O documento discute as violências estatal e não-estatal e seu impacto no desenvolvimento da juventude. A violência estatal envolve a marginalização de certos grupos pela polícia e pelo estado, enquanto a violência não-estatal envolve o estigma internalizado por esses grupos. Ambas as violências contribuem para a luta de classes e influenciam negativamente os jovens, podendo levá-los para a criminalidade em busca de respeito.
Juventudes, violências e sociabilidades contemporâneas
1. Universidade Federal de Alagoas – UFAL
Comunicação Social – Jornalismo
Pedro Henrique do Rosário Correia
Karoliny Nascimento
Sociologia Geral
Maceió
2014
2. Juventudes Contemporâneas, Sociabilidades e Violências
O texto faz uma divisão entre violência estatal e não-estatal; apesar de tal descrição só
ser feita numa parte mais avançada, iremos apresentar essas descrições de início para
desenvolver o raciocínio para a violência num contexto atual fazendo uma relação entre si e
entre a juventude.
Por “violência estatal”, entendemos que o estado toma uma posição elitista em
relação à sociedade criando uma camada marginalizada da sociedade que vive em locais
considerados perigosos e que são evitados pelas outras camadas. O autor cita locais como “O
norte de Marselha, os jamaicanos e paquistaneses de Brixton e os negros do South Side em
Chicago” (Lima, ) que caracterizam bairros de imigrantes onde se percebe uma grande
influência da criminalidade em países de “primeiro mundo”. Para desenvolver essa teoria, o
autor cita o que Wacquant denomina de violência estrutural:
Essa violência “vinda de cima” tem três componentes principais: (1) desemprego em
massa, persistente e crônico representando, para segmentos inteiros da classe
trabalhadora, a desproletarização que traz em seu rastro uma aguda privação
material; (2) exílio em bairros decadentes, onde escasseiam os recursos públicos e
privados à medida que a competição por eles aumenta, devido à imigração; (3)
crescente estigmatização na vida cotidiana e no discurso público, tudo isto ainda mais
terrível por ocorrer em meio a uma escalada geral de desigualdade (201?, p. 36).
Além de práticas de que não são perceptíveis fisicamente, o estado assume essa
posição usando certos mecanismos para pôr em prática essa marginalização de camadas mais
baixas da sociedade de forma física, das quais o autor cita como exemplo a polícia. É comum
nos dias atuais ocorrer descaso da polícia com a população marginalizada – mesmo que muitas
vezes os próprios policiais também sejam marginalizados quando não assumem uma posição
a serviço do estado – onde ocorre abuso de poder, visto que por não ter uma escolaridade
elevada a grande massa da população não consegue se defender contra tais abusos.
A marginalidade é geralmente relacionada ao uso de cannabis pela polícia, o que faz o
usuário sofrer abusos constantes por parte dos policiais; mesmo que o usuário não seja de
uma classe marginalizada, ele ainda assim é categorizado como marginal por fazer uso da
“droga”. O livro de Edward MacRae e Júlio Assis Simões “Rodas de Fumo” cita as ações da
polícia para a prática do uso da cannabis deixando claro a posição policial em relação às classes
marginalizadas pela sociedade e as práticas que são relacionadas à ela:
3. Hoje nos meios intelectuais e artísticos, assim como entre largos segmentos da
juventude, os valores da subcultura da maconha são conhecidos e normalmente
aceitos mesmo pelos não-usuários. Assim, poucos estranham ou reclamam do
surgimento de rodas de fumo durante suas festas ou outras atividades de lazer.
Mesmo entre aqueles que, por variadas razões, se colocam contra a prática, vigora
uma visão crítica da atuação truculenta e autoritária da polícia e esta é considerada
em última instância como muito mais ameaçadora que a maconha ou seus
traficantes. Assim dificilmente se encontrará entre eles quem se disponha a
desempenhar o papel de delator (MacRae e Simões, 2004).
Com “violência não-estatal”, acreditamos que se trata da violência social que é de certa
forma imposta às pessoas para que elas se insiram bem no quadro social, algo muito parecido
com a “violência estatal”, porém o estado não desempenha nenhum papel nele. Segundo
Turner “As normas [...] nos informam o que nos é esperado e apropriado numa situação
específica” (Turner, 1999), sendo assim, quando nós nos encontramos numa situação agindo
da forma que as pessoas ao nosso redor esperam, estamos obedecemos ao que alguns
sociólogos podem chamar de “normas institucionais”. A “violência não-estatal” parte do
princípio do que Lima chama de estigma:
Os moradores desses bairros [Norte de Marselha, Brixton e South Side] sentem que
eles e seus filhos têm pouco futuro e que seus bairros ganharam o estigma de ser uma
espécie de depósito de “problemas sociais”, [...] eles não sofrem somente a privação
material e o rancor social, mas o desprezo público associado ao fato de morarem em
locais percebidos como “áreas a serem evitadas”, profusas em crime, em
marginalidade e em degeneração moral, onde se supõe que habitem membros
inferiores da sociedade. Numa palavra: estigma (201?, p. 37).
