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J. KRISHNAMURTI
REFLEXÕES
SOBRE A VIDA
UNIVERSALISMO
Sumário
1 — Felicidade criadora
2 — Condicionamento
3 — O medo à solidão interior
4 — O processo do ódio
5 — Progresso e revolução
6 — O tédio
7 — Disciplina
8 — Conflito — liberdade — relações
9 — O esforço
10 — Devoção e culto
11 — O interesse
12 — Educação e integração
13 — Castidade
14 — O medo da morte
15 — A fusão do pensador e dos seus pensamentos
16 — A luta pelo poder
17 — Que vos está tornando insensível?
18 — Karma
19 — O indivíduo e o ideal
20 — Ser vulnerável é viver, retrair-se é morrer
21 — Desespero e esperança
22 — A mente e o conhecido
23 — Ajustamento e liberdade
24 — Tempo e continuidade
25 — A família e o desejo de segurança
26 — O eu
27 — Natureza do desejo
28 — A finalidade da vida
29 — Avaliação da experiência
30 — Este problema do amor
31 — Qual a verdadeira função do educador?
32 — Vossos filhos e seu êxito na vida
33 — A ânsia de buscar
34 — Escutar
35 — A chama do descontentamento
36 — Uma experiência de bem-aventurança
37 — Um político que queria prestar bons serviços
38 — A competição como norma da vida
39 — Meditação — esforço — consciência
40 — Psicanálise e o problema humano
41 — Purificado do passado
42 — Autoridade e cooperação
43 — Mediocridade
44 — Ensino positivo e ensino negativo
45 — Assistência e ajuda
46 — O silêncio da mente
47 — Contentamento
48 — O ator
49 — A função do saber
50 — Convicções — sonhos
51 — A morte
52 — Avaliação
53 — Inveja e solidão
54 — A tormenta do espírito
55 — Controle do pensamento
56 — Existe pensamento profundo?
57 — A imensidão
1
Felicidade criadora
Uma grande cidade beira o rio majestoso. Degraus longos e largos descem até
à água, e todo o mundo parece viver sobre esses degraus, pois estão sempre
cheios de gente e de barulho desde manhã cedo até muito depois do escurecer.
Quase ao nível d’água há uns pequenos degraus alongados, onde muitos se vão
sentar, absorvendo-se em suas ânsias e esperanças, seus deuses e seus
cantares. Toca o sino do templo e ouve-se o chamado do muezim. Alguém canta,
e um grande ajuntamento se formou, a escutar em apreciativo silêncio.
Além, acompanhando a curva do rio e continuando mais para cima, divisa-se
uma grande massa de edifícios. Com avenidas arborizadas e amplas vias, as
edificações se estendem por muitas milhas para o interior. Por um caminho
estreito e lamacento, ao longo do rio, tem-se acesso a esse vasto centro de
cultura. Vive ali um grande número de estudantes, procedentes de todos os
pontos do país, jovens ardorosos, ativos e bulhentos. Os lentes têm ares
pomposos, e urdem intrigas para alcançar promoções e honorários mais altos.
Nenhum deles parece muito interessado no que irá acontecer aos estudantes,
depois de saírem dali. Sua função é transmitir certos conhecimentos e técnicas,
que os estudantes mais talentosos absorvem rapidamente. Depois, eles se
formam — e pronto! Os lentes têm seus empregos garantidos, suas famílias, sua
segurança; mas os estudantes terão, ao saírem dali, de enfrentar as agitações e
incertezas da vida. Edifícios como esses e mestres e estudantes como esses
existem em todo o país. Alguns estudantes alcançam a fama e uma boa situação
na vida; outros geram filhos, lutam, e morrem. O Estado precisa de técnicos
competentes, administradores capazes de guiar e de governar. E ele tem
sempre, também, o exército, a Igreja, o comércio. Em qualquer parte do mundo
é a mesma coisa que se vê.
É só para aprendermos uma técnica e termos um emprego, uma profissão, que
fazemos encher a nossa mente superficial com uma multidão de fatos e
conhecimentos, não é verdade? É bem óbvio que no mundo moderno um bom
técnico tem melhores possibilidades de ganhar a vida; mas, daí, que se segue?
Um técnico está melhor aparelhado para enfrentar o complexo problema da vida
do que quem não é técnico? A profissão é apenas uma parte da vida; mas há
também as partes ocultas, subtis, misteriosas. O encarecer a importância de uma
só, negando ou desprezando as demais, tem de levar, inevitavelmente, a uma
atividade desarmoniosa e desintegrativa. É isso, precisamente, o que se está
fazendo no mundo, hoje em dia, de onde o conflito, a confusão, a miséria, a se
agravarem mais e mais. Existem, naturalmente, umas poucas exceções, os que
são criadores, felizes, os que estão em contato com algo que não é de fabricação
humana, os que não dependem das coisas da mente.
Tanto vós como eu temos, intrinsecamente, a capacidade de ser felizes,
criadores, de entrarmos em contato com algo existente fora do alcance dos
tentáculos do tempo. A felicidade criadora não é um dom reservado a poucos; e
por que, então, a grande maioria não conhece essa felicidade? Por que razão
alguns parecem estar em contato com a realidade profunda, apesar das
circunstâncias e acidentes, enquanto outros estão sendo destruídos por essas
mesmas circunstâncias e acidentes? Por que é que uns são maleáveis, flexíveis,
e outros permanecem rígidos e são destruídos? Apesar de todos os seus
conhecimentos, alguns conservam sempre aberta a porta que leva àquilo que
ninguém, que livro nenhum nos pode dar, enquanto outros são asfixiados pela
técnica e pela autoridade. Por que isso? É bastante claro que a mente deseja
estar empenhada e estabilizada em alguma espécie de atividade, desprezando
coisas mais amplas e profundas, porque aí ela se sente em terreno mais firme;
e, assim, a sua educação, as suas práticas, as suas atividades são estimuladas
e mantidas em tal nível, e sempre se encontram escusas para não se passar
além dele.
Antes de serem contaminadas pela chamada educação, muitas crianças se
acham em contato com o “desconhecido”, como o demonstram por várias
maneiras. Mas o ambiente não tarda a fechar-se em torno delas, e depois de
uma certa idade perde-se aquela luz, aquela beleza que não se acha em nenhum
livro ou escola. Por quê? Não digais que a vida é exigente demais, que elas têm
de enfrentar duras realidades, que é seu destino, seu karma, que é a culpa dos
pais; tudo isso é puro absurdo. A felicidade criadora é para todos, e não para
poucos somente. Vós podeis expressá-la de uma maneira, e eu de outra
maneira, porém ela é para todos. A felicidade criadora não tem cotação no
mercado; não é uma mercadoria que se vende a “quem dá mais”, mas, sim, a
única coisa que pode ser todos.
É realizável a felicidade criadora? Isto é, pode a mente pôr-se em contato com
aquilo que constitui a fonte de toda felicidade? E esse contato pode ser sempre
mantido, a despeito do saber e da técnica, a despeito da educação e das
exigências da vida? Pode — mas só quando o educador se educa para essa
realidade, quando aquele que ensina está também em contato com a fonte da
felicidade criadora. Nosso problema, pois, não é o discípulo, o jovem, mas o
mestre e o pai. A educação só é um círculo vicioso quando não se percebe a
importância, a necessidade essencial e primacial dessa felicidade suprema.
Afinal, estar aberto para a fonte de toda felicidade é a mais sublime religião; mas,
para se conhecer essa felicidade, é preciso dar-lhe atenção correta, como se dá
aos negócios. A profissão de mestre não é uma rotina, porém, antes, a
expressão de uma beleza e felicidade que não podem ser medidas em termos
de realização e sucesso.
Perdida está a luz da Realidade, e perdidas as suas bênçãos, quando a mente,
que é a sede do “eu”, assume a direção. O autoconhecimento é o começo da
sabedoria. Sem autoconhecimento, o saber leva à ignorância, à luta e ao
sofrimento.
2
Condicionamento
Ele se mostrava muito interessado em ajudar a Humanidade, praticar boas
obras, e exercia atividades em várias organizações interessadas no bem-estar
social. Disse que, rigorosamente falando,
nunca tirara férias demoradas e que desde sua formatura vinha trabalhando
constantemente pela melhoria da Humanidade. Naturalmente nenhum dinheiro
levava pelo trabalho que executava. Seu trabalho sempre lhe fora muito
importante, e tinha muito apego a tudo o que fazia. Tornara-se um obreiro social
de primeira ordem, e gostava de o ser. Mas, depois de ter ouvido, numa de
nossas palestras, algo a respeito das várias formas de fuga que condicionam a
mente, desejava esclarecer-se melhor.
“Achais que trabalhar em obras sociais, causa condicionamento? — que só pode
criar mais conflitos?”
Averiguemos a que se entende por condicionamento. Quando temos consciência
de estar condicionados? Estamos alguma vez cônscios disso? Percebeis que
estais condicionado, ou só percebeis a existência de conflito e de luta, em vários
níveis de vossa existência? Não temos consciência de nosso condicionamento,
certamente, mas apenas de que há conflito, dor, prazer.
“Que entendeis por conflito?”
Qualquer espécie de conflito: conflito entre as nações, entre vários grupos
sociais, entre indivíduos, e o conflito existente dentro de nós mesmos. Não é
inevitável o conflito, enquanto não se der a integração do agente e da ação, do
desafio e da reação? O conflito nosso problema, não achais? Não um
determinado conflito, mas todo e qualquer conflito: a luta entre as idéias, entre
as crenças, as ideologias, os opostos. Se não houvesse conflito não haveria
problemas.
“Estais a sugerir que devemos buscar uma vida de isolamento, de
contemplação?”
A contemplação é penosa; é uma das coisas mais difíceis de se compreender.
O isolamento, que, consciente ou inconscientemente, cada um de nós está
buscando, à sua maneira, não resolve os nossos problemas; pelo contrário,
aumenta-os. Estamos tentando compreender quais são os fatores de
condicionamento que criam novos conflitos. Só estamos cônscios de conflito, dor
ou prazer, mas não estamos cônscios de nosso condicionamento. Qual é a
causa do condicionamento?
“As influências sociais e ambientes: a sociedade em que nascemos, o meio
cultural em que crescemos, as exigências econômicas e políticas, etc.”
Exatamente; mas é só isso? Estas influências são produtos de nós mesmos, não
são? A sociedade é o resultado das relações de um homem com outro homem;
o que é bastante evidente. Essas relações são de utilização, de necessidade, de
conforto, de satisfação, e criam influências, valores, que nos prendem. Esse
aprisionamento é nosso condicionamento. Estamos agrilhoados por nossos
próprios pensamentos e ações; mas não estamos cônscios desses grilhões, e
só percebemos o conflito, o prazer, a dor. Parece que nunca passamos daí, e,
se o fazemos, passamos apenas a um novo conflito. Não estamos cônscios de
nosso condicionamento, e enquanto não o estivermos, só poderemos produzir
mais conflito e mais confusão.
“Como podemos estar cônscios de nosso condicionamento?”
Só pela compreensão de um outro processo, o processo do apego. Se pudermos
compreender a razão por que somos apegados, talvez então possamos perceber
o nosso condicionamento.
“Isso não é dar uma volta muito grande, para atender a uma questão direta?”
Achais que é? Tentai ficar cônscio de vosso condicionamento. Não podeis
conhecê-lo senão indiretamente, em relação com alguma coisa: Não podeis
estar cônscio de vosso condicionamento como abstração, porque, nesse caso,
trata-se apenas de um conhecimento verbal, sem muita significação. Nós só
conhecemos o conflito. O conflito existe quando não há integração entre o
desafio e a reação. Esse conflito é o resultado de nosso condicionamento.
Condicionamento é apego: apego ao emprego, à tradição, à propriedade, a
pessoas, idéias, etc. Se não houvesse apego, haveria condicionamento?
Decerto que não. Portanto, por que é que temos apego? Tenho apego ao meu
país porque, pela identificação com ele, eu sou alguém. Identifico-me com o meu
trabalho, e o trabalho se torna importante. Eu sou minha família, minha
propriedade; estou-lhes apegado. O objeto de meu apego oferece-me o meio de
fuga ao meu próprio vazio. O apego é fuga, e a fuga é que robustece o
condicionamento. Se vos tenho apego, é porque vos tornastes meu meio de fuga
a mim mesmo: por isso, sois muito importante para mim, e tenho de possuir-vos,
manter-me preso a vós. Vós vos tornais o fator do meu condicionamento, e a
fuga é o condicionamento. Se nos tornarmos cônscios de nossas fugas,
perceberemos então os fatores, as influências que produzem condicionamento.
“Estou fugindo de mim mesmo com meu trabalho social?”
Estais apegado a ele, estais-lhe preso? Sentir-vos-íeis aniquilado, vazio,
entediado, se não fosse ele?
“Estou certo de que assim me sentiria.”
Vosso apego a esse trabalho é a vossa fuga. Há fugas em todos os níveis da
nossa existência. Vós vos refugiais no trabalho, outro na bebida, outro nas
cerimônias religiosas, outro no saber, outro em Deus, e outros, ainda, em
divertimentos vários. Todas as fugas são iguais; não há fuga superior ou inferior.
Deus e a bebida se acham no mesmo nível, quando representam meios de fuga
àquilo que somos. Quando temos consciência de nossas fugas, só então
podemos conhecer o nosso condicionamento.
“Que devo fazer, se deixar de fugir por meio da assistência social? Posso fazer
alguma coisa sem estar fugindo? Toda e qualquer ação de minha parte não
representa uma forma de fuga ao que sou?”
Esta pergunta é meramente verbal, ou reflete uma realidade, um fato que estais
experimentando? Se não fugísseis, que aconteceria? Já experimentastes isso?
“O que dizeis é tão negativo, se assim me posso expressar. Não ofereceis
substituto algum para o meu trabalho.”
Toda substituição não constitui uma outra forma de fuga? Quando uma certa
atividade não é satisfatória ou cria mais conflito, corremos para outra. Substituir
uma atividade por outra, sem compreensão da fuga, é um tanto fútil, não achais?
São essas fugas e nosso apego a elas, que produzem condicionamento. O
condicionamento cria problemas, conflitos. É o condicionamento que nos impede
a compreensão do desafio; visto que estamos condicionados, a nossa reação
tem de criar, inevitavelmente, conflito.
“Como se pode ficar livre de condicionamento?”
Só pela compreensão, pelo percebimento das nossas fugas. Nosso apego a uma
pessoa, um trabalho, uma ideologia, é o fator condicionador; temos de
compreendê-lo, em vez de buscarmos uma fuga melhor ou mais inteligente.
Todas as fugas são ininteligentes, já que inevitavelmente produzem conflito. O
cultivo do desapego constitui uma outra maneira de fuga, de isolamento; é apego
a uma abstração, a um ideal. O ideal é coisa fictícia, produto do “eu”, e tornar-se
o ideal representa uma fuga ao que é. Só há compreensão de o que é e ação
adequada em relação ao que é, quando a mente já não está a buscar refúgios.
O próprio pensar a respeito do que é, é fuga ao que é. Pensar no problema é
fugir do problema; porque o pensamento é o problema, o único problema. A
mente que não deseja ser o que é, que teme o que é, busca esses vários modos
de fuga; e a via de fuga é o pensamento. Enquanto houver pensamento, haverá
necessariamente fugas, apegos, que só podem fortalecer o condicionamento.
Libertamo-nos do condicionamento quando nos libertamos do pensar. Quando a
mente está tranquila de todo, só então há liberdade, para a existência do Real.
3
O medo à solidão interior
Como é necessário morrer todos os dias, morrer a cada minuto para todas as
coisas, para todos os dias passados e para o momento que acaba de escoar-se!
Sem a morte não há renovação, sem a morte não há criação. A carga do passado
dá origem à continuidade do passado, e as apreensões de ontem dão mais vida
às apreensões de hoje. O dia de ontem perpetua o de hoje, e amanhã é ainda
ontem. Não há libertação dessa continuidade, senão na morte. No morrer,
encontra-se alegria. Esta manhã nova, tão fresca e clara, não traz consigo as
luzes e as sombras de ontem; o canto daquela ave faz-se ouvir pela primeira
vez, e o barulho que fazem aquelas crianças não é o barulho de ontem. Andamos
carregados com a memória de ontem, que nos ensombra a existência. Enquanto
a mente for a máquina automática da memória, não terá descanso, nem
tranquilidade, nem silêncio; estará a gastar-se continuamente. O que está quieto
pode renascer, mas o que se acha em constante atividade, se gasta e se torna
inútil. A fonte perene se encontra no findar, e a morte está tão perto de nós como
a vida.
Disse ela que tinha estudado durante alguns anos com um desses famosos
psicólogos e tinha sido analisada por ele, o que levara algum tempo. Embora
educada como cristã e tendo também estudado a filosofia hindu e os seus
instrutores, nunca se ligara a nenhum grupo particular nem se filiara a qualquer
sistema de pensamento. Como sempre, continuava insatisfeita e abandonara,
mesmo, a psicanálise; aplicava-se agora a um certo trabalho de assistência
social. Fora casada, tendo conhecido todas as venturas e desventuras da vida
doméstica. De várias maneiras havia buscado refúgio: no prestígio social, no
trabalho, no dinheiro, e no conforto desta região ensolarada, com seu mar
sempre azul. Suas tribulações se tinham multiplicado, mas soubera suportá-las;
entretanto, nunca conseguira descer além de uma certa profundidade, e esta
não era muito grande.
Quase todas as coisas são superficiais, e depressa se acabam, para dar começo
a uma nova superficialidade. A fonte inesgotável não pode ser encontrada pela
atividade da mente.
“Tenho passado de uma atividade para outra, de uma desventura para outra,
sempre tangida e sempre a perseguir alguma coisa. Agora que se me esgotou o
entusiasmo por uma coisa, antes de começar a seguir outra, que me iria ocupar
por mais alguns anos, obedeci a um impulso mais forte, e eis-me aqui. Sempre
tive vida de conforto, prazeres e riqueza. Andei interessada em muitas coisas e
estudei um tanto profundamente certas matérias; mas, por uma ou outra razão,
passados tantos anos, vejo-me ainda a tocar a orla das coisas, parecendo
incapaz de penetrar além de um certo ponto; quero aprofundar-me mais, porém
não posso. Dizem-me que sou eficiente no que faço, e justamente esta eficiência
é que me prende. Meu condicionamento é do gênero benfazejo: fazer bem aos
outros, ajudar os necessitados, mostrar-me atenciosa, generosa, etc.; mas isso
prende, como todo condicionamento. Meu problema é o de ser livre, não só deste
condicionamento, mas de todos os condicionamentos, e ir mais longe. Isto se
tornou uma necessidade imperiosa, não só depois de ouvir as vossas palestras,
mas também em virtude de minha própria observação e experiência. Abandonei,
por enquanto, as atividades beneficentes, e se continuarei ou não a exercê-las,
isso será decidido mais tarde.”
Por que não vos perguntastes anteriormente a razão dessas atividades?
“Nunca me ocorreu perguntar a mim mesma por que sou assistente social.
Sempre desejei ajudar, fazer bem, e não por fútil sentimentalismo. Descobri que
as pessoas com quem vivo não são entes reais, porém meras máscaras; aqueles
que necessitam de socorro é que são reais. Viver entre máscaras é monótono e
estúpido, mas no viver com os outros encontram-se lutas e penas.”
Por que vos entregais às atividades sociais, ou qualquer outra espécie de
trabalho?
“Suponho que seja simplesmente para me manter ativa. Nós temos de viver e de
agir, e meu condicionamento me impele a agir pela maneira mais louvável
possível. Nunca me interroguei por que faço estas coisas, e agora tenho de
descobri-lo. Mas antes de irmos mais longe, deixai-me dizer que sou uma pessoa
solitária; embora me encontre com muitas pessoas, vivo só e gosto disso. Há
algo que dá muita alegria, no estar só.”
“Estar só”, no sentido mais profundo, é uma coisa essencial; mas a solidão do
retraimento proporciona um senso de poder, de força, de invulnerabilidade. Esta
solidão é isolamento, uma fuga, um refúgio. Mas não achais importante descobrir
por que é que nunca vos perguntastes a razão de todas essas atividades
supostamente boas? Não deveis investigá-la?
“Sim, façamo-lo. Penso que foi o medo à solidão interior que me levou a fazer o
que tenho feito.”
Por que empregais a palavra “medo”, com relação à solidão interior?
Exteriormente, não vos desagrada estar só, mas fugis à solidão interior. Por quê?
O medo não é uma abstração; só existe em relação com alguma coisa. O medo
não existe sozinho; existe como palavra, mas só pode ser sentido em contato
com alguma coisa. De que tendes medo?
“Desta solidão interior.”
Só se pode ter medo da solidão interior em relação com uma outra coisa. Não
podeis ter medo da solidão interior, já que nunca olhastes para ela; vós a estais
medindo, agora, com as coisas que já conheceis. Conheceis o vosso valor, se
assim me posso expressar, como assistente social, como mãe, como pessoa
competente e eficiente, etc.; conheceis o valor de vossa solidão exterior. Assim,
é em relação com tudo isso que estais medindo ou apreciando a solidão interior;
conheceis aquilo que foi mas não conheceis aquilo que é. Quando o conhecido
se põe a apreciar o desconhecido, nasce o medo; esta atividade é a causa do
medo.
“Sim, isto é perfeitamente verdadeiro. Estou comparando a solidão interior com
as coisas que conheço por experiência. Estas experiências é que estão
causando o medo a uma coisa que na realidade nunca experimentei.”
Vosso medo, portanto, não é realmente da solidão interior, mas, sim, o passado
está com medo de algo que não conhece, que nunca experimentou. O passado
quer absorver o novo, convertê-lo numa experiência. Mas pode o passado, que
sois vós, experimentar o novo, o desconhecido? O conhecido só pode
experimentar o que faz parto dele próprio, nunca o novo, o desconhecido. Dando
nome ao desconhecido, chamando-lhe “solidão interior”, apenas o
reconhecestes verbalmente, e a palavra está tomando o lugar do experimentar;
porque a palavra é a cortina de medo; o termo “solidão interior” está escondendo
o fato, o que é, e a própria palavra está criando o medo.
“Mas por uma ou outra razão não pareço capaz de olhar o fato.”
Compreendamos, primeiramente, por que é que não somos capazes de olhar
para o fato, e o que é que nos está impedindo de nos mantermos passivamente
vigilantes diante do fato. Não tenteis observá-lo já, mas tende a bondade de
escutar com calma o que se está dizendo.
O conhecido, a experiência do passado, está procurando absorver isso a que
chama “solidão interior”; mas não pode experimentá-la, porque não sabe o que
ela é; conhece o termo mas não o que se oculta atrás do termo. O desconhecido
não pode ser experimentado. Pode-se pensar ou especular a respeito do
desconhecido, ou ter-lhe medo; mas o pensamento não pode compreendê-lo,
porque o pensamento é produto do conhecido, da experiência. Não podendo
conhecer o desconhecido, o pensamento o teme. Haverá medo, enquanto o
pensamento desejar experimentar, compreender o desconhecido.
“Então, que...?”
Escutai, por favor. Se escutardes corretamente, a verdade acerca de tudo isso
será percebida; e a verdade será então a única ação. Tudo o que o pensamento
faz com relação à solidão interior, é fuga, é um meio de evitar o que é. No evitar
o que é o pensamento cria o seu próprio condicionamento, que lhe impede o
experimentar do novo, do desconhecido. O medo é a única reação do
pensamento, diante do desconhecido; o pensamento poderá dar-lhe nomes
diferentes, mas é sempre medo. Vede, somente, que o pensamento não pode
atuar sobre o desconhecido, sobre o que existe atrás do termo “solidão interior”.
Só então pode revelar-se o que é, e este é inesgotável.
