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Brazilian way of life
A racionalidade do capitalismo1
RESUMO
O texto Brazilian way of life – A racionalidade do capitalismo trata da questão política,
econômica e social presente na modernidade, enfatizando a desigualdade de classes
na qual estamos inseridos. A partir de uma perspectiva baseada nas composições do
grupo Racionais MC’s e no texto “Ouvindo Racionais MC’s”, de Walter Garcia, traça-se
um paralelo com o texto “Pobreza e cidadania”, de Vera da Silva Telles. A
modernidade traz consigo a globalização do capitalismo e, enviesado nele, a
população que vive na periferia. Esta tem cultura e influências características, o que
também engrandece o valor de uma canção e representam, através da crítica, sujeitos
políticos capazes de se pronunciar com ênfase sobre as questões que lhe dizem
respeito.
PALAVRAS-CHAVE
Capitalismo; Modernidade; Cidadania; Periferia; Crítica.
ABSTRACT
The text Brazilian way of life – A racionalidade do capiltalismo (The capitalism
rationality) discusses political, economical and social questions present at Modernity,
emphasizing the inequality of economic classes in which we are integrated in. From the
perspective based on Racionais MC’s music compositions and also based on the text
“Listening Racionais MC’s”, written by Walter Garcia, we established a parallel among
them and the text “Poverty and citizenship” written by Vera Silva Telles. The Modernity
brings with itself the capitalism globalization and, inside it, one population who lives in
outskirts of a city. The outskirts have their culture and specific feature, which empower
the value a song can have too, but they may also represent, through the criticism,
political subjects who are capable of pronouncing themselves, emphatically, about all
questions.
KEYWORDS
Capitalism; Modernity; Citizenship; Outskirts; Criticism.
1
Autoras: Barbara Blanco Pozatto (barbarabpozatto@gmail.com) e Luiza Bellotto de Vito
(luiza_bellotto@yahoo.com.br): graduandas (3º ano) em Comunicação social, habilitação em Jornalismo,
da Universidade Estadual de Londrina, 2014
[...]
Ultimamente andei ouvindo ele reclamar
Da sua falta de dinheiro era problema
Que a sua vida pacata já não vale a pena
Queria ter um carro confortável
Queria ser um cara mais notado
Tudo bem até aí nada posso dizer
Um cara de destaque também quero ser
Ele disse que a amizade é pouca
Disse mais, que seu amigo é dinheiro no bolso
Particularmente para mim não tem problema nenhum
Por mim cada um, cada um
A lei da selva consumir é necessário
Compre mais, compre mais
Supere o seu adversário,
O seu status depende da tragédia de alguém
É isso, capitalismo selvagem
Ele quer ter mais dinheiro, o quanto puder
[...]
Cercado de uma pá de tipo estranho
Que promete pra ele o mundo dos sonhos[...]
Agora anda armado a todo instante
Não precisa mais dos aliados
Negociantes influentes estão ao seu lado [...]
Várias mulheres, vários clientes, vários artigos,
Vários dólares e vários inimigos
No mercado da droga o mais falado, o mais foda
Em menos de um ano subiu de cotação [...]
(Mano na porta de um bar – Racionais MC’s)
INTRODUÇÃO
A modernidade, inscrita como “sensação de modernidade”, oriunda de
1950, traz consigo a proposição do fim das desigualdades, uma questão
política, econômica e social. Têm-se, nessa época, as imposições de mercado,
em que a aceleração da economia e a revolução tecnológica precisam fazer
parte desse país situado na periferia do capitalismo globalizado.
Há quem se reconheça pertencente a essa desigualdade nos tempos
modernos e se faça substância viva dessa existência. Uma das características,
portanto, é se manter “radicado nesse mercado periférico [e] fortalecer uma
canção”. É o que canta o grupo Racionais Mc’s que, como descreve Walter
Garcia em seu texto “Ouvindo Racionais Mc’s”, supera a habilidade de
contestar sua condição por meio do ritmo bem pensado, ou seja, sendo música
para a cabeça (que faz pensar) e para os pés (que faz dançar), sem deixar de
lado a parcela emocional.
