamentista é o maior responsável pelo desenvolvimento tecnológico nos Estados Unidos. Se é fato que desde o final do século XIX, com o advento do capitalismo monopolista, ocorreu um desenvolvimento correlacionado entre tecnologia bélica e tecnologia civil no mundo capitalista, não é menos verdade que no pós-Segunda Guerra, a tecnologia bélica antecipou e, na maioria dos casos, determinou o desenvolvimento da tecnologia civil. Soluções tecnológicas como circuitos integrados, supercondutores, satélites, aviões, diversos tipos de alimentos industrializados, surgiram quase sempre dos programas bélicos dos Estados Unidos. Somente após a sua incorporação bélica é que foram gradativamente transportados para a tecnologia civil dentro e fora dos Estados Unidos. A economia armamentista concorreu, ainda, para a mistificação da ciência e da tecnologia. Construiu-se uma ideologia que valoriza e fascina o poder de controle, de previsibilidade, de cálculo e de exatidão. O que é complexo e o que é renovado constantemente assumiu um papel sedutor, em contraposição ao que é simples e o que é perene, passou a, quase sempre, ser desprezado. Todo esse poderio econômico, social e ideológico é comandado, nos Estados Unidos, por uma tríade composta por 48 grandes empreiteiras (que monopolizam 64% da fabricação bélica mundial), pelo Pentágono e pela elite científica. O poder econômico da referida tríade se prolonga para a esfera política, exercendo uma influência determinante na mídia, no meio acadêmico e no Estado. A tríade compõe-se, em parte fundamental, do bloco do poder e dos círculos hegemônicos nos Estados Unidos. O governo norte-americano atua dentro de um estrito “keynesianismo militar”: define quem, como e em qual direção inovar a tecnologia bélica; programa as transferências dessa tecnologia para a tecnologia civil; transforma as aquisições militar em instrumentos de políticas anticíclicas de estímulo à demanda e emprego com profundo
  • 16. 16 impacto em todas as cadeias produtivas; e tem nas exportações bélicas uma mercadoria que atenua os desequilíbrios da balança comercial. A mercadoria gerada pela economia armamentista proporciona a sua realização como valor de troca, sem que, necessariamente, tenha que ser consumida. Quando consumida, isto é, utilizada para destruir forças produtivas (consciência, força de trabalho, estruturas econômicas e sociais, recursos naturais etc), é criadora de novas frentes de expansão de capital, tendo em vista as reconstruções dos pós-guerras. A economia armamentista, que assumiu uma posição estratégica na acumulação da economia norte americana representa, ainda, um precioso instrumento imperialista. A hiper-supremacia militar que ela proporciona aos Estados Unidos representa a espada da hegemonia norte-americana sobre todos os demais países, isto é, uma ameaça a todos aqueles que resistirem a abrir suas economias aos bens, serviços e capitais norte- americanos; a dificultar o acesso norte-americano aos recursos naturais que o país possui; e a cumprir os ‘contratos’ e ‘compromissos’ estabelecidos com o capital financeiro norte-americano, na forma do pagamento das dívidas internas e externas. A economia armamentista constitui-se, por sua vez, em uma fonte de desequilíbrio fiscal do Estado norte americano e mobiliza fundos gigantescos cujos resultados tecnológicos nem sempre podem ser absorvidos pela tecnologia civil. Todavia, as maiores instabilidades econômicas estão relacionadas com a pressão sobre a taxa média de lucros. Conforme identificamos, a economia armamentista, ao se constituir em fator impulsionador da economia capitalista para a mudança tecnológica, determina, ao mesmo tempo, a elevação da composição orgânica do capital e a deterioração da proporção de ganhos, em relação ao total do capital investido. Décadas de lucros continuados da economia armamentista e a pronta oferta de tecnologia incorporada aos demais setores da economia foram fatores responsáveis pelo declínio da média geral de lucros na economia norte americana. Este fenômeno prolonga-se pelo conjunto da economia mundial, visto que, com a mundialização globalizada e imperialista do sistema do capital, todas as conquistas tecnológicas e os conseqüentes desdobramentos na composição orgânica do capital, estendem-se de forma sistêmica, pelo conjunto do sistema.
  • 17. 17 2.6. Iniciativas de contratendências à crise de acumulação do capital A reação à tendência de queda da taxa de acumulação do capital é uma característica do sistema do capital. Atualmente ela tem assumido diversas formas. Primeiramente, tem levado capitalistas e Estados a aumentar a intensidade e a duração do trabalho e a baixar o preço da força de trabalho, a promover a precarização do trabalho e o desemprego estrutural, bem como reduzir a participação dos trabalhadores no orçamento público. Tal realidade representa, respectivamente, a redução do capital variável na composição orgânica do capital e a ampliação do Estado, como um instrumento da acumulação do capital por meio do vilipendiamento do fundo público, de forma direta (dívida pública) e de forma indireta (financiamento). Tal processo possui conseqüências graves no conjunto da sociedade. A erodização das bases do trabalho representa um processo de erodização das bases da sociedade, cujos desdobramentos se estendem da criação/expansão da população relativa do capital à criminalidade e crise ético-moral. Em segundo lugar, tem determinado um processo de intensa concentração de capital. São aquisições e/ou fusões de empresas e grupos, mas que não pressupõe, necessariamente, aumento do capital produtivo investido. A forma acima descrita, da concentração de capital, se tornou uma maneira de o capital, suficientemente concentrado, combater a queda da taxa média de lucro, absorvendo outras empresas, de forma a reunir/integrar os mercados. Por outro lado, permite, eventualmente, integrar alguns elementos da capacidade de produção e de pesquisa tecnológica dessas últimas, mas desmantelando-as em grande parte. Observa-se, ainda, que esta concentração tem assumido a forma de cartelização econômica. Os grupos e empresas de capital produtivo e comercial têm buscado explorar o poder econômico, resultante da sua própria dimensão, isto é, o poder de monopólio (poder de produção e de controle de mercado) e o de “monopsônio” (poder de comprador). Esta última característica tem se materializado em inúmeros acordos de terceirização e de cooperação empresarial normalmente desigual, de forma a permitir o surgimento das denominadas “empresas-rede”. A empresa-rede é, de fato, uma empresa dominante que possui uma enorme capacidade de se articular, incorporar e apropriar, pelo seu tamanho e poder de mercado, da mais-valia e da renda criada coletivamente no seio de uma rede de empresas que
