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NOTA DE LEITURA
HUNTINGTON, Samuel. O choque das civilizações e a
recomposição da nova ordem mundial.
Rio de janeiro: Objetiva, 1997.
EDU SILVESTRE DE ALBUQUERQUE*
RODRIGO DUARTE DOS PASSOS**
DAKYR L. MACHADO DA SILVA ***
HELIO LARRI VIST ***
CLAUDIO JOSÉ BERTAZZO****
RICARDO MARTINS DE FREITAS ****
ELONIR DUTRA TERRA****
FABIO RAMOS****
A proposta de análise elaborada por Samuel Huntington sobre o
novo conteúdo das relações internacionais no pós-Guerra Fria merece
ampla divulgação. Sua justificativa é a necessidade de nós geógrafos
retomarmos com maior ênfase as discussões em geopolítica, cuja origem
está ligada à da própria Geografia enquanto saber autônomo nos centros
de ensino superior. A atualização nas teorias geopolíticas é mister para
nos colocarmos no mesmo passo que cientistas políticos, historiadores e
filósofos que se dedicam a este temário.
A explicação para essa relativa ausência dos geógrafos nos
debates geopolíticos atuais envolve os excessos historicistas contidos nos
trabalhos dos geógrafos críticos1
. Ressalva-se que não se trata de negar a
*Mestre em Geografia Humana/USP e, à época da realização do presente texto (segundo
semestre de 1998), professor da disciplina de Leituras em Geografia Política, oferecida
pelo Departamento de Geografia da UFRGS.
**Mestre em Ciência Política/USP e colaborador no texto.
*** Alunos bacharéis da disciplina de Leituras em Geografia Política.
**** Alunos licenciados da disciplina de Leituras em Geografia Política.
226
importância da Geografia Crítica - que lançou novas perspectivas para a
compreensão do espaço ao apreendê-lo enquanto produto social-, mas de
chamar a atenção que o espaço, além da dimensão econômica
(especificamente classista na perspectiva marxista), envolve também as
dimensões cultural e política, com suas autonomias relativas em relação
ao econômico.
A leitura geopolítica do paradigma do Choque das Civilizações
Em linhas gerais, a tese de Samuel Huntington2
consiste no fato
de que as explicações para os conflitos presenciados no mundo atual não
são essencialmente ideológicas ou econômicas, mas sim de origem e de
ordem cultural. O autor toma o cuidado de afirmar que as nações-Estado
continuam os agentes mais poderosos nos acontecimentos globais, mas
frisa que os conflitos internacionais envolverão cada vez mais diferentes
civilizações. As linhas de cisão entre as civilizações serão, argumenta,
cada vez mais as linhas de batalha do futuro, inclusive dentro de países
tensionados por questões étnico-religiosas.
Huntington argumenta que os diversos conflitos entre nações-
Estado e ideologias ocorreram no passado fundamentalmente no seio da
civilização ocidental ou tendo esta por referência, exemplificando com os
casos das duas grandes guerras mundiais e da própria Guerra Fria.
Contudo, segue o autor, recentemente (mais precisamente sobretudo
desde o fim da Guerra Fria), a política internacional saiu da fase ocidental
e passou a ter como foco principal a interação entre a civilização
ocidental e as não-ocidentais, além das não-ocidentais entre si. Na atual
realidade civilizacional, os povos e governos das civilizações não-
ocidentais já não seriam objetos da História enquanto alvos da
colonização ocidental, mas juntar-se-iam ao Ocidente enquanto
protagonistas da História.
1
Ver SOJA, Edward. Geografias pós-modernas: reafirmação do espaço na teoria
social crítica. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1993.
2
HUNTINGTON, Samuel. Choque das civilizações? Política Externa. São Paulo, vol. 2,
n. 4, março de 1994. O artigo no original em inglês foi publicado na edição de verão de
1993 da Foreign Affairs, e foi produto de um projeto do Instituto John M. Olin intitulado
“Mudanças no Campo da Segurança e interesses Nacionais Norte-americanos”.
HUNTINGTON, Samuel. O Choque das Civilizações e a Recomposição da Nova
Ordem Mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
227
O autor define civilização por entidades culturais distintas, que
abarcariam o mais amplo agrupamento cultural de pessoas e o mais
abrangente nível de identidade cultural verificado entre os homens, com a
exceção da que distingue os seres humanos das demais espécies. Destaca
ainda a necessidade de elementos objetivos comuns como língua, história,
religião, costumes e instituições, bem como a auto-identificação subjetiva
dos povos. As civilizações poderiam abarcar várias centenas de milhões
de pessoas, como a China, ou apenas alguns milhares, como a civilização
caribenha anglófona. Da mesma forma, uma civilização poderia incluir
numerosas nações-Estado, como ocorre com as civilizações ocidental,
latino-americana e árabe, ou apenas uma, caso da civilização japonesa.
Para Huntington, as linhas que dividem as civilizações, embora
raramente estejam bem definidas, são reais. As civilizações são
dinâmicas; têm apogeu e declínio; dividem-se e fundem-se; surgem e
desaparecem ao longo da História. As identidades civilizacionais tendem
a ser cada vez mais importantes no futuro; e o mundo seria moldado pelas
interações entre sete ou oito grandes civilizações: ocidental, confuciana,
islâmica, hindu, japonesa, eslava ortodoxa, latino-americana e,
possivelmente, africana.
Os conflitos mais significativos do futuro tendem, segundo o
autor, a ocorrer ao longo das linhas de cisão cultural que separam cada
uma dessas civilizações. A recente fragmentação da Iugoslávia, aliás, já
seria elucidativo deste processo.
Dentre as principais razões para o acirramento dos conflitos
civilizacionais estariam:
a) O mundo estaria ficando 'menor': as interações entre povos de
civilizações diferentes estão aumentando, o que intensifica a consciência
das civilizações, tanto das diferenças para com outras quanto das
semelhanças para com as comunidades civilizacionais a que pertencem3
.
As interações entre pessoas de diferentes civilizações acentuam a
consciência civilizacional que, por sua vez, reforça diferenças e
animosidades surgidas há muito tempo.
3
Deste modo, Huntington não enfatiza apenas o conflito civilizacional. Para o autor,
países convergentes culturalmente podem formar uma base sólida para processos de
integração econômica (os 'blocos'). Afinidades culturais que, a partir deste estímulo dado
pela integração econômica, poderiam também ser reforçadas.