A partir da realidade que se vive, é possível contestar e não ser
vulnerável à filantropia exacerbada e ignorar o entorno estando “de dentro” do
problema. E, então, é possível expor as precariedades e a “lei da selva”, fazer
valer o direito de reclamar para ter os direitos equiparados com efetividade e
convencer o “bicho homem” de que não se resolvem situações com
promessas. A realidade não engana, portanto, não satisfaz.
DESENVOLVIMENTO
A modernização, de acordo com o texto “Pobreza e cidadania”, de Vera
da Silva Telles, não propõe o emprego e a cidadania, mas desqualifica pessoas
que não tiveram/têm como se adaptar às inovações e mudanças da atualidade
–veloz e devastadora, tal qual seu mercado-, nem garantir as exigências
necessárias para se competir.
E, já tratando de modo geral, de modo quase clichê deve-se lembrar da
precariedade das bases, da educação, das condições básicas de sobrevivência
não garantidas e que, no “mundo cão”, cantado pelos rappers, “não tem vez
para quem não nasceu em berço de ouro”. Está mais que constatado que não
se desloca tão facilmente de uma classe a outra, e que a ignorância é parte
importante da aceitação da pobreza, latente e aparentemente irremediável.
A pobreza é fixada onde sempre esteve - como paisagem na
qual é figurada como algo externo a um mundo propriamente
social, como algo que não diz respeito aos parâmetros que
regem as relações sociais e que não coloca por isso mesmo o
problema das injustiças e iniquidades inscritas na vida social.
(TELLES, 2001, p. 141).
O capitalismo integrado (globalizado) não cede lugar aos
desempregados e excluídos. Estes, por sua vez, têm sua pobreza como
evidência de sua incapacidade de se adequar ao processo moderno. Por isso,
tornaram-se indispensáveis nesse ciclo contemporâneo e de descarte.
Consequentemente, servem de abrigo ao esvaziamento da função crítica das
noções de igualdade e justiça.
Tendo em vista que toda generalização é burra e degradante, temos
como exemplo de entendimento e não passividade as músicas racionalizadas e
bem estruturadas do grupo de rap anteriormente mencionado. Faz-se
importante ter atenção às letras e respeitar o ponto de vista de quem realiza
sua função com êxito e mostra, por meio de batidas e sons bem pensados, a
intenção de superar uma cidadania postulada em imperativos “modernos” e mal
sucedidos.
Que a desigualdade existe no Brasil não é nenhuma novidade. Caberia
às leis desenvolver as exigências de equidade e justiça, mas mascaram-nas e,
ao contrário, tipificam a ordem de suas causalidades. Definem as diferenças e
desigualdades, concebendo as equivalências que a noção de igualdade e
justiça sempre propõe, mas no campo conflituoso da vida social não se torna
operante.
O Racionais, em sua comunidade e comunicação, estabelece diálogo
condizente (e conveniente) com a camada que precisa compreender o contexto
em que está inserida e, por conseguinte, que está em torno. Isso por meio de
uma linguagem específica e delineada, “típica” de uma classe considerada (e
não de fato) “excluída”, que enfrente “de dentro” o problema e por isso precisa
difundi-lo. É pertinente ouvir não apenas os palavrões e as gírias, mas se
atentar às expressões enfáticas de um problema nacional, não só local ou
restrito.
Em nosso país, a lei é pautada em princípios genéricos, e encontra
problemas em suas formas de regulamentação. A exclusão se origina da má
formulação, a qual “tipifica situações e prescreve as condições para o acesso a
direitos que em princípio a lei deveria garantir”, como evidencia Telles (2001, p.
147).
Metade ou mais da população trabalhadora, ou seja, que integra a mão
de obra operante e não operante do mercado informal, além de crianças e
idosos, está desprovida de qualquer sistema público de proteção social, está
inserido em um mundo social que “não existe” do ponto de vista legal, não faz
parte das regras formais da “cidadania regulada”.
Esse é o “universo da pobreza”, não porque toda essa
população viva sempre e necessariamente em condições de
pauperização e miséria. Mas porque é o avesso do “mundo do
trabalho” no qual vigoram as regras formais do contrato de
trabalho, os direitos a ele indexados e as proteções garantidas
pelo Estado contra os riscos do trabalho e da vida. (TELLES,
2001, p.144).
