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OSHO
VÁ COM
CALMA
Discursos sobre Zen-Budismo – Volume 3
UNIVERSALISMO
Sumário
Capítulo 1 — O Remédio de Não Nascer e Não Morrer
Capítulo 2 — Não É Fácil!
Capítulo 3 — Este Eco da Montanha
Capítulo 4 — O Vôo do Solitário para o Solitário
Capítulo 5 — O Segredo do Homem Afogado
Capítulo 6 — Budas de Olhos Fechados
1
O Remédio de Não Nascer
e Não Morrer
“Chegamos sós a este mundo, partimos sós”...
Isto também é ilusão.
Vou lhes ensinar a maneira
De não vir, de não ir!
Nós comemos e expelimos, dormimos e nos levantamos;
Este é o nosso mundo.
Tudo o que precisamos fazer, depois disso,
É morrer.
Não morrerei, não irei a parte alguma,
Estarei aqui;
Mas não me perguntem nada,
Não responderei.
Tudo o que pode existir
Faz parte do mundo da ilusão,
A própria morte
Não sendo uma coisa real.
Se vocês quiserem conhecer o caminho,
Neste mundo e naquele outro,
Perguntem a um homem
De misericórdia e sinceridade.
Um monge pergunta ao Mestre Pai-Chang,
“Quem é Buda?”
Pai-Chang responde:
“Quem é você?”
O PROPÓSITO DOS BUDAS NÃO É INFORMÁ-LO, mas transformá-lo. Eles
querem produzir uma radical mudança em sua consciência, querem mudá-lo em
suas próprias raízes. Querem trazer-lhe novos olhos e uma nova clareza. O
propósito deles não é informar. Não estão aí para transmitir um conhecimento,
mas para transplantar um ser. Querem partilhar com você a luz que eles têm —
não pretendem informar, mas iluminar. Por essa razão, não se interessam em
saber qual é a sua pergunta. As respostas deles poderão, às vezes, parecer
irrelevantes, absurdas. Elas não são, mas possuem um outro tipo de relevância.
São relevantes para você, e não para a sua pergunta.
Agora, esse monge pergunta ao Mestre Pai-Chang: “Quem é Buda?” E Pai-
Chang responde: “Quem é você?” Perceba o sentido: ele está retornando a
pergunta, numa dimensão totalmente nova. De fato, não está dando uma
resposta, mas respondendo com uma pergunta mais profunda do que a que o
monge lhe fez.
“Quem é Buda?” Seria fácil responder. Pai-Chang poderia ter dito: “É Sidarta
Gautama”. Mas isso é irrelevante: ele não está interessado na história do
pensamento, não está absolutamente interessado em história. Não está
preocupado com um determinado homem chamado Gautama Buda; está mais
preocupado com o despertar que pode acontecer a cada um: o verdadeiro estado
búdico.
Ele retorna a pergunta ao questionador, e com a pergunta ele forja uma espada
que atravessa o seu coração. Ele diz: “Quem é você? Não me pergunte sobre
os Budas, faça apenas uma pergunta: ‘Quem sou eu?’ e você saberá quem é
Buda. Cada pessoa leva em si o potencial para ser um Buda; você não precisa
olhar para fora de si”.
Lao-Tzu diz: “Para encontrar a verdade, você não precisa sair deste quarto, não
precisa abrir a porta, não precisa nem mesmo abrir os olhos — a verdade é o
seu próprio ser”. O estado búdico consiste em reconhecer isso.
Lembre-se: os ensinamentos dos mestres Zen não são ensinamentos no sentido
usual do termo; não se destinam a transmitir algo que você não saiba. Eles
pretendem chocá-lo, provocá-lo para uma nova qualidade de consciência.
Tenha isto em mente quando ouvir estes sutras. Ikkyu não está propondo uma
filosofia. Seus sutras são choques que ele aplica em seus discípulos — possuem
uma imensa beleza, um imenso potencial para abalar qualquer pessoa. Ouça:
“Chegamos sós a este mundo,
Partimos sós”…
Isto vem sendo sempre repetido, através dos tempos. Todas as pessoas
religiosas têm dito sempre: “Chegamos sós a este mundo e partimos sós”. Todo
companheirismo é ilusório. A própria idéia de companheirismo surge porque
somos sós e a solidão dói. Desejamos afundar nossa solidão nos
relacionamentos...
É por causa disto que ficamos tão envolvidos com o amor. Tente perceber este
ponto. Você costuma pensar que se apaixonou por uma mulher, ou por um
homem, por causa da beleza. A verdade não é essa, é justamente o oposto: você
se apaixonou porque não pode estar só. Se uma mulher bonita não estivesse
disponível, você cairia de amores por uma feia — a questão não é a beleza. E
se nenhuma mulher estivesse disponível, você cairia de amores por um homem
— a questão também não é a mulher. Você estava disposto a cair; você estava
disposto a evitar a si mesmo, de qualquer maneira.
