O documento discute a importância do "criminal compliance" no contexto empresarial brasileiro. A gestão de riscos é importante para empresas para evitar danos, e o Direito Penal brasileiro vem criminalizando cada vez mais condutas para proteger bens jurídicos, colocando empresários em risco. O "criminal compliance" pode ajudar empresas a identificarem condutas de risco e se protegerem de investigações e processos criminais.
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A importância do criminal compliance
1. A importância do "criminal Compliance"*
Bruno Salles Pereira Ribeiro**
A necessidade de administrar riscos é bem conhecida no contexto empresarial, cuja gestão eficiente pauta-se no
conceito de "compliance", idéia que denota a adoção de políticas destinadas à diminuição de riscos da empresa,
assim como à fiscalização de operações cotidianas, com objetivo de se projetar consequências danosas aos
interesses corporativos e individuais de seus colaboradores, para assim evitá-las.
No Brasil, essas políticas de boas práticas têm se dirigido à gestão dos riscos econômicos e financeiros, não se
ignorando, contudo, que em muitas vezes se destinarão ao agir ético da empresa. Em síntese, as políticas de
"compliance" estarão dirigidas à diminuição e gestão dos danos, sejam eles econômicos ou sociais. A busca pela
gestão de danos também é refletida na política criminal nacional e, por conseguinte, no ordenamento jurídico-
penal, que, cada vez mais, incrimina condutas que antecipam a proteção do objeto tutelado com o fim de
diminuir ao máximo o risco de dano aos bens jurídicos tutelados. Exemplos claros dessas condutas
incriminadoras são coletados na Lei de Crimes Ambientais (lei 9.605/98), Lei de Lavagem de Dinheiro (lei
9.613/98), Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional (lei 7.492/86), Lei dos Crimes Tributários e
Contra a Ordem Econômica (lei 8.137/9), entre outras.
Muitos desses "novos crimes" caracterizam-se pela existência de um simples descumprimento de dever legal e
se destinam à proteção de meras funções estatais, fenômeno designado como a "administrativização" do Direito
Penal. Por outro lado, a técnica legislativa utilizada é a de tipos penais abertos e vagos, que tornam opacas as
fronteiras entre o lícito e o ilícito penal. Destarte, torna-se cada vez mais aflitiva a situação dos empresários, que,
inseridos na complexidade das atividades empresariais, acabam praticando, autorizando ou se
responsabilizando por condutas neutras em si mesmas, mas que, no desenrolar de seus processos causais,
podem ser subsumidas em algum desses tipos penais.
A situação é ainda mais dramática devido ao fracionamento e diferenciação desses processos causais, que
muitas vezes torna a mera ocupação de um cargo de direção ou a figuração em quadros societários motivo
bastante para ensejar a persecução penal de diretores, cotistas e acionistas de empresas, que, por vezes, nem
sequer tiveram contato com as condutas incriminadas.
Vê-se, assim, que a preocupação com os riscos sociais vem tornando o sistema penal em um risco em si
mesmo, que avança, com crescente intensidade, sobre empresários e diretores de empresas. É nesse contexto
que surge na Europa e nos Estados Unidos o "criminal compliance", fenômeno que não escapará à realidade
nacional.
Por meio do conhecimento técnico-jurídico interdisciplinar e da experiência na atuação contenciosa, o
profissional especializado no Direito Penal Empresarial tem a capacidade necessária para diagnosticar a
adequação típica de condutas praticadas na atividade empresarial e, dessa forma, alertar seus responsáveis,
evitando assim o comprometimento criminal da empresa e de seus colaboradores. É muito comum que os
envolvidos nas mais variadas operações empresariais sequer se deem conta de que as ações que estão
praticando possam representar o cometimento de crimes, cujas punições vêm se tornando cada vez mais
severas no Brasil.
Recente exemplo concreto é o dos cartões "flexcard", mediante os quais algumas empresas costumavam
bonificar seus funcionários com créditos. A partir do entendimento de que os bônus concedidos através desses
cartões integrariam o salário do empregado - que é sujeito à incidência de contribuição previdenciária -, a Polícia
Federal instaurou diversos inquéritos policiais contra essas empresas, com fundamento na alegação de que tais
condutas configurariam os crimes de sonegação fiscal e apropriação indébita previdenciária. Na maioria das
vezes, como ocorreu no exemplo colacionado, a "criminalidade" das condutas é notada somente quando
diretores e sócios de empresas são intimados a prestar depoimento perante as autoridades policiais, ocasião na
qual já chegarão com o rótulo de criminosos. Nesse momento, o estrago já estará feito, mesmo que após a
investigação ou ao final da ação penal reste comprovada a inocência do acusado. Surge daí a importância do
"criminal compliance", da perspectiva de que sempre será mais vantajoso olhar para o Direito Penal de forma
preventiva, com foco nos riscos inerentes às particularidades de cada atividade, antes que o aparato criminal
resolva se debruçar sobre a empresa, seus diretores e colaboradores.
*Artigo publicado originalmente na edição de 2/2/11 do jornal Valor Econômico.
**Advogado associado da área de Direito Penal Empresarial do escritório Cascione, Pulino, Boulos & Santos Advogados - CPBS