228
b) Os processos de modernização econômica e mudança social
estariam separando as pessoas das identidades locais formadas há muito
tempo, enfraquecendo a nação-Estado como fonte de identidade: em boa
parte do mundo a religião tomou a si a tarefa de preencher esse vazio,
com freqüência na forma de movimentos denominados fundamentalistas,
presentes no islamismo, no hinduísmo, no judaísmo, no budismo, e
também no cristianismo ocidental.
c) As características e diferenças de natureza cultural seriam
menos mutáveis e, portanto, mais difíceis de conciliar e resolver que as
diferenças de natureza política e econômica: nos conflitos ideológicos da
Guerra Fria a questão-chave era: “De que lado você está?” As pessoas
podiam escolher um lado ou mudar de lado. No conflito entre as
civilizações a questão é: “O que é você?” Isso não pode ser mudado. Até
mesmo mais que a etnia, a religião descrimina as pessoas de maneira
drástica e exclusivista. Uma pessoa pode ser metade francesa e metade
árabe, e até mesmo cidadã de dois países. É mais difícil ser meio católico
e meio muçulmano.
Em suma, a tese presente nos últimos trabalhos de S. Huntington
é de que as diferenças entre as civilizações são reais e cada vez mais
importantes, uma vez que a consciência cilivizacional está aumentando.
Desta forma, aponta que os conflitos entre as civilizações devem
suplantar os conflitos de natureza ideológica e outras como forma
dominante no âmbito global. As relações internacionais, um jogo
historicamente jogado dentro da civilização ocidental, vão se
'desocidentalizar' cada vez mais; a ponto de tornarem-se um jogo em que
as civilizações não-ocidentais terão participação ativa. Os conflitos entre
grupos de civilizações diferentes serão mais constantes, mais longos e
mais violentos que os conflitos entre grupos de uma mesma civilização, e
provavelmente a fonte mais provável e mais perigosa de guerras globais.
O eixo predominante da política mundial, conforme o autor, será
determinado pelas relações entre “o Ocidente e o resto”. Nesse sentido,
um foco central de conflito no futuro imediato, alerta o autor, poderia se
situar entre o Ocidente e uma coalizão de Estados islâmicos aliados com
a civilização confuciana.
229
As críticas ao paradigma do Choque das Civilizações
O diplomata cingalês Kishore Mahbubani4
lançou uma série de
críticas ao paradigma das civilizações, dentre elas, a de que a civilização
islâmica não seria tão compacta ao ponto de ameaçar o Ocidente. Além
do mais, argumenta Mahbubani, a retirada repentina dos ocidentais pode
ser encarada, na perspectiva do Oriente Médio, como tão danosa quanto
sua permanência na região.
O autor também questiona a suposta preparação de uma união
entre as civilizações confunciana e islâmica, já que o Leste e Sudeste
asiáticos atualmente estariam voltados para a dinâmica Ocidental. O fator
de tensão entre Ocidente e Oriente estaria mais é no tipo de relações
econômicas desenvolvidas entre ambos, que privilegiam os países que
comandam o capitalismo mundial e geram desigualdades econômicas e
sociais nos países do terceiro mundo.
Não obstante refutar as teses de S. Huntington, Mahbubani não
deixa de criticar certos valores ocidentais, como a liberdade individual,
cuja má utilização estaria gerando diversos problemas sociais - como o
aumento da criminalidade, crianças filhas de mães solteiras, divórcios -,
levando o Ocidente a uma decadência moral acentuada.
Já o filósofo político José R. Novaes Chiappin5
, ao contrário,
credita coerência ao paradigma proposto por Huntington, classificando-o
na corrente do realismo político, a qual busca desenvolver estratégias de
poder em face dos contextos econômico, cultural e político no qual se
inserem as relações internacionais de poder. O realismo político é oposto
à idéia universalista presente em autores como Francis Fukuyama (a tese
do “fim da história”) e Kenich Omahe (a tese do “fim do Estado-nação”).
Estes imaginavam uma homogeneidade que levaria a formação de um
super-Estado ou, para tomar de empréstimo a Chiappin, de um “Estado
Único”. Já para autores como S. Huntington e G. Kennan, as diferenças
são admitidas desde a origem, quando defendem a existência de três
grandes 'regiões ideológicas' ou civilizacionais disputando o poder,
visando à hegemonia de uma sobre as outras.
4
MAHBUBANI, Kishore. Civilizações ou o quê? Paradigmas do mundo pós-Guerra Fria.
Política Externa. São Paulo, vol. 2, n. 4, mar. 1994.
5
CHIAPPIN, José R. Novaes. O paradigma das civilizações e a nova estratégia da
contenção. Coleção Documentos. São Paulo: IPEA/USP, 1996.
230
Mas a grande contribuição de Chiappin está em demonstrar que
Huntington desenvolve uma aproximação da teoria de George Kennan,
que concebeu a estratégia norte-americana de contenção aos soviéticos na
Guerra Fria. A tese de S. Huntington visaria a consubstanciar “uma nova
estratégia de contenção”6
para o mundo ocidental, especificamente os
EUA. Nesse sentido, prossegue Chiappin, a idéia da disputa de poder
entre as três grandes civilizações – Ocidental, Islâmica e Confunciana –
encontraria seu correspondente no paradigma da Guerra Fria que
agrupava os países em 1º, 2º e 3º mundos.
S. Huntington preconizaria que a civilização Ocidental deva
procurar conter a emersão de poder destas civilizações que despontam no
desafio a hegemonia do Ocidente, reproduzindo então a premissa
kenniana que consiste em “conter a expansão de um poder que venha
ameaçar o equilíbrio do poder, e, por aqui evitar que este venha a
reconfigurar o sistema internacional em seu benefício”7
.
Ainda de acordo com Chiappin, o paradigma choque das
civilizações implicaria em ao menos três conseqüências práticas:
a) evitaria que a política internacional deixasse “de ser uma
política de características predominantemente ocidentais”8
, mantendo
uma situação de mais de 2000 anos;
b) não apenas evitaria a redução do poderio militar dos países
ocidentais como estimularia sua ampliação enquanto instrumento de
contenção, neste âmbito, os Acordos de Cooperação e de Não-
Proliferação no campo das Armas Químicas e Nucleares, representariam
as regras e normas pelas quais a civilização Ocidental manteria o
“equilíbrio de poder”, representando instrumentos práticos para a
estratégia de contenção9
;
6
Ibid., p.71.
7
Ibid. p. 73.
8
Ibid. p. 75.