E também existem pessoas que não se apaixonam por mulheres ou por homens,
e sim pelo dinheiro. Começam a buscar o dinheiro e a aventura do poder; tornam-
se políticos. Esse também é um meio de evitar a própria solidão. Se você
observar o homem, se observar profundamente a si mesmo, você vai se
surpreender — todas as suas atividades podem ser reduzidas a uma fonte única:
o medo da solidão. O resto é desculpa. A causa real é que você se sente muito
só.
E estar só é ser infeliz. Parece que não existe nenhum lugar para se ir, ninguém
para se relacionar, ninguém em quem se fundir. A poesia servirá, a música
servirá, o sexo servirá, o álcool servirá — você vai precisar de alguma coisa para
afogar a solidão, para esquecer que é só. É esse o espinho na alma que continua
ferindo. Porém, você continua arrumando desculpas.
O trabalho do Mestre consiste em trazê-lo de volta à causa original. Todos os
seus pretensos casos de amor não passam de evasões, e nisso eu incluo todos
os casos de amor.
O pintor apaixona-se pelos seus quadros. E não é por acaso que um homem
voltado para a sua poesia evite as mulheres, que seriam uma distração. As
mulheres naturalmente desconfiam de homens que tenham qualquer tipo de
hobby, interesse ou envolvimento profundos. Ficam enciumadas porque sabem
que ele tem outra mulher. Se um homem se dedica à ciência, para a mulher é
como se ele estivesse amando uma outra. Ela não quer que a ciência se
interponha entre os dois.
Os que foram buscadores, pesquisadores, poetas e pintores, permaneceram
solteiros. Isto não foi por acaso. Eles vivem outro tipo de caso amoroso; não
precisam de mulher, não precisam de homem.
Observe a sua mente. De mil e uma formas, ela está tentando somente uma
coisa: “Como esquecer o fato de que eu sou só?”
Há poucos dias, eu estava lendo estas linhas de T. S. Eliot:
Somos todos realmente não-amorosos e não-amáveis? Então cada um é
só...
Se o amor não é possível, então cada um é só. Então é preciso tornar possível
o amor. Se ele não é possível, é preciso criá-lo, acreditar nele. Se é quase
impossível, é preciso criar a ilusão dele, porque o indivíduo precisa evitar a
própria solidão.
Quando está sozinho, você sente medo. Lembre-se, esse medo não vem dos
fantasmas. Quando você está sozinho, o medo vem da sua solidão. Mas nós
insistimos em ocultar essa causa porque reconhecê-la implicaria sermos
transformados pelo próprio reconhecimento.
Caminhando sozinho por uma floresta, não tenha medo de fantasmas, ladrões
ou assaltantes porque eles preferem a multidão. O que estariam fazendo na
floresta, se há tantas vítimas disponíveis na cidade?
Sozinho num quarto escuro, não tenha medo de fantasmas; eles não passam de
projeções. O que você realmente teme é a sua solidão, ela é o fantasma. De
repente, você é obrigado a encarar a si mesmo, a perceber o seu absoluto vazio,
a sua solidão, a sua impossibilidade de se relacionar. Você grita sem cessar e
ninguém o ouve. Você tateia no escuro e jamais encontra uma mão que o
ampare. Você está nessa fria solidão e não há ninguém para abraçá-lo, ninguém
para aquecê-lo.
Esse é o medo, essa é a angústia do ser humano. Se o amor não é possível,
então você é só. Então é preciso tornar possível o amor, é preciso criá-lo; mesmo
que seja um falso amor, precisa ser criado. Você tem de continuar amando,
senão a vida será impossível.
Sempre que a sociedade se defronta com a falsidade do amor, duas coisas
podem suceder: ou as pessoas começam a cometer suicídio ou a se tornar
sannyasins... E ambas são uma coisa só. O suicídio é a tentativa mais comum
de destruir a si mesmo: se você não existe, ninguém está sozinho. Mas isso não
funciona, porque logo você estará num outro corpo. Isso jamais funcionou.
O sannyas é o suicídio radical. Se você é só, então essa é a realidade. Ela
precisa ser aceita, não pode ser evitada. Se você é só, o que vem depois? Se
isso é um fato, o fato é este: você precisa mergulhar dentro dele.
O sannyas significa encontrar-se com a própria solitude, entrar nela. Penetrar
nela, apesar do medo, é morrer nela. Se disso resultar a morte, tudo bem, mas
o indivíduo não fugirá da verdade. Se a solitude é a verdade, ele a aceita, entra
nela. É este o significado do sannyas. O indivíduo comete realmente suicídio,
desaparece.
É dessa transformação que estou falando. Os Budas não estão interessados na
informação, estão interessados na transformação. Você usa o seu mundo como
um grande artifício para fugir de si mesmo. Os Budas destroem os seus artifícios,
e o trazem de volta a si mesmo.