E esse “mundo do trabalho” tem como princípio regular a concorrência e
a legitimação por meio da subordinação de outros. Entretanto, não podemos
negligenciar os grupos que buscam se revelar e superar com talento em
reclamar os direitos alheios, os quais deveriam ser adequados e incluídos na
população sem disparidades sociais arrebatadoras.
Atrás desse universo de desigualdade social (logo, econômica e de
participação política) encontram-se as organizações de filantropia e
benemerência, que muito “humanizam o necessitado”. E, sem continuidade e
estruturação, oferecem serviços e programas sociais que promovem “iniciativas
morais de ajuda ao necessitado, que não produzem direitos e não são
judicialmente reclamáveis” (Raichelis apud Telles, 2001).
É esse retraimento e esse encapsulamento que conferem –ou
podem conferir- plausibilidade a novas formas de gestão da
pobreza, entre a administração técnica das “necessidade
sociais” (mas afinal, o que são essas necessidades? E quem
as define?) e o discurso humanitário da filantropia que faz
apelo a um sentido de solidariedade constitutivo dessa trama
associativa [...]. (TELLES, 2001, p.159).
Essas organizações não proporcionam políticas públicas abrangentes e
nem promovem programas e projetos capazes de prevenir com segurança dos
riscos e vulnerabilidades sociais, como afirma Aldaíza Sposati (1995).
Precisamos lembrar que toda generalização é indevida. E, por outro
lado, ressaltar que são raras as organizações que garantem sustentação de
seus ideais e objetivos com contiguidade. Tão efêmeras, esparsas e pontuais,
as ações benemerentes trazem consigo a força das “consciências
pesadas/leves” do mundo contemporâneo. Ficou embutido em nossa moral a
quase obrigação da solidariedade, disfarçada de cidadania.
“Faça sua parte” é o seu modo de abster o papel do Governo em
melhorar as condições deploráveis em que se encontra grande parte da
população brasileira. Passa-se a responsabilidade de resolver os problemas
aos próprios cidadãos, que também integram a dualidade entre “vencedores” e
“perdedores”.
Em relação aos programas governamentais, a população empobrecida
procura cada vez mais os serviços públicos gratuitos para sobreviver, enquanto
a redução dos gastos públicos só piora a qualidade dos serviços já existentes.
Aos detentores do poder de decisão e remanejamento da ordem pública
e das reformas necessárias, cabe a ofensa dos rappers e “mínimos sociais”.
Estes figuram como usuários de serviços e deixam de ser considerados como
sujeitos de direitos, ou seja, são considerados meros números na escala da
pobreza, desqualificados da figura de miseráveis porque já superados.
Nota-se que alguns, conscientes, representam sujeitos políticos capazes
de se pronunciar com ênfase sobre as questões que lhe dizem respeito,
exigem a participação na decisão de políticas que afetam suas vidas e, como
cita Telles, “dissolvem a figura do pobre carente e desprotegido, como sempre
foram vistos na sociedade, para terem imposição como cidadãos que exigem
direitos”. E, infelizmente, sabem que não têm representação política e
descreem em mudanças eficazes para longo prazo, além de se beneficiarem
apenas das costumeiras políticas emergenciais e assistenciais.
Procura-se minorar os efeitos mais perversos da miséria e neutralizar
seu eventual potencial conflitivo. Mas, de fato, é preciso de
medidas concretas nos vários campos da estrutura social, da
educação à saúde, da habitação ao transporte, e, sobretudo, ao pleno
emprego que assegure a todo homem, toda mulher, a todas as
famílias, as condições mais dignas possíveis de existência. (Antonio
Ibanez Ruiz apud Telles, 2001).
E as pessoas que não encontram as devidas condições para seu
sustento, a fim de saírem da marginalidade, acham um caminho no tráfico de
drogas e no crime organizado, canal que restou aos excluídos para entrarem
no mercado global. Contudo, a violência maior vem do alto para o baixo, como
o grupo Racionais denuncia em suas músicas.