9
Esse “equilíbrio do poder” pró-Ocidente seria obtido também por meio de acordos de
cooperação econômica. Chiappin cita a Conferência Euro-Mediterrânea, realizada em
1995 em Barcelona (ESP), entre a União Européia e oito Estados Árabes. O objetivo
principal desta conferência foi estabelecer compromissos mútuos entre as partes: os
árabes comprometem-se a implementar a Democracia e o Estado de Direito, e a garantir
os direitos humanos e liberdades fundamentais – todos integrantes dos valores e cultura
ocidentais. Em contrapartida, a União Européia financiará projetos de desenvolvimento
nos países signatários do Acordo.
231
c) forneceria referenciais teóricos para enfrentar a ameaça que
paira sobre o próprio Estados Unidos de abrigar em sua sociedade
conflitos civilizacionais em decorrência de seu multiculturalismo e da
fragmentação étnica. Chiappin destaca casos recentes de problemas
ocorridos com grupos étnicos e religiosos em território norte-americano,
como a absolvição do negro O. J. Simpson apenas para agradar a
comunidade negra americana, a marcha de 1 milhão de pessoas
comandada pelo negro islâmico Louis Farrakhan, e a explosão por motivo
de vingança religiosa de um prédio federal em Oklahoma praticada por
cidadãos americanos10
.
Aprofundando a discussão
O novo paradigma proposto por Huntington apresenta o mérito de
resgatar também ao plano geopolítico o papel fundamental da dimensão
cultural na história humana. Com efeito, a origem e evolução dos
próprios Estados nacionais, bem como das diversas coalizões formadas a
partir destes, não pode ser ricamente apreendida apenas a partir de uma
visão classista, entrando também como componente explicativo a
complexidade dos 'caldos' culturais que perpassam a história e evolução
dessas unidades políticas.
Outro aspecto favorável ao autor é a capacidade explicativa de
seu novo 'modelo' geopolítico. Por exemplo, se compararmos a situação
interna do Afeganistão ao tempo da bipolarização mundial com sua
situação interna mais recente, o mérito de seu paradigma civilizacional
parece evidente. O mesmo vale para outros episódios como a Guerra do
Golfo11
e o recente conflito entre a OTAN e os sérvios (que contaram
com a solidariedade dos também eslavos russos).
10
A própria França enfrenta problemas internos e externos de natureza civilizacional,
respectivamente, com relação aos magrebinos muçulmanos emigrados e com a situação
política interna da Argélia. Fora do mundo ocidental também ocorrem conflitos
civilizacionais mesclados com interesses nacionais, como entre Índia (hindu) e Paquistão
(muçulmano), e entre Israel (judeus) e árabes (muçulmanos), dentre outros.
11
Nos últimos episódios envolvendo Estados Unidos e Inglaterra contra o Iraque, a reação
mundial foi muito diferente daquela que vimos em 1991. Os russos condenaram o ataque,
posição previsível para todos aqueles que sempre consideraram que a civilização eslava
ortodoxa continuava viva na alma russa. Aliás, os chineses - civilização confucionista -
também reprovaram o ataque ao Iraque.
232
Portanto, uma crítica mais consistente somente pode vir do
questionamento da capacidade de seu paradigma 'civilizacional' explicar a
totalidade dos fatos políticos internacionais mais relevantes da
atualidade. Ainda assim, como menciona Chiappin, é preciso ater-se ao
fato de que nenhum 'paradigma' visa a explicar todos os casos, mas
apenas a contribuir para um melhor entendimento da realidade observada.
Além do mais, Huntington apenas afirma que seria interessante
para o mundo ocidental incluir em sua agenda geopolítica preocupações
no sentido de se preparar para a eventualidade de conflitos
civilizacionais.
Há ainda outros aspectos do paradigma do Choque das
Civilizações que devem ser discutidos mais aprofundadamente. Merece
cuidado o fato de que o uso deste paradigma pode ocultar as disputas por
poder em um mesmo bloco civilizacional, como nos choques comerciais
(e monetários, que se avizinham) entre União Européia e Estados Unidos,
que se travam no interior do próprio bloco ocidental. Por outro lado, a
busca de maior autonomia por parte da União Européia - particularmente
acentuada em países como a França - pode também ser atribuída a
diferenças culturais entre europeus e norte-americanos12
.
É nesse sentido que pode ser interpretada a posição contrária da
França quanto ao ataque anglo-americano ao Iraque. Essa 'oposição
francesa' vai muito além do circunstancial: Jospin, em recente entrevista
ao periódico Le Monde, afirmou que “(...) o mundo precisa de uma
França que não seja banal, que não esteja atrelada a um pensamento único
internacional”. Tampouco essa oposição francesa é uma novidade
histórica: à época da Guerra Fria, a França demonstrava seu desconforto
com a hegemonia Norte-Americana no mundo; então era o herói da II
Guerra, Gal. De Gaulle quem afirmava a exorbitância do fato de o dólar
americano ser a moeda dominante universalmente.
A entrevista de Jospin encerra-se com a declaração de que “(...) a
França não pode viver sem ter identidade própria. O povo francês não
pode viver como um povo cujo destino seria o de se confundir com
outros”. Seria o caso de nos interrogarmos (à la Huntington) se haveria a
possibilidade de a hegemonia da civilização ocidental passar das mãos
12
Com efeito, a própria diversidade étnica, lingüística e até mesmo religiosa diferencia os
europeus continentais dos norte-americanos. Contudo, não se pode deixar de notar a forte
influência do cartolicismo na Europa Ocidental em oposição ao protestantismo inglês e
norte-americano. Talvez o 'paradigma civilizacional' também explique a posição reticente
da Inglaterra - situada fora da parte continental européia - para com cada nova etapa da
União Européia: afinal, ingleses e norte-americanos são “anglo-saxões”.
233
dos protestantes (EUA e Inglaterra) para os católicos (França e parte da
Alemanha)? Em caso afirmativo, poderiamos interpretar Maastricht e o
euro como uma resposta à Bretton Woods dentro das “regras do jogo
ocidentais”.
Desta forma vê-se que considerar o paradigma do choque das
civilizações uma mera justificativa ideológica para a defesa dos interesses
nacionais dos EUA é um tanto reducionista. Evidente que esta dimensão
ideológica também não pode ser simplesmente ignorada: o famoso
geopolítico alemão K. Haushofer já destacava que toda Geopolítica é
Nacional. Mas, tal como o modelo da Guerra Fria, também o modelo do
Conflito Civilizacional pode representar para as relações internacionais
uma leitura útil para vários países e regiões do globo, além dos EUA e
Europa Ocidental.