É por isso que é reservado aos raros e corajosos estar em contato com um Buda.
A mente comum não pode suportar a presença de um Buda. Por quê? Por que
as pessoas se opuseram tanto a Buda, a Cristo, a Zaratustra, a Lao-Tzu? Por
uma única razão: porque esses homens não permitem a você o luxo da
inverdade, o conforto da mentira, a comodidade de viver de ilusões. Esses
homens não desistem de você; eles insistem em que você caminhe para a
verdade. E a verdade é perigosa.
A primeira verdade a ser vivenciada é que cada um é só. A primeira verdade a
ser vivenciada é que o amor é ilusório. Pense bem nisso, pense bem na
amplitude disso: o amor é ilusório. E você tem vivido somente dessa ilusão...
Você amou seus pais, amou seus irmãos e irmãs, depois apaixonou-se por uma
mulher ou um homem. Você ama seu país, sua igreja, sua religião; ama seu
carro, seu sorvete e assim por diante. Você está vivendo todas estas ilusões. E,
de repente, descobre que está nu, sozinho. Todas as ilusões sumiram. Isso dói.
Pela manhã, Vivek dizia, e ela sempre repete isso, que os discursos de Ikkyu
são pesados e depressivos.
É inevitável que sejam assim, porque sempre que suas ilusões são tocadas,
provoca uma grande inquietação. Você fica com medo. De uma forma ou de
outra, você estava administrando isso. Lá no seu íntimo, você sabe que não
existe significado para isto, mas não quer olhar. Reconhecer isso seria
apavorante e você prefere permanecer na ilusão.
Ninguém quer reconhecer que o seu amor é falso. As pessoas estão dispostas
a acreditar que os amores passados eram falsos, mas este também é? Não, este
é um amor verdadeiro. Quando ele tiver desaparecido, dirão que também era
falso, e que algum outro amor será o verdadeiro. Seja qual for a ilusão na qual
elas estejam vivendo, fingem que é a verdadeira.
“Quanto aos outros amores, Ikkyu e Osho podem estar certos, reconhecemos
que eram falsos. Mas e este? Este é uma coisa totalmente diversa. Não é um
amor comum, eu encontrei minha alma gêmea.”
Se ninguém jamais encontrou a alma gêmea, como você pode ter encontrado a
sua? A solidão é absoluta. Essas tentativas só servem para enganar a si mesmo
— e você continua se enganando. Isto é o que vem fazendo através dos tempos,
por tantas vidas...
No entanto, você esquece. Esquece por causa do trauma do nascimento.
Quando a criança nasce, ela se recorda perfeitamente tudo o que aconteceu na
vida passada, ela sabe. Porém, o trauma do nascimento é de tal natureza, a dor
de nascer é tanta... A criança viveu no útero com todo o conforto durante nove
meses — você jamais voltará a gozar um conforto igual. Nem mesmo um
imperador poderia gozar um conforto semelhante.
Você flutuava num líquido morno. Todas as suas necessidades eram satisfeitas,
você não tinha nenhuma responsabilidade, nenhuma preocupação. Ficava
apenas dormindo, sonhando coisas boas. Estava completamente protegido,
seguro. Tudo acontecia espontaneamente, sem necessidade de qualquer
esforço da sua parte.
E, subitamente, depois de nove meses, esse mundo é destruído. Você é
arrancado de suas raízes. Estava seguro no útero, conectado à mãe; agora está
desconectado. E ainda tem de passar pelo canal do nascimento, que é um canal
muito estreito.
A criança sente uma dor imensa, e a dor é tão grande que ela perde a
consciência. Este é um mecanismo intrínseco da mente: quando alguma coisa
se torna insuportável, a mente simplesmente desliga para que você não precise
sentir. Na verdade, dizer que uma dor é insuportável está existencialmente
incorreto, porque quando é mesmo insuportável, você perde a consciência.
Assim, você jamais sentiu uma dor insuportável. Se você a sente e se está
consciente, ela ainda é suportável. Assim que a dor atinge o limiar do
insuportável, imediatamente o mecanismo da consciência é desligado. Você
entra em coma, uma anestesia natural. Assim, toda criança, ao passar pelo canal
do nascimento, entra em coma; isso interrompe a sua memória. E novamente
ela passa por aquele mesmo caminho, achando que está fazendo algo de novo.
Ninguém faz nada novo. Tudo o que você faz, já fez muitas vezes, milhões de
vezes. Não existe nada novo. A raiva, a cobiça, o sexo, a ambição, a
possessividade, tudo isso você já viveu milhões de vezes. Entretanto, por causa
do trauma do nascimento, houve uma descontinuidade, um hiato; e por isso o
seu passado deixou de ser acessível a você.
Através de um profundo grito primal, o passado pode tornar-se acessível. Se
você regredir ao trauma do nascimento, poderá recordar suas vidas passadas.