Esse estigma cria um pensamento de que as pessoas que são marginalizadas e que não
têm as mesmas características, costumes e poder socioeconômico nas pessoas de camadas
médias e altas da sociedade. A “violência não-estatal” parte desse ponto; considerando-se
superior à pessoa que é marginalizada pela violência estrutural ela toma uma posição elitista
assim como os mecanismos de repressão do estado presentes na “violência estatal” como a
polícia.
Antes de continuarmos, devemos estabelecer um conceito de “jovem”. Segundo o
autor: “Dependendo do parâmetro que se adote, dos 14 aos 25 anos [...]” (Lima, ). Já o
conceito de “juventude” é mais complexo pois necessitamos relacionar os fenômenos ligados
à essa fase da vida.
Para Sousa, a identidade coletiva de grupos de juventude apresenta contornos
sensíveis porque reportam-se aos jovens de uma mesma geração, que vivenciam
episódios cotidianos a partir de diferentes estilos de vida, cujos conteúdos são mais
“experimentais”, uma vez que a adesão às ideias e aos projetos comuns são parciais e
4. sem os comprometimentos que marcam as escolhas dos indivíduos na fase adulta. Isto
não implica que os jovens não tenham pontos de referência ideológicos sólidos, mas
apenas que a vida da juventude e seus vínculos guardam traços de ambiguidade e
intensidade processos de consciência e experiência dinâmicos porque lidam de um
lado, com as visões de mundo e valores herdados, ao tempo em que interagem em um
mundo em mudança, em que reelaboram de formas diferentes o conjunto das
fórmulas culturais herdadas sobre como agir à luz das soluções diárias para questões
da vida que se lhes apresentam. (201?, p. 32).
Seguindo esse conceito, não se mostra muito difícil a possibilidade de influenciar um
jovem se levarmos em conta sua característica mais “experimental”. Não que o jovem seja
facilmente manipulável, mas levando em conta que seu desenvolvimento é sensível,
influências podem modificar seu caráter de forma intensa quando os jovens experimentam
conteúdos mais “experimentais” ou aderem ideias sem a mesma seriedade que um adulto
encara tais ações.
No romance “O Apanhador no Campo de Centeio”, Jerome David Salinger narra
um fim de semana do personagem Holden Caulfield após ser expulso de seu colégio. O
contexto social que o livro se insere faz com as ações do personagem sejam de certa forma
compreensíveis – ainda que não sejam justificáveis –, na época em que o livro foi escrito, a
juventude – ou a adolescência em si – não era levada a sério nem era encarada como uma
fase de desenvolvimento, para o senso-comum era apenas uma fase indiferente que precedia
a vida adulta. Talvez por esse fato Holden desejasse tanto agir como um adulto; o livro marca
suas ações com bebedeiras e práticas que não se assemelham à sua faixa etária – como
envolvimento com a prostituição –, Holden parece desesperadamente querer crescer e deixar
a juventude da sua vida para trás.
Marx e Weber problematizam o choque citado anteriormente nas Teorias do Conflito.
Ocorre uma “luta de classes” fazendo com que cada parte da sociedade coopere cada vez
menos com a outra e alimente cada vez mais o ódio pela outra.
Os trabalhadores e gerentes nas empresas frequentemente estão inquietos; as
pessoas pobres agridem as pessoas ricas; as mulheres se ressentes dos salários mais
altos e poder que os homens têm na sociedade; as minorias étnicas se ressentem com
o status de “segunda classe” que lhes é dado; e assim vai (Turner, 1999).
Ou seja, como se não bastasse um dos “lados” dessa “luta” estigmatizar o outro, o
outro lado também alimenta um ódio contra o primeiro tão perigoso quanto o estigma social,
o autor põe isso em foco citando Abramovay: “[...] Os pobres viam os ricos como ‘inimigos’,
como parte de um mundo do qual foram excluídos, como causa direta das suas humilhações”
5. (Lima, ). Vemos isso no seriado de televisão “Um Maluco No Pedaço”; Will Smith é um jovem
dos guetos da Filadélfia que após se envolver com criminosos é mandado para a casa dos tios
em Bel-Air. Seu tio Phil também veio dos guetos porém se formou advogado e obteve uma
ascensão sociocultural; em um episódio, Tio Phil é questionado por Will em relação às suas
origens, Will afirma que o tio esqueceu de onde veio pelo modo que age, que se veste, pelas
músicas que ouve e pelo modo que trata as pessoas. Will critica o tio de ter esquecido suas
raízes – mesmo que a “cultura black” seja bem presente na vida dos personagens com várias
referências a Malcolm X, inclusive de Phil – com um tom de decepção, como se o tio tivesse
“perdido” tal “luta”.