Finalmente, não podemos esquecer que a hegemonia mundial é
Ocidental, e que os EUA são a principal potência mundial. O que
significa que as questões que interessam aos EUA acabam se refletindo
no Ocidente, e vice-versa, e daí para o resto do mundo. Num sistema
internacional muitas vezes é inevitável que as ações de seus principais
pólos repercutam até nas partes mais distantes. A regionalização que os
EUA (ou o Ocidente) pensarem para o mundo terá grandes implicações
para o sistema internacional, porque o poder de realização dos EUA é
simplesmente extraordinário. É óbvio, por exemplo, que a expansão da
OTAN não ocorre apenas em virtude de fatores endógenos a esta
organização, como tem demonstrado as intenções e ações russas a leste
da Europa.
Outra forte fonte de evidências no sentido de corroborar o
'paradigma civilizacional' reside nas próprias deficiências da democracia
racial e cultural norte-americana, que começa a mostrar seus limites
diante da mobilização negra em torno do islamismo e diante da invasão
de milhões de latino-americanos (a reação é clara no caso da oficialização
do inglês naqueles Estados onde é significativa a presença hispânica).
234
Por fim, a julgar pelos artigos dos últimos números da revista
Foreign Affairs13
- uma das principais do gênero nos EUA -, a “nova
estratégia de contenção” de Huntington não é uma idéia isolada, mas
fruto de uma nova safra de pensadores geopolíticos norte-americanos
(naturais ou não) preocupados com os rumos mundiais (logo, norte-
americanos) no pós-Guerra Fria. Assuntos como a situação interna de
países não-ocidentais e estratégias para evitar o surgimento e
fortalecimento de potências regionais (como o Tratado de Não-
Prolifereção de Armas Nucleares), estão na ordem do dia dos estudiosos
norte-americanos de assuntos internacionais.
Conclusão
O Paradigma do Choque das Civilizações
e o interesse geopolítico brasileiro.
Se o paradigma do choque das civilizações constitui efetivamente
a base para uma nova estratégia de contenção por parte dos EUA,
naturalmente isto terá conseqüências inclusive para países como o Brasil.
Aliás, já há indicativos nesse sentido. É o caso das exportações da
indústria militar brasileira para o Oriente Médio, diretamente atingidas
por conta de “pressões” dos EUA, que ameaçaram ao Brasil com a
inclusão em uma “lista negra” de países que não teriam acesso a
tecnologias norte-americanas consideradas 'sensíveis' militarmente,
alegando para isto que estas poderiam ser repassadas para aquela região
do globo.
Episódios como este parecem confirmar que, como afirma
Huntington, a América Latina não é o Ocidente do ponto de vista
civilizacional. O que realmente nos incomoda nesta 'classificação' não é
tanto a realidade da inexistência de uma identidade latino-americana além
da retórica política das elites regionais ou do passado colonial, mas que
são “eles” que nos colocam à parte dos ocidentais.
Desta forma, juntam-se lobbies de produtores norte-americanos e
a própria população branca deste país quanto a perda de empregos para
visar a deter tanto a evolução da integração econômica com o México
como a expansão do processo para o restante da América Latina. Juntam-
se protecionismos econômicos com temores frente a suposta ameaça à
homogeneidade cultural norte-americana. Desta forma, é muito provável
13
A revista Foreign Affairs é traduzida para o português e publicada em encarte mensal
pelo jornal Gazeta Mercantil.
235
que, mesmo que se efetive a Área de Livre-Comércio das Américas, esta
não venha a se tornar o projeto desenvolvido pela União Européia. Resta
esperar que as elites políticas latino-americanas percebam isto, deixando
de sonhar em entrar como 'convidados' no clube dos países ricos.
E, por outro lado, não existe a necessidade de nos classificarem
como “ocidentais” simplesmente porque as civilizações confuciana e
islâmica14
(cuja coalizão seria para Huntington a mais capaz de
obstaculizar os interesses ocidentais e/ou norte-americanos) não
representam diretamente uma ameaça a esta parte do mundo como
outrora fora a “ameaça” comunista/soviética. Na atualidade, não parece
haver motivos concretos para nos engajarmos com euro-ocidentais e
norte-americanos nas estratégias de contenção aos muçulmanos, chineses
e outros.
Isto significa que do ponto de vista de uma 'geopolítica brasileira'
o paradigma do choque das civilizações não deve vir a cumprir função
análoga à desempenhada pelo paradigma da Guerra Fria. Isto é ainda
mais verdadeiro se levarmos em conta que a hegemonia norte-americana
na América do Sul já não é a mesma das décadas de 50 e 60, época em
que Golbery do Couto e Silva15
propunha um alinhamento com os EUA
em troca de uma autonomia relativa para o Brasil:
Os países do Cone Sul - Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai - têm
retornado à espécie de vínculos internacionais variados que possuíam
antes da Segunda Grande Guerra, recuando os Estados Unidos a um
papel secundário, correspondente a sua falta de grandes interesses
específicos.16
Assim, não parece que o paradigma do choque das civilizações
tenha como traduzir-se no mesmo tipo de questões internas existentes
durante o modelo da Guerra Fria, o que levou o país a acatar e mesmo
14
É importante notar que, por exemplo, o Brasil tem ficado a margem das rotas de
atentados terroristas por parte de grupos islâmicos. Aliás, este é um 'problema'
especificamente para países e regiões como Israel, alguns países da Europa Ocidental e
EUA. Quanto à 'ameaça' confuciana, esta restringe-se para nós ao aspecto comercial, com
a invasão de importados que tem destruído parte de nossos setores industriais.
15
COUTO E SILVA, Golbery do. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio,
1967. Para o General, a projeção desse poder teria como centro geográfico o Atlântico
Sul; para tanto, seria necessário que o Brasil estreitasse seus laços políticos e comerciais
com os vizinhos sul-americanos e os países africanos de língua portuguesa.
16
LOWENTHAL, Abraham F. Os Estados Unidos e a América Latina de 90: interesses e
políticas norte-americanas em mudança em um mundo novo. Política Externa, v.1, n. 3,
dezembro de 1992, p. 163.
236
apoiar a política externa norte-americana de contenção aos comunistas. É
verdade que no Brasil de hoje multiplicam-se os praticantes evangélicos,
mas não os confucionistas e os muçulmanos.
Em conclusão, o Brasil não tem motivos para assumir como seus
os inimigos atuais dos norte-americanos, ao contrário, teoricamente pode
até mesmo tirar proveito político e comercial desta disputa, tanto do
mundo ocidental como do não-ocidental. Com certeza, a política
ocidental de contenção de novas potências regionais não interessa ao
Brasil, sob pena de comprometermos até mesmo nossa possibilidade de
no futuro construirmos nossa real soberania nacional. Assim, pensar
realisticamente uma geopolítica brasileira implica também 'antever' os
movimentos estratégicos contidos na geopolítica norte-americana. E é
exatamente neste tipo de problemática que o paradigma do choque das
civilizações demonstra sua validade, contribuindo para a interpretação de
muitos dos acontecimentos políticos internacionais presentes e futuros.