  • 18. 18 trabalham em conjunto. Isto evidencia que o caráter parasitário do capital não se reduz, absolutamente, ao capital financeiro. É importante realçar, ainda, que o fato da base fundamental do capital produtivo encontrar-se na produção, não o impede de, também, se reproduzir como capital financeiro, isto é, especulador, a exemplos dos bancos de propriedade de empresas e grupos econômicos e como capital comercial, isto é, na distribuição/circulação das mercadorias, a exemplo da comercialização on-line com o setor comercial das corporações. O capital produtivo pode, também, tomar iniciativas como a emissão e especulação com ações e títulos e a criação de instituições para financiar a demanda dos bens por ele produzidos. Em terceiro, tem desencadeado o aprofundamento do desperdício do capitalismo. Para além do consumismo observa-se a redução da vida útil dos bens, denominada taxa decrescente de utilização ou obsolescência programada dos bens. A redução da vida útil dos bens, como um todo, ou de componentes substituídos dentro de uma programação, reflete os problemas advindos da realização do valor (distribuição e consumo), o que tem conduzido o sistema de capital a radicalizar o desperdício. O desperdício na forma da taxa decrescente de utilização, ou obsolescência programada dos bens, aprofunda os problemas da realização do valor, que, em princípio, foi acionado para atenuar e/ou resolver. Isto porque a redução do ciclo de vida útil dos bens, acompanhado do crescente valor agregado (custos tecnológicos elevados) aos mesmos, impõe ao sistema do capital uma distribuição regressiva de rendas na sociedade. Portanto, sob a manta da distribuição injusta de renda, há, de fato, a lógica perversa do capital, da extração da mais-valia às condições politicamente criadas para a realização do valor. Em quarto lugar, a reação a tendência de queda da taxa de acumulação do capital tem conduzido a uma crescente “presença” dos países centrais em regiões que possuem recursos naturais que podem concorrer para a redução ao custo de reprodução do capital, a exemplo das reservas de petróleo, de minérios estratégicos e de biodiversidade. Esta “presença”, que pode assumir uma forma de domínio direto ou indireto, que se expressa como assuntos da diplomacia, do direito e da guerra, nada mais representa do que iniciativas do sistema do capital num contexto de crise de acumulação. Em quinto, tem aprofundado o papel que a indústria armamentista e a guerra ocupam no capitalismo. A indústria armamentista é, por excelência, a indústria do desperdício, do valor de troca que se realiza sem que necessariamente tenha que ser
  • 19. 19 consumido. Indústria que, para tanto, exige que o Estado mobilize o fundo público para a realização comercial dos seus bens, na forma do armamentismo, sob corrida bélica entre os Estados ou não. A guerra, por sua vez, assegura novas frentes de reprodução do capital sob a própria destruição de forças produtivas, bem como assegura o domínio do mundo do trabalho e de povos, por parte do sistema do capital. Enfim, a reação à queda da taxa de acumulação do capital assume diversas formas. Todavia, são formas que, se de um lado, asseguram a continuidade da reprodução do sistema do capital por meio do próprio aprofundamento da exploração, do desperdício e da destruição, de outro aprofunda as próprias contradições sobre as quais ele se reproduz. 2.7. Crise e tendência de incontrolabilidade do sistema do capital Durante a fase da revolução industrial o capital produtivo foi capaz de subordinar o capital comercial e o capital financeiro à lógica do capital produtivo. Atualmente constatamos que o capital comercial, altamente concentrado, readquiriu a capacidade de se colocar como rival do capital produtivo. Ele tem tido poder de determinar, em grande medida, o tipo de produção de bens de consumo final, bem como de recolher uma parte importante da mais-valia, mediante o controle eficaz do final da cadeia de realização do valor (da distribuição ao acesso ao mercado). Constatamos, ainda, que o capital financeiro, altamente centralizado, tende a se impor crescentemente sobre o capital produtivo, de forma a controlar a sua reprodução a médio e, possivelmente, num futuro não muito distante, a curto prazo. Abocanha, assim, uma gigantesca parcela da mais-valia e do sobre-trabalho, socialmente produzido, e amplifica o fetiche ilusório de que o dinheiro teria o poder de criar valor. A mundialização do sistema do capital, sob a forma da concentração do capital produtivo e comercial, da centralização do capital financeiro e da financeirização da economia, tende a determinar a homogeneização dos ritmos de acumulação entre todas as empresas e grupos econômicos. Este fenômeno se estende também por toda a economia, por exemplo, dos países dominantes. De fato, o Japão perdeu seu ritmo de acumulação e se aproximou da Europa, em especial, a partir de meados dos anos 90. Os Estados Unidos, após os sete anos de ciclo econômico expansivo, em grande medida artificial e especulativo - artificial porque não redefiniu a matriz tecnológica e energética e porque se beneficiou da intensificação de consumo às custas de déficits comerciais e
  • 20. 20 públicos e do endividamento da família média norte-americana; e especulativo porque maquiou o desempenho e faturamento de empresas, responsáveis pela ampliação criminosa do valor patrimonial das empresas e grupos econômicos – convive com uma queda do ritmo de crescimento econômico e com a tendência de nivelação com os ritmos de crescimentos econômicos da Europa e do Japão. A mundialização do sistema do capital tende a determinar, ainda, que as empresas, grupos econômicos e países lancem mão de todos os instrumentos que possam atenuar a tendência de queda dos ritmos de acumulação. Instrumentos que serão aplicados de forma agressiva contra os trabalhadores, povos e países dependentes (periféricos e semi- periféricos), visto que a própria tendência de homogeneização dos ritmos de acumulação, entre todas as empresas, grupos econômicos e países dominantes, constitui, em si mesmo, um fator intensificador da agressividade.
  • 21. 21 3. A RESISTÊNCIA À “NOVA ORDEM MUNDIAL” Há razões bastante substanciais para a oposição disseminada em todo o mundo contra a forma, típica da globalização, de “direitos do investidor“ que vem sendo imposta. Noam Chomsky A proposição da “Nova Ordem Mundial” neoliberal e globalitária, sob hegemonia dos Estados Unidos, cujos objetivos estratégicos eram buscar condições favoráveis para aprofundar o domínio do sistema do capital sobre o mundo do trabalho e para superar a crise de acumulação do capital, passou a orientar a agenda política internacional, de forma definitiva, após a queda do leste europeu, a Guerra do Golfo e o fim da União Soviética. Em contrapartida, passou também a enfrentar crescentes resistências em todo o mundo, a partir de meados dos anos 90, do século passado. Em primeiro lugar, países capitalistas centrais passaram a resistir a processos como o avanço das forças econômicas dos Estados Unidos nos novos mercados por meio da nova onda de mundialização das corporações e bancos norte-americanos; da conservação de políticas protecionistas na economia norte-americana, em franca contradição com a pressão que os Estados Unidos realizavam pela redução das barreiras comerciais dos outros países; da imposição por parte dos Estados Unidos de acordos comerciais amplamente favoráveis ao país do Tio San junto a países capitalistas periféricos e semi-periféricos em prejuízo da Europa/Japão; da condução de espionagens econômico-financeiras, por meio dos sistemas de comunicação/informação centrados nos Estados Unidos viabilizando informações privilegiadas, favoráveis a empresas norte- americanas, nas disputas de contratos comerciais etc. Um segundo fator é o fato de os Estados Unidos passarem a enfrentar oposição de países capitalistas semi-periférico como a Rússia, Índia, China e Brasil. Estes países passaram, em que pese a variação de intensidade, a resistir aos processos como: o protecionismo dos Estados Unidos; aos posicionamentos favoráveis a eles emitidos pela Organização Mundial do Comércio (OMC); à pressão do Departamento de Tesouro dos Estados Unidos no tocante à forma de gestão das dívidas internas e externas, dos países devedores; à imposição, por parte do maior país da América, de concessões econômico- comerciais em favor da economia norte-americana.