Deixai-me agora sugerir-vos não bulir mais nisso; vós o escutastes e deixai-o
agora operar à vontade. O repouso, após o arar e semear, é o começo da
criação.
4
O processo do ódio
Ela era ou, antes, tinha sido professora. Era afetuosa e afável, e esse modo de
ser se tinha tornado quase uma rotina. Disse que tinha ensinado durante mais
de vinte e cinco anos e que se sentia feliz nesse mister; e, embora nos últimos
tempos houvesse desejado abandoná-lo, continuara a exercê-lo
perseverantemente. Ultimamente começara a perceber a existência de algo,
sepultado nas profundezas de sua natureza. Descobrira-o, subitamente, numa
de nossas discussões e ficara verdadeiramente surpreendida, chocada. A coisa
lá estava, e não era uma simples auto-acusação; e, rememorando os anos
passados, percebia agora que existira sempre. Ela, realmente, odiava. Não era
ódio a alguém em particular, mas um sentimento generalizado de ódio, um surdo
antagonismo contra todos e contra tudo. Ao descobri-lo, julgara, no primeiro
instante, que se tratava de coisa muito superficial, de que poderia desembaraçar-
se facilmente; mas com o passar dos dias verificara que não se tratava de um
simples caso benigno, porém, antes, de um ódio profundamente arraigado,
nutrido durante toda a sua vida. Isto a chocou tanto mais, porque sempre se
considerara afetuosa e meiga.
Coisa estranha é o amor! Se se lhe mistura o pensamento, não é mais amor.
Quando pensamos numa pessoa que amamos, essa pessoa se torna o símbolo
de agradáveis sensações, lembranças, imagens; mas já não há amor. O
pensamento é sensação, e sensação não é amor. O próprio processo do pensar
é a negação do amor. O amor é chama livre do fumo gerado pelo pensamento,
pelo ciúme, pelo antagonismo, pela utilização — tudo isso produto da mente.
Enquanto o coração está pejado das coisas da mente, o ódio tem de existir;
porque a mente é a sede do ódio, do antagonismo, da oposição, do conflito. O
pensamento é reação, e a reação é sempre, de uma ou de outra maneira, fonte
de inimizade. Pensamento é oposição, ódio; o pensamento está sempre em
competição, a buscar um fim, a querer sucesso; o preenchimento é prazer, a
frustração ódio. O conflito é o pensamento, a lutar entre os opostos; e a síntese
dos opostos é ainda ódio, antagonismo.
“Vede, sempre pensei que amava as crianças, e mesmo depois de crescidas
elas me procuravam, em busca de conforto, quando se achavam em
dificuldades. Tinha certeza de que as amava, principalmente as que eram
minhas favoritas, fora das aulas; mas percebo agora que sempre existiu uma
subcorrente de ódio, de profundo antagonismo. Que devo fazer em face desse
descobrimento? Não fazeis idéia de quanto ele me aterra e, embora digais que
não devemos condenar, foi uma descoberta muito salutar.”
Descobristes também o processo do ódio? Perceber a causa, saber por que
odiais, é relativamente fácil; mas estais cônscia do “mecanismo” do ódio? Podeis
observá-lo, assim como se observa um animal exótico, nunca visto?
“A coisa é tão nova para mim, que nunca observei o processo do ódio.”
Façamo-lo agora, e vejamos o que acontece. Vamos ficar passivamente
cônscios do ódio, vendo-o revelar-se diante de nós. Não fiqueis chocada, não
condeneis nem procureis justificações, observai, apenas, passivamente. O ódio
é uma forma de frustração, não é? O preenchimento e a frustração andam
sempre juntos.
Que é que mais vos interessa, não profissionalmente, porém íntima e
profundamente?
“Sempre desejei pintar.”
E por que não o fizestes?
“Meu pai sempre insistia em que eu nunca fizesse nada que não desse dinheiro.
Era um homem muito decidido e para ele o dinheiro era a razão de todas as
coisas; nunca fazia uma coisa se ela não dava dinheiro, ou se não lhe conferia
mais prestígio, mais poder. “Mais” era o deus que ele adorava — e nós éramos
seus filhos. Embora gostasse dele, eu o contrariava a muitos respeitos. Essa
idéia da importância do dinheiro se implantou em mim, sólida e profundamente;
e, provavelmente, eu gostava de ensinar, porque me oferecia uma oportunidade
de ser “mandante”. Durante as férias eu pintava; mas essas condições eram
muito insatisfatórias; desejava dedicar minha vida a essa arte, e só podia dar-lhe
um ou dois meses par ano. Por fim, desisti de pintar, mas a chama continuou a
arder, interiormente. Vejo agora que ela estava gerando antagonismo.”
Já fostes casada? Tendes filhos?
“Apaixonei-me por um homem casado, e nos unimos secretamente. Tinha
ciúmes furiosos de sua esposa e filhos, mas eu própria tinha medo de ter filhos,
embora os desejasse ardentemente. Coisas tão naturais como a convivência de
cada dia, etc., me foram negadas, e o ciúme me devorava. Ele teve de mudar-
se para outra cidade, mas os meus ciúmes nunca se abrandaram. Tal situação
era insuportável. Para esquecer tudo, dediquei-me mais intensamente ao ensino.
Agora, porém, percebo que ainda tenho ciúmes, não dele, que é morto, mas
ciúmes dos felizes, dos casados, dos bem sucedidos, de quase todo o mundo,
enfim. O que nós dois podíamos ter sido, juntos, nos foi negado!”
O ciúme é ódio, não? Quando se ama, não há lugar para mais nada. Mas nós
não amamos; a fumaça nos asfixia a vida, e a chama morre.
“Percebo, agora, que na escola, e com minhas irmãs casadas, e em quase todas
as minhas relações, havia uma guerra contínua, embora às caladas. Eu ia tornar-
me a preceptora ideal; tornar-me a preceptora ideal era o meu alvo, e como tal
já era reconhecida.”
Quanto mais forte o ideal, tanto mais profundo é o recalcamento, tanto mais
profundo o conflito e o antagonismo.
“Sim, agora percebo tudo isso; e o estranho é que, quanto mais observo, vejo
que não me desagrada ser o que sou realmente.”
Não vos desagrada porque isso é uma espécie de reconhecimento brutal, não é
verdade? Este próprio reconhecimento produz um certo prazer; proporciona
vitalidade, um senso de confiança por conhecerdes a vós mesma, o poder que
vem do saber. Assim como o ciúme, embora doloroso, dava uma certa sensação
agradável, assim também, agora, o conhecimento do vosso passado vos está
dando um senso de domínio, que também é agradável. Achastes agora um nome
novo para o ciúme, a frustração, o abandono: “ódio”, e o conhecimento que dele
tendes. Há orgulho em saber uma coisa, o que é outra forma de antagonismo.
Nós nos movemos de um substituto para outro; mas, essencialmente, todos os
substitutos são a mesma coisa, embora, verbalmente, pareçam diferentes.
Estais, assim, colhida na rede de vosso próprio pensamento, não é verdade?
“Sim, mas que mais se pode fazer?”
Não façais perguntas, mas observai o processo do vosso próprio pensar. Como
ele é astuto e enganoso! Promete alívio, só para produzir outra crise, outro
antagonismo. Mantende-vos, apenas, passivamente atenta para ele, e deixai a
sua verdade intrínseca manifestar-se.
“E dar-se-á então a libertação do ciúme do ódio, desta batalha constante e
sempre reprimida?”
Quando se espera alguma coisa, positiva ou negativamente, estamos
“projetando” nosso próprio desejo; podemos ser bem sucedidos no nosso
desejo, mas o que temos é apenas outra substituição, e, nessas condições, está
reiniciada a batalha. Esse desejo de evitar ou de ganhar, está sempre no terreno
da oposição, não é verdade? Vede o falso como falso, e a verdade aparecerá.
Não precisais procurá-la. O que se procura, se acha, mas o que se acha não é
a verdade. É como uma pessoa desconfiada descobrir aquilo que suspeita, o
que é relativamente fácil e estúpido. Mantende-vos passivamente cônscia,
apenas, desse processo total de pensamento, bem como do desejo de vos
livrardes dele.
“Tudo isso constituiu uma descoberta extraordinária para mim, e começo a
perceber a verdade do que dizeis. Espero que não passarei outros anos a
transcender este conflito. Agora estou de novo esperançosa. Ficarei observando,
em silêncio, para ver o que acontece.”
5
Progresso e revolução
Cantava-se no templo. Era um templo asseado, de pedra entalhada, maciço e
indestrutível. Ali se achavam mais de trinta sacerdotes, despidos até à cintura;
sua pronúncia do sânscrito era precisa e clara, e eles sabiam a significação do
cântico. A entonação grave e a sonoridade das palavras quase faziam tremer
aquelas paredes e colunas, e, instintivamente, o grupo ali presente guardava
silêncio. Cantava-se a criação, o começo do mundo, e como se gerara o primeiro
homem. Os fiéis acompanhavam de olhos fechados o cântico que lhes produzia
uma agradável perturbação: lembranças nostálgicas da infância, pensamentos
sobre o progresso feito desde aqueles dias juvenis, o estranho efeito das
palavras sânscritas, o deleite de tornar a ouvir aquele cântico. Alguns repetiam
o cântico para si mesmos, e seus lábios se moviam. A atmosfera estava-se
tornando carregada de emoções fortes, mas os sacerdotes continuavam a
cantar; e os deuses continuavam mudos.
Com que força nos agarramos à idéia de progresso! Gostamos de pensar que
alcançaremos um estado melhor, nos tornaremos mais compassivos, pacíficos
e virtuosos. Gostamos de estar apegados a esta ilusão, e poucos têm a
percepção profunda de que esse “vir a ser” é uma coisa falsa, um mito
confortador. Apraz-nos pensar que um dia seremos melhores, mas enquanto
esse dia não chega, continuamos pelo mesmo caminho. “Progresso” é uma
palavra tão confortante, tão alentadora, com que hipnotizamos a nós mesmos! A
coisa que é não pode tornar-se outra coisa diferente; a avidez não pode tornar-
se não-avidez, como a violência não se pode tornar não-violência. O ferro cru
pode ser transformado numa máquina complicada e maravilhosa, mas o
progresso é uma ilusão, quando aplicado ao “vir a ser” pessoal. A idéia do “eu”
a tornar-se algo glorioso é simples ilusão, resultante da ânsia de grandeza.
Cultuamos a prosperidade do Estado, da ideologia, do “eu”, e enganamos a nós
mesmos com a confortadora ilusão do progresso. O pensamento poderá
progredir, aumentar, dirigir-se para um alvo mais perfeito, ou pôr-se em silêncio;
mas enquanto o pensamento for um movimento de aquisição ou de renúncia,
será sempre uma simples reação. A reação produz sempre conflito, e o
progresso em meio ao conflito redunda em mais confusão e mais antagonismo.
Ele se apresentou como um revolucionário, disposto a matar ou a ser morto, pela
sua causa, sua ideologia. Estava pronto a matar, pela causa de “um mundo
melhor”. A destruição da presente ordem social produziria naturalmente mais
caos, mas esta confusão seria aproveitada para a construção de uma sociedade
sem classes. Que importa destruir uns poucos ou muitos, quando se trata de
edificar uma perfeita ordem social? O que importava não era o homem atual,
mas o homem futuro; no mundo novo que iam construir, não se veria
desigualdade, haveria trabalho para todos, e felicidade.
Como podeis falar com tanta segurança sobre o futuro? Que vos faz tão certo a
respeito dele? As pessoas religiosas prometem o céu, e vós prometeis um
mundo melhor no futuro; vós tendes o vosso livro e os vossos sacerdotes, assim
como eles têm os seus, de modo que não há realmente muita diferença entre
vós. Mas que é que vos dá tanta certeza, ao ponto de terdes essa clarividência
do futuro?
“Logicamente, quando seguimos um curso certo, o fim é certo. Além disso há
uma grande abundância de exemplos históricos em favor de nossa atitude.”
Todos traduzimos o passado de acordo com nosso peculiar condicionamento, e
o interpretamos, adaptando-o aos nossos preconceitos. Tendes tanta incerteza
sobre o amanhã como nós outros, e graças a Deus que assim é! Mas, sacrificar
o presente por causa de um futuro ilusório, é certamente a coisa mais ilógica
possível.
“Credes na possibilidade de mudança, ou sois um instrumento da burguesia
capitalista?”
Toda mudança é “continuidade modificada”, a que podeis chamar revolução;
mas a revolução fundamental é um processo muito diferente, que nenhuma
relação tem com a lógica, nem com os fatos históricos. Só há revolução
fundamental no compreender o processo total da ação, não num dado nível,
econômico ou ideológico, mas da ação como um todo integrado. Essa ação não
é reação. Vós só conheceis a reação, a reação da antítese, e a outra reação a
que chamais síntese. A integração não é uma síntese intelectual, uma conclusão
verbal baseada em estudos históricos. A integração só pode nascer com a
compreensão da reação. A mente é uma série de reações; e a revolução
baseada em reações, em idéias, não é revolução nenhuma, mas só uma
continuidade modificada, do que foi. Podeis chamar isso revolução, mas em
verdade não o é.
“Que é revolução, para vós?”
Qualquer mudança baseada em idéia não é revolução; porque a idéia é
“resposta” da memória, isto é, mais uma vez, reação. A revolução fundamental
só é possível quando as idéias não são importantes e, por conseguinte, deixaram
de existir. Uma revolução nascida de antagonismo, deixa de ser aquilo que ela
diz ser; é oposição, tão-somente, e a oposição nunca pode ser criadora.
“A espécie de revolução a que vos referis é pura abstração, sem realidade
alguma no mundo moderno. Sois um vago idealista, sem nenhum senso prático.”
Pelo contrário; idealista é o homem que tem uma idéia, e esse homem não é
revolucionário. As idéias dividem, e separação é desintegração, e nunca
revolução. O homem que tem uma ideologia, só está interessado em idéias, em
palavras, e não na ação direta; ele evita a ação direta. Toda ideologia é um
empecilho à ação direta.
“Não achais possível a igualdade pela revolução?”
A revolução que se baseia numa idéia, por mais lógica que esta seja e por mais
que se coadune com os fatos históricos, não pode produzir igualdade nenhuma.
A função própria da idéia é separar os entes humanos. A crença, religiosa ou
política, lança o homem contra o homem. As chamadas religiões sempre
dividiram os homens e continuam a dividi-los. A crença organizada, a que se
chama religião, é, como qualquer outra ideologia, um produto da mente e
portanto causadora de separação. Vós, com a vossa ideologia, estais fazendo a
mesma coisa, não? Estais também formando um núcleo ou grupo, em torno de
uma idéia; desejais incluir a todos no vosso grupo, exatamente como faz o
crente. Desejais salvar o mundo pela vossa maneira, tal como ele o deseja, à
sua maneira. Assassinais e liquidais uns aos outros, por causa de um “mundo
melhor.” Nem um nem outro de vós está interessado num mundo melhor, mas,
sim, em moldar o mundo de acordo com a vossa idéia. Como pode a idéia levar
à igualdade?
“Dentro do redil da idéia todos são iguais, embora com funções diferentes. Nós
somos, primeiro, o que a idéia representa, e em seguida unidades funcionais.
Nas funções temos gradações, mas não como representantes da ideologia.”
É isso exatamente o que todas as outras crenças organizadas sempre
proclamaram. Aos olhos de Deus todos somos iguais, mas em capacidade
somos diferentes; a vida é uma só, mas as divisões sociais são inevitáveis. Pelo
substituir uma ideologia por outra, não alterastes o fato fundamental de que um
grupo ou indivíduo trata a outro como inferior. Na realidade, a desigualdade
existe em todos os níveis da existência. Um tem capacidade, outro não a tem;
um guia e outro segue; um é insensível, e outro sensível, vigilante, adaptável;
uma pinta ou escreve, e outro cava a terra; um é cientista, outro gari. A
desigualdade é um fato que nenhuma revolução pode destruir. O que a chamada
revolução faz é substituir um grupo por outro, e o novo grupo assume então o
poder político e econômico; torna-se a nova classe superior, que começa a
fortalecer-se pela criação de privilégios, etc. — pois conhece todas as artes da
outra classe, que acaba de derribar. Não foi abolida a desigualdade, foi?
“Com o tempo, sê-lo-á. Quando todo o mundo tiver o nosso modo de pensar,
haverá então a igualdade ideológica.”
Que afinal não é igualdade nenhuma, mas apenas uma idéia, uma teoria, o
sonho de “um outro mundo”, sonho igual ao do crente religioso. Como vos
assemelhais! As idéias dividem, causam separação, oposição, geram conflito.
Uma idéia não pode, em tempo algum, estabelecer a igualdade, nem mesmo
dentro do seu próprio mundo. Se todos crêssemos a mesma coisa, ao mesmo
tempo, no mesmo nível, haveria uma certa igualdade; mas isto é uma
impossibilidade, mera especulação, que só pode levar a ilusões.
“Repelis a igualdade a todo transe? Sois pessimista, condenando qualquer
esforço no sentido de proporcionar igual oportunidade a todos?”
Não estou falando como pessimista, mas apenas mostrando os fatos óbvios;
tampouco sou contrário à igualdade de oportunidade. Por certo, é possível ir-se
mais longe e talvez descobrir uma maneira eficaz de atender a este problema da
igualdade; mas só é possível se compreendemos o fato real, o que é. Se
queremos apreciar o que é com uma idéia, uma conclusão, um sonho, então não
compreenderemos o que é. A observação feita com preconceito, não é
observação, absolutamente. O fato é que existe a desigualdade em todos os
níveis da consciência, da vida; e, não importa o que façamos, não podemos
alterar o fato. Ora, é possível apreciarmos o fato da desigualdade sem criarmos
mais antagonismo, mais divisão? A revolução sempre fêz uso do homem, como
o meio de atingir um fim. O fim era importante e não o homem. As religiões têm
sustentado, pelo menos verbalmente, que o homem é importante; mas também
elas têm feito uso do homem, para a organização da crença, do dogma. A
utilização do homem para um determinado fim tem, necessariamente, de gerar
a idéia de “superior” e “inferior” — o que está perto, o que está longe, o que sabe
e o que não sabe. Esta separação é a desigualdade psicológica — o fator de
desintegração da sociedade. Atualmente, só conhecemos relações utilitárias: a
sociedade faz uso do indivíduo, assim como os indivíduos fazem uso uns dos
outros, com o fim de se beneficiarem, em vários sentidos. Essa utilização de
outro é a causa fundamental da divisão psicológica, do homem contra o homem.
Só deixamos de fazer uso uns dos outros, quando a idéia não é mais o fator
impulsor, nas relações. Com a idéia vem a exploração, e a exploração gera
antagonismo.
“Qual é então o fator que surge, quando desaparece a idéia?”
É o amor, o único fator que pode realizar uma revolução fundamental. O amor é
a única revolução verdadeira. Mas o amor não é idéia; ele existe, quando o
pensamento não existe. O amor não é instrumento de propaganda; não é algo
que se pode cultivar e proclamar do alto das casas. Só depois de arriada a
bandeira, a crença, o líder, a idéia como ação planeada, só então pode existir o
amor. E o amor é a única revolução criadora e constante.
“Mas o amor não fará andar as máquinas, fará?”
6
O tédio
Tinha cessado a chuva; as estradas estavam limpas, e a poeira tinha sido lavada
das árvores. A terra tinha novo frescor, e os sapos faziam muito barulho na lagoa;
eram grandes, com as gargantas infladas de prazer. O capim cintilava, todo
salpicado de minúsculas gotas d’água, e ali tudo era paz, depois do pesado
aguaceiro. O gado estava ensopado, pois não se abrigara durante a chuva, e
agora pastava muito regaladamente. Uns meninos brincavam no riacho formado
pela chuva na margem da estrada; estavam nus e dava gosto ver-lhes os corpos
luzentes e os olhos brilhantes. Divertiam-se a valer, e como eram felizes! Nada
lhes faltava, e, quando lhes dissemos umas palavras, sorriram com franca
alegria, embora não tivessem entendido patavina. O sol estava saindo de novo,
e as sombras eram profundas.
Como é necessário a mente purificar-se de todo pensamento, estar
constantemente vazia sem se obrigar a ficar vazia — morrer para todo
pensamento, todas as lembranças de ontem, e para a próxima hora! Simples é
o morrer, e difícil o continuar; porque a continuidade é um esforço para ser ou
para não ser. O esforço é desejo e o desejo só pode morrer quando a mente
desiste de adquirir. Como é simples viver, somente! Mas isso não é estagnação.
Há uma grande felicidade no não querer, em não ser algo, em não ir a parte
alguma. Só quando a mente se purifica de todo pensamento, se conhece o
silêncio da criação. A mente não está tranquila enquanto está a viajar, com o fim
de chegar. Para a mente, chegar é ser bem sucedido, e o sucesso é sempre a
mesma coisa, quer no princípio, quer no fim. Não há purificação da mente
quando ela está tecendo o padrão de seu próprio “vir a ser”.
Disse ela que sempre fora muito ativa, de uma ou de outra maneira, ora com os
filhos, ora nas relações sociais, ora nos esportes; mas, por detrás dessa
atividade sempre existira um tédio, opressivo e constante. Enfadava-se com a
rotina da vida, com o prazer, a dor, a lisonja, e tudo o mais. O tédio fora sempre
como uma nuvem suspensa sobre sua vida, até onde sua memória podia
alcançar. Tinha tentado de muitas maneiras libertar-se dele, mas cada interesse
novo logo se tornava outra fonte de tédio; de cansaço mortal. Tinha lido muito, e
passado pelas habituais agitações da vida doméstica, mas no meio de tudo
sempre estava esse tédio deprimente. Ele nada tinha que ver com seu estado
de saúde, pois sempre passava muito bem.
Por que causa pensais que vos enfadais? Será em consequência de alguma
frustração, de algum desejo profundo, contrariado?
“Não especialmente. Tenho encontrado alguns obstáculos superficiais, que
nunca me causaram apreensões; e, se causaram, soube enfrentá-los
inteligentemente, e nunca me deixei derrotar por eles. Não creio que o meu caso
seja de frustração, porquanto sempre consegui o que desejo. Nunca exigi a lua
e sempre fui razoável nas minhas aspirações; entretanto, sempre predominou
este sentimento de tédio, em relação a tudo, à minha família e ao meu trabalho.”
Que entendeis por “tédio”? Quereis dizer “insatisfação”? Será que coisa
nenhuma vos deu completa satisfação?
“Não é bem isso. Sinto-me insatisfeita, como qualquer pessoa normal, porém
sempre consegui reconciliar-me com as inevitáveis contrariedades.”
Em que vos interessais? Existe algum interesse profundo, na vossa vida?
“Não em especial. Se eu sentisse algum interesse profundo, nunca me enfadaria.
Sou por natureza uma pessoa entusiástica — afianço-vos — e se eu tivesse
algum interesse, não o largaria facilmente. Tenho tido muitos interesses,
intermitentemente, mas todos eles foram finalizar nesta nuvem de tédio.”
Que entendeis por “interesse”? Por que ocorre essa mudança do interesse para
o tédio? Que significa interesse? Sentis interesse por aquilo que vos agrada, que
vos satisfaz, não é verdade? O interesse não é um processo de aquisição? Não
teríeis interesse numa coisa, se não ganhásseis algo com ela, não é exato? O
interesse se mantém enquanto se está adquirindo alguma coisa; aquisição é
interesse, não? Tendes procurado uma satisfação em cada coisa com que
tendes estado em contato; e, naturalmente, depois de a terdes utilizado em todos
os sentidos, começais a enfadar-vos dela. Toda aquisição é uma forma de tédio,
fastio. Precisamos trocar de brinquedos; assim que perdemos o interesse num,
buscamos outro, e sempre há um brinquedo novo a que recorrer. Sempre
recorremos a uma coisa, com propósitos de aquisição; há aquisição no prazer,
no saber, na fama, no poder, na eficiência, no ter filhos, etc. Quando não há mais
nada que adquirir numa religião, num Salvador, perdemos o interesse e
passamos a outro. Uns se deitam a dormir, numa organização, e nunca mais
despertam, e os que despertam vão novamente deitar-se a dormir, noutra
organização. Esse movimento de aquisição é chamado expansão do
pensamento, progresso.