Mas terá de entrar profundamente no trauma do nascimento. E uma vez tendo
retornado ao estágio uterino da sua consciência, de repente você vê a sua
autobiografia. E ela é longa. É entediante. São só angústias, fracassos e
frustrações.
Na nova comuna, vamos nos esforçar para que você se recorde de suas vidas
passadas. Então não achará deprimentes as palavras de Ikkyu, mas
reconhecerá que são verdadeiras.
Mas você está vivendo uma vida falsa, pensando que está fazendo uma coisa
nova. E por achar que é nova, continua fascinado por ela, pela magia da
novidade. Se soubesse que já se apaixonou milhões de vezes, e que em cada
uma delas fracassou, é impossível cair na mesma armadilha. Você verá que isso
é tudo em vão, que não existe alma gêmea e nunca existirá. Que a solidão é
absoluta. Que não é possível estar junto, se comunicar. Que ninguém pode
entender você, nem você entender alguém.
Eu sei que esses discursos são depressivos. Por quê? Porque tocaram as suas
feridas e o pus começará a escorrer. Mas lembre-se sempre: às vezes, é bom
manter aberta a ferida, pois essa é a condição para curar-se. Certamente será
preciso coragem ou nada poderá ser feito. Para manter aberta a ferida é preciso
ter muita coragem; essa é a condição para a sua cura!
Você gostaria de esconder sua ferida, de cobri-la com flores; você gostaria de
esquecê-la. Gostaria de buscar um consolo. “Talvez o amor ainda não tenha
acontecido e pode acontecer agora. Desta vez, posso ser capaz de realizá-lo.”
Entretanto, o amor não pode ser possível. Torná-lo possível não depende de
você. O amor é, em si, uma impossibilidade. Ele mantém você iludido, numa
espécie de sonolência.
Ikkyu diz:
“Chegamos sós a este mundo,
Partimos sós...”
Estar junto é ilusório, estar só é fundamental. O amor é ilusório, a meditação é
fundamental. Mas, em última análise, também ela é ilusória. É agora que Ikkyu
adianta um passo e dá o salto quântico. Você já ouviu dizer, muitas vezes:
“Chegamos sós a este mundo e partimos sós”. Mas Ikkyu diz:
Isso também é ilusão.
Vou lhes ensinar a maneira
De não vir, de não ir!
Isso é Zen, puro Zen. A religião comum ensina que o amor é ilusório. Mas Zen,
no fim, ensina que até mesmo a meditação é ilusória. Deixe-me esclarecer este
ponto. O amor significa companheirismo, a possibilidade de estar junto, de se
perder no outro, da comunicação, do relacionamento. Quando o amor fracassa,
quando fracassa inteiramente, você começa a buscar a meditação. Meditação é
a capacidade de estar só. O amor e a meditação são polaridades. Meditação é
a capacidade de não se relacionar — não é preciso relacionar-se, cada um basta
a si mesmo.
Muita gente continua apegada ao amor. Algumas pessoas fogem dele, mas se
apegam à meditação. O Zen diz: se você se apega à meditação, à sua solitude,
ainda está muito longe da verdade. Porque, se estar junto é falso, como estar só
pode ser verdadeiro?
Essa é a grande revolução que o Zen traz para a religião. Se estar junto é falso,
então estar só não pode ser verdadeiro porque a solitude só pode ser entendida
no contexto do companheirismo. Se o amor é falso, a meditação também não
pode ser verdadeira. Quem escolhe a meditação em oposição ao amor, está
escolhendo uma polaridade — e uma polaridade depende da outra.
Pense bem: se a escuridão é falsa, como a luz pode ser verdadeira? Se o
sofrimento é falso, como a felicidade pode ser verdadeira? Se o nascimento é
falso, como a morte pode ser verdadeira? Se o “eu” é falso, como “você” pode
ser verdadeiro, e vice-versa? Eles existem aos pares. O amor e a meditação
formam um par, eles estão casados para sempre.
Se você ficar em silêncio, observando o funcionamento da sua mente, perceberá
que isso está continuamente acontecendo...
Você ama uma pessoa, mas logo começa a sentir necessidade do seu próprio
espaço. É a necessidade da meditação. Pode ser que você não veja assim, mas
é exatamente isso. Ao lado de alguém, você começa a sentir-se sufocado,
pressionado, esmagado. Então percebe que precisa do seu próprio espaço,
gostaria de ficar sozinho por alguns dias.
Há poucos dias, recebi uma carta de uma sannyasin, cujo namorado viajou para
o Ocidente; ela estava naturalmente preocupada e tensa, porque ficaria sozinha
aqui. O rapaz precisava ir por certas razões e responsabilidades. Gostaria de
ficar com ela, mas precisava ir. Por isso a jovem estava tão perturbada, estava
sofrendo.