  • 22. 22 Um terceiro fator que determinou o enfrentamento de crescentes resistências à Nova Ordem Mundial proposta pelos Estados Unidos foi a oposição de movimentos sociais, a exemplo do movimento “antiglobalização neoliberal”, das diversas vertentes do fundamentalismo islâmico, do movimento indígena/campesino de Chiapas. Estes movimentos passaram a resistir a processos como a destruição de postos de trabalho nos países periféricos e semi-periféricos, a desarticulação econômico-social de comunidades locais, o avanço inaudito do padrão cultural, representado pelo “American way of life”.
  • 23. 23 4. CRISE DA “NOVA ORDEM MUNDIAL” E ORDEM MUNDIAL INDEFINIDA Estados e capitais das grandes potências sempre competiram entre si e atuaram como oligopólios em relação aos adversários externos. Devido a isso se transformaram em máquinas de guerra para se reorganizarem como um novo super capitalismo. José Luís Fiori A “Nova Ordem Mundial” deu sinais de crise no final dos anos 90. De um lado, em decorrência da crescente resistência de países e dos movimentos sociais à referida ordem mundial. De outro, em decorrência do comportamento político dos Estados Unidos no âmbito das relações internacionais, caracterizado por uma crescente agressividade. Servem como testemunhas os intensos bombardeios norte-americanos na “área de exclusão militar” do Iraque em 1998; a presença norte-americana nos Bálcãs, por meio do bombardeio da Iugoslávia e da ocupação militar da região do Kosovo pelas forças multinacionais, lideradas pelas forças norte-americanas em 1999; o aprofundamento da presença dos Estados Unidos no conflito da Colômbia; o ataque, ocupação e estabelecimento de um Estado títere no Afeganistão, em 2001. Silenciosamente os Estados Unidos (e os países e movimentos sociais que assumem oposição à política externa norte-americana) terminaram por, se não enterrar os referenciais que haviam orientado a criação da chamada “Nova Ordem Mundial”, colocá-la - a Nova Ordem Mundial - em um plano de menor relevo. Tal processo assumiu maior visibilidade no segundo mandato do governo Bill Clinton (1997-2000). Todavia, foi com a chegada dos republicanos ultraconservadores ao governo - com George W. Bush à frente - que o novo eixo estruturador da política externa dos Estados Unidos ficou consolidado. Os elementos que assumem centralidade no referido eixo estruturador dessa política são o unilateralismo flexível – que permite a materialização da ação política, por meio da opção da prática de supremacia, isto é, de uma política na qual os interesses e metas dos países subordinados encontram pouco espaço de convergência, negociação e pactuação em relação aos interesses e metas norte-americanas – e a lógica da força – que desloca a lógica da persuasão/consenso em favor de uma lógica estrita de força (coação e violência), na medida em que tal prática encontra-se coerente com a opção da prática política de supremacia.
  • 24. 24 Esse novo eixo passou a perseguir dois objetivos políticos. O primeiro deles foi impedir a formação e/ou consolidação de centros de poder que poderiam vir a ameaçar os interesses norte-americanos. Isto significa a tentativa de repor a condição de única superpotência em escala internacional e a de afirmar a sua hegemonia em escala regional, respectivamente, em relação aos demais países de capitalismo central (em particular França e Alemanha que lideram a Europa Unificada e Japão) e em relação aos países de capitalismo central e semi-periférico. O segundo objetivo perseguido foi preparar-se para recorrer a todos os instrumentos de força à sua disposição para alcançar essas metas – inclusive a utilização ofensiva de armas nucleares. O novo eixo estruturador da política externa dos Estados Unidos assumiu contornos mais precisos, após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nas duas torres gêmeas, que compunham o World Trade Center, e no Pentágono e que culminou com a intervenção armada norte-americana no Afeganistão. Após o governo dos Estados Unidos realizar o estabelecimento da ligação do regime político fundamentalista islâmico, sustentado pelas milícias Taleban, no Afeganistão, com a rede terrorista Al Qaeda, suposta articuladora dos referidos atentados, ele permitiu a construção do fato político necessário para que os ensaios do novo eixo estruturador da política externa dos Estados Unidos, presentes na recusa em assinar o protocolo de Kyoto, na retirada da conferência contra o racismo em Durban e na retomada do projeto “Guerra nas Estrelas”, pudesse apresentar uma materialização exemplar e justificável. No plano externo, o novo eixo de política externa dos Estados Unidos assumiu como suas características: a) a transformação da chamada “guerra contra o terrorismo” no tema dominante da sua política externa; b) a definição imprecisa do que venha a ser “terrorismo”, “terroristas” e “guerra contra o terrorismo”, de forma a permitir a contínua “eleição” de novos alvos, segundo a conveniência política do momento; c) a indefinição do período de duração da campanha de “guerra contra o terrorismo” e a afirmação unilateral de que ela será prolongada, o que redefine o conceito de guerra e coloca sobre o mundo a “espada de Dâmocles” norte-americana, a única potência que se acha capaz de definir o que venha a ser “terrorismo”, “terroristas” e “guerra contra o terrorismo” ;
  • 25. 25 d) a construção de “coalizões” internacionais em torno dos objetivos geopolíticos dos Estados Unidos, de forma a estabelecer alianças e parcerias ad hoc pontuais e seletivas, construídas por meio de acertos bilaterais, segundo as prioridades variáveis da sua agenda externa, de um lado, e de outro, a sacrificar a consolidação de um sistema multilateral de segurança coletiva; e) a territorialização das ações militares, isto é, a retomada dos objetivos geopolíticos de controle direto (econômico e militar), indireto (econômico e político) e misto (econômico, político e militar) de povos e países, de forma que recuperam modalidades de domínios territoriais referenciados no imperialismo do final do século XIX e início do século XX, a exemplo da ocupação político-militar do Afeganistão pelos Estados Unidos e forças aliadas e da recente ocupação político- militar do Iraque, pelas forças anglo-americanas, com a formação, respectivamente, do governo títere de Karzai, e do governo militar/civil de norte- americanos e elites iraquianas; f) a materialização de ações político-diplomáticas e militares na forma de uma “cruzada” pseudo laica entre o “bem”, a “democracia”, a “civilização” contra, respectivamente, o “mal”, a “tirania”, a “barbárie”, tão bem representada pela célebre frase do presidente norte-americano George W. Bush, segundo o qual “quem não está conosco esta contra nós”. No plano interno, o novo eixo de política externa dos Estados Unidos assumiu como suas características: a) a redefinição da estratégia de segurança nacional, com a restrição dos direitos e liberdades civis dos cidadãos norte-americanos em geral; b) o controle eletrônico ostensivo por parte do aparato de segurança sobre a esfera privada e a autorização para a violação de correspondência dos cidadãos norte- americanos ou estrangeiros residentes nos Estados Unidos; c) a autorização para a condução de prisões e interrogações de cidadãos estrangeiros sem acusação prévia e mesmo sem qualquer prova de envolvimento com o “terrorismo” ou mesmo com “agressores” dos interesses norte-americanos; d) o julgamento de militares norte-americanos somente será realizado por tribunais militares norte-americanos;
  • 26. 26 e) o controle de massas com repressão às manifestações de movimentos e organizações norte-americanas contra a política externa dos Estados Unidos, a exemplo da repressão ao protesto contra a guerra, no último dia 15 de fevereiro de 2003, em Nova York.