Também canta que a relação entre as classes sociais é sempre
violenta: o tráfico e o crime (novamente), o racismo, a miséria,
os baixos salários, a concentração de renda, a esmola, a
publicidade, o alcoolismo, o jornalismo, o poder policial, a
justiça, o sistema penitenciário, o governo existem por meio da
violência. (GARCIA, 2004, p.172).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entende-se, portanto, que a pobreza tem vez e voz diante da
modernidade brasileira, a qual foi recortada a fim de dar melhor enfoque ao
artigo. A música reconhecida como pertencente à periferia e pensada pelos
marginalizados tem teor qualitativo e precisa ser ouvida por mais cidadãos
como expressão de uma crítica construtiva e fundamentada.
Faz-se imprescindível prestar atenção ao que vem de “dentro” da classe
considerada baixa, e que por meio de batidas bem pensadas, não se abstém
de seu papel. Trazem à tona valores em que todos os cidadãos precisam
pensar, como a inversão da ideia de “cidadania”, embutida na maioria das
pessoas como ato heroico e solidário, ao invés da substituição das tarefas
demandadas ao governo.
Conclui-se, a partir das letras e ritmos, a ação eficaz de sujeitos políticos
capazes e talentosos que não optaram pela violência, a que encontram por
perto no meio em que vivem. Ao contrário, escolheram difundir a violência
inscrita em outros setores, principalmente o econômico e político, que têm
muito mais “força” e poder e refletem os problemas nacionais pelos quais
passamos.
REFERÊNCIAS
GARCIA, Walter. “Ouvindo Racionais MC’s”. Teresa - revista de literatura
brasileira 4/5, Literatura e canção. São Paulo: USP Editora 34. Disponível em:
<http://www.fflch.usp.br/dlcv/lb/images/stories/revista_teresa/teresa45.pdf>.
Acesso em: 30/07/2014
RAICHELIS, Raquel. “Assistência social e esfera pública: os conselhos no
exercício do controle social”. Cadernos ABONG, Série Especial “Subsídios à
Conferência Nacional de Assistência Social – III”, São Paulo: ABONG, 1997.
SPOSATI, Aldaiza. “Assistência social: desafios para uma política pública de
seguridade social”. Cadernos ABONG, Série Especial “Subsídios à Conferência
Nacional de Assistência Social – I”, São Paulo: ABONG, 1995.
TELLES, Vera. “Cidadania e pobreza”. São Paulo: Editora 34, 2001.
Brazilian way of life   a racionalidade do capitalismo

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Brazilian way of life a racionalidade do capitalismo

  • 1. Brazilian way of life A racionalidade do capitalismo1 RESUMO O texto Brazilian way of life – A racionalidade do capitalismo trata da questão política, econômica e social presente na modernidade, enfatizando a desigualdade de classes na qual estamos inseridos. A partir de uma perspectiva baseada nas composições do grupo Racionais MC’s e no texto “Ouvindo Racionais MC’s”, de Walter Garcia, traça-se um paralelo com o texto “Pobreza e cidadania”, de Vera da Silva Telles. A modernidade traz consigo a globalização do capitalismo e, enviesado nele, a população que vive na periferia. Esta tem cultura e influências características, o que também engrandece o valor de uma canção e representam, através da crítica, sujeitos políticos capazes de se pronunciar com ênfase sobre as questões que lhe dizem respeito. PALAVRAS-CHAVE Capitalismo; Modernidade; Cidadania; Periferia; Crítica. ABSTRACT The text Brazilian way of life – A racionalidade do capiltalismo (The capitalism rationality) discusses political, economical and social questions present at Modernity, emphasizing the inequality of economic classes in which we are integrated in. From the perspective based on Racionais MC’s music compositions and also based on the text “Listening Racionais MC’s”, written by Walter Garcia, we established a parallel among them and the text “Poverty and citizenship” written by Vera Silva Telles. The Modernity brings with itself the capitalism globalization and, inside it, one population who lives in outskirts of a city. The outskirts have their culture and specific feature, which empower the value a song can have too, but they may also represent, through the criticism, political subjects who are capable of pronouncing themselves, emphatically, about all questions. KEYWORDS Capitalism; Modernity; Citizenship; Outskirts; Criticism. 1 Autoras: Barbara Blanco Pozatto (barbarabpozatto@gmail.com) e Luiza Bellotto de Vito (luiza_bellotto@yahoo.com.br): graduandas (3º ano) em Comunicação social, habilitação em Jornalismo, da Universidade Estadual de Londrina, 2014