Mas ela teve uma surpresa; quando o namorado partiu, ela sentiu-se como que
aliviada de um fardo. Sentiu-se muito bem. Escreveu a carta, sentindo-se muito
culpada. Isso lhe parecia traição: “Seu namorado vai embora e você está feliz!
Devia estar chorando e soluçando, devia estar andando por aí com a cara triste,
para todo o mundo saber que o seu namorado partiu”. E ela está tão feliz, como
nunca esteve na vida!
O que está acontecendo? Você não precisa sentir-se culpada. Se as pessoas
estivessem alertas, isso aconteceria com todo o mundo. Quando o seu
namorado se for, você irá dançar: finalmente, pode ficar sozinha! Isso não vai
durar muito; dentro de poucos dias você estará cansada de ficar sozinha e
começará a suspirar outra vez pelo namorado. Essa é uma polaridade.
O amor cria a necessidade de estar só. E estar só inevitavelmente acontece por
intermédio do amor. E quando você está só, essa solitude cria a necessidade de
amar: o amor inevitavelmente acontece por intermédio da solitude. Ambos são
sócios, sócios da mesma empresa.
O Zen diz: as pessoas que se refugiaram no Himalaia e hoje estão sentadas em
suas cavernas são tão tolas quanto as que vão atrás de mulheres ou de homens,
pensando que estão vivendo a própria vida. Tanto umas quanto as outras são
tolas porque escolheram polaridades.
Está demonstrado, por milhares de anos de experiência, que o homem sentado
numa caverna do Himalaia só pensa em mulher e nada mais. E, é claro, cada
vez tem mais medo dela, pois ela está chegando até ali, senão em corpo, ao
menos psicologicamente. Ele fica tão fascinado que em certos momentos
começa a projetar a mulher quase fisicamente, como se ela estivesse presente;
ele começa a ter alucinações.
Nas escrituras indianas há relatos de grandes rishis que meditavam no Himalaia.
Num certo dia, subitamente, lindas mulheres celestiais vieram entretê-los. Ora,
por quê e para quê estariam interessadas em distrair essas pobres criaturas?
Não há ninguém, é pura alucinação. Esses homens viveram demais em solitude.
Cansaram-se, e agora não há ninguém com quem possam se relacionar. Então
eles criam, projetam. A mente está numa tal carência que eles precisam criar
alguém para conversar. E, naturalmente, se você vai criar, por que não criar
lindas mulheres nuas, dançando ao seu redor? E era isso que eles tinham
reprimido, foi por isso que fugiram do mundo — mas continuava dentro deles.
Você percebeu o outro lado? Uma pessoa que está no mundo, cansada,
preocupada, tensa, começa a pensar numa forma de renunciar a ele. Sente-se
muito bem, só em pensar: “Um dia desses eu renunciarei ao mundo, irei para o
Himalaia e ficarei lá, naquele silêncio e naquela paz, com a satisfação de gozar
de tudo isso”. Esta simples idéia já faz com que a pessoa sinta-se bem e
renovada.
Na Índia, especialmente, as pessoas vivem pensando que um belo dia
renunciarão a toda esta loucura, a esta feira, e buscarão refúgio num mosteiro,
onde viverão felizes para sempre. Elas não conseguirão; lembram-se daquelas
mulheres que desciam do céu? Elas virão torturá-las.
A meditação e o amor constituem um par, um casal. Estão juntos e casados para
sempre: são yin e yang, não podem se abandonar mutuamente.
Então Ikkyu está certíssimo quando diz:
“Chegamos sós a este mundo,
Partimos sós —
Isto também é ilusão”.
O amor é ilusão, e a meditação também é: a única vantagem da meditação é
que ela pode tirar você do amor. Contudo, não se apegue: ela é apenas um
artifício para afastá-lo da ilusão do amor. Então deixe-a também, imediatamente;
caso contrário, você começará a criar novas ilusões a respeito da meditação: a
kundalini despertando, uma luz surgindo nos chakras, e mil outras coisas
conhecidas como “experiências espirituais”. Não são espirituais coisa nenhuma,
mas pura fantasia.
Você não pode viver por muito tempo sozinho. Se não vierem as lindas mulheres,
a kundalini vai despertar ou alguma outra coisa vai suceder, porque você não
pode estar só. Talvez aquelas lindas mulheres já tenham esquecido ou se
cansado dos velhos rishis e não venham mais ou estejam ocupadas em outros
planetas. Mas alguma coisa terá de acontecer: você começará a ver chakras
agitando-se em seu interior, uma energia surgindo. Na sua espinha, uma grande
excitação; na sua cabeça, flor de lótus se abrindo. Você não pode ficar só! Está
criando um mundo que agora chama de espiritual.
Não importa o nome que você lhe dê. O que importa é o fato de que você não
pode ficar só por muito tempo. Não pode ficar acompanhado por muito tempo e
não pode ficar só por muito tempo. O companheirismo cria a necessidade de
estar só, de permanecer só. E mais cedo ou mais tarde, você descobre que está
ansioso por estar com alguém. É exatamente como o dia e a noite, o verão e o
inverno: está sempre mudando, é a roda da vida.