“O interesse é sempre aquisição?”
Sentimos realmente interesse por alguma coisa que não nos dá algo — seja um
divertimento, um jogo, uma conversa, um livro, seja uma pessoa? Quando um
quadro não nos dá algo, passamos adiante; se uma pessoa não nos estimula ou
perturba de alguma maneira, se não se encontra nem prazer nem desprazer
numa dada relação, perde-se o interesse e vem o tédio. Não notastes isto?
“Sim, mas nunca considerei a questão por esta maneira.”
Não teríeis vindo aqui se não desejásseis alguma coisa. Quereis libertar-vos do
tédio. E como eu não posso dar-vos esta libertação, vos sentireis de novo
entediada: mas se nós dois juntos pudermos compreender o processo da
aquisição, do interesse, do tédio, talvez então se encontre a liberdade. A
liberdade não pode ser adquirida. Se a adquirirdes, muito breve vos enfadareis
dela. A aquisição não embota a mente? Toda aquisição, positiva ou negativa, é
um peso. Assim que adquirimos, perdemos o interesse. Enquanto lutamos para
possuir, estamos despertos, interessados; mas a posse é tédio. Pode-se desejar
possuir mais, mas a busca de mais é apenas um movimento que leva ao tédio.
Tentam-se várias formas de aquisição, e enquanto existe o esforço para adquirir,
há interesse; mas o esforço para adquirir sempre se acaba, e por isso há sempre
tédio. Não é isso o que tem acontecido?
“Suponho que sim, mas não apreendi inteiramente o significado do que dizeis.”
Já o apreendereis. A posse faz a mente cansar-se. A aquisição, seja de saber,
de propriedade, de virtude, leva à insensibilidade. A natureza da mente a dispõe
a adquirir, absorver, não é verdade? — ou, mais exatamente, o padrão que ela
criou para si, é um padrão de aquisição; e justamente nesta atividade, a mente
está preparando seu próprio fastio, seu tédio. O interesse, a curiosidade, é o
começo da aquisição, que cedo se torna tédio; e o desejo de ficar livre do tédio
é outra forma de posse. Vemos, assim, a mente a mover-se do tédio para o
interesse e de novo para o tédio, até à completa exaustão; e estas ondas
sucessivas de interesse e fastio são consideradas como sendo a existência.
“Mas como se pode ficar livre do adquirir, sem se fazer outra aquisição?”
Isso só é possível quando deixamos que a verdade, relativa a todo o processo
da aquisição, seja experimentada, e não quando tentamos tornar-nos “não-
aquisitivos”, desapegados. Tornar-se “não-aquisitivo” é uma outra forma de
aquisição, que depressa produz cansaço. A dificuldade, se se pode empregar
esta palavra, não é de compreender verbalmente o que estivemos dizendo, mas
de “experimentar” o falso como falso. Perceber a verdade no falso é o começo
da sabedoria. A dificuldade é a mente estar quieta; pois a mente está sempre
agitada, sempre a buscar alguma coisa, a adquirir ou repelir, a procurar e achar.
A mente nunca está quieta, porém em contínuo movimento. O passado,
dominando o presente, faz o seu próprio futuro. É um movimento no tempo, e
dificilmente pode ocorrer um intervalo entre os pensamentos. Os pensamentos
se sucedem sem interrupção. A mente está a aguçar-se incessantemente, a si
mesma, e portanto a gastar-se. Se fazemos ponta a um lápis, sem parar, num
instante nada mais resta do lápis; de modo semelhante, a mente se gasta
constantemente, até esgotar-se. A mente sempre teme chegar ao seu fim. Mas
viver é findar de dia para dia; é morrer para todas as aquisições, lembranças,
experiências, todo o passado. Como é possível o viver, quando há experiência?
Experiência é conhecimento, memória. E memória é “experimentar”? Existe, no
“experimentar”, a memória, como “experimentador”? A purificação da mente é
viver, é criação. A beleza está no “experimentar” e não na experiência; porque a
experiência é sempre do passado, e o passado não é o “experimentar”, o viver.
A purificação da mente é a tranquilidade do coração.
7
Disciplina
Depois de atravessarmos intenso tráfego, saímos da estrada para um abrigo na
pista de estacionamento. Deixando o carro, seguimos por uma trilha, que
serpeava por entre grupos de palmeiras que orlavam todo o verde arrozal, já a
amadurecer. Como era encantador aquele arrozal, estendendo-se numa longa
curva, orlada de altas palmeiras! Era uma tarde fresca e a brisa agitava
docemente a densa folhagem das árvores. Inesperadamente, numa volta do
caminho, deparou-se-nos uma lagoa. Era longa, estreita e profunda, e em ambos
os lados as palmeiras cresciam tão juntas, que formavam uma cerca quase
intransponível. A brisa brincava nas águas e havia um constante murmurejar ao
longo da margem. Uns meninos estavam a banhar-se, nus, sem sentimento de
vergonha, livres. Seus corpos reluzentes eram belos, bem formados, delgados e
flexíveis. Iam e vinham, nadando até o meio da lagoa, repetidamente. Mais
adiante, o caminho margeava uma aldeia e, quando voltávamos, a lua cheia
projetava sombras profundas; os meninos tinham-se ido, o luar se espelhava nas
águas, e as palmeiras pareciam colunas brancas, entre as sombras da noite.
Ele vinha de um lugar distante, e estava ansioso para descobrir um método de
dominar a mente. Disse que se tinha retirado deliberadamente do mundo e vivia
com muita simplicidade em companhia de uns parentes, devotando o seu tempo
ao exercício de dominar a mente. Praticara uma certa disciplina durante alguns
anos, mas sua mente ainda não se submetia a controle; estava sempre pronta a
fugir, como um animal preso por uma corda. Submetera-se aos mais rigorosos
jejuns, mas inutilmente; experimentara regimes dietéticos, com algum proveito,
mas não achava paz. Sua mente projetava imagens, conjurava cenas,
sensações e acidentes passados, sem cessar; ou, também, se punha a pensar
em como estaria quieta, amanhã. Mas o amanhã nunca chegava, e esse
processo constante já se tornara um verdadeiro pesadelo. Em ocasiões muito
raras, ela se mostrava quieta, mas tal quietude logo se convertia em memória,
coisa do passado.
Tudo que se domina tem de ser dominado de novo, sempre e sempre. A
repressão é uma forma de domínio, como o é a substituição e a sublimação.
Desejar dominar é fazer nascer mais conflito. Por que desejais dominar, acalmar
a mente?
“Sempre me interessei por assuntos religiosos; estudei várias religiões, e todas
ensinam que para conhecer Deus, a mente deve estar quieta. Sempre, desde
que me entendo, desejei achar Deus, a beleza difusa no mundo, a beleza do
arrozal verde e da aldeia sórdida. Estava seguindo uma carreira muito futurosa,
andara pelo estrangeiro e outras coisas que tais, mas numa certa manhã larguei
tudo, e saí em busca daquela tranquilidade. Ouvi o que a seu respeito dissestes
um dia destes, e por isso vim ver-vos.”
Para achar Deus, quereis dominar a mente. Mas a imobilização da mente é um
caminho que leva a Deus? Essa tranquilidade é a moeda que fará abrirem-se os
portões do céu? Desejais comprar vossa passagem para Deus, a Verdade, ou o
nome que quiserdes. Pode-se comprar o Eterno com a moeda da virtude, da
renúncia, da mortificação? Pensamos que, se fazemos certas coisas, se
praticamos a virtude, a castidade, se nos retiramos do mundo, estaremos aptos
a medir o imensurável; trata-se, pois, de um simples negócio, não? Vossa
“virtude” é um meio para se chegar a um fim.
“Mas a disciplina é necessária para conter a mente, do contrário não há paz. Se
eu não a disciplinei suficientemente, a culpa é minha, e não da disciplina.”
A disciplina é um meio que leva a um fim. Mas o fim é o desconhecido. A verdade
é o desconhecido; não pode ser conhecida; se é conhecida, não é a Verdade.
Se podeis medir o imensurável, não é o imensurável que medis. Nossa medida
é a palavra, e a palavra não é o Real. A disciplina é o meio, mas os meios e o
fim não são duas coisas diferentes, são? Ora, o fim e o meio são uma só coisa;
o meio é o fim, o único fim; não há fim separado dos meios. A violência como
meio de paz, é apenas perpetuação da violência. É só o meio que importa; o fim
é determinado pelos meios; o fim não é separado, distinto dos meios.
“Continuarei escutando e procurando compreender o que estais dizendo.
Quando não compreender, perguntarei.”
Fazeis uso do controle, da disciplina, como meios de obterdes a tranquilidade,
não é exato? A disciplina implica ajustamento a um padrão; controlais, com o fim
de serdes isto ou aquilo. A disciplina não é, por sua própria natureza, violência?
Poderá dar-vos prazer o disciplinar-vos, mas esse próprio prazer não representa
uma forma de resistência, que só pode gerar novo conflito? A prática da
disciplina não é o cultivo da defesa? Mas aquilo que se defende, vê-se sempre
atacado. A disciplina não implica repressão do que é, com o fim de se alcançar
um fim desejado? A repressão, a substituição, a sublimação, fazem apenas
aumentar o esforço e produzem mais conflito. Podeis ser bem sucedido no
reprimir uma doença, porém ela continuará a manifestar-se sob diferentes
formas, enquanto não for erradicada. A disciplina é repressão, domínio de o que
é. A disciplina é uma forma de violência; e, assim, por um meio errôneo, esperais
alcançar um fim correto. Como pode, por meio da resistência, existir o que é livre,
o que é verdadeiro? A liberdade se encontra no começo e não no fim; o alvo é o
primeiro passo, o meio é o fim. Disciplina implica compulsão, sutil ou brutal,
externa ou imposta pelo próprio indivíduo; e onde há compulsão, há medo. O
medo, a compulsão, são utilizados como meios para se alcançar um fim, sendo
esse fim o amor. Mas pode haver amor, mediante o medo? Só existe o amor
quando em nível nenhum existe medo.
“Mas sem uma certa compulsão, um certo ajustamento, como poderá a mente
funcionar?”
A própria atividade da mente é um obstáculo à compreensão de si mesma.
Nunca notastes que só há compreensão, quando a mente, como pensamento,
não está funcionando? A compreensão se apresenta com o terminar do processo
do pensamento, no intervalo entre dois pensamentos. Dizeis que a mente deve
estar tranquila, no entanto quereis que ela funcione! Se pudermos ser simples
no observar, compreenderemos; mas nossa maneira de observar é tão
complexa, que impede a compreensão. Ora, por certo, o que nos interessa não
é a disciplina, o controle, a repressão, a resistência, mas o “processo” e a
cessação do próprio pensamento. Que se entende, quando dizemos que a mente
foge? Entende-se, simplesmente, que o pensamento é atraído incessantemente
de um objeto para outro, de uma associação para outra, e se acha em constante
agitação. Pode o pensamento cessar?
“Este é exatamente o meu problema. Quero pôr fim ao pensamento. Reconheço
agora a futilidade da disciplina; percebo realmente sua falsidade, sua estupidez,
e não quero mais continuar por este caminho. Mas, como posso pôr fim ao
pensamento?”
Mais uma vez, escutai sem preconceito, sem interpordes conclusões, nem
vossas nem de outros; escutai com o fim de compreender e não apenas para
refutar ou aceitar. Perguntais como se pode pôr fim ao pensamento. Ora, vós, o
pensador, sois uma entidade separada dos vossos pensamentos? Sois
inteiramente distinto dos vossos pensamentos? Vós não sois os vossos
pensamentos? O pensamento pode colocar o pensador num nível muito elevado
e dar-lhe um nome, separá-lo de si mesmo; entretanto, o pensador continua a
fazer parte do processo do pensamento,
não é verdade? Só há pensamento, e o pensamento cria o pensador; o
pensamento dá forma ao pensador, como entidade separada, permanente. O
pensamento, vendo-se impermanente, num fluir constante, gera o pensador
como entidade permanente, separada e distinta dele próprio. E o pensador quer
então atuar sobre o pensamento; o pensador diz “Tenho de pôr fim ao
pensamento”. Mas o que existe é só o processo de pensamento, não há
pensador separado do pensamento. O experimentar desta verdade é uma coisa
vital e não uma mera repetição de frases. Só há pensamentos, e não um
pensador que produz pensamentos.
“Mas como surgiu o pensamento?”
Pela percepção, o contato, a sensação, o desejo e a identificação; “quero”, “não
quero”, e assim por diante. Isso é bastante simples, não achais? Nosso problema
é este: Como pode o pensamento cessar? A compulsão, sob qualquer forma que
seja, consciente ou inconsciente, é de todo em todo fútil, porquanto implica a
existência de uma entidade que controla, que disciplina; e tal entidade, como
vimos, é inexistente. A disciplina é um processo de condenação, comparação ou
justificação; e quando se percebe claramente que não há entidade distinta,
representada pelo pensador, pelo disciplinador, então, só há pensamentos,
processo de pensamento. O pensamento é reação da memória, da experiência,
do passado. Isto também precisa ser percebido, fora do nível verbal, pelo
“experimentar”. Só então pode haver uma vigilância passiva, sem pensador, um
percebimento com completa ausência do pensamento. A mente, a totalidade da
experiência, a consciência do “eu”, que existe sempre no passado, só pode estar
quieta quando não está “projetando” a si mesma; e essa “projeção” é o desejo
de “vir a ser”.
A mente só está vazia quando o pensamento não existe. O pensamento não
pode cessar senão pela passiva vigilância de cada pensamento. Nesse
percebimento não há observador nem censor; não havendo censor, só há
experimentar. No experimentar não existe experimentador nem coisa
experimentada. O que foi experimentado é o pensamento, que faz nascer o
pensador. Só quando a mente está experimentando existe tranquilidade, um
silêncio não elaborado, não juntado pouco a pouco; e só nessa tranquilidade
pode surgir o Real. A Realidade não faz parte do tempo, e não é mensurável.
8
Conflito — liberdade
— relações
“O conflito entre a tese e a antítese é inevitável e necessário; produz a síntese,
da qual nasce outra tese com sua correspondente antítese, e assim por diante.
O conflito não tem fim, e só pelo conflito se torna possível a evolução, o
progresso.”
O conflito produz a compreensão dos nossos problemas? Produz
desenvolvimento, progresso? Ele pode produzir melhorias secundárias, mas o
conflito, por sua própria natureza, não é um fator de desintegração? Por que
persistis em afirmar que o conflito é essencial?
“Sabemos que existe conflito em todos os níveis de nossa existência; assim, por
que negá-lo ou fazer-nos cegos para ele?”
Não estamos cegos para a luta constante que existe interna e externamente;
mas, permiti-me perguntar: — por que sustentais ela é essencial?
“O conflito não pode ser negado; faz parte da estrutura humana e servimo-nos
dele como meio para chegarmos a um fim, sendo esse fim o ambiente adequado
para o indivíduo. trabalhamos para alcançar esse alvo, e servimo-nos de todos
os meios para realizá-lo. A ambição, o conflito, são a marca do homem, e podem
ser usadas contra ele ou a seu favor. Através do conflito, caminhamos para
coisas mais grandiosas.”
Que entendeis por conflito? Conflito entre o quê?
“Entre o que foi e o que será.”
“O que será” é a reação ulterior do que “foi” e do que é. Por conflito entendemos
a luta entre duas idéias opostas. Mas a oposição, sob qualquer forma que seja,
leva à compreensão? Quando é que há compreensão de um problema?
“Há conflitos de classes, conflitos nacionais e conflitos ideológicos. O conflito é
a oposição, a resistência nascida da ignorância de certos fatos históricos
fundamentais. Pela oposição torna-se possível a evolução, o progresso, e todo
esse processo é vida.”
Sabemos que existe conflito em todos os diferentes níveis da vida, e seria
absurdo negá-lo. Mas esse conflito é essencial? Até agora temos presumido que
sim, ou o temos justificado com sutis raciocínios. Na natureza, a significação do
conflito pode ser de todo diferente; entre os animais, bem pode ser que o conflito,
tal como o conhecemos, seja de todo inexistente. Mas, para nós o conflito se
torna um fator de enorme importância. Por que assume ele tanta significação nas
nossas vidas? A competição, a ambição, o esforço para ser ou para não ser, a
vontade de realizar, etc. — tudo isso faz parte do conflito. Por que aceitamos o
conflito como coisa essencial à existência? Isso não significa, entretanto, que
devamos aceitar a indolência. Mas por que toleramos o conflito, interior e
exteriormente? O conflito é essencial à compreensão, à resolução de um
problema? Não é melhor investigar, em vez de afirmar ou de negar? Não
devemos tentar descobrir a verdade que a questão encerra, em vez de nos
mantermos apegados às nossas conclusões e opiniões?
“Como é possível o progresso de uma forma de sociedade para outra, sem
conflito? “Os que têm” nunca renunciarão voluntariamente às suas riquezas;
terão de fazê-lo à força, e esse conflito fará nascer uma nova ordem social, uma
nova maneira de vida. Tal não é possível por meios pacíficos. Não desejamos,
necessariamente, empregar a violência, mas temos de enfrentar os fatos.”
Presumis saber como a nova sociedade deve ser e que o vosso antagonista não
o sabe; só vós possuís esse extraordinário conhecimento, e estais pronto a
liquidar todos os que vos barrarem o caminho. Por esse método, que julgais
essencial, só podeis gerar oposição e ódio. O que conheceis não é mais do que
uma outra forma de preconceito; uma diferente espécie de condicionamento.
Vossos estudos históricos, ou os de vossos líderes, são interpretados de acordo
com um certo “fundo”, que determina a vossa reação; e a essa reação chamais
“o novo caminho”, a nova ideologia. Toda reação de pensamento é condicionada,
e promover uma revolução com base no pensamento ou na idéia, significa
perpetuar uma forma modificada do que foi. Essencialmente, sois reformadores,
mas não verdadeiros revolucionários. Reformas e revoluções baseadas em
idéias são fatores de retrocesso na sociedade.
Dissestes — não é verdade? — que o conflito entre a tese e a antítese é
essencial, e que esse conflito dos opostos produz uma síntese.
“O conflito entre a sociedade atual e o seu oposto, sob a pressão dos
acontecimentos históricos, etc., produzirá eventualmente uma nova ordem
social.”
O oposto é dissimilar de o que é? Como nasce o oposto? Não é ele uma projeção
modificada de o que é? A antítese não contém os elementos da própria tese?
Uma não é completamente dissimilar da outra, e a síntese é ainda a tese,
modificada. Embora periodicamente pintada de cor diferente, embora
modificada, reformada, remodelada de acordo com as circunstâncias e
premências, a tese é sempre tese. O conflito entre os opostos é extremamente
ruinoso e estúpido. Intelectual ou verbalmente, pode-se provar ou “desprovar”
qualquer coisa, mas isso não altera certos fatos óbvios. A atual sociedade está
baseada na ganância individual; e o seu oposto, com a resultante síntese, é o
que chamais a nova sociedade. Na vossa nova sociedade, à ganância individual
opõe-se a ganância do Estado, sendo o Estado os dirigentes; nela, é o Estado
que tem a máxima importância e não o indivíduo. Desta antítese, dizeis, surgirá
eventualmente uma síntese, em que todos os indivíduos serão importantes. Isso
é um futuro imaginário, um ideal; é pura “projeção” do pensamento, e o
pensamento é sempre reação da memória, de condicionamento. Aí está, com
efeito, um verdadeiro círculo vicioso, sem possível saída. Este conflito, esta luta
dentro da prisão do pensamento, é o que chamais “progresso”.
“Direis então que devemos permanecer como estamos, com toda a exploração
e corrupção da atual sociedade?”
De modo nenhum. Mas a vossa revolução não é revolução, porém, tão-só, a
passagem do poder das mãos de um grupo para as mãos de outro, a substituição
de uma classe por outra. Vossa revolução é, meramente, uma estrutura diferente
construída com o mesmo material e de acordo com o mesmo padrão básico. Há
possibilidade de uma revolução fundamental, que não é conflito e não se baseia
no pensamento, com suas “projeções”, seus ideais, dogmas, Utopias,
concebidos pelo “eu”; mas, enquanto pensarmos em termos de “mudar isto para
aquilo”, de nos tornarmos mais ou menos, alcançarmos um fim, essa revolução
fundamental será impossível.
“Tal revolução é uma impossibilidade. Vós a propondes a sério?”
Ela é a única revolução, a única transformação fundamental.
“E como pretendeis levá-la a efeito?”
Pelo percebimento do falso como falso; pelo percebimento da verdade no falso.
Evidentemente, faz-se necessária uma revolução fundamental nas relações
humanas; todos nós sabemos que as coisas não podem continuar como estão,
sem acarretarem males e desastres cada vez maiores. Mas todos os
reformadores têm, como os chamados revolucionários, um fim em vista, um alvo
para atingir, e tanto estes como aqueles se servem do homem como o meio de
atingirem os seus fins. O servir-se do homem para a consecução de um objetivo
é que constitui o verdadeiro fim, e não o obter-se um particular objetivo. Não se
pode separar o fim dos meios, já que se trata de um processo único, inseparável.
Os meios são o fim; não poderá existir uma sociedade sem classes como
resultado do conflito entre as classes. Estão bem patentes os resultados do
emprego de meios errôneos para um suposto fim correto. Não se alcança a paz
por meio da guerra ou preparativos de guerra. Todos os opostos são projetados
do “eu”; o ideal é a reação proveniente do que é, e o conflito para se alcançar o
ideal é uma luta vã e ilusória, dentro da prisão do pensamento. Por meio desse
conflito, não há alívio, não há libertação para o homem. Sem a liberdade, não
pode haver felicidade; e a liberdade não é um ideal. A liberdade é o único meio
de libertação.
Enquanto, psicológica ou fisicamente, o homem for utilizado como instrumento,
seja em nome de Deus, seja em nome do Estado, haverá uma sociedade
baseada na violência. A utilização do homem para um dado fim é uma artimanha
do político e do sacerdote, e ela nega as relações.
“Que quer dizer isso?”
Quando nos servimos uns dos outros para satisfação mútua, existem relações
entre nós? Quando vos servis de outra pessoa para vosso conforto, assim como
usais uma peça de mobília, estais em relação com essa pessoa? Estais em
relação com os vossos móveis? Podeis chamá-los “vossos”, e nada mais; não
tendes relações com eles. De modo idêntico, quando utilizais outro indivíduo
para vossa própria vantagem física ou psicológica, geralmente chamais “vossa”
tal pessoa, a possuís; e a posse é um estado de relação? O Estado faz uso do
indivíduo e o chama seu cidadão; mas o Estado não tem relações com o
indivíduo; apenas serve-se dele, como instrumento. Um instrumento é uma coisa
morta, e não se pode ter relações com o que é morto. Quando usamos homem
para um certo fim, por mais nobre que este seja, nós o queremos como
instrumento, como coisa morta; se não podemos usar coisas vivas, então
procuramos coisas mortas; nossa sociedade está baseada no uso de coisas
mortas. O uso que fazemos de outro, torna-o o instrumento morto de nossa
satisfação. Relações só podem existir entre os que estão vivos, sendo a
utilização um processo de isolamento. É esse processo de isolamento que gera
conflito, antagonismo, entre os homens.
“Por que dais tanta importância às relações?”