Revista de História Regional 5(1):225-236, Verão 2000.
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Análise do paradigma do choque de civilizações de Huntington

  • 1. NOTA DE LEITURA HUNTINGTON, Samuel. O choque das civilizações e a recomposição da nova ordem mundial. Rio de janeiro: Objetiva, 1997. EDU SILVESTRE DE ALBUQUERQUE* RODRIGO DUARTE DOS PASSOS** DAKYR L. MACHADO DA SILVA *** HELIO LARRI VIST *** CLAUDIO JOSÉ BERTAZZO**** RICARDO MARTINS DE FREITAS **** ELONIR DUTRA TERRA**** FABIO RAMOS**** A proposta de análise elaborada por Samuel Huntington sobre o novo conteúdo das relações internacionais no pós-Guerra Fria merece ampla divulgação. Sua justificativa é a necessidade de nós geógrafos retomarmos com maior ênfase as discussões em geopolítica, cuja origem está ligada à da própria Geografia enquanto saber autônomo nos centros de ensino superior. A atualização nas teorias geopolíticas é mister para nos colocarmos no mesmo passo que cientistas políticos, historiadores e filósofos que se dedicam a este temário. A explicação para essa relativa ausência dos geógrafos nos debates geopolíticos atuais envolve os excessos historicistas contidos nos trabalhos dos geógrafos críticos1 . Ressalva-se que não se trata de negar a *Mestre em Geografia Humana/USP e, à época da realização do presente texto (segundo semestre de 1998), professor da disciplina de Leituras em Geografia Política, oferecida pelo Departamento de Geografia da UFRGS. **Mestre em Ciência Política/USP e colaborador no texto. *** Alunos bacharéis da disciplina de Leituras em Geografia Política. **** Alunos licenciados da disciplina de Leituras em Geografia Política.
  • 2. 226 importância da Geografia Crítica - que lançou novas perspectivas para a compreensão do espaço ao apreendê-lo enquanto produto social-, mas de chamar a atenção que o espaço, além da dimensão econômica (especificamente classista na perspectiva marxista), envolve também as dimensões cultural e política, com suas autonomias relativas em relação ao econômico. A leitura geopolítica do paradigma do Choque das Civilizações Em linhas gerais, a tese de Samuel Huntington2 consiste no fato de que as explicações para os conflitos presenciados no mundo atual não são essencialmente ideológicas ou econômicas, mas sim de origem e de ordem cultural. O autor toma o cuidado de afirmar que as nações-Estado continuam os agentes mais poderosos nos acontecimentos globais, mas frisa que os conflitos internacionais envolverão cada vez mais diferentes civilizações. As linhas de cisão entre as civilizações serão, argumenta, cada vez mais as linhas de batalha do futuro, inclusive dentro de países tensionados por questões étnico-religiosas. Huntington argumenta que os diversos conflitos entre nações- Estado e ideologias ocorreram no passado fundamentalmente no seio da civilização ocidental ou tendo esta por referência, exemplificando com os casos das duas grandes guerras mundiais e da própria Guerra Fria. Contudo, segue o autor, recentemente (mais precisamente sobretudo desde o fim da Guerra Fria), a política internacional saiu da fase ocidental e passou a ter como foco principal a interação entre a civilização ocidental e as não-ocidentais, além das não-ocidentais entre si. Na atual realidade civilizacional, os povos e governos das civilizações não- ocidentais já não seriam objetos da História enquanto alvos da colonização ocidental, mas juntar-se-iam ao Ocidente enquanto protagonistas da História. 1 Ver SOJA, Edward. Geografias pós-modernas: reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1993. 2 HUNTINGTON, Samuel. Choque das civilizações? Política Externa. São Paulo, vol. 2, n. 4, março de 1994. O artigo no original em inglês foi publicado na edição de verão de 1993 da Foreign Affairs, e foi produto de um projeto do Instituto John M. Olin intitulado “Mudanças no Campo da Segurança e interesses Nacionais Norte-americanos”. HUNTINGTON, Samuel. O Choque das Civilizações e a Recomposição da Nova Ordem Mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
  • 3. 227 O autor define civilização por entidades culturais distintas, que abarcariam o mais amplo agrupamento cultural de pessoas e o mais abrangente nível de identidade cultural verificado entre os homens, com a exceção da que distingue os seres humanos das demais espécies. Destaca ainda a necessidade de elementos objetivos comuns como língua, história, religião, costumes e instituições, bem como a auto-identificação subjetiva dos povos. As civilizações poderiam abarcar várias centenas de milhões de pessoas, como a China, ou apenas alguns milhares, como a civilização caribenha anglófona. Da mesma forma, uma civilização poderia incluir numerosas nações-Estado, como ocorre com as civilizações ocidental, latino-americana e árabe, ou apenas uma, caso da civilização japonesa. Para Huntington, as linhas que dividem as civilizações, embora raramente estejam bem definidas, são reais. As civilizações são dinâmicas; têm apogeu e declínio; dividem-se e fundem-se; surgem e desaparecem ao longo da História. As identidades civilizacionais tendem a ser cada vez mais importantes no futuro; e o mundo seria moldado pelas interações entre sete ou oito grandes civilizações: ocidental, confuciana, islâmica, hindu, japonesa, eslava ortodoxa, latino-americana e, possivelmente, africana. Os conflitos mais significativos do futuro tendem, segundo o autor, a ocorrer ao longo das linhas de cisão cultural que separam cada uma dessas civilizações. A recente fragmentação da Iugoslávia, aliás, já seria elucidativo deste processo. Dentre as principais razões para o acirramento dos conflitos civilizacionais estariam: a) O mundo estaria ficando 'menor': as interações entre povos de civilizações diferentes estão aumentando, o que intensifica a consciência das civilizações, tanto das diferenças para com outras quanto das semelhanças para com as comunidades civilizacionais a que pertencem3 . As interações entre pessoas de diferentes civilizações acentuam a consciência civilizacional que, por sua vez, reforça diferenças e animosidades surgidas há muito tempo. 3 Deste modo, Huntington não enfatiza apenas o conflito civilizacional. Para o autor, países convergentes culturalmente podem formar uma base sólida para processos de integração econômica (os 'blocos'). Afinidades culturais que, a partir deste estímulo dado pela integração econômica, poderiam também ser reforçadas.