  • 27. 27 5. DETERMINANTES IMEDIATAS DO NOVO EIXO DE POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS UNIDOS O direito internacional deve ser obedecido sempre que possível; mas a ação unilateral se justifica sempre que necessária para garantir os interesses. Bill Clinton O novo eixo de política externa dos Estados Unidos possui determinantes mediatas e imediatas. As determinantes mediatas são as determinantes profundas, correlacionadas com a reposição do domínio do capital sobre o mundo do trabalho e a crise de acumulação de capital, conforme já identificamos. As imediatas são as formas concretas e próximas assumidas pelas determinantes mediatas, no período e/ou conjuntura histórica. Identificá-las nos permite compreender melhor o terreno a partir do qual o referido eixo se construiu, bem como compreender as contradições e tendências do mesmo. 5.1. Crise recessiva, desemprego e eleições A recessão mundial possui, como uma das suas raízes, o processo de valorização artificial de ativos financeiros. Processo esse que vem se desenvolvendo desde o início dos anos 80, sob a pressão de ideólogos e de especuladores de organismos financeiros internacionais como FMI e Banco Mundial, quando foram sendo eliminadas as regulamentações que controlavam e segmentavam o mercado financeiro. A globalização e a liberalização de capitais construiu uma economia mundial mais interdependente e caracterizada pelo parasitismo e pela especulação financeira. Os riscos de “contaminação” nas crises capitalistas, isto é, os riscos de crises capitalistas sistêmicas, aumentaram. Os sete anos de prosperidade do governo Bill Clinton legaram um endividamento das famílias médias norte-americanas. Durante o governo Clinton a renda familiar foi elevada e os juros ficaram baixos. A família média norte-americana intensificou o consumo e adquiriu títulos e ações, negociadas nas bolsas de valores dos Estados Unidos. Com rendas familiares robustas e as ações e títulos aquecidos, o peso da dívida privada familiar ficou relativizada. Todavia, com a chegada da recessão vieram o desemprego, a renegociação de contratos de trabalho desfavoráveis aos trabalhadores, a redução da participação nos
  • 28. 28 lucros e prêmios produtivos, o que reduziu a renda familiar. A ação anti recessiva do Federal Reserve (FED), por meio da redução dos juros, aliviava-se o crescimento relativo da dívida privada familiar, mas não em termos absolutos, visto que o montante ficou demasiadamente elevado. Por outro lado, os escândalos envolvendo a maquiagem de faturamento das corporações econômicas, em especial da chamada “nova economia”, jogaram por terra o valor patrimonial das empresas e, por conseqüência, das suas ações. Isto representou um golpe na economia privada familiar, com uma redução da riqueza patrimonial, um intenso endividamento da família média norte-americana e uma queda da renda familiar. George W. Bush assumiu o governo nesse contexto. O governo George W. Bush tem buscado mostrar aos norte-americanos que está preocupado com a economia, tanto quanto está preocupado com a “guerra contra o terrorismo”. Em diversas oportunidades tem abordado o problema da recessão e se comprometido em atacar o desemprego. As questões da recessão e do desemprego constituem-se em temas sensíveis politicamente, em qualquer processo eleitoral de massas. Todavia, ocupam uma sensibilidade ímpar na atual realidade política dos Estados Unidos, visto que este tema desperta mais atenção dos norte-americanos do que a própria guerra. Isso é conseqüência das fraturas políticas entre republicanos e democratas. Estas fraturas fizeram-se presentes nas articulações e tentativas de impeachment, conduzidas pelos republicanos contra o ex-presidente Bill Clinton. Fizeram-se presentes, ainda, na vitória de George W. Bush com evidências de manipulações e fraudes, conduzidas por seu irmão e governador do Estado da Flórida, já que foi a vitória eleitoral naquele estado que garantiu, ao então candidato, uma pequena maioria no colégio eleitoral que o tornou presidente. O consenso construído atualmente em torno da “guerra contra o terrorismo”, que parece se constituir em uma política de estruturas profundas, isto é, em política de Estado e não de governo, não atenuará as contradições entre republicanos e democratas, salvo em conjunturas de maior tensão provocadas pela política externa dos Estados Unidos. Outra conseqüência é o fato de a composição da câmara dos deputados e do senado, do país em questão ter se constituído sob um empate técnico entre republicanos e democratas. O que significa que as iniciativas parlamentares e a tramitação de projetos e/ou projetos-lei conduzidos pelo executivo tenderão a encontrar grandes resistências nas duas casas do congresso norte-americano, em especial no que tange à redução fiscal, em favor de empresas e grandes fortunas e à orçamentária, em prejuízo de programas
  • 29. 29 sociais (mas em favor da ampliação de investimentos no setor militar e na segurança interna). Uma terceira conseqüência determina que esta realidade é intensificada pela seqüência de eleições legislativas, que anualmente ocorrem em diferentes Estados da federação. Isso significa que se trata de um sistema político-eleitoral no qual as eleições não dão descanso e cada conjuntura poderá ser explorada eleitoralmente de forma mais imediata, com significativo impacto na composição das forças sociais e políticas do congresso dos Estados Unidos. E, por fim, as questões de recessão e desemprego despertam tanto a atenção dos norte-americanos visto que ainda está presente o destino político sofrido pelo governo de George H. Bush no início dos anos 90, quando elevada popularidade obtida com a Guerra do Golfo compartilhava a conjuntura como o início de uma grande recessão. Ao término de dois anos essa recessão havia arrasado com a popularidade que o então presidente acumulara com a guerra e conduzia os democratas, com Bill Clinton à frente do governo, por dois mandatos. De outro lado, é ainda forte as lembranças do ciclo econômico virtuoso de sete anos de prosperidade e crescimento econômico, vividos nos governos democratas de Bill Clinton, o que representa um fantasma sob a gestão republicana. Enfim, a continuidade da recessão pode provocar em uma parte importante do eleitorado - menos ideológico e mais sensível ao humor variável das taxas de emprego e comportamento da renda familiar - uma correlação entre os democratas, que podem passar a ser reconhecidos pelos eleitores como privilegiadores do crescimento econômico, do emprego e da expansão da renda familiar, e os republicanos, como privilegiadores dos gastos militares, dos assuntos externos e dos ricos. A “guerra contra o terrorismo” interessa ao governo republicano de George W. Bush como um bode expiatório internamente ao país para escamotear: a recessão e seus efeitos; a redução dos impostos sobre lucros das grandes empresas e grandes fortunas; o aprofundamento do controle do Estado sobre a população civil, entre outros fatores. Todavia, a eficácia desta iniciativa depende, em grande medida, da capacidade desse governo de administrar sua tênue necessidade “preparar” os norte-americanos para novas ameaças terroristas, sem aterrorizá-los em demasia, de maneira a preservar o apoio político-eleitoral, de um lado, e de construir a idéia de que o que se faz agora – guerra e domínio direto e indireto norte-americano em regiões estratégicas – seria um preço a ser pago para um futuro de paz e prosperidade sem que os sacrifícios sejam demasiados, de outro.