A existência são relações; existir é estar em relação. As relações constituem a
sociedade. A estrutura de nossa sociedade atual, baseada que está na mútua
utilização, produz violência, destruição e sofrimentos; e se o chamado “Estado
revolucionário” não alterar fundamentalmente essas condições de utilização, só
poderá produzir, talvez num nível diferente, mais conflito ainda, mais confusão e
antagonismo. Enquanto, psicologicamente, tivermos necessidade e fizermos uso
uns dos outros, não haverá relações. As relações significam comunhão; e como
é possível a comunhão quando há exploração? A exploração implica medo, e o
medo conduz, inevitavelmente, a ilusões e sofrimentos de toda ordem. O conflito
só existe na exploração, e nunca nas relações. Existe conflito, oposição,
inimizade, entre nós, quando fazemos uso uns dos outros, como meios de
prazer, de realização. Esse conflito, evidentemente, não poderá ser resolvido,
enquanto nos servirmos dele como meio de alcançarmos um objetivo, projetado
pelo “eu”; e todos os ideais, todas as Utopias são projeções do “eu”. É essencial
perceber isso, porque se poderá então “experimentar” esta verdade, de que o
conflito, sob qualquer forma que seja, destrói as relações, a compreensão. Só
há compreensão quando a mente se acha quieta; e não está quieta a mente
enquanto se mantém ligada a uma ideologia, dogma ou crença, ou prêsa ao
padrão de sua própria experiência, suas lembranças. A mente não está quieta,
enquanto empenhada em adquirir ou “vir a ser”. Toda aquisição é conflito, todo
“vir a ser” é processo de isolamento. A mente não está quieta, quando é
disciplinada, controlada, refreada: esta é uma mente morta, pois está a isolar-se
por meio de várias formas de resistência; por consequência, ela cria,
inevitavelmente, sofrimentos para si própria e para outros.
A mente só está tranquila quando não está prêsa na rede do pensamento — a
rede tecida por sua própria atividade. Quando a mente está tranquila — mas não
foi obrigada a estar tranquila — surge então um fator verdadeiro — o amor.
9
O esforço
A chuva começou a cair mansa, mas repentinamente foi como se o céu se
tivesse fendido, e veio um verdadeiro dilúvio. Na rua, a água quase tocava os
joelhos dos passantes, e cobria completamente o calçamento. As folhas das
árvores pareciam imóveis, emudecidas de surpresa. Passou um carro, que logo
adiante parou, devido à penetração da água nas suas peças essenciais.
Populares atravessavam a rua, por dentro d’água, molhados até os ossos, mas
achando divertida a chuvarada. Os canteiros do jardim eram levados pela água,
e a grama se achava debaixo de várias polegadas de água pardacenta. Um
pássaro azul escuro, de asas avermelhadas, procurava abrigar-se entre as
folhas espessas, mas ficava cada vez mais molhado e se sacudia
incessantemente. O aguaceiro durou algum tempo, e depois cessou tão
repentinamente como começara. Todas as coisas estavam lavadas e novas.
Como é fácil ser inocente! Sem inocência, é impossível ser feliz. O prazer das
sensações não é a felicidade da inocência. A inocência é o estado liberto da
carga da experiência. É a memória da experiência que corrompe; o
“experimentar” não corrompe. O conhecimento, a carga do passado, é
corrupção. A capacidade de acumular, o esforço para “vir a ser” destrói a
inocência; e sem inocência, como é possível a sabedoria? Os que são
meramente curiosos não podem, em tempo algum, conhecer a sabedoria;
acharão o que desejam, mas o que acharem não será a verdade. Os que são
desconfiados, suspicazes, não conhecerão a felicidade, porque a suspeição
representa a ansiedade de seu próprio ser, e o medo gera corrupção. O
destemor não é coragem, mas um estado livre de acumulações.
“Não poupei esforços para alcançar uma boa posição, na vida, e me tornei muito
eficiente em ganhar dinheiro; meus esforços nesse sentido produziram os
resultados desejados. Muito me tenho esforçado também por fazer de minha
vida de família um sucesso — mas sabeis como isso é. A vida doméstica não é
a mesma coisa que ganhar dinheiro ou dirigir uma indústria. Nos negócios, a
gente lida com entes humanos, mas num nível diferente. Em família há muito
atrito, e compensações insignificantes, e todos os esforços despendidos nessa
esfera só parecem aumentar a confusão. Não estou a queixar-me, o que é
contrário à minha índole — mas acho que o sistema matrimonial está todo
errado. Casamo-nos para satisfazer nossos apetites sexuais, sem realmente
conhecermos um ao outro, a nenhum respeito; e embora vivamos na mesma
casa e possamos, ocasional e deliberadamente, gerar um filho, somos como
estranhos um para o outro, e a tensão, que só as pessoas casadas conhecem,
faz-se sentir continuamente. Tenho feito o que penso ser o meu dever, mas, para
expressar-me com suavidade, isso não tem produzido resultados dos mais
satisfatórios. Todos os dois somos personalidades dominantes e decididas, e
isso não é confortável. Nossos esforços de cooperação nunca fizeram nascer,
entre nós, um sentimento de profundo companheirismo. Embora tenha muito
interesse por estudos psicológicos, estes pouco me têm valido, e desejo penetrar
neste problema muito mais profundamente.”
O sol tornara a sair, os pássaros vozeavam e o céu era limpo e azul, após a
tempestade.
Que entendeis por esforço?
“Lutar por alguma coisa. Eu lutei por dinheiro e posição e conquistei as duas
coisas. Lutei também por uma vida doméstica feliz, mas a esse respeito não
tenho sido muito bem sucedido; e, assim, agora estou lutando por achar alguma
coisa mais profunda.”
Sempre lutamos com um fim em vista; lutamos para realizar alguma coisa;
fazemos um esforço constante para nos tornarmos algo, positiva ou
negativamente. Nossa luta é sempre uma luta para termos segurança, de alguma
maneira; visa sempre a alcançar alguma coisa ou a fugir de alguma coisa. O
esforço é realmente uma batalha incessante para adquirir, não é verdade?
“É condenável adquirir?”
Apreciaremos isso mais adiante; mas o que chamamos esforço é este processo
constante de caminhar e chegar, de adquirir, em diferentes sentidos. Quando
nos cansamos de uma aquisição, passamos a fazer outra aquisição; e depois de
feita esta, de novo nos dirigimos para outra coisa. O esforço é um processo de
acumulação — de conhecimentos, de experiência, eficiência, virtude, bens,
poder, etc.; é um infindável “vir a ser”, expandir, crescer. O esforço na direção
de um alvo, digno ou indigno, tem de produzir, sempre, conflito; o conflito é
antagonismo, oposição, resistência. É ele necessário?
“Necessário para quê?”
Investiguemos. O esforço no nível físico pode ser necessário; o esforço para
construir uma ponte, produzir petróleo, carvão, etc., é ou pode ser benéfico; mas
como o trabalho é feito, como as coisas são produzidas e distribuídas, como os
lucros são divididos, isso é questão muito diferente. Se no nível físico o homem
é explorado para um certo fim, um ideal, seja por interesses privados, seja pelo
Estado, o esforço só produz mais confusão e sofrimentos. O esforço de adquirir,
para o indivíduo, para o Estado, ou para uma organização religiosa, é um infalível
fator de oposição. Sem a compreensão dessa luta pela aquisição, o esforço no
nível físico produzirá inevitavelmente desastrosos efeitos na sociedade.
E o esforço no nível psicológico — o esforço para ser, realizar, conseguir — é
necessário, benéfico?
“Se não fizéssemos tal esforço, não ficaríamos a decompor-nos, desintegrar-
nos?”
É exato isso? Até agora que temos realizado, mediante esforço, no nível
psicológico?
“Não muita coisa, reconheço-o. O esforço tem sido mal orientado. A direção tem
muita importância, e o esforço corretamente dirigido é da maior significação. É
por falta de um esforço correto que nos encontramos neste caos.”
Dizeis, pois, que existe esforço correto e esforço incorreto, não é verdade? Não
vamos chicanar a respeito de palavras, mas como é que distinguis entre esforço
correto e esforço incorreto? De acordo com que critério julgais? Qual o vosso
padrão — a tradição ou o ideal futuro, o que “deve ser”?
“Meu critério é determinado por aquilo que produz resultados. O resultado é que
importa, e sem o estímulo de um objetivo não faríamos esforço algum.”
Se vosso critério é o resultado, então, certamente, não vos importam os meios;
não é assim?
“Empregarei os meios adequados ao fim. Se o fim é a felicidade, então cumpre
achar um meio feliz.”
O meio feliz não é o fim feliz? O fim está contido nos meios, não é verdade?
Portanto, só há os meios. Os próprios meios constituem o fim, o resultado.
“Nunca considerei a questão dessa maneira, mas vejo que tendes razão.”
Estamos investigando o que é que constitui o meio feliz. Se o esforço produz
conflito, oposição, interior e exteriormente, pode o esforço conduzir à felicidade?
Se o fim são os meios, como pode haver felicidade por meio de conflito e de
antagonismo? Se o esforço produz mais problemas e mais conflito, então é bem
evidente que ele é destrutivo, um fator de desintegração. E por que fazemos
esforço? Não é com o fim de sermos mais, de progredir, de ganhar? O esforço
é para mais, numa direção, e para menos, noutra direção. O esforço implica
aquisição, para o próprio indivíduo ou para um grupo, não é exato?
“Sim, é verdade. A avidez de ganho para si próprio é, noutro nível, a avidez de
ganho do Estado ou da Igreja.”
O esforço é aquisição, negativa ou positiva. Que é, pois, que estamos
adquirindo? Num nível, adquirimos as coisas necessárias à nossa manutenção
física, e noutro nível nos servimos dessas coisas como meios de auto-
engrandecimento; ou, satisfazendo-nos com pouco, no tocante às necessidades
físicas, adquirimos poder, posição, fama. Os dirigentes, os representantes do
Estado, podem viver, exteriormente, uma vida muito simples e possuir poucas
coisas, mas eles adquiriram poder e se servem desse poder para resistir ou
dominar.
“Pensais que a aquisição é sempre perniciosa?”
Vejamos. A segurança, que é ter as coisas necessárias à manutenção física, é
uma coisa, e a avidez de ganho, outra coisa. É a avidez, em nome da raça ou da
pátria, em nome de Deus, ou em nome do indivíduo, que está destruindo a
organização sensata e eficiente dos recursos físicos indispensáveis ao bem-
estar da Humanidade. Todos precisamos de alimentação adequada, de roupas
e de morada — isto é simples e claro. Ora, que é que nos esforçamos para
adquirir, além dessas coisas?
Adquirimos dinheiro, como um meio que nos dará poder, que nos proporcionará
certas satisfações sociais e psicológicas, como um meio que nos dará liberdade
para fazermos o que quisermos. Um indivíduo luta pela riqueza e posição, a fim
de ser poderoso, em vários sentidos; e depois de ter sido bem sucedido nas
coisas exteriores, deseja agora ser bem sucedido, como dizeis, nas coisas
interiores.
Que se entende por “poder”? Ser poderoso é dominar, é subjugar, reprimir,
sentir-se superior, ser eficiente, e assim por diante. Consciente ou
inconscientemente, tanto o asceta como o homem mundano têm esse
sentimento de poder, e lutam por manter o seu poder. O poder é uma das mais
perfeitas expressões do “eu”, seja o poder dado pelo saber, o poder sobre si
mesmo, o poder mundano, ou o poder que se conquista pela abstinência. O
sentimento de poder, de domínio, é extremamente agradável. Vós podeis buscar
a satisfação no poder, outro na bebida, outro na devoção, outro no saber, e outro
no esforço para ser virtuoso. Cada uma dessas coisas pode ter seu especial
efeito psicológico e sociológico, mas toda aquisição significa satisfação. A
satisfação, em qualquer nível que seja, é sensação, não é verdade? Estamos
fazendo esforços para adquirir uma maior ou mais sutil variedade de sensações,
a que ora chamamos experiência, ora saber, ora amor, ora a busca de Deus ou
da Verdade; e há a sensação que se experimenta em ser virtuoso, em ser o
agente eficaz de uma certa ideologia. O esforço se faz para adquirir satisfação,
que é sensação. Encontrastes satisfação num nível, e agora a buscais noutro
nível; e depois de a adquirirdes aí, vos deslocareis para outro nível, mantendo-
vos, assim, sempre em movimento. Esse constante desejo de satisfação, de
formas cada vez mais sutis de sensação, é chamado progresso, mas é um
conflito incessante. A busca de satisfação cada vez mais ampla, não tem fim e,
portanto, não tem fim o conflito, o antagonismo, e por esta razão não existe
felicidade.
“Percebo o vosso raciocínio. Estais dizendo que a busca de satisfação, em
qualquer nível que seja, é de fato uma busca de sofrimento. O esforço visando
à satisfação é uma pena constante. Mas que devemos fazer? Desistir de buscar
satisfação e nos deixarmos estagnar?”
Quando não se busca a satisfação, é inevitável a estagnação? A ausência de
cólera é necessariamente um estado sem vida? Ora, por certo, em qualquer nível
que seja, a satisfação é sensação. O apuramento da satisfação é apenas
apuramento verbal. A palavra, o termo, o símbolo, a imagem, desempenham um
papel importantíssimo nas nossas vidas, não é verdade? Podemos não buscar
o “toque”, a satisfação do contacto físico, mas a palavra, a imagem se torna muito
importante. Num nível, acumulamos satisfações por meios grosseiros, e noutro
nível por meios mais sutis e requintados; mas a acumulação de palavras visa ao
mesmo fim que a acumulação de coisas, não é verdade? Por que acumulamos?
“Oh! acho que é porque nos vemos tão descontentes, tão enfastiados de nós
mesmos, que estamos prontos a fazer qualquer coisa, para fugirmos à nossa
superficialidade. É isso mesmo, realmente — e vejo neste momento que me
encontro exatamente nesta situação. É extraordinário!”
Nossas aquisições são, um meio de encobrirmos o nosso próprio vazio; nossas
mentes são como tambores ressonantes, batidos pelas mãos de cada um que
passa e produzindo muito barulho. Esta é a nossa vida, o conflito gerado pelas
fugas que nunca satisfazem, e por nossas crescentes misérias.
É estranho que nunca estamos sós, estritamente sós. Estamos sempre
acompanhados — de um problema, um livro, uma pessoa; quando estamos
desacompanhados, os nossos pensamentos estão conosco. “Estar só”,
despojado de tudo, é essencial. Todas as fugas e acumulações e esforços para
ser ou não ser têm de cessar; e só então se apresenta aquela solidão em que
se pode receber “o só”, o imensurável.
“Como deixar de fugir?”
Percebendo a verdade de que todas as fugas conduzem à ilusão, ao sofrimento.
A verdade liberta. Nada se pode fazer com relação à fuga; a própria ação para
deixar de fugir é mais uma fuga. O supremo estado de inação é a ação da
Verdade.
10
Devoção e culto
A mãe estava surrando o filho, e ouviam-se gritos de dor. Estava furiosa, e ao
mesmo tempo que batia falava violentamente à criança. Quando voltávamos,
pouco depois, vimos a mãe acariciando a criança, apertando-a com tanta força
ao peito que parecia querer espremer-lhe a alma do corpo. Tinha lágrimas nos
olhos, e a criança, ainda um tanto perturbada, sorria para ela.
O amor é uma coisa estranha, e como é fácil perdermos a sua chama vivificante!
Perde-se a chama, e só resta fumo. A fumaça nos invade a mente e o coração,
e os nossos dias se passam entre lágrimas e amarguras. A canção foi esquecida
e as palavras perderam toda significação; o perfume evolou-se, e nossas mãos
estão vazias. Não sabemos manter a chama livre da fumaça, e a fumaça sempre
sufoca a chama. Mas o amor não é coisa da mente, não se acha na rede do
pensamento, não pode ser procurado, cultivado, nutrido; ele existe quando a
mente está silenciosa, e o coração vazio das coisas da mente.
A sala dominava o rio, e o sol luzia nas águas.
Ele não era de modo nenhum um desassisado, mas um homem altamente
emotivo, de uma sentimentalidade exuberante, que parecia dar-lhe muito prazer.
Estava ansioso por falar; e quando lhe apontamos um pássaro verde com
reflexos de ouro, abriu as comportas do sentimento e fê-lo jorrar copiosamente,
a propósito do pássaro. A seguir, falou da beleza do rio e cantou uma canção
que celebrava essa beleza. Tinha voz agradável, mas a sala era pequena
demais. Outro pássaro auriverde veio juntar-se ao primeiro, e os dois ficaram
pousados, muito juntinhos, a se alisarem com o bico.
“A devoção não é um caminho que leva a Deus? O sacrifício da devoção não
purifica o coração? A devoção não é uma parte essencial da vida?”
Que entendeis por devoção?
“O amor ao Ser Supremo; a oferta de uma flor diante da imagem, do símbolo de
Deus. A devoção é absorção integral, amor que transcende o amor carnal. Já
tenho passado muitas horas seguidas, completamente absorvido no amor de
Deus. Nesse estado nada sou e nada sei. Nele, a vida toda é uma só vida, o gari
e o rei são um só. É um estado maravilhoso. Por certo, vós o conheceis.”
Devoção é amor? É algo que está separado de nossa existência diária? É um
ato de sacrifício o consagrar-se a um objeto, ao saber, ao trabalho social, ou à
ação? É sacrifício de si mesmo, estar absorvido na devoção? Quando estais
completamente identificado com o objeto de vossa devoção, isso significa
renúncia ao “eu”? É renúncia, abnegação, absorver-nos num livro, num cântico,
numa idéia? Devoção é a adoração de uma imagem, uma pessoa, um símbolo?
A realidade tem algum símbolo? Pode um símbolo representar a verdade? O
símbolo não é estático, e pode uma coisa estática representar aquilo que vive?
O vosso retrato sois vós?
Verifiquemos o que entendemos por devoção. Passais muitas horas por dia
embebido nisso que chamais o amor, a contemplação de Deus. Isso é devoção?
O homem que dedica a sua vida à melhoria das condições sociais, é devotado
ao seu trabalho; e o general, cuja função é planejar a destruição, é também
devotado ao seu trabalho. É devoção isso? Se me permitis dizê-lo, vós passais
o tempo a embriagar-vos com a imagem ou a idéia de Deus, e outros se
embriagam de maneira diferente. Existe distinção fundamental entre vós e
estes? A devoção precisa de objeto?
“Mas esta devoção a Deus empolga toda a minha existência. Nada mais conheço
senão Deus. Ele ocupa todo o meu coração.”
E o homem que tem devoção ao seu trabalho, ao seu líder, sua ideologia, esse
homem também está empolgado por aquilo com que se ocupa. Vós encheis o
coração com a palavra “Deus”, e outro com a sua atividade; e isso é devoção?
Sentis felicidade, com a vossa imagem, com o vosso símbolo; outros a sentem
com os seus livros, ou ouvindo música, — e isso é devoção? É devoção o deixar-
nos absorver numa coisa? Um homem é devotado à sua esposa, por várias
razões, que proporcionam agrado, satisfação; e satisfação é devoção? O
identificarmo-nos com nosso país é deveras inebriante; e identificação é
devoção?
“Mas o devotar-me todo a Deus não causa mal a ninguém. Pelo contrário, não
só me ponho fora do caminho do mal, como também não faço mal a outros.”
Isso pelo menos já é alguma coisa; mas, conquanto não façais mal algum,
exteriormente, a ilusão, num nível mais profundo, não é danosa, tanto para vós
como para a sociedade?
“Não tenho interesse na sociedade. Minhas necessidades são poucas; refreei as
minhas paixões e passo os meus dias à sombra de Deus.”
Não achais importante investigar se, atrás dessa sombra, existe alguma
substância? Adorar a ilusão é estar apegado à satisfação de si mesmo; o ceder
ao apetite, em qualquer nível, é ser voluptuoso.
“Sois muito perturbador, e nem sei ao certo se desejo continuar esta nossa
conversa. Vim aqui para prostrar-me, junto convosco, diante do mesmo altar.
Mas vejo que vossa devoção é completamente diferente, e o que dizeis está fora
do meu alcance. Entretanto, desejaria saber onde está a beleza da vossa
devoção. Não tendes quadros, nem imagens, nem rituais, mas deveis ter uma
devoção. De que natureza é ela?”
O adorador é o próprio objeto da adoração; adorar a outro é adorar a si mesmo;
a imagem, o símbolo, é uma “projeção” de nós mesmos. Afinal, vosso livro, vosso
ídolo, vossa prece, são reflexos de vosso próprio “fundo”; são criações vossas,
ainda que feitos por outro. Escolheis, conforme a satisfação que desejais; vossa
escolha representa vosso preconceito. Vossa imagem é o vinho com que vos
embriagais, e ela foi esculpida com material de vossa própria memória; estais
adorando a vós mesmo, através da imagem criada por vosso próprio
pensamento. Vossa devoção é o amor que tendes a vós mesmo, disfarçado
pelas cantigas da vossa mente. A imagem sois vós mesmo, ela é o reflexo da
vossa mente. Tal devoção é uma forma de automistificação, que só leva ao
sofrimento, ao isolamento, que é morte.
A busca é devoção? Buscar uma coisa não é buscar; buscar a Verdade, não é
achar a Verdade. Fugimos de nós mesmos por meio da busca, que é ilusão;
procuramos de todos os modos fugir daquilo que somos. Dentro em nós, somos
insignificantes, essencialmente nulos, e a adoração de algo maior do que nós é
tão pouco significativa e tão estúpida como nós mesmos. A identificação com o
que é grande, é ainda uma “projeção” do que é pequeno. O mais é
prolongamento do menos. O pequeno que busca o grande, só achará aquilo que
é capaz de achar. As fugas são muitas e variadas, mas a mente em fuga é
sempre uma mente medrosa, estreita, ignorante.
A compreensão da fuga é libertação de o que é. O que é só pode ser
compreendido quando a mente já não busca resposta alguma. A busca de
resposta é fuga ao que é. Essa busca recebe nomes vários, um dos quais é
“devoção”; mas, para compreender o que é, a mente deve estar em silêncio.
“Que se entende por “o que é”?”
O que é é o que existe momento por momento. A compreensão de todo o
“processo” de vossa adoração, vossa devoção àquilo que chamais Deus, é
percebimento de o que é. Mas não desejais compreender o que é; porque a
vossa fuga ao que é — fuga que chamais devoção — é a fonte de um prazer
maior, e nessas condições a ilusão se torna mais significativa do que a
Realidade. A compreensão de o que é não depende do pensamento, porque o
pensamento é também fuga. Pensar no problema não é compreender o
problema. É só quando a mente está em silêncio que se revela a verdade contida
em o que é.
“Eu estou satisfeito com o que tenho. Sou feliz com o meu Deus, meu cântico,
minha devoção. A devoção a Deus é o cântico do meu coração, e minha
felicidade está toda nesta canção. Vossa canção será mais clara, mais
espontânea, mas quando eu canto meu coração está completamente cheio.
Pode um homem desejar mais alguma coisa quando tem o coração cheio? Na
minha canção nós dois somos irmãos, e eu não me deixo perturbar pela vossa
canção.”
Quando a canção é real, não existe nem vós nem eu, mas só o silêncio do
Eterno. A canção não é som, senão silêncio. Não deixeis o som de vosso cantar
encher-vos o coração.
11
O interesse
Ele era diretor de uma escola e possuía vários diplomas. Andara muito
interessado na educação e também trabalhara arduamente em vários
movimentos de reforma social; mas agora, disse, embora moço ainda, tinha
perdido todo o dinamismo e vitalidade. Dava cumprimento aos seus deveres
quase mecanicamente, percorrendo a rotina de cada dia com cansaço e tédio;
não lhe dava mais gosto o que fazia, e a energia impetuosa de outrora se
esgotara completamente. Tinha sentido inclinações religiosas e lutara por
introduzir certas reformas na sua religião, mas esse zelo também se extinguira.
Não via valor algum em qualquer ação que fosse.
Por quê?
