O documento descreve a evolução da Lei no 9.613/1998, que criminalizou a lavagem de dinheiro no Brasil. A lei sofreu alterações em 2002 e 2012 para acompanhar a crescente complexidade das organizações criminosas e passou a exigir mais cooperação do setor privado. A Circular SUSEP no 445/2012 estabeleceu novas regras para o setor de seguros, como a implementação de políticas anticorrupção e treinamento de funcionários.
20 anos Lei 9.613 lavagem dinheiro mercado seguros Brasil
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20 Anos
JULIANA SÁ DE MIRANDA MARCELLA HILL
Vinte anos da Lei nº 9.613
e o Combate à Lavagem de
Dinheiro pelo Mercado de
Seguros no Brasil
Durante as décadas de 80 e 90, a lavagem
de capitais passou a ser objeto de atenção
após se tornarem notórias a força e a capa-
cidade de articulação do crime organizado,
especialmente relacionado ao tráfico de dro-
gas, que acumulavam capital suficiente para
retroalimentar o sistema criminoso através da
“lavagem”.
Nesse contexto, em 1998 foi promulgada a
Lei nº 9.613, que criminalizou a conduta de
JULIANA SÁ DE MIRANDA MARCELLA HILL
ocultação ou dissimulação de bens, valores
ou direitos provenientes de crimes. A grande
inovação da lei, na época, era punir exatamen-
te a atividade de “mascarar” valores ilícitos e
reinseri-los no mercado“licitamente”, dividindo
a conduta em três estágios: ocultação, dissimu-
lação e reintegração.
O primeiro estágio consiste na separação física
entre o indivíduo e os valores ilícitos, trata-se
da colocação dos recursos derivados de uma
GABRIELA PAREDES
ARCENTALES
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atividade ilegal em um mecanismo de oculta-
ção da sua origem. No segundo estágio, é feita
a transformação dos valores mediante transa-
ções financeiras com o objetivo de dissimular
a ilicitude dos valores, tornando mais difícil a
detecção da manobra dissimuladora e do “en-
cobrimento”. Por fim, há a reinserção dos valo-
res e bens “limpos” no mercado para que sua
circulação pareça legitima. Em linhas gerais, a
lavagem de dinheiro tem como objetivo pro-
porcionar uma aparência legal aos bens, direi-
tos ou valores provenientes do crime.
O texto inicial sofreu três alterações significati-
vas ao longo dos últimos vinte anos de vigên-
cia , na tentativa de acompanhar a evolução
da complexidade e amplitude da atuação das
organizações criminosas, sumarizados abaixo.
Embora a Lei nº 12.683/12 tenha aumentado
significativamente o rol de “pessoas sujeitas
ao mecanismo de controle”, fato é que, des-
de o nascimento a lei, já havia uma preocu-
pação em obter a cooperação de entidades
ou pessoas do setor privado que operam em
“campos sensíveis à lavagem de dinheiro”. A
essas pessoas, físicas e jurídicas, foi dado o no-
me de gatekeepers pois atuam como “vigias” e
tem acesso aos caminhos trilhados pelo capital
oriunda de infração penal.
As regras gerais de colaboração exigem:
(i) a criação de registros e a manutenção de ca-
dastros com informações precisas e atualizadas
sobre clientes e suas principais operações, polí-
tica conhecida como know your cliente;
(ii) comunicação às autoridades competentes
de atos e transações suspeitas;
(iii) o desenvolvimento de políticas de Com-
pliance para a prevenção, identificação e im-
plementação de mecanismos de investigação
e controle interno que possibilitem a repressão
de atividades suspeitas.
Essa necessidade de monitoramento adminis-
trativo dos setores sensíveis levou à criação de
diversas unidades internas de inteligência. No
caso das empresas de seguro, capitalização e
previdência, a regulamentação é feita pela Su-
perintendência de Seguros Privados (SUSEP),
que, em consonância com a alteração legisla-
tiva de 2012, emitiu a Circular SUSEP nº 445 de
2012. Essa regulamentação é um guia para as
entidades supervisionadas pela SUSEP e dis-
põe sobre controles internos específicos para
Diploma e data da
alteração
Principais alterações Alterações no cenário fático
Lei 10.467/2002
Incluiu crimes praticados contra a administração
pública estrangeira como antecedentes da lava-
gem de dinheiro
A atuação das organizações criminosas começa a
ultrapassar fronteiras e mostra-se necessário repri-
mir também a lavagem de capital obtido através
do cometimento de crimes contra estados estran-
geiros
Lei 10.701/2002
Incluiu o financiamento do terrorismo como ante-
cedente da lavagem de dinheiro
Consequências da atuação transnacional das orga-
nizações criminosas e de sua necessidade em “la-
var” o capital ilícito e são criados mecanismos de
cooperação entre os Estados para monitoramento
e repressão dos crimes transnacionais.
Lei 12.683/2012
Ampliação do rol de infrações antecedentes e de
entes privados obrigados a cooperar com a fiscali-
zação e repressão da lavagem de capitais
O setor público percebe a necessidade de contar
com a colaboração do setor privado para comba-
ter a lavagem. Surge a necessidade de cooperação
do setor privado para monitoramento e prevenção
dessa espécie de operações, por meio da imple-
mentação de estrutura interna e eficiente de con-
trole e prevenção à lavagem de dinheiro
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prevenção e combate aos crimes de lavagem
de dinheiro ou outros que a ele possam se
relacionar.
O Capítulo III da circular é específico e expres-
so ao exigir que as entidades supervisionadas
pela SUSEP estabeleçam uma política de pre-
venção e combate à lavagem de dinheiro e
ao financiamento ao terrorismo (Anti-money-
laundering Policy) e de identificação de clientes
(know your client policy), além de treinamento
e qualificação específica dos funcionários pa-
ra identificação, monitoramento e análise de
risco e comunicação de operações suspeitas.
Exige-se, ainda, a “elaboração e execução de
um programa anual de auditoria interna que
verifique o cumprimento dos procedimentos”
da circular.
A Resolução CNSP nº 243 de 2011 estabelece
o processo administrativo sancionador e pe-
nalidades aplicáveis às entidades supervisiona-
das pela SUSEP que venham a descumprir tais
obrigações de identificação de seus clientes,
de manter registro de operações financeiras,
comunicações ao COAF dentro de prazos esti-
pulados pela lei.
A exigência da implementação de instrumen-
tos de controle e prevenção, eficientes, por
parte de instituições do “setor sensível” é um
claro indicativo de que em 2012 uma nova
fase se iniciou no combate à lavagem de di-
nheiro. Essa fase afeta diretamente instituições
financeiras e de seguro pois não há mais ape-
nas a exigência na comunicação de ativida-
des suspeitas mas também um exigência de
implementação de uma estrutura interna de
prevenção. Exige-se que essa estrutura seja
efetiva e não apenas pro forma de modo que o
descumprimento de tais deveres de prevenção
podem acarretar consequências jurídicas e re-
putacionais para as entidades supervisionadas
pela SUSEP e seus executivos, incluindo a pos-
sibilidade de responder por processos admi-
nistrativos sancionadores e aplicação de multa
pela SUSEP.