  • 30. 30 5.2. Estados Unidos e o petróleo A busca do controle de parte das maiores reservas de petróleo do planeta é o que norteia a política estratégica dos Estados Unidos nas regiões do Golfo Pérsico e da Ásia Central. A guerra contra o Afeganistão, que não é produtor de petróleo, decorreu da sua localização estratégica para a exploração do precioso bem, na região da Ásia Central por ser um país de passagem entre o Oriente Médio e a Ásia Central. A mais recente guerra contra o Iraque, que produz atualmente 10% do tão disputado combustível no contexto mundial, já decorre da necessidade de controle direto dessas reservas. Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 serviram como pretexto para que os Estados Unidos realizassem uma intervenção militar nas regiões do Golfo Pérsico e da Ásia Central, como parte da criação das condições geopolíticas para o controle de parte das maiores reservas de petróleo do planeta. A viabilidade desta estratégia depende da construção de sólidas bases militares nas referidas regiões. Os Estados Unidos são os maiores consumidores de petróleo e encontram-se fortemente dependentes da sua importação. O país possui 4,2% da população mundial, produz 9,8% do petróleo mundial, mas consome 25,6% do mesmo (Fonte: ENI, 2001.). O orçamento de petróleo dos Estados Unidos é de aproximadamente 200 bilhões de dólares anuais. Os gastos militares atuais, próximos dos US$ 400 bilhões, também compõem, indiretamente, os gastos demandados para assegurar o controle de parte das maiores reservas petrolíferas do planeta. A Lei de Política Energética dos Estados Unidos de 1992 instituiu estoques estratégicos para garantir o funcionamento do sistema econômico, em caso de uma interrupção das rotas e fluxos de petróleo, de forma que o governo teria um espaço de tempo para agir. Concluída a desobstrução, via militar ou não, as rotas e fluxos de transporte do mesmo e do acesso aos campos de produção do combustível, em especial do Oriente Médio, estariam assegurados. Os estoques estratégicos norte-americanos representam 2,8% das reservas estocadas no mundo, o que garantiria o seu consumo por apenas quatro anos. Portanto, este seria o espaço de tempo para o país agir. Os Estados Unidos, a exemplo da Europa e do Japão, dependem do acesso permanente aos recursos petrolíferos de outras regiões, especialmente do Oriente Médio. O modo de produção e de acumulação do capital opera sob uma economia do consumo e
  • 31. 31 do desperdício, cuja matriz energética ainda hoje são os combustíveis fósseis. O petróleo encontra-se, portanto, no centro das relações de acumulação do capital. O maior ou menor custo para o acesso às concorridas reservas ao petróleo pode também determinar modificações no desenho político-econômico dos países de capitalismo central, visto que esse acesso compõe o custo de reprodução do capital. A elevação do custo do petróleo para a Europa e o Japão, em decorrência da posição favorável dos Estados Unidos no que se refere ao controle do mesmo pode elevar custos de produção e de comercialização na Europa e no Japão em relação aos Estados Unidos, reduzir a competitividade industrial/comercial e, no limite, reduzir a taxa de acumulação do capital no conjunto da economia deste continente e deste país. As bases sobre as quais estão assentadas a acumulação do capital, por exemplo, o custo energético, pode determinar a erosão, conservação e fortalecimento de hegemonias. Portanto, o custo do petróleo ou o valor econômico que ele representa numa dada conjuntura não reflete em absoluto o papel estratégico na reprodução do capital. Não considerar o papel que o “objeto do desejo” ocupa nas relações políticas e, em especial nos conflitos e guerras, é omitir cinicamente a sua profunda importância no processo de reprodução do capital. Em que pese o papel que o petróleo ocupa no processo de redução do capital e o custo para a sua extração, transporte beneficiamento, o seu preço é definido em termos que ultrapassam a dimensão econômica imediata, isto é, ele é, em grande medida, político. Representa a síntese momentânea da correlação de forças – relações inerentes ao mercado cartelizado, a estratégias e pressões corporativas, ao poderio militar – dos interesses envolvidos na apropriação de sua renda e de seus benefícios. Interesses que podem ser de empresas, grupos econômicos e Estados. Os principais produtores de petróleo do mundo em milhões de barris/dia são: 1º Arábia Saudita: 8,5; 2º Estados Unidos: 8,1; 3º Rússia: 7; 4º Irã: 3,8; 5º México: 3,6; 6º Noruega: 3,4; 7º China: 3,3; 8º Venezuela: 3,1; 9º Canadá: 2,7; 10º Emirados Árabes Unidos: 2,6 (Fonte: ENI, 2001). As maiores reservas comprovadas de petróleo em bilhões de barris se encontram nos seguintes países: 1º Arábia Saudita: 262; 2º Iraque: 113; 3º Emirados Árabes Unidos: 98; 4º Kuwait: 97; 5º Irã: 90; 6º Venezuela: 78; 7º Rússia: 49; 8º Líbia: 30; 9º México: 27; 10º Nigéria: 24. Mas, segundo as fontes esses dados podem ser superiores (Fonte: ENI, 2001). A ação militar sobre o Iraque, a exemplo da ação militar sobre o Afeganistão, poderá desencadear oscilações nos preços, em especial no contexto de uma resistência
  • 32. 32 civil-popular à ocupação. Historicamente os picos de preços do petróleo sempre foram acompanhados por crises político-militares no oriente médio. Mas os instrumentos de regulação político-econômico-militar dos Estados Unidos e da Europa poderão manter os seus valores dentro de faixas toleráveis aos seus próprios interesses. Os Estados Unidos, que produzem 40% e importam 60% de todo o petróleo que consomem, têm, portanto, na questão deste combustível um tema estratégico da sua política externa. Tal importância é amplificada em face da distante realidade da transição para uma outra matriz energética e do lobby das grandes corporações petrolíferas norte- americanas junto às políticas de Estado e governamentais daquele país. Esta realidade tenderá a assumir um sentido dramático à medida em que nas próximas duas ou três décadas o progressivo esgotamento da produção de petróleo venha a elevar o preço deste combustível, com intensas repercussões no custo de capital, no desequilíbrio financeiro dos países, nas disputas por regiões produtoras – a exemplo do que foi o conflito Irã versus Iraque. Este quadro poderá apresentar desdobramentos que estreitem ainda mais a taxa média de acumulação de capital. A presença de 65% das reservas mundiais de petróleo na região do Golfo Pérsico colocou-a no centro da geopolítica internacional. Enquanto os Estados Unidos dependem de 60% de importações de petróleo, a Europa depende de 68%, e o Japão, de 98% (Fonte: ENI, 2001). 5.3. A importância estratégica do Iraque O Iraque despertou atenção especial dos Estados Unidos. Isso não decorreu apenas do fato daquele país não se encontrar sob a batuta política deste, contrariamente a outros países árabes títeres da região. Há de se considerar a assinatura de pré- contratos de exploração de petróleo entre empresas chinesas, francesas e russas e o governo iraquiano. Há de se considerar, também, a transformação do Euro em moeda de referência entre as transações econômicas envolvendo Europa e Iraque, de forma a afastar os Estados Unidos/Dólar das relações econômicas em favor da Europa/Euro e da alternativa e oportuna político-econômica que tal medida representaria em termos da construção de uma influência direta crescente da Europa sobre o Iraque. Tal processo representaria um espaço de influência política e econômica que tenderia a se estender sobre grande parte da região.