“Toda ação conduz à confusão, criando mais problemas, mais males. Tenho
tentado agir com reflexão e inteligência, mas vejo que isso leva sempre a alguma
espécie de confusão. As várias atividades em que me tenho empenhado, todas
me têm feito sentir deprimido, ansiado e cansado, e não levaram a parte alguma.
Agora tenho medo de agir, e o medo de causar mais mal do que bem me obrigou
a afastar-me de todas as atividades, salvo as que requerem um mínimo de ação.”
Qual é a causa deste medo? É o medo de ser nocivo? Estais-vos retraindo da
vida, pelo medo de produzir mais confusão? Tendes medo da confusão que
porventura iríeis criar, ou da confusão existente em vós mesmo? Se estivésseis
interiormente lúcido e dessa lucidez viesse ação, temeríeis qualquer confusão
exterior, resultante de vossa ação? Tendes medo à confusão interior ou à
confusão exterior?
“Ainda não considerei a questão desta maneira, e preciso refletir sobre o que
dizeis.”
Importar-vos-íeis de criar mais problemas, se houvesse claridade em vós
mesmo? Gostamos de fugir dos nossos problemas, por todos os meios
possíveis, e desse modo só podemos fazê-los crescer. Nossos problemas
podem parecer-nos confusos, quando queremos elucidá-los, mas a capacidade
de resolver problemas depende da claridade que sobre eles projetamos. Se
estivésseis na claridade vossas ações causariam confusão?
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  • 2. Sumário 1 — Felicidade criadora 2 — Condicionamento 3 — O medo à solidão interior 4 — O processo do ódio 5 — Progresso e revolução 6 — O tédio 7 — Disciplina 8 — Conflito — liberdade — relações 9 — O esforço 10 — Devoção e culto 11 — O interesse 12 — Educação e integração 13 — Castidade 14 — O medo da morte 15 — A fusão do pensador e dos seus pensamentos 16 — A luta pelo poder 17 — Que vos está tornando insensível? 18 — Karma 19 — O indivíduo e o ideal 20 — Ser vulnerável é viver, retrair-se é morrer 21 — Desespero e esperança 22 — A mente e o conhecido
  • 3. 23 — Ajustamento e liberdade 24 — Tempo e continuidade 25 — A família e o desejo de segurança 26 — O eu 27 — Natureza do desejo 28 — A finalidade da vida 29 — Avaliação da experiência 30 — Este problema do amor 31 — Qual a verdadeira função do educador? 32 — Vossos filhos e seu êxito na vida 33 — A ânsia de buscar 34 — Escutar 35 — A chama do descontentamento 36 — Uma experiência de bem-aventurança 37 — Um político que queria prestar bons serviços 38 — A competição como norma da vida 39 — Meditação — esforço — consciência 40 — Psicanálise e o problema humano 41 — Purificado do passado 42 — Autoridade e cooperação 43 — Mediocridade 44 — Ensino positivo e ensino negativo 45 — Assistência e ajuda 46 — O silêncio da mente 47 — Contentamento 48 — O ator 49 — A função do saber
  • 4. 50 — Convicções — sonhos 51 — A morte 52 — Avaliação 53 — Inveja e solidão 54 — A tormenta do espírito 55 — Controle do pensamento 56 — Existe pensamento profundo? 57 — A imensidão
  • 5. 1 Felicidade criadora Uma grande cidade beira o rio majestoso. Degraus longos e largos descem até à água, e todo o mundo parece viver sobre esses degraus, pois estão sempre cheios de gente e de barulho desde manhã cedo até muito depois do escurecer. Quase ao nível d’água há uns pequenos degraus alongados, onde muitos se vão sentar, absorvendo-se em suas ânsias e esperanças, seus deuses e seus cantares. Toca o sino do templo e ouve-se o chamado do muezim. Alguém canta, e um grande ajuntamento se formou, a escutar em apreciativo silêncio. Além, acompanhando a curva do rio e continuando mais para cima, divisa-se uma grande massa de edifícios. Com avenidas arborizadas e amplas vias, as edificações se estendem por muitas milhas para o interior. Por um caminho estreito e lamacento, ao longo do rio, tem-se acesso a esse vasto centro de cultura. Vive ali um grande número de estudantes, procedentes de todos os pontos do país, jovens ardorosos, ativos e bulhentos. Os lentes têm ares pomposos, e urdem intrigas para alcançar promoções e honorários mais altos. Nenhum deles parece muito interessado no que irá acontecer aos estudantes, depois de saírem dali. Sua função é transmitir certos conhecimentos e técnicas, que os estudantes mais talentosos absorvem rapidamente. Depois, eles se formam — e pronto! Os lentes têm seus empregos garantidos, suas famílias, sua segurança; mas os estudantes terão, ao saírem dali, de enfrentar as agitações e incertezas da vida. Edifícios como esses e mestres e estudantes como esses existem em todo o país. Alguns estudantes alcançam a fama e uma boa situação na vida; outros geram filhos, lutam, e morrem. O Estado precisa de técnicos competentes, administradores capazes de guiar e de governar. E ele tem sempre, também, o exército, a Igreja, o comércio. Em qualquer parte do mundo é a mesma coisa que se vê. É só para aprendermos uma técnica e termos um emprego, uma profissão, que fazemos encher a nossa mente superficial com uma multidão de fatos e conhecimentos, não é verdade? É bem óbvio que no mundo moderno um bom técnico tem melhores possibilidades de ganhar a vida; mas, daí, que se segue? Um técnico está melhor aparelhado para enfrentar o complexo problema da vida do que quem não é técnico? A profissão é apenas uma parte da vida; mas há também as partes ocultas, subtis, misteriosas. O encarecer a importância de uma
  • 6. só, negando ou desprezando as demais, tem de levar, inevitavelmente, a uma atividade desarmoniosa e desintegrativa. É isso, precisamente, o que se está fazendo no mundo, hoje em dia, de onde o conflito, a confusão, a miséria, a se agravarem mais e mais. Existem, naturalmente, umas poucas exceções, os que são criadores, felizes, os que estão em contato com algo que não é de fabricação humana, os que não dependem das coisas da mente. Tanto vós como eu temos, intrinsecamente, a capacidade de ser felizes, criadores, de entrarmos em contato com algo existente fora do alcance dos tentáculos do tempo. A felicidade criadora não é um dom reservado a poucos; e por que, então, a grande maioria não conhece essa felicidade? Por que razão alguns parecem estar em contato com a realidade profunda, apesar das circunstâncias e acidentes, enquanto outros estão sendo destruídos por essas mesmas circunstâncias e acidentes? Por que é que uns são maleáveis, flexíveis, e outros permanecem rígidos e são destruídos? Apesar de todos os seus conhecimentos, alguns conservam sempre aberta a porta que leva àquilo que ninguém, que livro nenhum nos pode dar, enquanto outros são asfixiados pela técnica e pela autoridade. Por que isso? É bastante claro que a mente deseja estar empenhada e estabilizada em alguma espécie de atividade, desprezando coisas mais amplas e profundas, porque aí ela se sente em terreno mais firme; e, assim, a sua educação, as suas práticas, as suas atividades são estimuladas e mantidas em tal nível, e sempre se encontram escusas para não se passar além dele. Antes de serem contaminadas pela chamada educação, muitas crianças se acham em contato com o “desconhecido”, como o demonstram por várias maneiras. Mas o ambiente não tarda a fechar-se em torno delas, e depois de uma certa idade perde-se aquela luz, aquela beleza que não se acha em nenhum livro ou escola. Por quê? Não digais que a vida é exigente demais, que elas têm de enfrentar duras realidades, que é seu destino, seu karma, que é a culpa dos pais; tudo isso é puro absurdo. A felicidade criadora é para todos, e não para poucos somente. Vós podeis expressá-la de uma maneira, e eu de outra maneira, porém ela é para todos. A felicidade criadora não tem cotação no mercado; não é uma mercadoria que se vende a “quem dá mais”, mas, sim, a única coisa que pode ser todos. É realizável a felicidade criadora? Isto é, pode a mente pôr-se em contato com aquilo que constitui a fonte de toda felicidade? E esse contato pode ser sempre mantido, a despeito do saber e da técnica, a despeito da educação e das exigências da vida? Pode — mas só quando o educador se educa para essa realidade, quando aquele que ensina está também em contato com a fonte da felicidade criadora. Nosso problema, pois, não é o discípulo, o jovem, mas o mestre e o pai. A educação só é um círculo vicioso quando não se percebe a importância, a necessidade essencial e primacial dessa felicidade suprema. Afinal, estar aberto para a fonte de toda felicidade é a mais sublime religião; mas,
  • 7. para se conhecer essa felicidade, é preciso dar-lhe atenção correta, como se dá aos negócios. A profissão de mestre não é uma rotina, porém, antes, a expressão de uma beleza e felicidade que não podem ser medidas em termos de realização e sucesso. Perdida está a luz da Realidade, e perdidas as suas bênçãos, quando a mente, que é a sede do “eu”, assume a direção. O autoconhecimento é o começo da sabedoria. Sem autoconhecimento, o saber leva à ignorância, à luta e ao sofrimento.
  • 8. 2 Condicionamento Ele se mostrava muito interessado em ajudar a Humanidade, praticar boas obras, e exercia atividades em várias organizações interessadas no bem-estar social. Disse que, rigorosamente falando, nunca tirara férias demoradas e que desde sua formatura vinha trabalhando constantemente pela melhoria da Humanidade. Naturalmente nenhum dinheiro levava pelo trabalho que executava. Seu trabalho sempre lhe fora muito importante, e tinha muito apego a tudo o que fazia. Tornara-se um obreiro social de primeira ordem, e gostava de o ser. Mas, depois de ter ouvido, numa de nossas palestras, algo a respeito das várias formas de fuga que condicionam a mente, desejava esclarecer-se melhor. “Achais que trabalhar em obras sociais, causa condicionamento? — que só pode criar mais conflitos?” Averiguemos a que se entende por condicionamento. Quando temos consciência de estar condicionados? Estamos alguma vez cônscios disso? Percebeis que estais condicionado, ou só percebeis a existência de conflito e de luta, em vários níveis de vossa existência? Não temos consciência de nosso condicionamento, certamente, mas apenas de que há conflito, dor, prazer. “Que entendeis por conflito?” Qualquer espécie de conflito: conflito entre as nações, entre vários grupos sociais, entre indivíduos, e o conflito existente dentro de nós mesmos. Não é inevitável o conflito, enquanto não se der a integração do agente e da ação, do desafio e da reação? O conflito nosso problema, não achais? Não um determinado conflito, mas todo e qualquer conflito: a luta entre as idéias, entre as crenças, as ideologias, os opostos. Se não houvesse conflito não haveria problemas. “Estais a sugerir que devemos buscar uma vida de isolamento, de contemplação?” A contemplação é penosa; é uma das coisas mais difíceis de se compreender. O isolamento, que, consciente ou inconscientemente, cada um de nós está
  • 9. buscando, à sua maneira, não resolve os nossos problemas; pelo contrário, aumenta-os. Estamos tentando compreender quais são os fatores de condicionamento que criam novos conflitos. Só estamos cônscios de conflito, dor ou prazer, mas não estamos cônscios de nosso condicionamento. Qual é a causa do condicionamento? “As influências sociais e ambientes: a sociedade em que nascemos, o meio cultural em que crescemos, as exigências econômicas e políticas, etc.” Exatamente; mas é só isso? Estas influências são produtos de nós mesmos, não são? A sociedade é o resultado das relações de um homem com outro homem; o que é bastante evidente. Essas relações são de utilização, de necessidade, de conforto, de satisfação, e criam influências, valores, que nos prendem. Esse aprisionamento é nosso condicionamento. Estamos agrilhoados por nossos próprios pensamentos e ações; mas não estamos cônscios desses grilhões, e só percebemos o conflito, o prazer, a dor. Parece que nunca passamos daí, e, se o fazemos, passamos apenas a um novo conflito. Não estamos cônscios de nosso condicionamento, e enquanto não o estivermos, só poderemos produzir mais conflito e mais confusão. “Como podemos estar cônscios de nosso condicionamento?” Só pela compreensão de um outro processo, o processo do apego. Se pudermos compreender a razão por que somos apegados, talvez então possamos perceber o nosso condicionamento. “Isso não é dar uma volta muito grande, para atender a uma questão direta?” Achais que é? Tentai ficar cônscio de vosso condicionamento. Não podeis conhecê-lo senão indiretamente, em relação com alguma coisa: Não podeis estar cônscio de vosso condicionamento como abstração, porque, nesse caso, trata-se apenas de um conhecimento verbal, sem muita significação. Nós só conhecemos o conflito. O conflito existe quando não há integração entre o desafio e a reação. Esse conflito é o resultado de nosso condicionamento. Condicionamento é apego: apego ao emprego, à tradição, à propriedade, a pessoas, idéias, etc. Se não houvesse apego, haveria condicionamento? Decerto que não. Portanto, por que é que temos apego? Tenho apego ao meu país porque, pela identificação com ele, eu sou alguém. Identifico-me com o meu trabalho, e o trabalho se torna importante. Eu sou minha família, minha propriedade; estou-lhes apegado. O objeto de meu apego oferece-me o meio de fuga ao meu próprio vazio. O apego é fuga, e a fuga é que robustece o condicionamento. Se vos tenho apego, é porque vos tornastes meu meio de fuga a mim mesmo: por isso, sois muito importante para mim, e tenho de possuir-vos, manter-me preso a vós. Vós vos tornais o fator do meu condicionamento, e a fuga é o condicionamento. Se nos tornarmos cônscios de nossas fugas, perceberemos então os fatores, as influências que produzem condicionamento.
  • 10. “Estou fugindo de mim mesmo com meu trabalho social?” Estais apegado a ele, estais-lhe preso? Sentir-vos-íeis aniquilado, vazio, entediado, se não fosse ele? “Estou certo de que assim me sentiria.” Vosso apego a esse trabalho é a vossa fuga. Há fugas em todos os níveis da nossa existência. Vós vos refugiais no trabalho, outro na bebida, outro nas cerimônias religiosas, outro no saber, outro em Deus, e outros, ainda, em divertimentos vários. Todas as fugas são iguais; não há fuga superior ou inferior. Deus e a bebida se acham no mesmo nível, quando representam meios de fuga àquilo que somos. Quando temos consciência de nossas fugas, só então podemos conhecer o nosso condicionamento. “Que devo fazer, se deixar de fugir por meio da assistência social? Posso fazer alguma coisa sem estar fugindo? Toda e qualquer ação de minha parte não representa uma forma de fuga ao que sou?” Esta pergunta é meramente verbal, ou reflete uma realidade, um fato que estais experimentando? Se não fugísseis, que aconteceria? Já experimentastes isso? “O que dizeis é tão negativo, se assim me posso expressar. Não ofereceis substituto algum para o meu trabalho.” Toda substituição não constitui uma outra forma de fuga? Quando uma certa atividade não é satisfatória ou cria mais conflito, corremos para outra. Substituir uma atividade por outra, sem compreensão da fuga, é um tanto fútil, não achais? São essas fugas e nosso apego a elas, que produzem condicionamento. O condicionamento cria problemas, conflitos. É o condicionamento que nos impede a compreensão do desafio; visto que estamos condicionados, a nossa reação tem de criar, inevitavelmente, conflito. “Como se pode ficar livre de condicionamento?” Só pela compreensão, pelo percebimento das nossas fugas. Nosso apego a uma pessoa, um trabalho, uma ideologia, é o fator condicionador; temos de compreendê-lo, em vez de buscarmos uma fuga melhor ou mais inteligente. Todas as fugas são ininteligentes, já que inevitavelmente produzem conflito. O cultivo do desapego constitui uma outra maneira de fuga, de isolamento; é apego a uma abstração, a um ideal. O ideal é coisa fictícia, produto do “eu”, e tornar-se o ideal representa uma fuga ao que é. Só há compreensão de o que é e ação adequada em relação ao que é, quando a mente já não está a buscar refúgios. O próprio pensar a respeito do que é, é fuga ao que é. Pensar no problema é fugir do problema; porque o pensamento é o problema, o único problema. A mente que não deseja ser o que é, que teme o que é, busca esses vários modos de fuga; e a via de fuga é o pensamento. Enquanto houver pensamento, haverá
  • 11. necessariamente fugas, apegos, que só podem fortalecer o condicionamento. Libertamo-nos do condicionamento quando nos libertamos do pensar. Quando a mente está tranquila de todo, só então há liberdade, para a existência do Real.
  • 12. 3 O medo à solidão interior Como é necessário morrer todos os dias, morrer a cada minuto para todas as coisas, para todos os dias passados e para o momento que acaba de escoar-se! Sem a morte não há renovação, sem a morte não há criação. A carga do passado dá origem à continuidade do passado, e as apreensões de ontem dão mais vida às apreensões de hoje. O dia de ontem perpetua o de hoje, e amanhã é ainda ontem. Não há libertação dessa continuidade, senão na morte. No morrer, encontra-se alegria. Esta manhã nova, tão fresca e clara, não traz consigo as luzes e as sombras de ontem; o canto daquela ave faz-se ouvir pela primeira vez, e o barulho que fazem aquelas crianças não é o barulho de ontem. Andamos carregados com a memória de ontem, que nos ensombra a existência. Enquanto a mente for a máquina automática da memória, não terá descanso, nem tranquilidade, nem silêncio; estará a gastar-se continuamente. O que está quieto pode renascer, mas o que se acha em constante atividade, se gasta e se torna inútil. A fonte perene se encontra no findar, e a morte está tão perto de nós como a vida. Disse ela que tinha estudado durante alguns anos com um desses famosos psicólogos e tinha sido analisada por ele, o que levara algum tempo. Embora educada como cristã e tendo também estudado a filosofia hindu e os seus instrutores, nunca se ligara a nenhum grupo particular nem se filiara a qualquer sistema de pensamento. Como sempre, continuava insatisfeita e abandonara, mesmo, a psicanálise; aplicava-se agora a um certo trabalho de assistência social. Fora casada, tendo conhecido todas as venturas e desventuras da vida doméstica. De várias maneiras havia buscado refúgio: no prestígio social, no trabalho, no dinheiro, e no conforto desta região ensolarada, com seu mar sempre azul. Suas tribulações se tinham multiplicado, mas soubera suportá-las; entretanto, nunca conseguira descer além de uma certa profundidade, e esta não era muito grande. Quase todas as coisas são superficiais, e depressa se acabam, para dar começo a uma nova superficialidade. A fonte inesgotável não pode ser encontrada pela atividade da mente.
  • 13. “Tenho passado de uma atividade para outra, de uma desventura para outra, sempre tangida e sempre a perseguir alguma coisa. Agora que se me esgotou o entusiasmo por uma coisa, antes de começar a seguir outra, que me iria ocupar por mais alguns anos, obedeci a um impulso mais forte, e eis-me aqui. Sempre tive vida de conforto, prazeres e riqueza. Andei interessada em muitas coisas e estudei um tanto profundamente certas matérias; mas, por uma ou outra razão, passados tantos anos, vejo-me ainda a tocar a orla das coisas, parecendo incapaz de penetrar além de um certo ponto; quero aprofundar-me mais, porém não posso. Dizem-me que sou eficiente no que faço, e justamente esta eficiência é que me prende. Meu condicionamento é do gênero benfazejo: fazer bem aos outros, ajudar os necessitados, mostrar-me atenciosa, generosa, etc.; mas isso prende, como todo condicionamento. Meu problema é o de ser livre, não só deste condicionamento, mas de todos os condicionamentos, e ir mais longe. Isto se tornou uma necessidade imperiosa, não só depois de ouvir as vossas palestras, mas também em virtude de minha própria observação e experiência. Abandonei, por enquanto, as atividades beneficentes, e se continuarei ou não a exercê-las, isso será decidido mais tarde.” Por que não vos perguntastes anteriormente a razão dessas atividades? “Nunca me ocorreu perguntar a mim mesma por que sou assistente social. Sempre desejei ajudar, fazer bem, e não por fútil sentimentalismo. Descobri que as pessoas com quem vivo não são entes reais, porém meras máscaras; aqueles que necessitam de socorro é que são reais. Viver entre máscaras é monótono e estúpido, mas no viver com os outros encontram-se lutas e penas.” Por que vos entregais às atividades sociais, ou qualquer outra espécie de trabalho? “Suponho que seja simplesmente para me manter ativa. Nós temos de viver e de agir, e meu condicionamento me impele a agir pela maneira mais louvável possível. Nunca me interroguei por que faço estas coisas, e agora tenho de descobri-lo. Mas antes de irmos mais longe, deixai-me dizer que sou uma pessoa solitária; embora me encontre com muitas pessoas, vivo só e gosto disso. Há algo que dá muita alegria, no estar só.” “Estar só”, no sentido mais profundo, é uma coisa essencial; mas a solidão do retraimento proporciona um senso de poder, de força, de invulnerabilidade. Esta solidão é isolamento, uma fuga, um refúgio. Mas não achais importante descobrir por que é que nunca vos perguntastes a razão de todas essas atividades supostamente boas? Não deveis investigá-la? “Sim, façamo-lo. Penso que foi o medo à solidão interior que me levou a fazer o que tenho feito.”
  • 14. Por que empregais a palavra “medo”, com relação à solidão interior? Exteriormente, não vos desagrada estar só, mas fugis à solidão interior. Por quê? O medo não é uma abstração; só existe em relação com alguma coisa. O medo não existe sozinho; existe como palavra, mas só pode ser sentido em contato com alguma coisa. De que tendes medo? “Desta solidão interior.” Só se pode ter medo da solidão interior em relação com uma outra coisa. Não podeis ter medo da solidão interior, já que nunca olhastes para ela; vós a estais medindo, agora, com as coisas que já conheceis. Conheceis o vosso valor, se assim me posso expressar, como assistente social, como mãe, como pessoa competente e eficiente, etc.; conheceis o valor de vossa solidão exterior. Assim, é em relação com tudo isso que estais medindo ou apreciando a solidão interior; conheceis aquilo que foi mas não conheceis aquilo que é. Quando o conhecido se põe a apreciar o desconhecido, nasce o medo; esta atividade é a causa do medo. “Sim, isto é perfeitamente verdadeiro. Estou comparando a solidão interior com as coisas que conheço por experiência. Estas experiências é que estão causando o medo a uma coisa que na realidade nunca experimentei.” Vosso medo, portanto, não é realmente da solidão interior, mas, sim, o passado está com medo de algo que não conhece, que nunca experimentou. O passado quer absorver o novo, convertê-lo numa experiência. Mas pode o passado, que sois vós, experimentar o novo, o desconhecido? O conhecido só pode experimentar o que faz parto dele próprio, nunca o novo, o desconhecido. Dando nome ao desconhecido, chamando-lhe “solidão interior”, apenas o reconhecestes verbalmente, e a palavra está tomando o lugar do experimentar; porque a palavra é a cortina de medo; o termo “solidão interior” está escondendo o fato, o que é, e a própria palavra está criando o medo. “Mas por uma ou outra razão não pareço capaz de olhar o fato.” Compreendamos, primeiramente, por que é que não somos capazes de olhar para o fato, e o que é que nos está impedindo de nos mantermos passivamente vigilantes diante do fato. Não tenteis observá-lo já, mas tende a bondade de escutar com calma o que se está dizendo. O conhecido, a experiência do passado, está procurando absorver isso a que chama “solidão interior”; mas não pode experimentá-la, porque não sabe o que ela é; conhece o termo mas não o que se oculta atrás do termo. O desconhecido não pode ser experimentado. Pode-se pensar ou especular a respeito do desconhecido, ou ter-lhe medo; mas o pensamento não pode compreendê-lo, porque o pensamento é produto do conhecido, da experiência. Não podendo
  • 15. conhecer o desconhecido, o pensamento o teme. Haverá medo, enquanto o pensamento desejar experimentar, compreender o desconhecido. “Então, que...?” Escutai, por favor. Se escutardes corretamente, a verdade acerca de tudo isso será percebida; e a verdade será então a única ação. Tudo o que o pensamento faz com relação à solidão interior, é fuga, é um meio de evitar o que é. No evitar o que é o pensamento cria o seu próprio condicionamento, que lhe impede o experimentar do novo, do desconhecido. O medo é a única reação do pensamento, diante do desconhecido; o pensamento poderá dar-lhe nomes diferentes, mas é sempre medo. Vede, somente, que o pensamento não pode atuar sobre o desconhecido, sobre o que existe atrás do termo “solidão interior”. Só então pode revelar-se o que é, e este é inesgotável. Deixai-me agora sugerir-vos não bulir mais nisso; vós o escutastes e deixai-o agora operar à vontade. O repouso, após o arar e semear, é o começo da criação.