Essa luta de classes interfere diretamente no desenvolvimento do jovem pois
crescemos numa sociedade que fomenta o ódio entre classes, quando estamos numa camada
média ou alta da sociedade crescemos com um estigma social que nos faz pensar ser superior
às pessoas de camadas baixas, e as pessoas de camadas baixas crescem em contato com a
criminalidade. Enquanto o ódio contra as camadas mais altas da sociedade cresce, o jovem se
vê numa posição que é ignorada, muitas vezes ele não é respeitado como indivíduo o que o
aproxima mais da criminalidade, visto que na “vida do crime”, mesmo sendo marginalizado,
esses jovens julgam encontrar respeito e reconhecimento.
[...] Deparamo-nos com uma forma de sociabilidade, a violência, na qual se dá a
afirmação de poderes legitimados por uma determinada norma social, o que lhe
confere a forma de controle social: a violência configura-se como um dispositivo de
controle, aberto e contínuo. [...] A violência seria a relação social de excesso de poder
que impede o reconhecimento do outro – pessoa, classe, gênero ou raça – mediante
o uso da força ou da coerção, provocando algum tipo de dano (Santos, 2001).
No filme “O Auto Da Compadecida” baseado na obra de Ariano Suassuna, o cangaceiro
Severino se passa por mendigo e não vê nenhuma expressão de solidariedade por parte da
população de Taperoá, entretanto quando ataca a cidade com seu bando, é temido – e
consequentemente respeitado – por todos, visto que apresenta perigo para a sociedade.
Numa fala do personagem ele ironiza seu nome demonstrando essa mudança de
comportamento: “Isso tudo é porque quem está com o rifle sou eu. Se fosse qualquer um de
vocês, eu era chamado era de Biu” (Arraes, 1999).
Visto que o crime, ainda que tragicamente, traz o respeito e o reconhecimento que
jovens de classes baixas não tiveram durante a vida, cabe às instituições responsáveis pelo
desenvolvimento do jovens mantê-lo afastado da criminalidade. O autor cita então a escola e
6. a família, apontando seus defeitos e seus erros. A instituição da família é formada por pessoas
que muitas vezes não se informam devidamente sobre um fato importante para o
desenvolvimento do jovem, ou muitas vezes tem uma posição formada pelo senso-comum ou
pelas informações da grande mídia para com assuntos complexos e geralmente passa essas
opiniões para os filhos. Segundo Lima:
[...] As sociedades têm, na juventude, o contraponto à atitude refratária que os adultos
tendem a assumir diante de um mundo em ebulição. Jovens são mais abertos a novas
formas de ver o mundo, à adoção de novos padrões de conduta, afastando-se mais ou
menos da força emocional dos velhos hábitos (201?, p. 33).
Ainda que os jovens tenham essa “abertura”, considerando que são valores passados
de pai para filho, certas crenças são difíceis de serem questionadas, o que torna difícil o
desenvolvimento do jovem vivendo em meio ao conflito de classes e tendo crenças sendo
passadas “hereditariamente”, ou seja, a luta de classes é passada de geração para geração –
onde essa luta não se limita apenas às classes; também evidenciamos “lutas” entre etnias,
entre pessoas de opções sexuais diferentes e entre religiões diferentes, ou até mesmo duas
vertentes de uma mesma religião –, se tratando da família, por essa instituição ser composta
por pessoas não especializadas nos assuntos relevantes para o desenvolvimento do jovem na
sociedade.
Além dessa desvantagem da família, ela espera que a escola consiga suprir as faltas
que comete no desenvolvimento do indivíduo enquanto cidadão, visto que é formada por
pessoas mais competentes – cientificamente falado – para isso. Segundo o autor:
A violência na escola é para Tavares dos Santos (2001), emblemática por tratar-se de
uma socializadora – que prepara os jovens para inserirem-se em novas esferas e mais
complexas, mas porque – e em face do modelo de desenvolvimento econômico e
político baseado na sociedade do conhecimento – a preparação para o mercado de
trabalho cada vez mais sofisticado é a condição para não se viver à margem da
sociedade econômica e política. A violência na escola, de alguma maneira, acena para
uma crise na estrutura de oportunidades com consequências gravíssimas para a
projeção dos jovens sobre o seu lugar no mundo presente e futuro. Neste sentido, a
própria condição da escola como instância socializadora das novas gerações é
questionada (201?, p. 44).