  • 4. 228 b) Os processos de modernização econômica e mudança social estariam separando as pessoas das identidades locais formadas há muito tempo, enfraquecendo a nação-Estado como fonte de identidade: em boa parte do mundo a religião tomou a si a tarefa de preencher esse vazio, com freqüência na forma de movimentos denominados fundamentalistas, presentes no islamismo, no hinduísmo, no judaísmo, no budismo, e também no cristianismo ocidental. c) As características e diferenças de natureza cultural seriam menos mutáveis e, portanto, mais difíceis de conciliar e resolver que as diferenças de natureza política e econômica: nos conflitos ideológicos da Guerra Fria a questão-chave era: “De que lado você está?” As pessoas podiam escolher um lado ou mudar de lado. No conflito entre as civilizações a questão é: “O que é você?” Isso não pode ser mudado. Até mesmo mais que a etnia, a religião descrimina as pessoas de maneira drástica e exclusivista. Uma pessoa pode ser metade francesa e metade árabe, e até mesmo cidadã de dois países. É mais difícil ser meio católico e meio muçulmano. Em suma, a tese presente nos últimos trabalhos de S. Huntington é de que as diferenças entre as civilizações são reais e cada vez mais importantes, uma vez que a consciência cilivizacional está aumentando. Desta forma, aponta que os conflitos entre as civilizações devem suplantar os conflitos de natureza ideológica e outras como forma dominante no âmbito global. As relações internacionais, um jogo historicamente jogado dentro da civilização ocidental, vão se 'desocidentalizar' cada vez mais; a ponto de tornarem-se um jogo em que as civilizações não-ocidentais terão participação ativa. Os conflitos entre grupos de civilizações diferentes serão mais constantes, mais longos e mais violentos que os conflitos entre grupos de uma mesma civilização, e provavelmente a fonte mais provável e mais perigosa de guerras globais. O eixo predominante da política mundial, conforme o autor, será determinado pelas relações entre “o Ocidente e o resto”. Nesse sentido, um foco central de conflito no futuro imediato, alerta o autor, poderia se situar entre o Ocidente e uma coalizão de Estados islâmicos aliados com a civilização confuciana.
  • 5. 229 As críticas ao paradigma do Choque das Civilizações O diplomata cingalês Kishore Mahbubani4 lançou uma série de críticas ao paradigma das civilizações, dentre elas, a de que a civilização islâmica não seria tão compacta ao ponto de ameaçar o Ocidente. Além do mais, argumenta Mahbubani, a retirada repentina dos ocidentais pode ser encarada, na perspectiva do Oriente Médio, como tão danosa quanto sua permanência na região. O autor também questiona a suposta preparação de uma união entre as civilizações confunciana e islâmica, já que o Leste e Sudeste asiáticos atualmente estariam voltados para a dinâmica Ocidental. O fator de tensão entre Ocidente e Oriente estaria mais é no tipo de relações econômicas desenvolvidas entre ambos, que privilegiam os países que comandam o capitalismo mundial e geram desigualdades econômicas e sociais nos países do terceiro mundo. Não obstante refutar as teses de S. Huntington, Mahbubani não deixa de criticar certos valores ocidentais, como a liberdade individual, cuja má utilização estaria gerando diversos problemas sociais - como o aumento da criminalidade, crianças filhas de mães solteiras, divórcios -, levando o Ocidente a uma decadência moral acentuada. Já o filósofo político José R. Novaes Chiappin5 , ao contrário, credita coerência ao paradigma proposto por Huntington, classificando-o na corrente do realismo político, a qual busca desenvolver estratégias de poder em face dos contextos econômico, cultural e político no qual se inserem as relações internacionais de poder. O realismo político é oposto à idéia universalista presente em autores como Francis Fukuyama (a tese do “fim da história”) e Kenich Omahe (a tese do “fim do Estado-nação”). Estes imaginavam uma homogeneidade que levaria a formação de um super-Estado ou, para tomar de empréstimo a Chiappin, de um “Estado Único”. Já para autores como S. Huntington e G. Kennan, as diferenças são admitidas desde a origem, quando defendem a existência de três grandes 'regiões ideológicas' ou civilizacionais disputando o poder, visando à hegemonia de uma sobre as outras. 4 MAHBUBANI, Kishore. Civilizações ou o quê? Paradigmas do mundo pós-Guerra Fria. Política Externa. São Paulo, vol. 2, n. 4, mar. 1994. 5 CHIAPPIN, José R. Novaes. O paradigma das civilizações e a nova estratégia da contenção. Coleção Documentos. São Paulo: IPEA/USP, 1996.
  • 6. 230 Mas a grande contribuição de Chiappin está em demonstrar que Huntington desenvolve uma aproximação da teoria de George Kennan, que concebeu a estratégia norte-americana de contenção aos soviéticos na Guerra Fria. A tese de S. Huntington visaria a consubstanciar “uma nova estratégia de contenção”6 para o mundo ocidental, especificamente os EUA. Nesse sentido, prossegue Chiappin, a idéia da disputa de poder entre as três grandes civilizações – Ocidental, Islâmica e Confunciana – encontraria seu correspondente no paradigma da Guerra Fria que agrupava os países em 1º, 2º e 3º mundos. S. Huntington preconizaria que a civilização Ocidental deva procurar conter a emersão de poder destas civilizações que despontam no desafio a hegemonia do Ocidente, reproduzindo então a premissa kenniana que consiste em “conter a expansão de um poder que venha ameaçar o equilíbrio do poder, e, por aqui evitar que este venha a reconfigurar o sistema internacional em seu benefício”7 . Ainda de acordo com Chiappin, o paradigma choque das civilizações implicaria em ao menos três conseqüências práticas: a) evitaria que a política internacional deixasse “de ser uma política de características predominantemente ocidentais”8 , mantendo uma situação de mais de 2000 anos; b) não apenas evitaria a redução do poderio militar dos países ocidentais como estimularia sua ampliação enquanto instrumento de contenção, neste âmbito, os Acordos de Cooperação e de Não- Proliferação no campo das Armas Químicas e Nucleares, representariam as regras e normas pelas quais a civilização Ocidental manteria o “equilíbrio de poder”, representando instrumentos práticos para a estratégia de contenção9 ; 6 Ibid., p.71. 7 Ibid. p. 73. 8 Ibid. p. 75. 9 Esse “equilíbrio do poder” pró-Ocidente seria obtido também por meio de acordos de cooperação econômica. Chiappin cita a Conferência Euro-Mediterrânea, realizada em 1995 em Barcelona (ESP), entre a União Européia e oito Estados Árabes. O objetivo principal desta conferência foi estabelecer compromissos mútuos entre as partes: os árabes comprometem-se a implementar a Democracia e o Estado de Direito, e a garantir os direitos humanos e liberdades fundamentais – todos integrantes dos valores e cultura ocidentais. Em contrapartida, a União Européia financiará projetos de desenvolvimento nos países signatários do Acordo.