  • 33. 33 A ocupação político-militar norte-americana do Iraque, ou a sua transformação em um Estado títere visa, de um lado, ao controle direto sobre a produção e as reservas de petróleo deste país. De outro, visa a afastar a Europa da região do Golfo Pérsico e do Oriente Médio, e/ou submeter a sua presença a um papel de coadjuvante político e econômico de menor importância e subordinado aos Estados Unidos. Esta economia política do petróleo nos ajuda a compreender o caráter da maioria dos regimes políticos dos países produtores deste combustível. Estes regimes políticos não primam pelos princípios da democracia e dos direitos humanos, pelo contrário sustentam-se, como tais, pelos países de capitalismo central, em especial pelos Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha. 5.4. A indústria bélica dos Estados Unidos A indústria bélica dos Estados Unidos fatura anualmente US$ 1 trilhão, compõe uma profunda cadeia produtiva que emprega milhões de trabalhadores e tem se constituído em um dos instrumentos da manutenção no poder de governos títeres e autoritários. A cruzada de Bush, portanto, pode ser entendida, também, por este viés, visto que a indústria armamentista é um dos segmentos econômicos que ganhará com a guerra de Bush. A “guerra contra o terrorismo” e a defesa da nação são apresentados como as principais missões do governo George W. Bush. Tais missões, que podem ser sintetizadas como a defesa do país, demanda custo, o que foi utilizado para justificar a aprovação para 2003 do maior orçamento militar das duas últimas décadas (US$ 379 bilhões) e da duplicação do orçamento para segurança doméstica (US$ 38 bilhões). O corte nos impostos (redução fiscal) e o aumento dos gastos militares, que cumprem papel destacado no contexto da crise de reprodução do capital, representam também pagamentos feitos pelo governo Bush às grandes corporações econômicas, em especial à indústria bélica, que financiaram boa parte da sua campanha eleitoral. Todavia, o governo Bush tenta mascarar esta realidade quando, de um lado, tenta relacionar a busca pelo crescimento econômico com a “guerra contra o terrorismo” e, de outro, tenta atribuir o déficit fiscal público aos custos da guerra “necessária”, escamoteando a importância que a própria redução fiscal, promovida por ele, cumpriu neste quadro.
  • 34. 34 A indústria bélica é, ainda, um instrumento econômico tendo em vista a superação da recessão econômica dos Estados Unidos, segundo uma espécie de “keynesianismo” militar, conforme já observado. 5.5. Protecionismo econômico Os Estados Unidos têm pregado a abertura econômica e tem sido o mais protecionista dos países. Tem usufruído do apoio da Organização Mundial do Comércio (OMC), no que tange aos temas por eles apresentados para a apreciação, disputa e julgamento. As medidas protecionistas podem determinar uma variação de 8 a 30% dos custos de importação. A Lei Farm Bill prevê subsídios para o setor agropecuário dos Estados Unidos de US$ 180 bilhões de dólares nos próximos dez anos. Esta lei interferirá profundamente no mercado agrícola internacional de bens agropecuários, porque determinará menor preço, dentro e fora do país, para os bens agropecuários de maior produção no mercado mundial. Isto porque os Estados Unidos são os maiores produtores de bens agropecuários como soja, trigo, milho e carnes. Tal realidade provocará a queda de preços de produtos agrícolas em todo o mundo, como também provocará problemas no âmbito do emprego, do balanço de pagamento, do comércio e do equilíbrio fiscal em países periféricos e semi-periféricos, como o Brasil. Agregam-se aos subsídios para o setor agropecuário, aspectos como as leis sanitaristas e as pressões comerciais e financeiras dos Estados Unidos, que também concorrerão para uma radicalização dos problemas acima identificados. Tais processos agem fortemente nas exportações de produtos agropecuários e de matérias primas e na redução dos seus preços. Concretamente eles representam uma pressão nas balanças comerciais de países periféricos e semi-periféricos porque transferem os déficits comerciais norte-americanos para estes países. Representam, enfim, o usufruto da condição de império em favor da contenção da sua crise econômica recessiva, imediata e, imediatamente, da criação de condições favoráveis para a superação da sua crise de acumulação. O setor siderúrgico norte americano, por sua vez, além dos subsídios reservados ao aço, foi premiado pelas cotas e tarifas de importações sobre o aço importado. Tal realidade desencadeou uma reação protecionista da Europa em face do aço norte- americano.
  • 35. 35 Para países exportadores de produtos agropecuários e de aço, como o Brasil, tais processos representam pressões nas balanças comercial e de pagamento além, é claro, de conseqüências sociais e políticas de enorme gravidade.
  • 36. 36 6. SUSTENTAÇÃO IDEOLÓGICO-POLÍTICA DA NOVA POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS UNIDOS O que se precisa hoje é de um novo tipo de imperialismo, que seja aceitável ao mundo dos direitos humanos e dos valores cosmopolitas, o imperialismo pós-moderno voluntário da economia global. No passado, os impérios impuseram suas leis e seus sistemas de governo. Hoje trata-se de movimento voluntário de auto ajuda. Robert Cooper Um contexto histórico - marcado por aspectos como: a ascensão dos ultraconservadores republicanos no governo dos Estados Unidos com George W. Bush à frente; o colapso argentino; o atentado terrorista do dia 11 de setembro de 2001 e a guerra no Afeganistão - colocou em cheque toda uma produção ideológico-político dos anos 90. Teses como as que asseguravam: que as transformações históricas teriam chegado ao fim com o advento do mercado global livre, do liberalismo e do fim do socialismo; que o imperialismo seria coadunável com os direitos humanos; que a globalização sob a nova roupagem liberal seria benévola e promotora da socialização do conhecimento, da informação, dos valores democráticos e das vantagens comparativas entre os Estados, caíram por terra. Teorias, livros, ensaios, artigos e pronunciamentos sustentados nas referidas teses e em outras, foram conduzidos pela história para a lata de lixo das ilusões perdidas. Os resultados das ilusões, todavia, estão presentes. No Brasil a ofensiva teve início no final dos anos 80, enormente beneficiada por processos como a crise da União Soviética, a reintegração direta do leste europeu à economia ocidental e a transição do regime político da ditadura militar para um regime liberal conservador. No meio universitário ocorreu um ataque a dialética materialista histórica e um avanço de diversas modalidades de metodologias, teorias e concepções irracionalistas. Em termos políticos e econômicos as conseqüências foram a privatização de empresas públicas, amplas concessões públicas, realizadas em favor de grupos monopolistas/oligopolistas, a desnacionalização de economias, o endividamento interno e