  • 2. [...] Ultimamente andei ouvindo ele reclamar Da sua falta de dinheiro era problema Que a sua vida pacata já não vale a pena Queria ter um carro confortável Queria ser um cara mais notado Tudo bem até aí nada posso dizer Um cara de destaque também quero ser Ele disse que a amizade é pouca Disse mais, que seu amigo é dinheiro no bolso Particularmente para mim não tem problema nenhum Por mim cada um, cada um A lei da selva consumir é necessário Compre mais, compre mais Supere o seu adversário, O seu status depende da tragédia de alguém É isso, capitalismo selvagem Ele quer ter mais dinheiro, o quanto puder [...] Cercado de uma pá de tipo estranho Que promete pra ele o mundo dos sonhos[...] Agora anda armado a todo instante Não precisa mais dos aliados Negociantes influentes estão ao seu lado [...] Várias mulheres, vários clientes, vários artigos, Vários dólares e vários inimigos No mercado da droga o mais falado, o mais foda Em menos de um ano subiu de cotação [...] (Mano na porta de um bar – Racionais MC’s) INTRODUÇÃO A modernidade, inscrita como “sensação de modernidade”, oriunda de 1950, traz consigo a proposição do fim das desigualdades, uma questão política, econômica e social. Têm-se, nessa época, as imposições de mercado, em que a aceleração da economia e a revolução tecnológica precisam fazer parte desse país situado na periferia do capitalismo globalizado.
  • 3. Há quem se reconheça pertencente a essa desigualdade nos tempos modernos e se faça substância viva dessa existência. Uma das características, portanto, é se manter “radicado nesse mercado periférico [e] fortalecer uma canção”. É o que canta o grupo Racionais Mc’s que, como descreve Walter Garcia em seu texto “Ouvindo Racionais Mc’s”, supera a habilidade de contestar sua condição por meio do ritmo bem pensado, ou seja, sendo música para a cabeça (que faz pensar) e para os pés (que faz dançar), sem deixar de lado a parcela emocional. A partir da realidade que se vive, é possível contestar e não ser vulnerável à filantropia exacerbada e ignorar o entorno estando “de dentro” do problema. E, então, é possível expor as precariedades e a “lei da selva”, fazer valer o direito de reclamar para ter os direitos equiparados com efetividade e convencer o “bicho homem” de que não se resolvem situações com promessas. A realidade não engana, portanto, não satisfaz. DESENVOLVIMENTO A modernização, de acordo com o texto “Pobreza e cidadania”, de Vera da Silva Telles, não propõe o emprego e a cidadania, mas desqualifica pessoas que não tiveram/têm como se adaptar às inovações e mudanças da atualidade –veloz e devastadora, tal qual seu mercado-, nem garantir as exigências necessárias para se competir. E, já tratando de modo geral, de modo quase clichê deve-se lembrar da precariedade das bases, da educação, das condições básicas de sobrevivência não garantidas e que, no “mundo cão”, cantado pelos rappers, “não tem vez para quem não nasceu em berço de ouro”. Está mais que constatado que não se desloca tão facilmente de uma classe a outra, e que a ignorância é parte importante da aceitação da pobreza, latente e aparentemente irremediável. A pobreza é fixada onde sempre esteve - como paisagem na qual é figurada como algo externo a um mundo propriamente social, como algo que não diz respeito aos parâmetros que
  • 4. regem as relações sociais e que não coloca por isso mesmo o problema das injustiças e iniquidades inscritas na vida social. (TELLES, 2001, p. 141). O capitalismo integrado (globalizado) não cede lugar aos desempregados e excluídos. Estes, por sua vez, têm sua pobreza como evidência de sua incapacidade de se adequar ao processo moderno. Por isso, tornaram-se indispensáveis nesse ciclo contemporâneo e de descarte. Consequentemente, servem de abrigo ao esvaziamento da função crítica das noções de igualdade e justiça. Tendo em vista que toda generalização é burra e degradante, temos como exemplo de entendimento e não passividade as músicas racionalizadas e bem estruturadas do grupo de rap anteriormente mencionado. Faz-se importante ter atenção às letras e respeitar o ponto de vista de quem realiza sua função com êxito e mostra, por meio de batidas e sons bem pensados, a intenção de superar uma cidadania postulada em imperativos “modernos” e mal sucedidos. Que a desigualdade existe no Brasil não é nenhuma novidade. Caberia às leis desenvolver as exigências de equidade e justiça, mas mascaram-nas e, ao contrário, tipificam a ordem de suas causalidades. Definem as diferenças e desigualdades, concebendo as equivalências que a noção de igualdade e justiça sempre propõe, mas no campo conflituoso da vida social não se torna operante. O Racionais, em sua comunidade e comunicação, estabelece diálogo condizente (e conveniente) com a camada que precisa compreender o contexto em que está inserida e, por conseguinte, que está em torno. Isso por meio de uma linguagem específica e delineada, “típica” de uma classe considerada (e não de fato) “excluída”, que enfrente “de dentro” o problema e por isso precisa difundi-lo. É pertinente ouvir não apenas os palavrões e as gírias, mas se atentar às expressões enfáticas de um problema nacional, não só local ou restrito.