  • 7. 231 c) forneceria referenciais teóricos para enfrentar a ameaça que paira sobre o próprio Estados Unidos de abrigar em sua sociedade conflitos civilizacionais em decorrência de seu multiculturalismo e da fragmentação étnica. Chiappin destaca casos recentes de problemas ocorridos com grupos étnicos e religiosos em território norte-americano, como a absolvição do negro O. J. Simpson apenas para agradar a comunidade negra americana, a marcha de 1 milhão de pessoas comandada pelo negro islâmico Louis Farrakhan, e a explosão por motivo de vingança religiosa de um prédio federal em Oklahoma praticada por cidadãos americanos10 . Aprofundando a discussão O novo paradigma proposto por Huntington apresenta o mérito de resgatar também ao plano geopolítico o papel fundamental da dimensão cultural na história humana. Com efeito, a origem e evolução dos próprios Estados nacionais, bem como das diversas coalizões formadas a partir destes, não pode ser ricamente apreendida apenas a partir de uma visão classista, entrando também como componente explicativo a complexidade dos 'caldos' culturais que perpassam a história e evolução dessas unidades políticas. Outro aspecto favorável ao autor é a capacidade explicativa de seu novo 'modelo' geopolítico. Por exemplo, se compararmos a situação interna do Afeganistão ao tempo da bipolarização mundial com sua situação interna mais recente, o mérito de seu paradigma civilizacional parece evidente. O mesmo vale para outros episódios como a Guerra do Golfo11 e o recente conflito entre a OTAN e os sérvios (que contaram com a solidariedade dos também eslavos russos). 10 A própria França enfrenta problemas internos e externos de natureza civilizacional, respectivamente, com relação aos magrebinos muçulmanos emigrados e com a situação política interna da Argélia. Fora do mundo ocidental também ocorrem conflitos civilizacionais mesclados com interesses nacionais, como entre Índia (hindu) e Paquistão (muçulmano), e entre Israel (judeus) e árabes (muçulmanos), dentre outros. 11 Nos últimos episódios envolvendo Estados Unidos e Inglaterra contra o Iraque, a reação mundial foi muito diferente daquela que vimos em 1991. Os russos condenaram o ataque, posição previsível para todos aqueles que sempre consideraram que a civilização eslava ortodoxa continuava viva na alma russa. Aliás, os chineses - civilização confucionista - também reprovaram o ataque ao Iraque.
  • 8. 232 Portanto, uma crítica mais consistente somente pode vir do questionamento da capacidade de seu paradigma 'civilizacional' explicar a totalidade dos fatos políticos internacionais mais relevantes da atualidade. Ainda assim, como menciona Chiappin, é preciso ater-se ao fato de que nenhum 'paradigma' visa a explicar todos os casos, mas apenas a contribuir para um melhor entendimento da realidade observada. Além do mais, Huntington apenas afirma que seria interessante para o mundo ocidental incluir em sua agenda geopolítica preocupações no sentido de se preparar para a eventualidade de conflitos civilizacionais. Há ainda outros aspectos do paradigma do Choque das Civilizações que devem ser discutidos mais aprofundadamente. Merece cuidado o fato de que o uso deste paradigma pode ocultar as disputas por poder em um mesmo bloco civilizacional, como nos choques comerciais (e monetários, que se avizinham) entre União Européia e Estados Unidos, que se travam no interior do próprio bloco ocidental. Por outro lado, a busca de maior autonomia por parte da União Européia - particularmente acentuada em países como a França - pode também ser atribuída a diferenças culturais entre europeus e norte-americanos12 . É nesse sentido que pode ser interpretada a posição contrária da França quanto ao ataque anglo-americano ao Iraque. Essa 'oposição francesa' vai muito além do circunstancial: Jospin, em recente entrevista ao periódico Le Monde, afirmou que “(...) o mundo precisa de uma França que não seja banal, que não esteja atrelada a um pensamento único internacional”. Tampouco essa oposição francesa é uma novidade histórica: à época da Guerra Fria, a França demonstrava seu desconforto com a hegemonia Norte-Americana no mundo; então era o herói da II Guerra, Gal. De Gaulle quem afirmava a exorbitância do fato de o dólar americano ser a moeda dominante universalmente. A entrevista de Jospin encerra-se com a declaração de que “(...) a França não pode viver sem ter identidade própria. O povo francês não pode viver como um povo cujo destino seria o de se confundir com outros”. Seria o caso de nos interrogarmos (à la Huntington) se haveria a possibilidade de a hegemonia da civilização ocidental passar das mãos 12 Com efeito, a própria diversidade étnica, lingüística e até mesmo religiosa diferencia os europeus continentais dos norte-americanos. Contudo, não se pode deixar de notar a forte influência do cartolicismo na Europa Ocidental em oposição ao protestantismo inglês e norte-americano. Talvez o 'paradigma civilizacional' também explique a posição reticente da Inglaterra - situada fora da parte continental européia - para com cada nova etapa da União Européia: afinal, ingleses e norte-americanos são “anglo-saxões”.
  • 9. 233 dos protestantes (EUA e Inglaterra) para os católicos (França e parte da Alemanha)? Em caso afirmativo, poderiamos interpretar Maastricht e o euro como uma resposta à Bretton Woods dentro das “regras do jogo ocidentais”. Desta forma vê-se que considerar o paradigma do choque das civilizações uma mera justificativa ideológica para a defesa dos interesses nacionais dos EUA é um tanto reducionista. Evidente que esta dimensão ideológica também não pode ser simplesmente ignorada: o famoso geopolítico alemão K. Haushofer já destacava que toda Geopolítica é Nacional. Mas, tal como o modelo da Guerra Fria, também o modelo do Conflito Civilizacional pode representar para as relações internacionais uma leitura útil para vários países e regiões do globo, além dos EUA e Europa Ocidental. Finalmente, não podemos esquecer que a hegemonia mundial é Ocidental, e que os EUA são a principal potência mundial. O que significa que as questões que interessam aos EUA acabam se refletindo no Ocidente, e vice-versa, e daí para o resto do mundo. Num sistema internacional muitas vezes é inevitável que as ações de seus principais pólos repercutam até nas partes mais distantes. A regionalização que os EUA (ou o Ocidente) pensarem para o mundo terá grandes implicações para o sistema internacional, porque o poder de realização dos EUA é simplesmente extraordinário. É óbvio, por exemplo, que a expansão da OTAN não ocorre apenas em virtude de fatores endógenos a esta organização, como tem demonstrado as intenções e ações russas a leste da Europa. Outra forte fonte de evidências no sentido de corroborar o 'paradigma civilizacional' reside nas próprias deficiências da democracia racial e cultural norte-americana, que começa a mostrar seus limites diante da mobilização negra em torno do islamismo e diante da invasão de milhões de latino-americanos (a reação é clara no caso da oficialização do inglês naqueles Estados onde é significativa a presença hispânica).