Ikkyu está certo, quando diz: a verdade é que cada um precisa ultrapassar o
amor e a meditação, transcender o relacionamento e a solitude. Quando ambos
desaparecem, o que resta? Não resta nada; esse nada é o sabor da existência.
Você não é só e não está ligado a alguém. Na verdade, você não é.
Vou lhes ensinar a maneira
De não vir, de não ir!
E aí, para onde você pode ir? Quem é que vai? De onde você pode vir? Quem
está por vir? Então, esse ir-e-vir desaparece e se conhece aquilo que sempre é:
conhece-se o eterno. O ir-e-vir se reduz a sonhos, a fenômenos temporais, a
bolhas de sabão, coisas momentâneas. Quando todas essas coisas
momentâneas tiverem sido abandonadas, ao perceber que a comunicação não
é possível, que o relacionamento não é possível, você começa a buscar a
solitude. Então, um belo dia você percebe um outro fenômeno: a solitude
também não é possível. E em vez de retornar ao amor, como geralmente
acontece, você pula também para fora da solidão. Você pula mais fundo.
A partir do dois, você chegou ao um; a partir do um, você chega ao nenhum —
nem-um. Isso é advaita, o não-dual; nem mesmo se pode chamar de “um”. Essa
é a fonte, é o oceano. Nós somos as ondas. E ao ver esse oceano você
reconhece que nunca nasceu e que nunca irá morrer. Toda a sua existência foi
uma existência de sonho. Tudo desapareceu.
BUDA CHAMOU a tendência de estar amando ou estar sozinho de tendência do
ego para subsistir. No relacionamento ou no isolamento o ego deseja subsistir;
seja como amante ou como meditador, como homem deste mundo ou do outro,
o ego quer subsistir. A essa tendência Buda deu o nome de avidya, ignorância.
Lembre-se, avidya não significa ausência de conhecimento, mas simplesmente
inconsciência. Avidya é a tendência de tratar o ego como absoluto. Cria um
espaço entre o ser humano e o universo, e por isso o ser humano não está na
sua relação correta com o mundo. Essa falsificação é chamada por Buda de
avidya — ignorância, inconsciência. Você busca o amor com certa inconsciência,
e também busca a meditação com uma certa inconsciência. Quando você se
torna consciente, o amor desaparece, a meditação desaparece.
Mas deixe-me lembrá-lo de uma coisa, para que você não interprete
erroneamente tudo isso. Quando desaparece aquilo que você chama de amor,
surge outro tipo de amor, do qual você não tem nenhuma noção dele. Quando
desaparece a meditação, surge uma espécie totalmente distinta de condição
meditativa, da qual você não tem a mínima idéia.
Sua meditação atual é um esforço, uma prática, um cultivo, um condicionamento.
Quando esse tipo de meditação é abandonado, uma simples qualidade
meditativa nasce em seu ser. Você simplesmente fica silencioso, sem qualquer
motivo. Não é que você esteja tentando ficar silencioso e tranquilo, não é que
você esteja fazendo esforço para permanecer tranquilo. Você simplesmente fica
tranquilo porque não há ninguém para perturbá-lo. Como o ego não está
presente, foi-se embora a única causa da perturbação.
Você simplesmente fica tranquilo, sem fazer nada para isso. Tentar ficar tranquilo
significa apenas que você está perturbado, cindido, dividido em duas partes: uma
que tenta silenciar você, e outra que é puxada com violência para o silêncio. Há
um certo conflito, e como um conflito pode ser meditativo? Há coerção, violência,
e como a violência pode ser paz?
É por isso que eu digo que as pessoas que se esforçam, com posturas de ioga
e mantras, tentando a qualquer custo encontrar a sua paz, não são pessoas
pacíficas. Estão somente criando uma fachada, uma hipocrisia.
Quando nasce em você o verdadeiro ser humano, o ser humano original, você
não faz nenhum esforço para ser alguma coisa: simplesmente é. Este é o homem
natural do Zen. Ele ama, não porque precisa de alguém, mas porque não pode
deixar de amar. O amor está presente, o amor está fluindo, não há ninguém que
o impeça. O que ele pode fazer? Ele é meditativo, não pelo fato de meditar, mas
porque não existe nenhuma perturbação. O ego, a causa exclusiva da
perturbação, não está mais presente. A divisão deixou de existir, o indivíduo é
uno. Ele está unificado, calmo, integrado.
E tudo isso é puramente espontâneo. É por isso que as pessoas do Zen não
chamam de espiritual o autêntico homem do Zen — ele não é mundano nem
espiritual. Está no mundo, mas já não é do mundo. Vive em pleno tumulto, mas
o tumulto não vive nele.
