Este artigo discute os desafios enfrentados por professores de Português como Língua Estrangeira em Portugal, incluindo a falta de formação adequada e recursos pedagógicos atualizados. O autor argumenta que os manuais escolares precisam refletir melhor as abordagens comunicativas e os níveis de proficiência do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas. Além disso, um referencial único para o ensino do Português como Língua Estrangeira seria benéfico.
2. RESUMO / ABSTRACT
Este artigo tem por objetivo levantar alguns dos problemas com que os docentes de Português
Língua Estrangeira se debatem quotidianamente na sua prática pedagógica. Procuraremos, a
partir da experiência adquirida enquanto docente de Português Língua Estrangeira e
investigador em didática das línguas, e dos contactos mais ou menos formais que se foram
estabelecendo com outros professores e investigadores ao longo dos anos, abordar questões
que têm gerado problemas no contexto da prática pedagógica (e.g. elaboração de programas,
recursos impressos, escolhas metodológicas) e que, na nossa opinião, não têm recebido a
devida atenção, nomeadamente por parte das editoras. Convocaremos igualmente o campo
teórico e metodológico da Didática do Português, dado o interesse que a área do ensino do
Português enquanto L2 tem despertado nos últimos anos. Abordaremos temas como os
programas e referenciais oficiais para o ensino do português enquanto língua estrangeira, os
recursos textuais (manuais editados em Portugal para uso no ensino e na aprendizagem do
Português Língua Estrangeira, por exemplo), a adequação aos níveis de proficiência do Quadro
Europeu Comum de Referência para as Línguas (Conselho da Europa, 2001), os conteúdos
linguísticos e as escolhas metodológicas dos manuais ou programas oficiais. As linhas de
reflexão apresentadas pretendem ser desafiadoras e provocadoras para a reflexão didática em
torno do ensino do Português Língua Estrangeira, no sentido de incitar ao debate sobre
questões teóricas e metodológicas, que na minha opinião continuam insuficientemente
investigadas, permitindo melhorar a formação dos professores e a aprendizagem dos alunos de
português, seja em contexto de língua de herança, língua segunda ou língua estrangeira
(Carreira, 2013).
The aim of this article is to raise awareness of some of the issues faced by teachers of
Portuguese as a foreign language (PFL) on a daily basis. Based on the experience
acquired as a PFL teacher and researcher in the teaching and learning of languages, as
well as on the somewhat formal contacts established throughout the years with other
teachers and researchers, this study tackles the issues that have generated problems
within the context of pedagogical practice (writing of syllabi, printed resources,
methodological selection). Such issues, in my opinion, have not been given the
necessary attention, especially by the publishing houses. Simultaneously, the study
reviews the theoretical and methodological field of Portuguese Didactics, since there
has been a significant increase in the interest in the PFL area in recent years. More
specifically, the topics discussed include: official programs and references for the
teaching of Portuguese as a FL, textbooks (edited in Portugal for the use of teaching
and learning of PFL, for example), the adequacy to the proficiency levels of the
Common European Framework of Reference for Languages (Council of Europe, 2001)
and the linguistic content and the methodological choices of the official textbooks and
programs. In order to encourage debate on theoretical and methodological issues, the
lines of reflection presented in this study are challenging and provocative, and meant
for didactic reflection on the teaching of Portuguese as a Foreign Language. In my
opinion, these are still insufficiently researched, such reflection will improve teacher
training and the learning of Portuguese, whether in the context of a heritage language,
a second language or a foreign language (Carreira, 2013).
3. CONTEXTO
• Grande aumento de estudantes
estrangeiros a frequentar cursos de PLE
(início do milénio)
• Publicação do QuaREPE (portaria
914/2009, 17/08)
• Publicação do referencial Camões (DSLC,
2017)
• Falta de professores qualificados para o
ensino do PLE
• Criação de políticas de acolhimento nas
escolas portuguesas (PLNM de 2005 a
2008)
• Homologação em 2008 do referencial para
o PLNM (Ensino Secundário)
• Falta de professores qualificados para o
ensino da PL2
Em contrapartida a evolução em termos editoriais tem sido mais lenta e menos
significativa
4. • Metodologias, QECRL (Conselho da Europa, 2001) e referenciais privilegiam:
• Abordagens ativas da aprendizagem
• Centração do processo no aluno
• Definição rigorosa de objetivos
• Métodos e materiais adequados
• Instrumentos de avaliação processuais
5. DIFICULDADES
• Inicialmente sem qualquer referencial para elaboração
de programas particulares;
• Criação de cursos ad-hoc;
• Implementação dos mesmos;
• Contexto multicultural e multilinguístico;
• Seleção do pessoal docente.
1. Gestão:
• Implementação de cursos;
• Elaboração de programas;
• Formação docente
6. • “estou doente, fico em casa”
• “ele usa calças curtas”
• “esse lápis é teu?”
• Porquê “estou doente” e não “sou
doente”? Porquê “fico em casa” e não “fico
na casa”? Porquê “usa calças” e não “usa
umas calças”? Porquê “esse lápis” e não
“este lápis”? Porquê “são teus” e não “são
os teus”?
• “sou doente do coração”
• “na casa amarela há um jardim”
• “comprei umas calças nos saldos”
• “este lápis precisa de ser afiado”
• “está aqui o teu lápis”
Exemplos retirados de Duarte (2009: para 5)
7. Não basta ser fluente em língua portuguesa para se poder ensinar português.
O conhecimento de teorias didático-pedagógicas para o ensino de línguas torna qualquer
docente competente na sua lecionação (?)