  • 5. Em nosso país, a lei é pautada em princípios genéricos, e encontra problemas em suas formas de regulamentação. A exclusão se origina da má formulação, a qual “tipifica situações e prescreve as condições para o acesso a direitos que em princípio a lei deveria garantir”, como evidencia Telles (2001, p. 147). Metade ou mais da população trabalhadora, ou seja, que integra a mão de obra operante e não operante do mercado informal, além de crianças e idosos, está desprovida de qualquer sistema público de proteção social, está inserido em um mundo social que “não existe” do ponto de vista legal, não faz parte das regras formais da “cidadania regulada”. Esse é o “universo da pobreza”, não porque toda essa população viva sempre e necessariamente em condições de pauperização e miséria. Mas porque é o avesso do “mundo do trabalho” no qual vigoram as regras formais do contrato de trabalho, os direitos a ele indexados e as proteções garantidas pelo Estado contra os riscos do trabalho e da vida. (TELLES, 2001, p.144). E esse “mundo do trabalho” tem como princípio regular a concorrência e a legitimação por meio da subordinação de outros. Entretanto, não podemos negligenciar os grupos que buscam se revelar e superar com talento em reclamar os direitos alheios, os quais deveriam ser adequados e incluídos na população sem disparidades sociais arrebatadoras. Atrás desse universo de desigualdade social (logo, econômica e de participação política) encontram-se as organizações de filantropia e benemerência, que muito “humanizam o necessitado”. E, sem continuidade e estruturação, oferecem serviços e programas sociais que promovem “iniciativas morais de ajuda ao necessitado, que não produzem direitos e não são judicialmente reclamáveis” (Raichelis apud Telles, 2001). É esse retraimento e esse encapsulamento que conferem –ou podem conferir- plausibilidade a novas formas de gestão da pobreza, entre a administração técnica das “necessidade sociais” (mas afinal, o que são essas necessidades? E quem as define?) e o discurso humanitário da filantropia que faz apelo a um sentido de solidariedade constitutivo dessa trama associativa [...]. (TELLES, 2001, p.159).