  • 37. 37 externo gigantesco, a dependência do capital financeiro internacional, o desemprego estrutural, a demolição de direitos dos trabalhadores, entre outras. O despertar do mundo das ilusões na forma da volta das guerras, da corrida armamentista e da reafirmação explícita dos Estados Unidos como epicentro do poder político-militar internacional demandava novas contraposições ideológico-políticas. Portanto, não era mais possível adiar a formulação explícita de uma nova polarização ideológico-política. Os Estados Unidos, em decorrência da necessidade de coesão interna, da extorsão econômica planetária em favor da sua estrutura econômica e do seu belicismo, necessitam construir inimigos externos. São inimigos virtuais ou relativos que proporcionem uma racionalidade argumentativa justificadora e legitimadora da sua política hegemonista e imperialista. Desde o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos buscaram impor uma nova polarização. Aquela que mais lhe interessou foi a que se estabeleceu entre capitalismo neoliberal e os Estados fundamentalistas da sua periferia. Ela poderia ser caracterizada como choque de civilizações – versão internacional e geopolítica das teorias do multiculturalismo. Nesta nova polarização, o capitalismo neoliberal foi apresentado como caminho único. O que se pretendia era suplantar a contradição ideológico-política entre capitalismo e socialismo. O fundamentalismo foi apresentado como a negação da civilização e da democracia. O que se pretendia era obscurecer as contradições e lutas de classes, abertas ou ocultas, na forma dos grupos, classes e Estados em conflito. 6.1. Construindo um paralelo com a Guerra Fria Donald Rumsfeld (2001), secretário de defesa norte-americana, buscou construir um paralelo entre o combate ao comunismo e a União Soviética e o combate ao terrorismo. Segundo ele, o combate ao comunismo e a União Soviética teria sido definido entre 1946/50 e foi uma guerra longa, de forma que “uma União Soviética agressiva, expansionista e armada até os dentes foi contida e impedida de ocupar a Europa Ocidental e de espalhar o comunismo pelo mundo”. Segundo Rumsfeld, esta política teria sido acertada, visto que a corrida militar viabilizou a ruína das bases econômicas e sociais desse Estado e dos seus satélites, na
  • 38. 38 medida em que teria gerado um comprometimento dos seus PIBs com a corrida militar. O combate ao terror seria, segundo ele, uma guerra longa, com ações militares e de inteligência, mas que também ao final de um longo processo seria por todos reconhecida a sua importância por extirpar o terrorismo internacional, a exemplo do que teria sido o combate ao comunismo e à União Soviética. Tal paralelo expressa-se na “satanização” de forças políticas e na ação repressiva às referidas forças políticas, tendo em vista a defesa do status quo internacional. Nessa medida, representa a tentativa de reunir e galvanizar um leque de forças e aliados que envolvam os Estados centrais do capitalismo, os Estados títeres e as classes sociais dominantes e dirigentes políticos dos Estados semi-periféricos e periféricos do capitalismo subordinados ao papel e liderança hegemônica dos Estados Unidos, como baluarte da defesa da ordem internacional. 6.2. Capitalizando o moralismo O governo de George W. Bush tem buscado acentuar um discurso e uma prática política conservadora e moralista internamente nos Estados Unidos. Tal discurso e tal prática está relacionada com a tentativa de alcançar uma base de sustentação política e ideológica à política de Estado, marcada pelo unilateralismo e militarismo, no plano externo, e pela construção de bases político-eleitorais mais sólidas para seu governo, no plano interno. Seu conservadorismo propõe salas de aulas para meninos e meninas; dispõe a apoiar apenas os colégios voltados para meninos e/ou para meninas; libera fundos mais robustos para conduzir campanhas publicitárias em favor de abstinência sexual entre jovens e contra o aborto; delega para entidades da sociedade civil de cunho religioso recursos para o combate à pobreza e à dependência de drogas e restringe a atuação direta do Estado a estas áreas. Por fim, tem-se observado o estímulo ao crescimento de rituais religiosos em instituições e dependências governamentais desde a chegada dos republicanos ultraconservadores ao governo. A direita evangélica está mais organizada e influente. O seu apoio aos republicanos ultraconservadores nas eleições representou, por sua vez, pressão sobre o próprio governo republicano. Ela possue uma rede de ONGs conservadoras que, além de articular política e religião, pode criar instrumentos da sociedade política do império (Estado-governo) no âmbito da sociedade civil e/ou da sociedade civil do capital no
  • 39. 39 âmbito da sociedade norte americana como um todo. Esta questão pode, ainda, representar a criação/expansão de uma rede de ONGs conservadoras em escala internacional, em especial na América Latina, a exemplo do que organizações religiosas desenvolveram na América latina no período de vigência da chamada Aliança para o Progresso de John Kennedy, e mesmo posteriormente. Essa política conservadora e moralista é acentuada, também, por outros meios. Ela determinou a volta da disciplina Educação Cívica aos currículos escolares; interfere na indústria cinematográfica de Hollywood pressionando para que a mesma produza mais filmes que enalteçam o patriotismo e conduz campanhas publicitárias em favor da realização do serviço e da carreira militar. O próprio Pentágono está financiando a criação de jogos eletrônicos de guerra, voltados para crianças e adolescentes, com o propósito de construir uma cultura militar, mais enraizada, no inconsciente coletivo da sociedade norte- americana. Concepções e valores religiosos e culturais, cujas raízes históricas se encontram no puritanismo e que se fazem presentes nas estruturas mentais e culturais da sociedade norte-americana, são explorados pela sociedade política (Estado e governo) e pela sociedade civil do capital (corporações midiáticas, igrejas evangélicas e ONGs conservadoras etc). São concepções e valores como aqueles identificados com a “missão“ do povo norte-americano em face da humanidade, a condição de povo predestinado a realizar no mundo valores “cristãos”, o Estado/governo como pastor de um grande rebanho (o povo norte americano) e cuja função é protegê-lo do “mal” e das “ameaças” externas ao rebanho. Portanto, para que se possa justificar aspectos como os gastos militares, o ocultamento da redução da carga de impostos sobre as grandes fortunas e empresas, o fortalecimento dos republicanos ultraconservadores no Estado e a reafirmação da hegemonia norte-americana sobre bases de supremacia política, tem que ser criado o “inimigo externo” e serem instrumentalizados valores e concepções ideológicas que compõem a subjetividade da sociedade norte-americana.
  • 40. 40 7. O DEBATE DIPLOMÁTICO NORTE AMERICANO De todo esse mal resultará o bem. Em meio às nossas lágrimas podemos vislumbrar oportunidades de tornar o mundo melhor para as gerações vindouras. E nós aproveitaremos essas oportunidades. George W. Bush O fim da Guerra Fria não foi acompanhado pela definição de um direito ou norma internacional claramente definida. Sequer uma instância suprema que avocasse do direito de definir o que seria “eqüidade” e “justiça” foi criada. A ONU, que agia como tribunal de entendimentos e que poderia ter sido convertida nesta instância, ficou progressivamente enfraquecida ao longo dos anos 90, em especial a partir da Guerra do Kosovo, quando o seu Conselho de Segurança foi ignorado pelos Estados Unidos e aliados, tendo em vista a intervenção militar na Iugoslávia. A fragilidade da ONU contrastava com a força dos Estados Unidos nos terrenos militar, financeiro e informacional e com a globalização econômica que era imposta ao mundo, a partir deles. Os Estados Unidos assumiam o papel de centro de referência política, econômica e ideológica do mundo. Papel este para o qual foram beneficiados também pelos sete anos de prosperidade da era Bill Clinton que, se por um lado, não foi capaz de superar a crise de acumulação de capital nos Estados Unidos (e em grande medida foi um ciclo econômico virtuoso às custas de fraude e corrupção). Por outro, foi capaz de assegurar um ambiente interno de estabilidade econômica e social e um superior desempenho econômico das corporações e bancos norte americanos, em face do desempenho de corporações e bancos europeus e japoneses. Todavia, os anos 90 foram também anos de situações adversas para a preservação da hegemonia dos Estados Unidos. Os anos 90 foram responsáveis pelo crescimento de um sentimento antiamericanista concomitante e proporcional ao aprofundamento da hegemonia dos Estados Unidos. Déficits nas transações comerciais entre Estados Unidos e Europa e Estados Unidos e Japão acentuaram desequilíbrios econômicos externos do País. Internamente a disputa pelo governo travada entre democratas e republicanos ameaçou se converter em instabilidades institucionais.