O recurso a professores de Português (LM) das instituições de ensino portuguesas nos
anos iniciais de implementação de cursos de PLE em Portugal no ensino superior e de
PLNM no ensino básico e secundário não garantiam o conhecimento das especificidades da
lecionação de uma língua estrangeira, nem o conhecimento dos níveis de proficiência do
QECRL
8. É necessária ao professor de PLE uma reaprendizagem da língua, ou melhor, uma capacidade
de a observar de uma perspetiva exterior, movimento idêntico ao aprendente de uma LE.
9. • Alertar para os problemas com que os docentes se
deparam caso queiram implementar uma prática de
ensino mais interativa e dinâmica, envolvendo os
alunos nas suas aprendizagens e na compreensão dos
processos envolvidos nas diferentes componentes da
competência comunicativa e na estrutura da língua.
2. Manuais escolares
10. “O manual tem um papel fundamental em todo o processo de ensino/aprendizagem de uma
língua estrangeira. […] [e] continua a ser o suporte de aprendizagem mais utilizado,
resistindo a todas as inovações tecnológicas que o vão ameaçando.” (Tavares, 2008: 9)
Espera-se que sejam atualizados relativamente aos conteúdos a adquirir e que acompanhe a
evolução das práticas pedagógicas e da didática atual que privilegiam saberes processuais,
competências em uso, integrando neles os conteúdos declarativos sobre a língua/cultura-
alvo.
11. Mas:
• apresentam gralhas/erros ortográficos;
• explicações gramaticais pouco precisas;
• desarticulação entre conteúdos apontados em
cada unidade, textos/atividades e compêndio
gramatical final;
• escassez de documentos autênticos;
• (quase) padronização de géneros textuais (⍯
diversificação de géneros e contextos)
• não fomentam as 4 competências;
• não permitem a centração no discente e o
desenvolvimento da sua autonomia e do aprender
a aprender;
• são generalistas em termos de público-alvo, pouco
moldáveis e adaptáveis a diferentes idades;
• exercícios (em grande parte) behavioristas de
repetição de estruturas.
• Recorre (ainda) a terminologia gramatical
tradicional
12. • upgrade para a realidade (multi)cultural em que nos encontramos atualmente. Já foram
alteradas algumas ilustrações, mas existem textos que continuam apegados a um Portugal
do passado (e.g. um português tem uma casa grande porque toda a família vive junta:
avós, pais e filhos).
• não respeitam totalmente os níveis de proficiência do QECRL. Adaptaram as publicações
existentes acrescentando na capa os níveis sem olhar para o conteúdo e organização dos
próprios manuais e se isso seria suficiente para distinguir os diferentes níveis de
proficiência.
13. Ensinar PLE é hoje ensinar uma multitude de quadros
referenciais para a estrutura da língua. Se pensarmos nas
diversas realidades do Português (Europeu, do Brasil, de
África ou Timor-Leste), em parte refletidos nos
documentos orientadores nacionais (PLNM, QuaREPE,
referencial Camões).
3. Conteúdos
14. Espera-se que “os aprendentes se tornem aptos a comunicar nessa língua para satisfazerem
as suas necessidades comunicativas” básicas (Almeida, 2004: 1), aliadas à partilha de
experiências culturais expressas pela língua em aprendizagem e cuja realidade vai para além
da questão nacional cuja representação os manuais editados para o ensino de PLE
privilegiam.
15. Conteúdos gramaticais:
• a terminologia usada para o ensino da LM é algumas vezes diferente da que recorremos para
o PLE, cujos manuais preconizam uma versão mais tradicional e não o Dicionário
Terminológico aprovado em 2008;
• A omissão da segunda pessoa do plural (‘vós’) na conjugação verbal.
Uma gramática pedagógica não deveria truncar o conhecimento gramatical da língua-alvo.
16. CONSIDERAÇÕES
FINAIS
• Preconizamos a existência de apenas um referencial
para o ensino do PLE.
• Um referencial tem como objetivo elencar as
diferentes competências a desenvolver e
conhecimentos a adquirir por nível de proficiência e
não necessita de o fazer para todos os ciclos ou
realidades possíveis de aprendizagem do português.
1. Referenciais
17. • “[…] a criação de manuais e material didático para o
ensino de PLNM [e de PLE] deverá fundamentar-se na
ausência de componentes e recursos suficientes para
o ensino e aprendizagem da língua e não no mercado
económico-financeiro e na possibilidade de criar um
monopólio de material com vista ao lucro.” (Galvão, 2014: 61)
2. Recursos pedagógicos editados
18. Falta a meu ver: uniformizar nomenclaturas, recorrer a materiais autênticos, atribuir maior
atenção à organização de cada sequência didática por forma a não termos mais conteúdos
associados do que aqueles que de facto surgem nos textos ou atividades, fomentar o
desenvolvimento de competências de compreensão e de produção orais e escritas.
19. Fomentar a formação específica dos docentes de PLNM
e de PLE, atribuindo a esses as aulas de PL2 nos
diferentes níveis de ensino. Isso permitiria que os alunos
tenham professores especializados, conscientes das
dificuldades de ensinar a língua portuguesa a não nativos
e de um conhecimento pedagógico de conteúdo que o
prepare para o processo ensino-aprendizagem de
PLE/PLNM.
3. Formação
20. • Centrar o processo de ensino-aprendizagem no
aprendente e definir rigorosamente objetivos válidos e
realistas associados ao desenvolvimento de
competências e de aprendizagens dos estudantes está
condicionado por fatores externos ao próprio
processo, tal como a definição de métodos e a escolha
de materiais adequados ao ensino-aprendizagem do
PLE.
4. Notas finais
21. REFERÊNCIAS
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GROSSO, M. J. (coord) (2011a). QuaREPE: Quadro de Referência para o Ensino Português no Estrangeiro - Documento Orientador. Lisboa: Ministério da Educação - Direção Geral de Inovação e de
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