  • 16. 4 O processo do ódio Ela era ou, antes, tinha sido professora. Era afetuosa e afável, e esse modo de ser se tinha tornado quase uma rotina. Disse que tinha ensinado durante mais de vinte e cinco anos e que se sentia feliz nesse mister; e, embora nos últimos tempos houvesse desejado abandoná-lo, continuara a exercê-lo perseverantemente. Ultimamente começara a perceber a existência de algo, sepultado nas profundezas de sua natureza. Descobrira-o, subitamente, numa de nossas discussões e ficara verdadeiramente surpreendida, chocada. A coisa lá estava, e não era uma simples auto-acusação; e, rememorando os anos passados, percebia agora que existira sempre. Ela, realmente, odiava. Não era ódio a alguém em particular, mas um sentimento generalizado de ódio, um surdo antagonismo contra todos e contra tudo. Ao descobri-lo, julgara, no primeiro instante, que se tratava de coisa muito superficial, de que poderia desembaraçar- se facilmente; mas com o passar dos dias verificara que não se tratava de um simples caso benigno, porém, antes, de um ódio profundamente arraigado, nutrido durante toda a sua vida. Isto a chocou tanto mais, porque sempre se considerara afetuosa e meiga. Coisa estranha é o amor! Se se lhe mistura o pensamento, não é mais amor. Quando pensamos numa pessoa que amamos, essa pessoa se torna o símbolo de agradáveis sensações, lembranças, imagens; mas já não há amor. O pensamento é sensação, e sensação não é amor. O próprio processo do pensar é a negação do amor. O amor é chama livre do fumo gerado pelo pensamento, pelo ciúme, pelo antagonismo, pela utilização — tudo isso produto da mente. Enquanto o coração está pejado das coisas da mente, o ódio tem de existir; porque a mente é a sede do ódio, do antagonismo, da oposição, do conflito. O pensamento é reação, e a reação é sempre, de uma ou de outra maneira, fonte de inimizade. Pensamento é oposição, ódio; o pensamento está sempre em competição, a buscar um fim, a querer sucesso; o preenchimento é prazer, a frustração ódio. O conflito é o pensamento, a lutar entre os opostos; e a síntese dos opostos é ainda ódio, antagonismo. “Vede, sempre pensei que amava as crianças, e mesmo depois de crescidas elas me procuravam, em busca de conforto, quando se achavam em dificuldades. Tinha certeza de que as amava, principalmente as que eram
  • 17. minhas favoritas, fora das aulas; mas percebo agora que sempre existiu uma subcorrente de ódio, de profundo antagonismo. Que devo fazer em face desse descobrimento? Não fazeis idéia de quanto ele me aterra e, embora digais que não devemos condenar, foi uma descoberta muito salutar.” Descobristes também o processo do ódio? Perceber a causa, saber por que odiais, é relativamente fácil; mas estais cônscia do “mecanismo” do ódio? Podeis observá-lo, assim como se observa um animal exótico, nunca visto? “A coisa é tão nova para mim, que nunca observei o processo do ódio.” Façamo-lo agora, e vejamos o que acontece. Vamos ficar passivamente cônscios do ódio, vendo-o revelar-se diante de nós. Não fiqueis chocada, não condeneis nem procureis justificações, observai, apenas, passivamente. O ódio é uma forma de frustração, não é? O preenchimento e a frustração andam sempre juntos. Que é que mais vos interessa, não profissionalmente, porém íntima e profundamente? “Sempre desejei pintar.” E por que não o fizestes? “Meu pai sempre insistia em que eu nunca fizesse nada que não desse dinheiro. Era um homem muito decidido e para ele o dinheiro era a razão de todas as coisas; nunca fazia uma coisa se ela não dava dinheiro, ou se não lhe conferia mais prestígio, mais poder. “Mais” era o deus que ele adorava — e nós éramos seus filhos. Embora gostasse dele, eu o contrariava a muitos respeitos. Essa idéia da importância do dinheiro se implantou em mim, sólida e profundamente; e, provavelmente, eu gostava de ensinar, porque me oferecia uma oportunidade de ser “mandante”. Durante as férias eu pintava; mas essas condições eram muito insatisfatórias; desejava dedicar minha vida a essa arte, e só podia dar-lhe um ou dois meses par ano. Por fim, desisti de pintar, mas a chama continuou a arder, interiormente. Vejo agora que ela estava gerando antagonismo.” Já fostes casada? Tendes filhos? “Apaixonei-me por um homem casado, e nos unimos secretamente. Tinha ciúmes furiosos de sua esposa e filhos, mas eu própria tinha medo de ter filhos, embora os desejasse ardentemente. Coisas tão naturais como a convivência de cada dia, etc., me foram negadas, e o ciúme me devorava. Ele teve de mudar- se para outra cidade, mas os meus ciúmes nunca se abrandaram. Tal situação era insuportável. Para esquecer tudo, dediquei-me mais intensamente ao ensino. Agora, porém, percebo que ainda tenho ciúmes, não dele, que é morto, mas ciúmes dos felizes, dos casados, dos bem sucedidos, de quase todo o mundo, enfim. O que nós dois podíamos ter sido, juntos, nos foi negado!”
  • 18. O ciúme é ódio, não? Quando se ama, não há lugar para mais nada. Mas nós não amamos; a fumaça nos asfixia a vida, e a chama morre. “Percebo, agora, que na escola, e com minhas irmãs casadas, e em quase todas as minhas relações, havia uma guerra contínua, embora às caladas. Eu ia tornar- me a preceptora ideal; tornar-me a preceptora ideal era o meu alvo, e como tal já era reconhecida.” Quanto mais forte o ideal, tanto mais profundo é o recalcamento, tanto mais profundo o conflito e o antagonismo. “Sim, agora percebo tudo isso; e o estranho é que, quanto mais observo, vejo que não me desagrada ser o que sou realmente.” Não vos desagrada porque isso é uma espécie de reconhecimento brutal, não é verdade? Este próprio reconhecimento produz um certo prazer; proporciona vitalidade, um senso de confiança por conhecerdes a vós mesma, o poder que vem do saber. Assim como o ciúme, embora doloroso, dava uma certa sensação agradável, assim também, agora, o conhecimento do vosso passado vos está dando um senso de domínio, que também é agradável. Achastes agora um nome novo para o ciúme, a frustração, o abandono: “ódio”, e o conhecimento que dele tendes. Há orgulho em saber uma coisa, o que é outra forma de antagonismo. Nós nos movemos de um substituto para outro; mas, essencialmente, todos os substitutos são a mesma coisa, embora, verbalmente, pareçam diferentes. Estais, assim, colhida na rede de vosso próprio pensamento, não é verdade? “Sim, mas que mais se pode fazer?” Não façais perguntas, mas observai o processo do vosso próprio pensar. Como ele é astuto e enganoso! Promete alívio, só para produzir outra crise, outro antagonismo. Mantende-vos, apenas, passivamente atenta para ele, e deixai a sua verdade intrínseca manifestar-se. “E dar-se-á então a libertação do ciúme do ódio, desta batalha constante e sempre reprimida?” Quando se espera alguma coisa, positiva ou negativamente, estamos “projetando” nosso próprio desejo; podemos ser bem sucedidos no nosso desejo, mas o que temos é apenas outra substituição, e, nessas condições, está reiniciada a batalha. Esse desejo de evitar ou de ganhar, está sempre no terreno da oposição, não é verdade? Vede o falso como falso, e a verdade aparecerá. Não precisais procurá-la. O que se procura, se acha, mas o que se acha não é a verdade. É como uma pessoa desconfiada descobrir aquilo que suspeita, o que é relativamente fácil e estúpido. Mantende-vos passivamente cônscia, apenas, desse processo total de pensamento, bem como do desejo de vos livrardes dele.
  • 19. “Tudo isso constituiu uma descoberta extraordinária para mim, e começo a perceber a verdade do que dizeis. Espero que não passarei outros anos a transcender este conflito. Agora estou de novo esperançosa. Ficarei observando, em silêncio, para ver o que acontece.”
  • 20. 5 Progresso e revolução Cantava-se no templo. Era um templo asseado, de pedra entalhada, maciço e indestrutível. Ali se achavam mais de trinta sacerdotes, despidos até à cintura; sua pronúncia do sânscrito era precisa e clara, e eles sabiam a significação do cântico. A entonação grave e a sonoridade das palavras quase faziam tremer aquelas paredes e colunas, e, instintivamente, o grupo ali presente guardava silêncio. Cantava-se a criação, o começo do mundo, e como se gerara o primeiro homem. Os fiéis acompanhavam de olhos fechados o cântico que lhes produzia uma agradável perturbação: lembranças nostálgicas da infância, pensamentos sobre o progresso feito desde aqueles dias juvenis, o estranho efeito das palavras sânscritas, o deleite de tornar a ouvir aquele cântico. Alguns repetiam o cântico para si mesmos, e seus lábios se moviam. A atmosfera estava-se tornando carregada de emoções fortes, mas os sacerdotes continuavam a cantar; e os deuses continuavam mudos. Com que força nos agarramos à idéia de progresso! Gostamos de pensar que alcançaremos um estado melhor, nos tornaremos mais compassivos, pacíficos e virtuosos. Gostamos de estar apegados a esta ilusão, e poucos têm a percepção profunda de que esse “vir a ser” é uma coisa falsa, um mito confortador. Apraz-nos pensar que um dia seremos melhores, mas enquanto esse dia não chega, continuamos pelo mesmo caminho. “Progresso” é uma palavra tão confortante, tão alentadora, com que hipnotizamos a nós mesmos! A coisa que é não pode tornar-se outra coisa diferente; a avidez não pode tornar- se não-avidez, como a violência não se pode tornar não-violência. O ferro cru pode ser transformado numa máquina complicada e maravilhosa, mas o progresso é uma ilusão, quando aplicado ao “vir a ser” pessoal. A idéia do “eu” a tornar-se algo glorioso é simples ilusão, resultante da ânsia de grandeza. Cultuamos a prosperidade do Estado, da ideologia, do “eu”, e enganamos a nós mesmos com a confortadora ilusão do progresso. O pensamento poderá progredir, aumentar, dirigir-se para um alvo mais perfeito, ou pôr-se em silêncio; mas enquanto o pensamento for um movimento de aquisição ou de renúncia, será sempre uma simples reação. A reação produz sempre conflito, e o progresso em meio ao conflito redunda em mais confusão e mais antagonismo.
  • 21. Ele se apresentou como um revolucionário, disposto a matar ou a ser morto, pela sua causa, sua ideologia. Estava pronto a matar, pela causa de “um mundo melhor”. A destruição da presente ordem social produziria naturalmente mais caos, mas esta confusão seria aproveitada para a construção de uma sociedade sem classes. Que importa destruir uns poucos ou muitos, quando se trata de edificar uma perfeita ordem social? O que importava não era o homem atual, mas o homem futuro; no mundo novo que iam construir, não se veria desigualdade, haveria trabalho para todos, e felicidade. Como podeis falar com tanta segurança sobre o futuro? Que vos faz tão certo a respeito dele? As pessoas religiosas prometem o céu, e vós prometeis um mundo melhor no futuro; vós tendes o vosso livro e os vossos sacerdotes, assim como eles têm os seus, de modo que não há realmente muita diferença entre vós. Mas que é que vos dá tanta certeza, ao ponto de terdes essa clarividência do futuro? “Logicamente, quando seguimos um curso certo, o fim é certo. Além disso há uma grande abundância de exemplos históricos em favor de nossa atitude.” Todos traduzimos o passado de acordo com nosso peculiar condicionamento, e o interpretamos, adaptando-o aos nossos preconceitos. Tendes tanta incerteza sobre o amanhã como nós outros, e graças a Deus que assim é! Mas, sacrificar o presente por causa de um futuro ilusório, é certamente a coisa mais ilógica possível. “Credes na possibilidade de mudança, ou sois um instrumento da burguesia capitalista?” Toda mudança é “continuidade modificada”, a que podeis chamar revolução; mas a revolução fundamental é um processo muito diferente, que nenhuma relação tem com a lógica, nem com os fatos históricos. Só há revolução fundamental no compreender o processo total da ação, não num dado nível, econômico ou ideológico, mas da ação como um todo integrado. Essa ação não é reação. Vós só conheceis a reação, a reação da antítese, e a outra reação a que chamais síntese. A integração não é uma síntese intelectual, uma conclusão verbal baseada em estudos históricos. A integração só pode nascer com a compreensão da reação. A mente é uma série de reações; e a revolução baseada em reações, em idéias, não é revolução nenhuma, mas só uma continuidade modificada, do que foi. Podeis chamar isso revolução, mas em verdade não o é. “Que é revolução, para vós?” Qualquer mudança baseada em idéia não é revolução; porque a idéia é “resposta” da memória, isto é, mais uma vez, reação. A revolução fundamental só é possível quando as idéias não são importantes e, por conseguinte, deixaram
  • 22. de existir. Uma revolução nascida de antagonismo, deixa de ser aquilo que ela diz ser; é oposição, tão-somente, e a oposição nunca pode ser criadora. “A espécie de revolução a que vos referis é pura abstração, sem realidade alguma no mundo moderno. Sois um vago idealista, sem nenhum senso prático.” Pelo contrário; idealista é o homem que tem uma idéia, e esse homem não é revolucionário. As idéias dividem, e separação é desintegração, e nunca revolução. O homem que tem uma ideologia, só está interessado em idéias, em palavras, e não na ação direta; ele evita a ação direta. Toda ideologia é um empecilho à ação direta. “Não achais possível a igualdade pela revolução?” A revolução que se baseia numa idéia, por mais lógica que esta seja e por mais que se coadune com os fatos históricos, não pode produzir igualdade nenhuma. A função própria da idéia é separar os entes humanos. A crença, religiosa ou política, lança o homem contra o homem. As chamadas religiões sempre dividiram os homens e continuam a dividi-los. A crença organizada, a que se chama religião, é, como qualquer outra ideologia, um produto da mente e portanto causadora de separação. Vós, com a vossa ideologia, estais fazendo a mesma coisa, não? Estais também formando um núcleo ou grupo, em torno de uma idéia; desejais incluir a todos no vosso grupo, exatamente como faz o crente. Desejais salvar o mundo pela vossa maneira, tal como ele o deseja, à sua maneira. Assassinais e liquidais uns aos outros, por causa de um “mundo melhor.” Nem um nem outro de vós está interessado num mundo melhor, mas, sim, em moldar o mundo de acordo com a vossa idéia. Como pode a idéia levar à igualdade? “Dentro do redil da idéia todos são iguais, embora com funções diferentes. Nós somos, primeiro, o que a idéia representa, e em seguida unidades funcionais. Nas funções temos gradações, mas não como representantes da ideologia.” É isso exatamente o que todas as outras crenças organizadas sempre proclamaram. Aos olhos de Deus todos somos iguais, mas em capacidade somos diferentes; a vida é uma só, mas as divisões sociais são inevitáveis. Pelo substituir uma ideologia por outra, não alterastes o fato fundamental de que um grupo ou indivíduo trata a outro como inferior. Na realidade, a desigualdade existe em todos os níveis da existência. Um tem capacidade, outro não a tem; um guia e outro segue; um é insensível, e outro sensível, vigilante, adaptável; uma pinta ou escreve, e outro cava a terra; um é cientista, outro gari. A desigualdade é um fato que nenhuma revolução pode destruir. O que a chamada revolução faz é substituir um grupo por outro, e o novo grupo assume então o poder político e econômico; torna-se a nova classe superior, que começa a fortalecer-se pela criação de privilégios, etc. — pois conhece todas as artes da outra classe, que acaba de derribar. Não foi abolida a desigualdade, foi?
  • 23. “Com o tempo, sê-lo-á. Quando todo o mundo tiver o nosso modo de pensar, haverá então a igualdade ideológica.” Que afinal não é igualdade nenhuma, mas apenas uma idéia, uma teoria, o sonho de “um outro mundo”, sonho igual ao do crente religioso. Como vos assemelhais! As idéias dividem, causam separação, oposição, geram conflito. Uma idéia não pode, em tempo algum, estabelecer a igualdade, nem mesmo dentro do seu próprio mundo. Se todos crêssemos a mesma coisa, ao mesmo tempo, no mesmo nível, haveria uma certa igualdade; mas isto é uma impossibilidade, mera especulação, que só pode levar a ilusões. “Repelis a igualdade a todo transe? Sois pessimista, condenando qualquer esforço no sentido de proporcionar igual oportunidade a todos?” Não estou falando como pessimista, mas apenas mostrando os fatos óbvios; tampouco sou contrário à igualdade de oportunidade. Por certo, é possível ir-se mais longe e talvez descobrir uma maneira eficaz de atender a este problema da igualdade; mas só é possível se compreendemos o fato real, o que é. Se queremos apreciar o que é com uma idéia, uma conclusão, um sonho, então não compreenderemos o que é. A observação feita com preconceito, não é observação, absolutamente. O fato é que existe a desigualdade em todos os níveis da consciência, da vida; e, não importa o que façamos, não podemos alterar o fato. Ora, é possível apreciarmos o fato da desigualdade sem criarmos mais antagonismo, mais divisão? A revolução sempre fêz uso do homem, como o meio de atingir um fim. O fim era importante e não o homem. As religiões têm sustentado, pelo menos verbalmente, que o homem é importante; mas também elas têm feito uso do homem, para a organização da crença, do dogma. A utilização do homem para um determinado fim tem, necessariamente, de gerar a idéia de “superior” e “inferior” — o que está perto, o que está longe, o que sabe e o que não sabe. Esta separação é a desigualdade psicológica — o fator de desintegração da sociedade. Atualmente, só conhecemos relações utilitárias: a sociedade faz uso do indivíduo, assim como os indivíduos fazem uso uns dos outros, com o fim de se beneficiarem, em vários sentidos. Essa utilização de outro é a causa fundamental da divisão psicológica, do homem contra o homem. Só deixamos de fazer uso uns dos outros, quando a idéia não é mais o fator impulsor, nas relações. Com a idéia vem a exploração, e a exploração gera antagonismo. “Qual é então o fator que surge, quando desaparece a idéia?” É o amor, o único fator que pode realizar uma revolução fundamental. O amor é a única revolução verdadeira. Mas o amor não é idéia; ele existe, quando o pensamento não existe. O amor não é instrumento de propaganda; não é algo que se pode cultivar e proclamar do alto das casas. Só depois de arriada a
  • 24. bandeira, a crença, o líder, a idéia como ação planeada, só então pode existir o amor. E o amor é a única revolução criadora e constante. “Mas o amor não fará andar as máquinas, fará?”
  • 25. 6 O tédio Tinha cessado a chuva; as estradas estavam limpas, e a poeira tinha sido lavada das árvores. A terra tinha novo frescor, e os sapos faziam muito barulho na lagoa; eram grandes, com as gargantas infladas de prazer. O capim cintilava, todo salpicado de minúsculas gotas d’água, e ali tudo era paz, depois do pesado aguaceiro. O gado estava ensopado, pois não se abrigara durante a chuva, e agora pastava muito regaladamente. Uns meninos brincavam no riacho formado pela chuva na margem da estrada; estavam nus e dava gosto ver-lhes os corpos luzentes e os olhos brilhantes. Divertiam-se a valer, e como eram felizes! Nada lhes faltava, e, quando lhes dissemos umas palavras, sorriram com franca alegria, embora não tivessem entendido patavina. O sol estava saindo de novo, e as sombras eram profundas. Como é necessário a mente purificar-se de todo pensamento, estar constantemente vazia sem se obrigar a ficar vazia — morrer para todo pensamento, todas as lembranças de ontem, e para a próxima hora! Simples é o morrer, e difícil o continuar; porque a continuidade é um esforço para ser ou para não ser. O esforço é desejo e o desejo só pode morrer quando a mente desiste de adquirir. Como é simples viver, somente! Mas isso não é estagnação. Há uma grande felicidade no não querer, em não ser algo, em não ir a parte alguma. Só quando a mente se purifica de todo pensamento, se conhece o silêncio da criação. A mente não está tranquila enquanto está a viajar, com o fim de chegar. Para a mente, chegar é ser bem sucedido, e o sucesso é sempre a mesma coisa, quer no princípio, quer no fim. Não há purificação da mente quando ela está tecendo o padrão de seu próprio “vir a ser”. Disse ela que sempre fora muito ativa, de uma ou de outra maneira, ora com os filhos, ora nas relações sociais, ora nos esportes; mas, por detrás dessa atividade sempre existira um tédio, opressivo e constante. Enfadava-se com a rotina da vida, com o prazer, a dor, a lisonja, e tudo o mais. O tédio fora sempre como uma nuvem suspensa sobre sua vida, até onde sua memória podia alcançar. Tinha tentado de muitas maneiras libertar-se dele, mas cada interesse novo logo se tornava outra fonte de tédio; de cansaço mortal. Tinha lido muito, e passado pelas habituais agitações da vida doméstica, mas no meio de tudo
  • 26. sempre estava esse tédio deprimente. Ele nada tinha que ver com seu estado de saúde, pois sempre passava muito bem. Por que causa pensais que vos enfadais? Será em consequência de alguma frustração, de algum desejo profundo, contrariado? “Não especialmente. Tenho encontrado alguns obstáculos superficiais, que nunca me causaram apreensões; e, se causaram, soube enfrentá-los inteligentemente, e nunca me deixei derrotar por eles. Não creio que o meu caso seja de frustração, porquanto sempre consegui o que desejo. Nunca exigi a lua e sempre fui razoável nas minhas aspirações; entretanto, sempre predominou este sentimento de tédio, em relação a tudo, à minha família e ao meu trabalho.” Que entendeis por “tédio”? Quereis dizer “insatisfação”? Será que coisa nenhuma vos deu completa satisfação? “Não é bem isso. Sinto-me insatisfeita, como qualquer pessoa normal, porém sempre consegui reconciliar-me com as inevitáveis contrariedades.” Em que vos interessais? Existe algum interesse profundo, na vossa vida? “Não em especial. Se eu sentisse algum interesse profundo, nunca me enfadaria. Sou por natureza uma pessoa entusiástica — afianço-vos — e se eu tivesse algum interesse, não o largaria facilmente. Tenho tido muitos interesses, intermitentemente, mas todos eles foram finalizar nesta nuvem de tédio.” Que entendeis por “interesse”? Por que ocorre essa mudança do interesse para o tédio? Que significa interesse? Sentis interesse por aquilo que vos agrada, que vos satisfaz, não é verdade? O interesse não é um processo de aquisição? Não teríeis interesse numa coisa, se não ganhásseis algo com ela, não é exato? O interesse se mantém enquanto se está adquirindo alguma coisa; aquisição é interesse, não? Tendes procurado uma satisfação em cada coisa com que tendes estado em contato; e, naturalmente, depois de a terdes utilizado em todos os sentidos, começais a enfadar-vos dela. Toda aquisição é uma forma de tédio, fastio. Precisamos trocar de brinquedos; assim que perdemos o interesse num, buscamos outro, e sempre há um brinquedo novo a que recorrer. Sempre recorremos a uma coisa, com propósitos de aquisição; há aquisição no prazer, no saber, na fama, no poder, na eficiência, no ter filhos, etc. Quando não há mais nada que adquirir numa religião, num Salvador, perdemos o interesse e passamos a outro. Uns se deitam a dormir, numa organização, e nunca mais despertam, e os que despertam vão novamente deitar-se a dormir, noutra organização. Esse movimento de aquisição é chamado expansão do pensamento, progresso. “O interesse é sempre aquisição?”