  • 41. 41 Um ambiente favorável ao surgimento de um novo “pacto de guerra” estava dado. Faltavam atores determinados para criá-lo e um fato para justificá-lo. A eleição de George W. Bush e os atos terroristas de 11 de setembro de 2001 atendiam às duas condições. O “pacto de guerra” como uma política de Estado poderia se utilizar de duas vertentes políticas norte-americanas. Primeiramente, a vertente tradicionalmente identificada com os democratas, que valoriza uma via hegemonista e imperialista incorporadora de metas e perspectivas, ainda que de forma subalterna dos demais países e segundo a sua importância econômica, política e militar. Portanto, trata-se de uma concepção de política externa fundada na pactuação política. Em segundo lugar, a vertente tradicionalmente identificada com os republicanos, que valoriza uma via hegemonista e imperialista pouco incorporadora de metas e perspectivas dos demais países. Portanto, trata-se de uma concepção de política externa fundada no exercício de supremacia política. Joseph Nye, doutor em Ciência Política pela Universidade Harvard, consultor do Departamento de Estado dos Estados Unidos de 1977 a 1979 no governo Jimmy Carter e Presidente do Conselho Nacional de Segurança dos Estados Unidos, evidencia a concepção tradicionalmente identificada com os democratas. Para ele a política externa dos Estados Unidos deveria combinar o “hard power” – a utilização de instrumentos militares e econômicos para coagir outros atores políticos, econômicos ou sociais a fazer o que eles não querem, que sempre foi importante para os Estados Unidos e que foi alentado após os atos terroristas de 11 de setembro de 2001 – com o “soft power” – a habilidade de conseguir que se façam aquilo que se quer que eles façam, sobretudo por meio de influência diplomática, cultural e ideológica. Para ele a era da informação global tenderia a alentar o “soft power”. Para Joseph Nye os Estados Unidos deveriam ser líderes na produção de bens públicos globais nas áreas de desenvolvimento, segurança e combate ao terrorismo. Todavia, é um critico da gestão George W. Bush. Este, segundo aquele, não conduziu uma ampla discussão sobre os interesses nacionais dos Estados Unidos em face do mundo e, por conseqüência terminara por cultivar no governo uma política menos multilateral do que deveria ser. Este peso excessivo de ação política unilateral foi o que teria determinado o abandono dos Estados Unidos do Tratado Antimísseis Balísticos (TAB), que, embora, apóie a iniciativa e não acredite que ela possa realimentar uma corrida armamentista, não reconhece que o momento tenha sido adequado para esta iniciativa.
  • 42. 42 Para Joseph Nye o ambiente político internacional, criado após os atos terroristas de 11 de setembro de 2001 teria determinado modificações nas relações internacionais. A necessidade da cooperação internacional de grandes Estados na luta contra o terrorismo, e de seus poderes de destruição em massa, até recentemente privilégio militar, teria permitido um avanço da China e da Rússia nas relações políticas internacionais, embora, em sua opinião, este avanço não tenha sido tão expressivo como muitos analistas costumam identificar. A Europa teria permanecido em grande medida marginalizada por não possuir uma única voz internacional, por não possuir forças de segurança para agir de modo global, menos da Inglaterra, o único país europeu a possuí-las, mas não se encontrar política e diplomaticamente subordinada à Europa. Para Paul Wolfowitz, sub-secretário de Defesa do governo George W. Bush, a política externa do seu País deveria combinar negociações duras com todos os Estados que aceitam/subordinam aos termos das relações internacionais ditadas e/ou aceitas por ele, com as ações preventivas, isto é, a ação armada contra aqueles que agem ou poderiam agir desautorizando os interesses estratégicos do País. Para ele, os Estados Unidos não poderiam, ainda se submeter à camisa de força que o sistema ONU representaria, no que tange aos interesses estratégicos do poderio norte-americano. A posição de Colin L. Powell (2001) parece coincidir, em linhas gerais, com as posições de Joseph Nye em que pese a sua filiação republicana. Colin L. Powell reconhece que os atos terroristas de 11 de setembro de 2001 criaram oportunidades para fortalecer e/ou reconfigurar as relações internacionais e expandir ou estabelecer áreas de cooperação. O eixo político seria avançar o padrão de política externa norte americana nos campos de interesses fundamentais, que segundo ele seriam: a) direitos humanos; b) governos responsáveis; c) mercados livres; d) não proliferação de armas nucleares; e) resolução de conflitos. Para Colin L. Powell, os Estados Unidos deveriam assumir iniciativas próximas e concretas para evidenciar seus compromissos com o referido eixo. Comporia estas iniciativas: a cooperação para suplantar a pandemia HIV/AIDS; o estabelecimento de um cenário estratégico pós-Guerra Fria”; o lançamento de uma nova rodada comercial internacional e a promoção da paz no Oriente Médio. O objetivo dessa política seria segundo ele “(...) um mundo de democracia, oportunidades e estabilidade” (...) “no qual o terrorismo não pode prosperar”.
  • 43. 43 8. CONSEQÜÊNCIAS IMEDIATAS DA NOVA DOUTRINA É preciso a ordenação de um poder soberano para que se possa então definir o que é a equidade e a justiça, uma vez que é a autoridade e não a verdade que faz a lei porque antes que se designe o que é justo do que é injusto, deve haver alguma força coercitiva. Hobbes A nova política externa dos Estados Unidos determinou e tem determinado diversos processos político-institucionais e político-militares diretos. Estes processos trazem conseqüências graves para o sistema de segurança internacional e para as relações políticas regionais. Dentre os processos político-institucionais destacou-se a oposição à ratificação do Tribunal Penal Internacional; a recusa em assinar o protocolo de Kyoto; a retirada da conferência da ONU sobre o racismo em Durban; a recusa em endossar o Instrumento de Verificação do Protocolo de Armas Biológicas; a recusa em assinar o protocolo sobre minas terrestres; a ruptura unilateral do Tratado de Mísseis Anti-Balísticos (ABM); a ofensiva diplomática pelo controle de organizações da ONU e/ou afastamento de responsáveis que representam obstáculos aos interesses norte-americanos, a exemplo do afastamento do diplomata brasileiro José Maurício Bustani, que presidia a Organização para a Proscrição de Armas Químicas (OPAQ) e da irlandesa Mary Robinson, Alta Comissária de Direitos Humanos. Dentre os processos político-militares diretos destacou-se a deflagração da guerra contra o Afeganistão à revelia do Conselho de Segurança da ONU; a derrubada do regime dos Talibãs e estabelecimento de um regime títere no Afeganistão, sustentado pelas forças multinacionais que permanecem no país; a liberdade de ação ao governo de Ariel Sharon contra os palestinos e israelenses-árabes; o envolvimento ativo na luta contra o grupo guerrilheiro fundamentalista islâmico Abu Saiaf, nas Filipinas; a presença mais ostensiva no conflito civil da Colômbia; a participação direta na tentativa de golpe civil-militar contra o governo de Hugo Chaves na Venezuela, em abril de 2002; a guerra e ocupação do Iraque; e a autorização e efetiva eliminação física de ativistas e dirigentes de