  • 6. Essas organizações não proporcionam políticas públicas abrangentes e nem promovem programas e projetos capazes de prevenir com segurança dos riscos e vulnerabilidades sociais, como afirma Aldaíza Sposati (1995). Precisamos lembrar que toda generalização é indevida. E, por outro lado, ressaltar que são raras as organizações que garantem sustentação de seus ideais e objetivos com contiguidade. Tão efêmeras, esparsas e pontuais, as ações benemerentes trazem consigo a força das “consciências pesadas/leves” do mundo contemporâneo. Ficou embutido em nossa moral a quase obrigação da solidariedade, disfarçada de cidadania. “Faça sua parte” é o seu modo de abster o papel do Governo em melhorar as condições deploráveis em que se encontra grande parte da população brasileira. Passa-se a responsabilidade de resolver os problemas aos próprios cidadãos, que também integram a dualidade entre “vencedores” e “perdedores”. Em relação aos programas governamentais, a população empobrecida procura cada vez mais os serviços públicos gratuitos para sobreviver, enquanto a redução dos gastos públicos só piora a qualidade dos serviços já existentes. Aos detentores do poder de decisão e remanejamento da ordem pública e das reformas necessárias, cabe a ofensa dos rappers e “mínimos sociais”. Estes figuram como usuários de serviços e deixam de ser considerados como sujeitos de direitos, ou seja, são considerados meros números na escala da pobreza, desqualificados da figura de miseráveis porque já superados. Nota-se que alguns, conscientes, representam sujeitos políticos capazes de se pronunciar com ênfase sobre as questões que lhe dizem respeito, exigem a participação na decisão de políticas que afetam suas vidas e, como cita Telles, “dissolvem a figura do pobre carente e desprotegido, como sempre foram vistos na sociedade, para terem imposição como cidadãos que exigem direitos”. E, infelizmente, sabem que não têm representação política e descreem em mudanças eficazes para longo prazo, além de se beneficiarem apenas das costumeiras políticas emergenciais e assistenciais.
  • 7. Procura-se minorar os efeitos mais perversos da miséria e neutralizar seu eventual potencial conflitivo. Mas, de fato, é preciso de medidas concretas nos vários campos da estrutura social, da educação à saúde, da habitação ao transporte, e, sobretudo, ao pleno emprego que assegure a todo homem, toda mulher, a todas as famílias, as condições mais dignas possíveis de existência. (Antonio Ibanez Ruiz apud Telles, 2001). E as pessoas que não encontram as devidas condições para seu sustento, a fim de saírem da marginalidade, acham um caminho no tráfico de drogas e no crime organizado, canal que restou aos excluídos para entrarem no mercado global. Contudo, a violência maior vem do alto para o baixo, como o grupo Racionais denuncia em suas músicas. Também canta que a relação entre as classes sociais é sempre violenta: o tráfico e o crime (novamente), o racismo, a miséria, os baixos salários, a concentração de renda, a esmola, a publicidade, o alcoolismo, o jornalismo, o poder policial, a justiça, o sistema penitenciário, o governo existem por meio da violência. (GARCIA, 2004, p.172). CONSIDERAÇÕES FINAIS Entende-se, portanto, que a pobreza tem vez e voz diante da modernidade brasileira, a qual foi recortada a fim de dar melhor enfoque ao artigo. A música reconhecida como pertencente à periferia e pensada pelos marginalizados tem teor qualitativo e precisa ser ouvida por mais cidadãos como expressão de uma crítica construtiva e fundamentada. Faz-se imprescindível prestar atenção ao que vem de “dentro” da classe considerada baixa, e que por meio de batidas bem pensadas, não se abstém de seu papel. Trazem à tona valores em que todos os cidadãos precisam pensar, como a inversão da ideia de “cidadania”, embutida na maioria das
  • 8. pessoas como ato heroico e solidário, ao invés da substituição das tarefas demandadas ao governo. Conclui-se, a partir das letras e ritmos, a ação eficaz de sujeitos políticos capazes e talentosos que não optaram pela violência, a que encontram por perto no meio em que vivem. Ao contrário, escolheram difundir a violência inscrita em outros setores, principalmente o econômico e político, que têm muito mais “força” e poder e refletem os problemas nacionais pelos quais passamos. REFERÊNCIAS GARCIA, Walter. “Ouvindo Racionais MC’s”. Teresa - revista de literatura brasileira 4/5, Literatura e canção. São Paulo: USP Editora 34. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/dlcv/lb/images/stories/revista_teresa/teresa45.pdf>. Acesso em: 30/07/2014 RAICHELIS, Raquel. “Assistência social e esfera pública: os conselhos no exercício do controle social”. Cadernos ABONG, Série Especial “Subsídios à Conferência Nacional de Assistência Social – III”, São Paulo: ABONG, 1997. SPOSATI, Aldaiza. “Assistência social: desafios para uma política pública de seguridade social”. Cadernos ABONG, Série Especial “Subsídios à Conferência Nacional de Assistência Social – I”, São Paulo: ABONG, 1995. TELLES, Vera. “Cidadania e pobreza”. São Paulo: Editora 34, 2001.