O ensinamento de Buda é absolutamente negativo por uma única razão. É
preciso negar o amor, é preciso negar a meditação. Ora, estas são as duas
coisas mais elevadas do mundo, as mais preciosas. E Buda nega ambas.
Sören Kierkegaard, pensador e místico dinamarquês, tem uma compreensão
profunda do ensinamento negativo. Diz que só ele é possível, porque a qualquer
ensinamento positivo a mente se apega e cria novos sonhos a seu respeito. Se
você fala de Deus, a mente se apega a Deus. Ele se torna um objeto e a mente
começa a pensar: “Como me relacionar com Deus? Como alcançar Deus?” E
isso se torna um novo caso de amor. Se alguém fala de moksha, o paraíso, a
pessoa começa a cobiçá-lo: “Como ter o paraíso?” E a cobiça cria novos sonhos
e novos pesadelos.
Só o ensinamento negativo é possível. Um ensinamento verdadeiro é
necessariamente negativo; um caminho verdadeiro é uma via negativa. Por quê?
Porque os homens combatem a verdade, eles fogem intencionalmente dela. O
propósito do ensinamento negativo é perturbar e provocar o ser humano para
ser ele próprio, porque ele está fugindo, está negando a si mesmo. O
ensinamento negativo é a negação da negação.
Toda a sua vida é negativa; neste exato momento, ela é negativa. Você está
fugindo de si mesmo: esta é a sua negação. Ora, essa negação só pode ser
anulada por uma outra negação. Quando duas negações se encontram, elas se
anulam e se destroem reciprocamente; nessa luta, ambas desaparecem. O que
resta é positivo. E nem mesmo pode ser chamado de positivo, porque nada
restou de negativo. É o cósmico, a verdade. É o eterno, o definitivo, o absoluto.
O caminho de Buda é o do neti neti — nem isto, nem aquilo. Ele diz: Continue
negando. Chega um momento em que não se encontra mais nada para se negar:
é o momento do nirvana. Quando nada mais resta para ser negado, e só o nada
ficou em suas mãos, então a liberdade acontece. Você é resgatado de si mesmo
e de todas as suas projeções.
Nós comemos e expelimos, dormimos e nos levantamos:
Este é o nosso mundo.
Tudo o que precisamos fazer, depois disso,
É morrer.
ESTA AFIRMAÇÃO TEM DUPLO SENTIDO. Um deles é dirigido ao homem
ignorante: esta é a sua vida, esta é toda a sua vida. Veja em quê ela consiste...
Nós comemos e expelimos, dormimos e nos levantamos:
Este é o nosso mundo.
É o que você vem fazendo. A mente é mesmo completamente estúpida, caso
contrário não se limitaria a comer e expelir, dormir e acordar... e recomeçar todo
o ciclo. Esta é a sua vida, é assim que você se move, entra dia e sai dia, entra
ano e sai ano. Entra vida, sai vida, e você continua fazendo do mesmo jeito.
Tudo o que precisamos fazer, depois disso,
É morrer.
Somente uma coisa restou fora do círculo: a morte. Mais cedo ou mais tarde, ela
também chega. Toda a história se resume nisso.
Omar Khayyam diz em seu Rubaiyat: “Houve uma breve conversa a respeito de
mim e de ti, e então nada mais houve a respeito de ti e de mim”. Somente uma
breve conversa, uma conversa repetitiva, uma pequena fofoca. Comer, expelir,
dormir e morrer — é nisso que consiste toda a sua vida.
Aqui, porém, surge a pergunta: “Mas é isto que continuam fazendo até mesmo
as pessoas iluminadas? O que fez Buda por quarenta anos, depois que se
iluminou? O que fez o próprio Ikkyu? Por muitos anos ele permaneceu iluminado
no mundo; ele estava fazendo a mesma coisa”.
Sim, mas com uma diferença, que precisa ser entendida. O homem do Zen vive
de uma forma tão comum como qualquer outra pessoa, por isso não se pode
fazer qualquer outra distinção. No entanto, se você visitar, por exemplo, um
monge jainista, verá que ele vive de uma forma diferente: ele também come e
expele, dorme e se levanta, e a roda continua girando, ele criou hábitos especiais
de comer. Não ganha o próprio sustento, mas mendiga. Até para expelir ele criou
hábitos especiais, extraordinários. Não usa o banheiro público. Não, ele precisa
sair da cidade. Não pode usar o banheiro que você usa; ele não é um ser humano
comum.
Veja como é idiota o nosso modo de proceder — que coisa extraordinária! Ele
tem de sair da cidade, só come uma vez por dia. Há uma seita de jainistas ainda
mais complicada: seus membros comem de pé. O monge jainista anda nu, não
toma banho, não escova os dentes. Não dorme em cama, somente no chão, com
palha por baixo e por cima. Não tem abrigo, ele muda de um lugar para outro,
está constantemente mudando.