  • 27. Sentimos realmente interesse por alguma coisa que não nos dá algo — seja um divertimento, um jogo, uma conversa, um livro, seja uma pessoa? Quando um quadro não nos dá algo, passamos adiante; se uma pessoa não nos estimula ou perturba de alguma maneira, se não se encontra nem prazer nem desprazer numa dada relação, perde-se o interesse e vem o tédio. Não notastes isto? “Sim, mas nunca considerei a questão por esta maneira.” Não teríeis vindo aqui se não desejásseis alguma coisa. Quereis libertar-vos do tédio. E como eu não posso dar-vos esta libertação, vos sentireis de novo entediada: mas se nós dois juntos pudermos compreender o processo da aquisição, do interesse, do tédio, talvez então se encontre a liberdade. A liberdade não pode ser adquirida. Se a adquirirdes, muito breve vos enfadareis dela. A aquisição não embota a mente? Toda aquisição, positiva ou negativa, é um peso. Assim que adquirimos, perdemos o interesse. Enquanto lutamos para possuir, estamos despertos, interessados; mas a posse é tédio. Pode-se desejar possuir mais, mas a busca de mais é apenas um movimento que leva ao tédio. Tentam-se várias formas de aquisição, e enquanto existe o esforço para adquirir, há interesse; mas o esforço para adquirir sempre se acaba, e por isso há sempre tédio. Não é isso o que tem acontecido? “Suponho que sim, mas não apreendi inteiramente o significado do que dizeis.” Já o apreendereis. A posse faz a mente cansar-se. A aquisição, seja de saber, de propriedade, de virtude, leva à insensibilidade. A natureza da mente a dispõe a adquirir, absorver, não é verdade? — ou, mais exatamente, o padrão que ela criou para si, é um padrão de aquisição; e justamente nesta atividade, a mente está preparando seu próprio fastio, seu tédio. O interesse, a curiosidade, é o começo da aquisição, que cedo se torna tédio; e o desejo de ficar livre do tédio é outra forma de posse. Vemos, assim, a mente a mover-se do tédio para o interesse e de novo para o tédio, até à completa exaustão; e estas ondas sucessivas de interesse e fastio são consideradas como sendo a existência. “Mas como se pode ficar livre do adquirir, sem se fazer outra aquisição?” Isso só é possível quando deixamos que a verdade, relativa a todo o processo da aquisição, seja experimentada, e não quando tentamos tornar-nos “não- aquisitivos”, desapegados. Tornar-se “não-aquisitivo” é uma outra forma de aquisição, que depressa produz cansaço. A dificuldade, se se pode empregar esta palavra, não é de compreender verbalmente o que estivemos dizendo, mas de “experimentar” o falso como falso. Perceber a verdade no falso é o começo da sabedoria. A dificuldade é a mente estar quieta; pois a mente está sempre agitada, sempre a buscar alguma coisa, a adquirir ou repelir, a procurar e achar. A mente nunca está quieta, porém em contínuo movimento. O passado, dominando o presente, faz o seu próprio futuro. É um movimento no tempo, e dificilmente pode ocorrer um intervalo entre os pensamentos. Os pensamentos
  • 28. se sucedem sem interrupção. A mente está a aguçar-se incessantemente, a si mesma, e portanto a gastar-se. Se fazemos ponta a um lápis, sem parar, num instante nada mais resta do lápis; de modo semelhante, a mente se gasta constantemente, até esgotar-se. A mente sempre teme chegar ao seu fim. Mas viver é findar de dia para dia; é morrer para todas as aquisições, lembranças, experiências, todo o passado. Como é possível o viver, quando há experiência? Experiência é conhecimento, memória. E memória é “experimentar”? Existe, no “experimentar”, a memória, como “experimentador”? A purificação da mente é viver, é criação. A beleza está no “experimentar” e não na experiência; porque a experiência é sempre do passado, e o passado não é o “experimentar”, o viver. A purificação da mente é a tranquilidade do coração.
  • 29. 7 Disciplina Depois de atravessarmos intenso tráfego, saímos da estrada para um abrigo na pista de estacionamento. Deixando o carro, seguimos por uma trilha, que serpeava por entre grupos de palmeiras que orlavam todo o verde arrozal, já a amadurecer. Como era encantador aquele arrozal, estendendo-se numa longa curva, orlada de altas palmeiras! Era uma tarde fresca e a brisa agitava docemente a densa folhagem das árvores. Inesperadamente, numa volta do caminho, deparou-se-nos uma lagoa. Era longa, estreita e profunda, e em ambos os lados as palmeiras cresciam tão juntas, que formavam uma cerca quase intransponível. A brisa brincava nas águas e havia um constante murmurejar ao longo da margem. Uns meninos estavam a banhar-se, nus, sem sentimento de vergonha, livres. Seus corpos reluzentes eram belos, bem formados, delgados e flexíveis. Iam e vinham, nadando até o meio da lagoa, repetidamente. Mais adiante, o caminho margeava uma aldeia e, quando voltávamos, a lua cheia projetava sombras profundas; os meninos tinham-se ido, o luar se espelhava nas águas, e as palmeiras pareciam colunas brancas, entre as sombras da noite. Ele vinha de um lugar distante, e estava ansioso para descobrir um método de dominar a mente. Disse que se tinha retirado deliberadamente do mundo e vivia com muita simplicidade em companhia de uns parentes, devotando o seu tempo ao exercício de dominar a mente. Praticara uma certa disciplina durante alguns anos, mas sua mente ainda não se submetia a controle; estava sempre pronta a fugir, como um animal preso por uma corda. Submetera-se aos mais rigorosos jejuns, mas inutilmente; experimentara regimes dietéticos, com algum proveito, mas não achava paz. Sua mente projetava imagens, conjurava cenas, sensações e acidentes passados, sem cessar; ou, também, se punha a pensar em como estaria quieta, amanhã. Mas o amanhã nunca chegava, e esse processo constante já se tornara um verdadeiro pesadelo. Em ocasiões muito raras, ela se mostrava quieta, mas tal quietude logo se convertia em memória, coisa do passado. Tudo que se domina tem de ser dominado de novo, sempre e sempre. A repressão é uma forma de domínio, como o é a substituição e a sublimação. Desejar dominar é fazer nascer mais conflito. Por que desejais dominar, acalmar a mente?
  • 30. “Sempre me interessei por assuntos religiosos; estudei várias religiões, e todas ensinam que para conhecer Deus, a mente deve estar quieta. Sempre, desde que me entendo, desejei achar Deus, a beleza difusa no mundo, a beleza do arrozal verde e da aldeia sórdida. Estava seguindo uma carreira muito futurosa, andara pelo estrangeiro e outras coisas que tais, mas numa certa manhã larguei tudo, e saí em busca daquela tranquilidade. Ouvi o que a seu respeito dissestes um dia destes, e por isso vim ver-vos.” Para achar Deus, quereis dominar a mente. Mas a imobilização da mente é um caminho que leva a Deus? Essa tranquilidade é a moeda que fará abrirem-se os portões do céu? Desejais comprar vossa passagem para Deus, a Verdade, ou o nome que quiserdes. Pode-se comprar o Eterno com a moeda da virtude, da renúncia, da mortificação? Pensamos que, se fazemos certas coisas, se praticamos a virtude, a castidade, se nos retiramos do mundo, estaremos aptos a medir o imensurável; trata-se, pois, de um simples negócio, não? Vossa “virtude” é um meio para se chegar a um fim. “Mas a disciplina é necessária para conter a mente, do contrário não há paz. Se eu não a disciplinei suficientemente, a culpa é minha, e não da disciplina.” A disciplina é um meio que leva a um fim. Mas o fim é o desconhecido. A verdade é o desconhecido; não pode ser conhecida; se é conhecida, não é a Verdade. Se podeis medir o imensurável, não é o imensurável que medis. Nossa medida é a palavra, e a palavra não é o Real. A disciplina é o meio, mas os meios e o fim não são duas coisas diferentes, são? Ora, o fim e o meio são uma só coisa; o meio é o fim, o único fim; não há fim separado dos meios. A violência como meio de paz, é apenas perpetuação da violência. É só o meio que importa; o fim é determinado pelos meios; o fim não é separado, distinto dos meios. “Continuarei escutando e procurando compreender o que estais dizendo. Quando não compreender, perguntarei.” Fazeis uso do controle, da disciplina, como meios de obterdes a tranquilidade, não é exato? A disciplina implica ajustamento a um padrão; controlais, com o fim de serdes isto ou aquilo. A disciplina não é, por sua própria natureza, violência? Poderá dar-vos prazer o disciplinar-vos, mas esse próprio prazer não representa uma forma de resistência, que só pode gerar novo conflito? A prática da disciplina não é o cultivo da defesa? Mas aquilo que se defende, vê-se sempre atacado. A disciplina não implica repressão do que é, com o fim de se alcançar um fim desejado? A repressão, a substituição, a sublimação, fazem apenas aumentar o esforço e produzem mais conflito. Podeis ser bem sucedido no reprimir uma doença, porém ela continuará a manifestar-se sob diferentes formas, enquanto não for erradicada. A disciplina é repressão, domínio de o que é. A disciplina é uma forma de violência; e, assim, por um meio errôneo, esperais alcançar um fim correto. Como pode, por meio da resistência, existir o que é livre, o que é verdadeiro? A liberdade se encontra no começo e não no fim; o alvo é o
  • 31. primeiro passo, o meio é o fim. Disciplina implica compulsão, sutil ou brutal, externa ou imposta pelo próprio indivíduo; e onde há compulsão, há medo. O medo, a compulsão, são utilizados como meios para se alcançar um fim, sendo esse fim o amor. Mas pode haver amor, mediante o medo? Só existe o amor quando em nível nenhum existe medo. “Mas sem uma certa compulsão, um certo ajustamento, como poderá a mente funcionar?” A própria atividade da mente é um obstáculo à compreensão de si mesma. Nunca notastes que só há compreensão, quando a mente, como pensamento, não está funcionando? A compreensão se apresenta com o terminar do processo do pensamento, no intervalo entre dois pensamentos. Dizeis que a mente deve estar tranquila, no entanto quereis que ela funcione! Se pudermos ser simples no observar, compreenderemos; mas nossa maneira de observar é tão complexa, que impede a compreensão. Ora, por certo, o que nos interessa não é a disciplina, o controle, a repressão, a resistência, mas o “processo” e a cessação do próprio pensamento. Que se entende, quando dizemos que a mente foge? Entende-se, simplesmente, que o pensamento é atraído incessantemente de um objeto para outro, de uma associação para outra, e se acha em constante agitação. Pode o pensamento cessar? “Este é exatamente o meu problema. Quero pôr fim ao pensamento. Reconheço agora a futilidade da disciplina; percebo realmente sua falsidade, sua estupidez, e não quero mais continuar por este caminho. Mas, como posso pôr fim ao pensamento?” Mais uma vez, escutai sem preconceito, sem interpordes conclusões, nem vossas nem de outros; escutai com o fim de compreender e não apenas para refutar ou aceitar. Perguntais como se pode pôr fim ao pensamento. Ora, vós, o pensador, sois uma entidade separada dos vossos pensamentos? Sois inteiramente distinto dos vossos pensamentos? Vós não sois os vossos pensamentos? O pensamento pode colocar o pensador num nível muito elevado e dar-lhe um nome, separá-lo de si mesmo; entretanto, o pensador continua a fazer parte do processo do pensamento, não é verdade? Só há pensamento, e o pensamento cria o pensador; o pensamento dá forma ao pensador, como entidade separada, permanente. O pensamento, vendo-se impermanente, num fluir constante, gera o pensador como entidade permanente, separada e distinta dele próprio. E o pensador quer então atuar sobre o pensamento; o pensador diz “Tenho de pôr fim ao pensamento”. Mas o que existe é só o processo de pensamento, não há pensador separado do pensamento. O experimentar desta verdade é uma coisa vital e não uma mera repetição de frases. Só há pensamentos, e não um pensador que produz pensamentos.
  • 32. “Mas como surgiu o pensamento?” Pela percepção, o contato, a sensação, o desejo e a identificação; “quero”, “não quero”, e assim por diante. Isso é bastante simples, não achais? Nosso problema é este: Como pode o pensamento cessar? A compulsão, sob qualquer forma que seja, consciente ou inconsciente, é de todo em todo fútil, porquanto implica a existência de uma entidade que controla, que disciplina; e tal entidade, como vimos, é inexistente. A disciplina é um processo de condenação, comparação ou justificação; e quando se percebe claramente que não há entidade distinta, representada pelo pensador, pelo disciplinador, então, só há pensamentos, processo de pensamento. O pensamento é reação da memória, da experiência, do passado. Isto também precisa ser percebido, fora do nível verbal, pelo “experimentar”. Só então pode haver uma vigilância passiva, sem pensador, um percebimento com completa ausência do pensamento. A mente, a totalidade da experiência, a consciência do “eu”, que existe sempre no passado, só pode estar quieta quando não está “projetando” a si mesma; e essa “projeção” é o desejo de “vir a ser”. A mente só está vazia quando o pensamento não existe. O pensamento não pode cessar senão pela passiva vigilância de cada pensamento. Nesse percebimento não há observador nem censor; não havendo censor, só há experimentar. No experimentar não existe experimentador nem coisa experimentada. O que foi experimentado é o pensamento, que faz nascer o pensador. Só quando a mente está experimentando existe tranquilidade, um silêncio não elaborado, não juntado pouco a pouco; e só nessa tranquilidade pode surgir o Real. A Realidade não faz parte do tempo, e não é mensurável.
  • 33. 8 Conflito — liberdade — relações “O conflito entre a tese e a antítese é inevitável e necessário; produz a síntese, da qual nasce outra tese com sua correspondente antítese, e assim por diante. O conflito não tem fim, e só pelo conflito se torna possível a evolução, o progresso.” O conflito produz a compreensão dos nossos problemas? Produz desenvolvimento, progresso? Ele pode produzir melhorias secundárias, mas o conflito, por sua própria natureza, não é um fator de desintegração? Por que persistis em afirmar que o conflito é essencial? “Sabemos que existe conflito em todos os níveis de nossa existência; assim, por que negá-lo ou fazer-nos cegos para ele?” Não estamos cegos para a luta constante que existe interna e externamente; mas, permiti-me perguntar: — por que sustentais ela é essencial? “O conflito não pode ser negado; faz parte da estrutura humana e servimo-nos dele como meio para chegarmos a um fim, sendo esse fim o ambiente adequado para o indivíduo. trabalhamos para alcançar esse alvo, e servimo-nos de todos os meios para realizá-lo. A ambição, o conflito, são a marca do homem, e podem ser usadas contra ele ou a seu favor. Através do conflito, caminhamos para coisas mais grandiosas.” Que entendeis por conflito? Conflito entre o quê? “Entre o que foi e o que será.” “O que será” é a reação ulterior do que “foi” e do que é. Por conflito entendemos a luta entre duas idéias opostas. Mas a oposição, sob qualquer forma que seja, leva à compreensão? Quando é que há compreensão de um problema? “Há conflitos de classes, conflitos nacionais e conflitos ideológicos. O conflito é a oposição, a resistência nascida da ignorância de certos fatos históricos
  • 34. fundamentais. Pela oposição torna-se possível a evolução, o progresso, e todo esse processo é vida.” Sabemos que existe conflito em todos os diferentes níveis da vida, e seria absurdo negá-lo. Mas esse conflito é essencial? Até agora temos presumido que sim, ou o temos justificado com sutis raciocínios. Na natureza, a significação do conflito pode ser de todo diferente; entre os animais, bem pode ser que o conflito, tal como o conhecemos, seja de todo inexistente. Mas, para nós o conflito se torna um fator de enorme importância. Por que assume ele tanta significação nas nossas vidas? A competição, a ambição, o esforço para ser ou para não ser, a vontade de realizar, etc. — tudo isso faz parte do conflito. Por que aceitamos o conflito como coisa essencial à existência? Isso não significa, entretanto, que devamos aceitar a indolência. Mas por que toleramos o conflito, interior e exteriormente? O conflito é essencial à compreensão, à resolução de um problema? Não é melhor investigar, em vez de afirmar ou de negar? Não devemos tentar descobrir a verdade que a questão encerra, em vez de nos mantermos apegados às nossas conclusões e opiniões? “Como é possível o progresso de uma forma de sociedade para outra, sem conflito? “Os que têm” nunca renunciarão voluntariamente às suas riquezas; terão de fazê-lo à força, e esse conflito fará nascer uma nova ordem social, uma nova maneira de vida. Tal não é possível por meios pacíficos. Não desejamos, necessariamente, empregar a violência, mas temos de enfrentar os fatos.” Presumis saber como a nova sociedade deve ser e que o vosso antagonista não o sabe; só vós possuís esse extraordinário conhecimento, e estais pronto a liquidar todos os que vos barrarem o caminho. Por esse método, que julgais essencial, só podeis gerar oposição e ódio. O que conheceis não é mais do que uma outra forma de preconceito; uma diferente espécie de condicionamento. Vossos estudos históricos, ou os de vossos líderes, são interpretados de acordo com um certo “fundo”, que determina a vossa reação; e a essa reação chamais “o novo caminho”, a nova ideologia. Toda reação de pensamento é condicionada, e promover uma revolução com base no pensamento ou na idéia, significa perpetuar uma forma modificada do que foi. Essencialmente, sois reformadores, mas não verdadeiros revolucionários. Reformas e revoluções baseadas em idéias são fatores de retrocesso na sociedade. Dissestes — não é verdade? — que o conflito entre a tese e a antítese é essencial, e que esse conflito dos opostos produz uma síntese. “O conflito entre a sociedade atual e o seu oposto, sob a pressão dos acontecimentos históricos, etc., produzirá eventualmente uma nova ordem social.” O oposto é dissimilar de o que é? Como nasce o oposto? Não é ele uma projeção modificada de o que é? A antítese não contém os elementos da própria tese?
  • 35. Uma não é completamente dissimilar da outra, e a síntese é ainda a tese, modificada. Embora periodicamente pintada de cor diferente, embora modificada, reformada, remodelada de acordo com as circunstâncias e premências, a tese é sempre tese. O conflito entre os opostos é extremamente ruinoso e estúpido. Intelectual ou verbalmente, pode-se provar ou “desprovar” qualquer coisa, mas isso não altera certos fatos óbvios. A atual sociedade está baseada na ganância individual; e o seu oposto, com a resultante síntese, é o que chamais a nova sociedade. Na vossa nova sociedade, à ganância individual opõe-se a ganância do Estado, sendo o Estado os dirigentes; nela, é o Estado que tem a máxima importância e não o indivíduo. Desta antítese, dizeis, surgirá eventualmente uma síntese, em que todos os indivíduos serão importantes. Isso é um futuro imaginário, um ideal; é pura “projeção” do pensamento, e o pensamento é sempre reação da memória, de condicionamento. Aí está, com efeito, um verdadeiro círculo vicioso, sem possível saída. Este conflito, esta luta dentro da prisão do pensamento, é o que chamais “progresso”. “Direis então que devemos permanecer como estamos, com toda a exploração e corrupção da atual sociedade?” De modo nenhum. Mas a vossa revolução não é revolução, porém, tão-só, a passagem do poder das mãos de um grupo para as mãos de outro, a substituição de uma classe por outra. Vossa revolução é, meramente, uma estrutura diferente construída com o mesmo material e de acordo com o mesmo padrão básico. Há possibilidade de uma revolução fundamental, que não é conflito e não se baseia no pensamento, com suas “projeções”, seus ideais, dogmas, Utopias, concebidos pelo “eu”; mas, enquanto pensarmos em termos de “mudar isto para aquilo”, de nos tornarmos mais ou menos, alcançarmos um fim, essa revolução fundamental será impossível. “Tal revolução é uma impossibilidade. Vós a propondes a sério?” Ela é a única revolução, a única transformação fundamental. “E como pretendeis levá-la a efeito?” Pelo percebimento do falso como falso; pelo percebimento da verdade no falso. Evidentemente, faz-se necessária uma revolução fundamental nas relações humanas; todos nós sabemos que as coisas não podem continuar como estão, sem acarretarem males e desastres cada vez maiores. Mas todos os reformadores têm, como os chamados revolucionários, um fim em vista, um alvo para atingir, e tanto estes como aqueles se servem do homem como o meio de atingirem os seus fins. O servir-se do homem para a consecução de um objetivo é que constitui o verdadeiro fim, e não o obter-se um particular objetivo. Não se pode separar o fim dos meios, já que se trata de um processo único, inseparável. Os meios são o fim; não poderá existir uma sociedade sem classes como resultado do conflito entre as classes. Estão bem patentes os resultados do
  • 36. emprego de meios errôneos para um suposto fim correto. Não se alcança a paz por meio da guerra ou preparativos de guerra. Todos os opostos são projetados do “eu”; o ideal é a reação proveniente do que é, e o conflito para se alcançar o ideal é uma luta vã e ilusória, dentro da prisão do pensamento. Por meio desse conflito, não há alívio, não há libertação para o homem. Sem a liberdade, não pode haver felicidade; e a liberdade não é um ideal. A liberdade é o único meio de libertação. Enquanto, psicológica ou fisicamente, o homem for utilizado como instrumento, seja em nome de Deus, seja em nome do Estado, haverá uma sociedade baseada na violência. A utilização do homem para um dado fim é uma artimanha do político e do sacerdote, e ela nega as relações. “Que quer dizer isso?” Quando nos servimos uns dos outros para satisfação mútua, existem relações entre nós? Quando vos servis de outra pessoa para vosso conforto, assim como usais uma peça de mobília, estais em relação com essa pessoa? Estais em relação com os vossos móveis? Podeis chamá-los “vossos”, e nada mais; não tendes relações com eles. De modo idêntico, quando utilizais outro indivíduo para vossa própria vantagem física ou psicológica, geralmente chamais “vossa” tal pessoa, a possuís; e a posse é um estado de relação? O Estado faz uso do indivíduo e o chama seu cidadão; mas o Estado não tem relações com o indivíduo; apenas serve-se dele, como instrumento. Um instrumento é uma coisa morta, e não se pode ter relações com o que é morto. Quando usamos homem para um certo fim, por mais nobre que este seja, nós o queremos como instrumento, como coisa morta; se não podemos usar coisas vivas, então procuramos coisas mortas; nossa sociedade está baseada no uso de coisas mortas. O uso que fazemos de outro, torna-o o instrumento morto de nossa satisfação. Relações só podem existir entre os que estão vivos, sendo a utilização um processo de isolamento. É esse processo de isolamento que gera conflito, antagonismo, entre os homens. “Por que dais tanta importância às relações?” A existência são relações; existir é estar em relação. As relações constituem a sociedade. A estrutura de nossa sociedade atual, baseada que está na mútua utilização, produz violência, destruição e sofrimentos; e se o chamado “Estado revolucionário” não alterar fundamentalmente essas condições de utilização, só poderá produzir, talvez num nível diferente, mais conflito ainda, mais confusão e antagonismo. Enquanto, psicologicamente, tivermos necessidade e fizermos uso uns dos outros, não haverá relações. As relações significam comunhão; e como é possível a comunhão quando há exploração? A exploração implica medo, e o medo conduz, inevitavelmente, a ilusões e sofrimentos de toda ordem. O conflito só existe na exploração, e nunca nas relações. Existe conflito, oposição, inimizade, entre nós, quando fazemos uso uns dos outros, como meios de
  • 37. prazer, de realização. Esse conflito, evidentemente, não poderá ser resolvido, enquanto nos servirmos dele como meio de alcançarmos um objetivo, projetado pelo “eu”; e todos os ideais, todas as Utopias são projeções do “eu”. É essencial perceber isso, porque se poderá então “experimentar” esta verdade, de que o conflito, sob qualquer forma que seja, destrói as relações, a compreensão. Só há compreensão quando a mente se acha quieta; e não está quieta a mente enquanto se mantém ligada a uma ideologia, dogma ou crença, ou prêsa ao padrão de sua própria experiência, suas lembranças. A mente não está quieta, enquanto empenhada em adquirir ou “vir a ser”. Toda aquisição é conflito, todo “vir a ser” é processo de isolamento. A mente não está quieta, quando é disciplinada, controlada, refreada: esta é uma mente morta, pois está a isolar-se por meio de várias formas de resistência; por consequência, ela cria, inevitavelmente, sofrimentos para si própria e para outros. A mente só está tranquila quando não está prêsa na rede do pensamento — a rede tecida por sua própria atividade. Quando a mente está tranquila — mas não foi obrigada a estar tranquila — surge então um fator verdadeiro — o amor.