Ou seja, considerando a preocupação da escola em formar o jovem para o mercado de
trabalho, a escola, de certa forma, passa por uma crise onde os antigos valores foram perdidos
e agora ela não tem mais o intuito de formar o cidadão para a vida e para a sua inserção na
sociedade, mas para concorrer no amplo e competitivo mercado de trabalho. Podemos ainda
entrar na questão de concorrência capitalista entre as diversas escolas, visto que na sua área
7. privada elas são empresas que como toda outra tem interesses a serem atingidos – e o lucro
é um deles – e quanto mais pessoas saírem satisfeitas de uma empresa, mais fácil será para
ela atingir seus interesses, e a satisfação do estudante pode ser alcançada de várias formas, o
mais comum de ser observado é a aprovação no vestibular; logo a lógica do mercado se dá
entre aprovação no vestibular e lucro para a escola.
Com valores antigos perdidos, a escola não mais forma cidadãos e supre as falhas da
família. Se tratando da iniciativa pública, temos mais problemas a serem enfrentados pelos
profissionais como o desinteresse pelo estudo por parte dos alunos; levando em conta a renda
da população marginalizada – da qual a maior parte dos estudantes de escolas públicas faz
parte – é perceptível que muitas vezes os alunos vão à escola apenas para comer quando há
falta de alimento em casa, um dos principais fatores do desinteresse pelo estudo. Há ainda o
fator geográfico para a dificuldade do aprendizado, na cidade do Rio De Janeiro, muitas
escolas se encontram em locais dominados pelo tráfico, onde quando a polícia entra em
confronto contra traficantes as aulas são suspensas.
O papel da escola é dificultado por inúmeros fatores, e ela não consegue suprir de
forma satisfatória as faltas que a família comete. Logo, o que esperar de uma sociedade que
marginaliza os indivíduos de camadas mais baixas? Camadas essas que não recebem um
tratamento devido de órgãos do estado, que não recebem a educação adequada da escola,
que vivem em constante contato com a criminalidade. Lógico que para um jovem nessa
situação, a criminalidade parece uma opção bastante tentadora, mas é notório que muitos se
recusam a entrar na vida criminal. Ainda que falte conhecimento científico para distinguir o
certo e o errado entre suas crenças, é de conhecimento geral que o crime não compensa, e
isso é passado de pai para filho nas camadas baixas da sociedade, mas o que motiva os jovens
a entrarem na onda de violência é seu sentimento de onipotência, superioridade e falta de
medo – fatores esses, inclusive, que são usados por milícias para usar jovens como soldados
na África, por exemplo.
Ainda que o fator da criminalidade esteja muito presente nas camadas mais baixas da
sociedade, é perceptível uma presença de jovens de camadas mais altas participando de
práticas criminosas. O autor cita o brutal assassinato do índio Galdino em Brasília por jovens
de classe média em 1997 para exemplificar isso; podemos relacionar isso com outros casos
como a Cleptomania, o indivíduo não tem a necessidade de roubar algo – por qualquer que
8. seja o motivo – mas ainda assim o faz. Após o assassinato anteriormente citado, a UNESCO
incentivou uma pesquisa citada no texto, o comentário do autor sustenta o despreparo da
família e da escola anteriormente citado:
As famílias apresentaram-se perdidas e despreparadas quanto a orientar os
jovens. A escola, quando muito assumindo o objetivo da formação
profissional, não estabelecia com a família e outras instituições pontes de
contato. A realidade da juventude de classe alta não é dourada, mas de
instituições desfocadas e desconexas e inaptas para lidar com a complexidade
da formação integral dos jovens (201?, p. 42)..
O autor termina o texto colocando em evidência práticas que a sociedade tem
incentivado, condomínios “como prisões fortificadas” onde as pessoas se “trancam” no
conforto do seu sentimento de segurança. Estamos nos trancando dentro de nossa proteção
por medo de enfrentar o problema que contribuímos para se tornar real e pelo medo de tentar
muda-lo, apesar de tudo, é muito cômodo para a sociedade que os valores permaneçam do
jeito que estão.
9. Bibliografia
ALLEN, Debbie. O Projeto de Um Maluco No Pedaço. NBC, 1990.
ARRAES, Guel. O Auto Da Compadecida. Lereby Filmes, 1999.
LIMA, João Vicente R. B. C. Juventudes Contemporâneas, Sociabilidades e Violências. 201?.
MACRAE, Edward e ASSIS, Júlio A. Rodas de Fumo. EdUFBA, Salvador, 2004.
SALINGER, Jerome D. O Apanhador no Campo de Centeio. Editora do Autor, Rio de Janeiro,
2012.
SANTOS, J.V.T. A Violência na Escola: conflitualidade social e ações civilizatórias. Educação e
Pesquisa, São Paulo, 2001.
TURNER, Jonathan H. Sociologia: conceitos e aplicações. Makron Books, São Paulo, 1999.