  • 10. 234 Por fim, a julgar pelos artigos dos últimos números da revista Foreign Affairs13 - uma das principais do gênero nos EUA -, a “nova estratégia de contenção” de Huntington não é uma idéia isolada, mas fruto de uma nova safra de pensadores geopolíticos norte-americanos (naturais ou não) preocupados com os rumos mundiais (logo, norte- americanos) no pós-Guerra Fria. Assuntos como a situação interna de países não-ocidentais e estratégias para evitar o surgimento e fortalecimento de potências regionais (como o Tratado de Não- Prolifereção de Armas Nucleares), estão na ordem do dia dos estudiosos norte-americanos de assuntos internacionais. Conclusão O Paradigma do Choque das Civilizações e o interesse geopolítico brasileiro. Se o paradigma do choque das civilizações constitui efetivamente a base para uma nova estratégia de contenção por parte dos EUA, naturalmente isto terá conseqüências inclusive para países como o Brasil. Aliás, já há indicativos nesse sentido. É o caso das exportações da indústria militar brasileira para o Oriente Médio, diretamente atingidas por conta de “pressões” dos EUA, que ameaçaram ao Brasil com a inclusão em uma “lista negra” de países que não teriam acesso a tecnologias norte-americanas consideradas 'sensíveis' militarmente, alegando para isto que estas poderiam ser repassadas para aquela região do globo. Episódios como este parecem confirmar que, como afirma Huntington, a América Latina não é o Ocidente do ponto de vista civilizacional. O que realmente nos incomoda nesta 'classificação' não é tanto a realidade da inexistência de uma identidade latino-americana além da retórica política das elites regionais ou do passado colonial, mas que são “eles” que nos colocam à parte dos ocidentais. Desta forma, juntam-se lobbies de produtores norte-americanos e a própria população branca deste país quanto a perda de empregos para visar a deter tanto a evolução da integração econômica com o México como a expansão do processo para o restante da América Latina. Juntam- se protecionismos econômicos com temores frente a suposta ameaça à homogeneidade cultural norte-americana. Desta forma, é muito provável 13 A revista Foreign Affairs é traduzida para o português e publicada em encarte mensal pelo jornal Gazeta Mercantil.
  • 11. 235 que, mesmo que se efetive a Área de Livre-Comércio das Américas, esta não venha a se tornar o projeto desenvolvido pela União Européia. Resta esperar que as elites políticas latino-americanas percebam isto, deixando de sonhar em entrar como 'convidados' no clube dos países ricos. E, por outro lado, não existe a necessidade de nos classificarem como “ocidentais” simplesmente porque as civilizações confuciana e islâmica14 (cuja coalizão seria para Huntington a mais capaz de obstaculizar os interesses ocidentais e/ou norte-americanos) não representam diretamente uma ameaça a esta parte do mundo como outrora fora a “ameaça” comunista/soviética. Na atualidade, não parece haver motivos concretos para nos engajarmos com euro-ocidentais e norte-americanos nas estratégias de contenção aos muçulmanos, chineses e outros. Isto significa que do ponto de vista de uma 'geopolítica brasileira' o paradigma do choque das civilizações não deve vir a cumprir função análoga à desempenhada pelo paradigma da Guerra Fria. Isto é ainda mais verdadeiro se levarmos em conta que a hegemonia norte-americana na América do Sul já não é a mesma das décadas de 50 e 60, época em que Golbery do Couto e Silva15 propunha um alinhamento com os EUA em troca de uma autonomia relativa para o Brasil: Os países do Cone Sul - Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai - têm retornado à espécie de vínculos internacionais variados que possuíam antes da Segunda Grande Guerra, recuando os Estados Unidos a um papel secundário, correspondente a sua falta de grandes interesses específicos.16 Assim, não parece que o paradigma do choque das civilizações tenha como traduzir-se no mesmo tipo de questões internas existentes durante o modelo da Guerra Fria, o que levou o país a acatar e mesmo 14 É importante notar que, por exemplo, o Brasil tem ficado a margem das rotas de atentados terroristas por parte de grupos islâmicos. Aliás, este é um 'problema' especificamente para países e regiões como Israel, alguns países da Europa Ocidental e EUA. Quanto à 'ameaça' confuciana, esta restringe-se para nós ao aspecto comercial, com a invasão de importados que tem destruído parte de nossos setores industriais. 15 COUTO E SILVA, Golbery do. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967. Para o General, a projeção desse poder teria como centro geográfico o Atlântico Sul; para tanto, seria necessário que o Brasil estreitasse seus laços políticos e comerciais com os vizinhos sul-americanos e os países africanos de língua portuguesa. 16 LOWENTHAL, Abraham F. Os Estados Unidos e a América Latina de 90: interesses e políticas norte-americanas em mudança em um mundo novo. Política Externa, v.1, n. 3, dezembro de 1992, p. 163.
  • 12. 236 apoiar a política externa norte-americana de contenção aos comunistas. É verdade que no Brasil de hoje multiplicam-se os praticantes evangélicos, mas não os confucionistas e os muçulmanos. Em conclusão, o Brasil não tem motivos para assumir como seus os inimigos atuais dos norte-americanos, ao contrário, teoricamente pode até mesmo tirar proveito político e comercial desta disputa, tanto do mundo ocidental como do não-ocidental. Com certeza, a política ocidental de contenção de novas potências regionais não interessa ao Brasil, sob pena de comprometermos até mesmo nossa possibilidade de no futuro construirmos nossa real soberania nacional. Assim, pensar realisticamente uma geopolítica brasileira implica também 'antever' os movimentos estratégicos contidos na geopolítica norte-americana. E é exatamente neste tipo de problemática que o paradigma do choque das civilizações demonstra sua validade, contribuindo para a interpretação de muitos dos acontecimentos políticos internacionais presentes e futuros. Revista de História Regional 5(1):225-236, Verão 2000.
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