  • 38. 9 O esforço A chuva começou a cair mansa, mas repentinamente foi como se o céu se tivesse fendido, e veio um verdadeiro dilúvio. Na rua, a água quase tocava os joelhos dos passantes, e cobria completamente o calçamento. As folhas das árvores pareciam imóveis, emudecidas de surpresa. Passou um carro, que logo adiante parou, devido à penetração da água nas suas peças essenciais. Populares atravessavam a rua, por dentro d’água, molhados até os ossos, mas achando divertida a chuvarada. Os canteiros do jardim eram levados pela água, e a grama se achava debaixo de várias polegadas de água pardacenta. Um pássaro azul escuro, de asas avermelhadas, procurava abrigar-se entre as folhas espessas, mas ficava cada vez mais molhado e se sacudia incessantemente. O aguaceiro durou algum tempo, e depois cessou tão repentinamente como começara. Todas as coisas estavam lavadas e novas. Como é fácil ser inocente! Sem inocência, é impossível ser feliz. O prazer das sensações não é a felicidade da inocência. A inocência é o estado liberto da carga da experiência. É a memória da experiência que corrompe; o “experimentar” não corrompe. O conhecimento, a carga do passado, é corrupção. A capacidade de acumular, o esforço para “vir a ser” destrói a inocência; e sem inocência, como é possível a sabedoria? Os que são meramente curiosos não podem, em tempo algum, conhecer a sabedoria; acharão o que desejam, mas o que acharem não será a verdade. Os que são desconfiados, suspicazes, não conhecerão a felicidade, porque a suspeição representa a ansiedade de seu próprio ser, e o medo gera corrupção. O destemor não é coragem, mas um estado livre de acumulações. “Não poupei esforços para alcançar uma boa posição, na vida, e me tornei muito eficiente em ganhar dinheiro; meus esforços nesse sentido produziram os resultados desejados. Muito me tenho esforçado também por fazer de minha vida de família um sucesso — mas sabeis como isso é. A vida doméstica não é a mesma coisa que ganhar dinheiro ou dirigir uma indústria. Nos negócios, a gente lida com entes humanos, mas num nível diferente. Em família há muito atrito, e compensações insignificantes, e todos os esforços despendidos nessa esfera só parecem aumentar a confusão. Não estou a queixar-me, o que é contrário à minha índole — mas acho que o sistema matrimonial está todo
  • 39. errado. Casamo-nos para satisfazer nossos apetites sexuais, sem realmente conhecermos um ao outro, a nenhum respeito; e embora vivamos na mesma casa e possamos, ocasional e deliberadamente, gerar um filho, somos como estranhos um para o outro, e a tensão, que só as pessoas casadas conhecem, faz-se sentir continuamente. Tenho feito o que penso ser o meu dever, mas, para expressar-me com suavidade, isso não tem produzido resultados dos mais satisfatórios. Todos os dois somos personalidades dominantes e decididas, e isso não é confortável. Nossos esforços de cooperação nunca fizeram nascer, entre nós, um sentimento de profundo companheirismo. Embora tenha muito interesse por estudos psicológicos, estes pouco me têm valido, e desejo penetrar neste problema muito mais profundamente.” O sol tornara a sair, os pássaros vozeavam e o céu era limpo e azul, após a tempestade. Que entendeis por esforço? “Lutar por alguma coisa. Eu lutei por dinheiro e posição e conquistei as duas coisas. Lutei também por uma vida doméstica feliz, mas a esse respeito não tenho sido muito bem sucedido; e, assim, agora estou lutando por achar alguma coisa mais profunda.” Sempre lutamos com um fim em vista; lutamos para realizar alguma coisa; fazemos um esforço constante para nos tornarmos algo, positiva ou negativamente. Nossa luta é sempre uma luta para termos segurança, de alguma maneira; visa sempre a alcançar alguma coisa ou a fugir de alguma coisa. O esforço é realmente uma batalha incessante para adquirir, não é verdade? “É condenável adquirir?” Apreciaremos isso mais adiante; mas o que chamamos esforço é este processo constante de caminhar e chegar, de adquirir, em diferentes sentidos. Quando nos cansamos de uma aquisição, passamos a fazer outra aquisição; e depois de feita esta, de novo nos dirigimos para outra coisa. O esforço é um processo de acumulação — de conhecimentos, de experiência, eficiência, virtude, bens, poder, etc.; é um infindável “vir a ser”, expandir, crescer. O esforço na direção de um alvo, digno ou indigno, tem de produzir, sempre, conflito; o conflito é antagonismo, oposição, resistência. É ele necessário? “Necessário para quê?” Investiguemos. O esforço no nível físico pode ser necessário; o esforço para construir uma ponte, produzir petróleo, carvão, etc., é ou pode ser benéfico; mas como o trabalho é feito, como as coisas são produzidas e distribuídas, como os lucros são divididos, isso é questão muito diferente. Se no nível físico o homem é explorado para um certo fim, um ideal, seja por interesses privados, seja pelo Estado, o esforço só produz mais confusão e sofrimentos. O esforço de adquirir,
  • 40. para o indivíduo, para o Estado, ou para uma organização religiosa, é um infalível fator de oposição. Sem a compreensão dessa luta pela aquisição, o esforço no nível físico produzirá inevitavelmente desastrosos efeitos na sociedade. E o esforço no nível psicológico — o esforço para ser, realizar, conseguir — é necessário, benéfico? “Se não fizéssemos tal esforço, não ficaríamos a decompor-nos, desintegrar- nos?” É exato isso? Até agora que temos realizado, mediante esforço, no nível psicológico? “Não muita coisa, reconheço-o. O esforço tem sido mal orientado. A direção tem muita importância, e o esforço corretamente dirigido é da maior significação. É por falta de um esforço correto que nos encontramos neste caos.” Dizeis, pois, que existe esforço correto e esforço incorreto, não é verdade? Não vamos chicanar a respeito de palavras, mas como é que distinguis entre esforço correto e esforço incorreto? De acordo com que critério julgais? Qual o vosso padrão — a tradição ou o ideal futuro, o que “deve ser”? “Meu critério é determinado por aquilo que produz resultados. O resultado é que importa, e sem o estímulo de um objetivo não faríamos esforço algum.” Se vosso critério é o resultado, então, certamente, não vos importam os meios; não é assim? “Empregarei os meios adequados ao fim. Se o fim é a felicidade, então cumpre achar um meio feliz.” O meio feliz não é o fim feliz? O fim está contido nos meios, não é verdade? Portanto, só há os meios. Os próprios meios constituem o fim, o resultado. “Nunca considerei a questão dessa maneira, mas vejo que tendes razão.” Estamos investigando o que é que constitui o meio feliz. Se o esforço produz conflito, oposição, interior e exteriormente, pode o esforço conduzir à felicidade? Se o fim são os meios, como pode haver felicidade por meio de conflito e de antagonismo? Se o esforço produz mais problemas e mais conflito, então é bem evidente que ele é destrutivo, um fator de desintegração. E por que fazemos esforço? Não é com o fim de sermos mais, de progredir, de ganhar? O esforço é para mais, numa direção, e para menos, noutra direção. O esforço implica aquisição, para o próprio indivíduo ou para um grupo, não é exato? “Sim, é verdade. A avidez de ganho para si próprio é, noutro nível, a avidez de ganho do Estado ou da Igreja.”
  • 41. O esforço é aquisição, negativa ou positiva. Que é, pois, que estamos adquirindo? Num nível, adquirimos as coisas necessárias à nossa manutenção física, e noutro nível nos servimos dessas coisas como meios de auto- engrandecimento; ou, satisfazendo-nos com pouco, no tocante às necessidades físicas, adquirimos poder, posição, fama. Os dirigentes, os representantes do Estado, podem viver, exteriormente, uma vida muito simples e possuir poucas coisas, mas eles adquiriram poder e se servem desse poder para resistir ou dominar. “Pensais que a aquisição é sempre perniciosa?” Vejamos. A segurança, que é ter as coisas necessárias à manutenção física, é uma coisa, e a avidez de ganho, outra coisa. É a avidez, em nome da raça ou da pátria, em nome de Deus, ou em nome do indivíduo, que está destruindo a organização sensata e eficiente dos recursos físicos indispensáveis ao bem- estar da Humanidade. Todos precisamos de alimentação adequada, de roupas e de morada — isto é simples e claro. Ora, que é que nos esforçamos para adquirir, além dessas coisas? Adquirimos dinheiro, como um meio que nos dará poder, que nos proporcionará certas satisfações sociais e psicológicas, como um meio que nos dará liberdade para fazermos o que quisermos. Um indivíduo luta pela riqueza e posição, a fim de ser poderoso, em vários sentidos; e depois de ter sido bem sucedido nas coisas exteriores, deseja agora ser bem sucedido, como dizeis, nas coisas interiores. Que se entende por “poder”? Ser poderoso é dominar, é subjugar, reprimir, sentir-se superior, ser eficiente, e assim por diante. Consciente ou inconscientemente, tanto o asceta como o homem mundano têm esse sentimento de poder, e lutam por manter o seu poder. O poder é uma das mais perfeitas expressões do “eu”, seja o poder dado pelo saber, o poder sobre si mesmo, o poder mundano, ou o poder que se conquista pela abstinência. O sentimento de poder, de domínio, é extremamente agradável. Vós podeis buscar a satisfação no poder, outro na bebida, outro na devoção, outro no saber, e outro no esforço para ser virtuoso. Cada uma dessas coisas pode ter seu especial efeito psicológico e sociológico, mas toda aquisição significa satisfação. A satisfação, em qualquer nível que seja, é sensação, não é verdade? Estamos fazendo esforços para adquirir uma maior ou mais sutil variedade de sensações, a que ora chamamos experiência, ora saber, ora amor, ora a busca de Deus ou da Verdade; e há a sensação que se experimenta em ser virtuoso, em ser o agente eficaz de uma certa ideologia. O esforço se faz para adquirir satisfação, que é sensação. Encontrastes satisfação num nível, e agora a buscais noutro nível; e depois de a adquirirdes aí, vos deslocareis para outro nível, mantendo- vos, assim, sempre em movimento. Esse constante desejo de satisfação, de formas cada vez mais sutis de sensação, é chamado progresso, mas é um
  • 42. conflito incessante. A busca de satisfação cada vez mais ampla, não tem fim e, portanto, não tem fim o conflito, o antagonismo, e por esta razão não existe felicidade. “Percebo o vosso raciocínio. Estais dizendo que a busca de satisfação, em qualquer nível que seja, é de fato uma busca de sofrimento. O esforço visando à satisfação é uma pena constante. Mas que devemos fazer? Desistir de buscar satisfação e nos deixarmos estagnar?” Quando não se busca a satisfação, é inevitável a estagnação? A ausência de cólera é necessariamente um estado sem vida? Ora, por certo, em qualquer nível que seja, a satisfação é sensação. O apuramento da satisfação é apenas apuramento verbal. A palavra, o termo, o símbolo, a imagem, desempenham um papel importantíssimo nas nossas vidas, não é verdade? Podemos não buscar o “toque”, a satisfação do contacto físico, mas a palavra, a imagem se torna muito importante. Num nível, acumulamos satisfações por meios grosseiros, e noutro nível por meios mais sutis e requintados; mas a acumulação de palavras visa ao mesmo fim que a acumulação de coisas, não é verdade? Por que acumulamos? “Oh! acho que é porque nos vemos tão descontentes, tão enfastiados de nós mesmos, que estamos prontos a fazer qualquer coisa, para fugirmos à nossa superficialidade. É isso mesmo, realmente — e vejo neste momento que me encontro exatamente nesta situação. É extraordinário!” Nossas aquisições são, um meio de encobrirmos o nosso próprio vazio; nossas mentes são como tambores ressonantes, batidos pelas mãos de cada um que passa e produzindo muito barulho. Esta é a nossa vida, o conflito gerado pelas fugas que nunca satisfazem, e por nossas crescentes misérias. É estranho que nunca estamos sós, estritamente sós. Estamos sempre acompanhados — de um problema, um livro, uma pessoa; quando estamos desacompanhados, os nossos pensamentos estão conosco. “Estar só”, despojado de tudo, é essencial. Todas as fugas e acumulações e esforços para ser ou não ser têm de cessar; e só então se apresenta aquela solidão em que se pode receber “o só”, o imensurável. “Como deixar de fugir?” Percebendo a verdade de que todas as fugas conduzem à ilusão, ao sofrimento. A verdade liberta. Nada se pode fazer com relação à fuga; a própria ação para deixar de fugir é mais uma fuga. O supremo estado de inação é a ação da Verdade.
  • 43. 10 Devoção e culto A mãe estava surrando o filho, e ouviam-se gritos de dor. Estava furiosa, e ao mesmo tempo que batia falava violentamente à criança. Quando voltávamos, pouco depois, vimos a mãe acariciando a criança, apertando-a com tanta força ao peito que parecia querer espremer-lhe a alma do corpo. Tinha lágrimas nos olhos, e a criança, ainda um tanto perturbada, sorria para ela. O amor é uma coisa estranha, e como é fácil perdermos a sua chama vivificante! Perde-se a chama, e só resta fumo. A fumaça nos invade a mente e o coração, e os nossos dias se passam entre lágrimas e amarguras. A canção foi esquecida e as palavras perderam toda significação; o perfume evolou-se, e nossas mãos estão vazias. Não sabemos manter a chama livre da fumaça, e a fumaça sempre sufoca a chama. Mas o amor não é coisa da mente, não se acha na rede do pensamento, não pode ser procurado, cultivado, nutrido; ele existe quando a mente está silenciosa, e o coração vazio das coisas da mente. A sala dominava o rio, e o sol luzia nas águas. Ele não era de modo nenhum um desassisado, mas um homem altamente emotivo, de uma sentimentalidade exuberante, que parecia dar-lhe muito prazer. Estava ansioso por falar; e quando lhe apontamos um pássaro verde com reflexos de ouro, abriu as comportas do sentimento e fê-lo jorrar copiosamente, a propósito do pássaro. A seguir, falou da beleza do rio e cantou uma canção que celebrava essa beleza. Tinha voz agradável, mas a sala era pequena demais. Outro pássaro auriverde veio juntar-se ao primeiro, e os dois ficaram pousados, muito juntinhos, a se alisarem com o bico. “A devoção não é um caminho que leva a Deus? O sacrifício da devoção não purifica o coração? A devoção não é uma parte essencial da vida?” Que entendeis por devoção? “O amor ao Ser Supremo; a oferta de uma flor diante da imagem, do símbolo de Deus. A devoção é absorção integral, amor que transcende o amor carnal. Já tenho passado muitas horas seguidas, completamente absorvido no amor de
  • 44. Deus. Nesse estado nada sou e nada sei. Nele, a vida toda é uma só vida, o gari e o rei são um só. É um estado maravilhoso. Por certo, vós o conheceis.” Devoção é amor? É algo que está separado de nossa existência diária? É um ato de sacrifício o consagrar-se a um objeto, ao saber, ao trabalho social, ou à ação? É sacrifício de si mesmo, estar absorvido na devoção? Quando estais completamente identificado com o objeto de vossa devoção, isso significa renúncia ao “eu”? É renúncia, abnegação, absorver-nos num livro, num cântico, numa idéia? Devoção é a adoração de uma imagem, uma pessoa, um símbolo? A realidade tem algum símbolo? Pode um símbolo representar a verdade? O símbolo não é estático, e pode uma coisa estática representar aquilo que vive? O vosso retrato sois vós? Verifiquemos o que entendemos por devoção. Passais muitas horas por dia embebido nisso que chamais o amor, a contemplação de Deus. Isso é devoção? O homem que dedica a sua vida à melhoria das condições sociais, é devotado ao seu trabalho; e o general, cuja função é planejar a destruição, é também devotado ao seu trabalho. É devoção isso? Se me permitis dizê-lo, vós passais o tempo a embriagar-vos com a imagem ou a idéia de Deus, e outros se embriagam de maneira diferente. Existe distinção fundamental entre vós e estes? A devoção precisa de objeto? “Mas esta devoção a Deus empolga toda a minha existência. Nada mais conheço senão Deus. Ele ocupa todo o meu coração.” E o homem que tem devoção ao seu trabalho, ao seu líder, sua ideologia, esse homem também está empolgado por aquilo com que se ocupa. Vós encheis o coração com a palavra “Deus”, e outro com a sua atividade; e isso é devoção? Sentis felicidade, com a vossa imagem, com o vosso símbolo; outros a sentem com os seus livros, ou ouvindo música, — e isso é devoção? É devoção o deixar- nos absorver numa coisa? Um homem é devotado à sua esposa, por várias razões, que proporcionam agrado, satisfação; e satisfação é devoção? O identificarmo-nos com nosso país é deveras inebriante; e identificação é devoção? “Mas o devotar-me todo a Deus não causa mal a ninguém. Pelo contrário, não só me ponho fora do caminho do mal, como também não faço mal a outros.” Isso pelo menos já é alguma coisa; mas, conquanto não façais mal algum, exteriormente, a ilusão, num nível mais profundo, não é danosa, tanto para vós como para a sociedade? “Não tenho interesse na sociedade. Minhas necessidades são poucas; refreei as minhas paixões e passo os meus dias à sombra de Deus.”
  • 45. Não achais importante investigar se, atrás dessa sombra, existe alguma substância? Adorar a ilusão é estar apegado à satisfação de si mesmo; o ceder ao apetite, em qualquer nível, é ser voluptuoso. “Sois muito perturbador, e nem sei ao certo se desejo continuar esta nossa conversa. Vim aqui para prostrar-me, junto convosco, diante do mesmo altar. Mas vejo que vossa devoção é completamente diferente, e o que dizeis está fora do meu alcance. Entretanto, desejaria saber onde está a beleza da vossa devoção. Não tendes quadros, nem imagens, nem rituais, mas deveis ter uma devoção. De que natureza é ela?” O adorador é o próprio objeto da adoração; adorar a outro é adorar a si mesmo; a imagem, o símbolo, é uma “projeção” de nós mesmos. Afinal, vosso livro, vosso ídolo, vossa prece, são reflexos de vosso próprio “fundo”; são criações vossas, ainda que feitos por outro. Escolheis, conforme a satisfação que desejais; vossa escolha representa vosso preconceito. Vossa imagem é o vinho com que vos embriagais, e ela foi esculpida com material de vossa própria memória; estais adorando a vós mesmo, através da imagem criada por vosso próprio pensamento. Vossa devoção é o amor que tendes a vós mesmo, disfarçado pelas cantigas da vossa mente. A imagem sois vós mesmo, ela é o reflexo da vossa mente. Tal devoção é uma forma de automistificação, que só leva ao sofrimento, ao isolamento, que é morte. A busca é devoção? Buscar uma coisa não é buscar; buscar a Verdade, não é achar a Verdade. Fugimos de nós mesmos por meio da busca, que é ilusão; procuramos de todos os modos fugir daquilo que somos. Dentro em nós, somos insignificantes, essencialmente nulos, e a adoração de algo maior do que nós é tão pouco significativa e tão estúpida como nós mesmos. A identificação com o que é grande, é ainda uma “projeção” do que é pequeno. O mais é prolongamento do menos. O pequeno que busca o grande, só achará aquilo que é capaz de achar. As fugas são muitas e variadas, mas a mente em fuga é sempre uma mente medrosa, estreita, ignorante. A compreensão da fuga é libertação de o que é. O que é só pode ser compreendido quando a mente já não busca resposta alguma. A busca de resposta é fuga ao que é. Essa busca recebe nomes vários, um dos quais é “devoção”; mas, para compreender o que é, a mente deve estar em silêncio. “Que se entende por “o que é”?” O que é é o que existe momento por momento. A compreensão de todo o “processo” de vossa adoração, vossa devoção àquilo que chamais Deus, é percebimento de o que é. Mas não desejais compreender o que é; porque a vossa fuga ao que é — fuga que chamais devoção — é a fonte de um prazer maior, e nessas condições a ilusão se torna mais significativa do que a Realidade. A compreensão de o que é não depende do pensamento, porque o
  • 46. pensamento é também fuga. Pensar no problema não é compreender o problema. É só quando a mente está em silêncio que se revela a verdade contida em o que é. “Eu estou satisfeito com o que tenho. Sou feliz com o meu Deus, meu cântico, minha devoção. A devoção a Deus é o cântico do meu coração, e minha felicidade está toda nesta canção. Vossa canção será mais clara, mais espontânea, mas quando eu canto meu coração está completamente cheio. Pode um homem desejar mais alguma coisa quando tem o coração cheio? Na minha canção nós dois somos irmãos, e eu não me deixo perturbar pela vossa canção.” Quando a canção é real, não existe nem vós nem eu, mas só o silêncio do Eterno. A canção não é som, senão silêncio. Não deixeis o som de vosso cantar encher-vos o coração.
  • 47. 11 O interesse Ele era diretor de uma escola e possuía vários diplomas. Andara muito interessado na educação e também trabalhara arduamente em vários movimentos de reforma social; mas agora, disse, embora moço ainda, tinha perdido todo o dinamismo e vitalidade. Dava cumprimento aos seus deveres quase mecanicamente, percorrendo a rotina de cada dia com cansaço e tédio; não lhe dava mais gosto o que fazia, e a energia impetuosa de outrora se esgotara completamente. Tinha sentido inclinações religiosas e lutara por introduzir certas reformas na sua religião, mas esse zelo também se extinguira. Não via valor algum em qualquer ação que fosse. Por quê? “Toda ação conduz à confusão, criando mais problemas, mais males. Tenho tentado agir com reflexão e inteligência, mas vejo que isso leva sempre a alguma espécie de confusão. As várias atividades em que me tenho empenhado, todas me têm feito sentir deprimido, ansiado e cansado, e não levaram a parte alguma. Agora tenho medo de agir, e o medo de causar mais mal do que bem me obrigou a afastar-me de todas as atividades, salvo as que requerem um mínimo de ação.” Qual é a causa deste medo? É o medo de ser nocivo? Estais-vos retraindo da vida, pelo medo de produzir mais confusão? Tendes medo da confusão que porventura iríeis criar, ou da confusão existente em vós mesmo? Se estivésseis interiormente lúcido e dessa lucidez viesse ação, temeríeis qualquer confusão exterior, resultante de vossa ação? Tendes medo à confusão interior ou à confusão exterior? “Ainda não considerei a questão desta maneira, e preciso refletir sobre o que dizeis.” Importar-vos-íeis de criar mais problemas, se houvesse claridade em vós mesmo? Gostamos de fugir dos nossos problemas, por todos os meios possíveis, e desse modo só podemos fazê-los crescer. Nossos problemas podem parecer-nos confusos, quando queremos elucidá-los, mas a capacidade de resolver problemas depende da claridade que sobre eles projetamos. Se estivésseis na claridade vossas ações causariam confusão?