Mas essas diferenças são mero detalhe. No fundo, que diferença faz se você sai
da cidade para fazer as suas necessidades ou se você usa o banheiro público?
Se você ganha o seu próprio sustento ou se outro ganha por você, enquanto
você mendiga? Se come duas, três ou cinco vezes por dia, ou uma só vez? Que
diferença faz? Trata-se apenas de hábitos, que podem ser cultivados.
Há tribos na África que comem somente uma vez a cada vinte e quatro horas.
Há séculos, elas se alimentam assim. Seus membros não podem acreditar que
as pessoas comam duas vezes por dia; para eles, uma vez é o bastante.
Esses pequenos detalhes só servem para criar a idéia de que “eu sou especial”.
São viagens do ego.
Um homem do Zen vive simplesmente da mesma forma que você. É muito difícil
notar a diferença, mas ela existe. A diferença que ele testemunha tudo o que
está acontecendo. Ele come, mas permanece uma testemunha. Ora, essa é uma
diferença interna. Não se pode vê-la de fora, mas um pouco dela filtra também
para o exterior. Você pode notar um homem do Zen pelo seu modo de caminhar:
ele caminha tão consciente, tão alerta. Come consciente e alerta. Até dorme
consciente; uma luz permanece acesa durante o seu sono. Ele continua
observando até mesmo os seus sonhos. Está sempre de vigia, atento,
consciente, alerta. Esta é a diferença.
Por estar alerta, ele permanece relaxado; e pelo fato de estar relaxado, todo o
mundo está relaxado para ele. O mundo em que ele vive é o mesmo, mas as
rosas são muito mais coloridas, o verde é muito mais verde, o canto do pássaro
é uma grande alegria.
Ouvi contar:
A paciente, uma jovem e bonita showgirl, estava se queixando de tensões
nervosas. O médico lhe receitou tranquilizantes e mandou que ela voltasse em
algumas semanas para dizer como se sentia.
Quando ela voltou, o médico perguntou se sentiu algo diferente, e ela respondeu:
“Não, doutor, mas reparei que as outras pessoas pareciam muito mais
relaxadas!”
Se você está relaxado, notará de repente que as outras pessoas parecem muito
mais relaxadas. Se você está silencioso, o mundo todo entra num profundo
silêncio. Se você está meditativo, subitamente percebe que as árvores e as
pedras estão meditando, que a lua está em profunda meditação, e também o sol
e as estrelas.
Quando o amor começar a inundar você, não esse amor que você conhece, mas
aquele que os Budas conhecem, quando ele começa a fluir, subitamente você
verá que ele está fluindo em toda parte. Está fluindo das árvores — o que você
chama de fragrância é amor. Irradiando do sol — o que você chama de luz é
amor! É a gravidade da Terra — o que você chama de gravidade é amor.
É o silêncio da noite, o gorjear dos pássaros, o fluir do rio, o silêncio do Himalaia.
Quando o seu amor começa a fluir, subitamente você percebe que o amor está
fluindo por toda aparte, que a vida consiste em amor, que a existência é feita da
matéria chamada amor. Mas isto precisa acontecer, em primeiro lugar, com você
mesmo.
Um homem do Zen vive de uma forma tão comum quanto você. Mas essa forma
comum tem uma qualidade extraordinária: ela irradia alegria e celebração, irradia
o testemunhar.
Um grande Mestre Zen, Lin Chi, diz: “Ó Irmãos do Caminho, é preciso saber que
não há, na realidade do budismo, nada de extraordinário a realizar.
Simplesmente vivam da forma costumeira, sem fazer nada de especial,
satisfazendo as necessidades naturais, vestindo-se, comendo, e deitando-se,
quando estiverem cansados. Deixem que as pessoas ignorantes riam de mim.
Os homens sábios sabem o que eu quero dizer”.
Lin Chi está dizendo: não faça nada de especial, não seja um fazedor. Deixe que
as coisas aconteçam, seja um observador. E os ignorantes rirão de você. Eles
irão dizer: “Que espécie de religião é esta?”
Você já deve ter encontrado essas pessoas ignorantes. Elas dizem: “Que religião
é essa? Em que armadilha você caiu? O seu Mestre não lhe está ensinando
nada de especial”.
Sim, eu não estou ensinando nada de especial, porque todas as idéias de
especialidade são viagens do ego. Eu estou lhe ensinando a ser normal, a ser
comum. Se você puder relaxar no que é normal, no que é comum, de repente
você explodirá numa irradiação extraordinária e um grande esplendor lhe
acontecerá.
Lin Chi tem razão quando diz: “Deixe que os ignorantes riam. Os homens sábios
sabem o que eu quero dizer”. Coma, beba e festeje, exatamente como qualquer
pessoa. Não tente ser especial de jeito nenhum. Mas comendo, seja uma
testemunha; bebendo, seja uma testemunha; festejando, seja uma testemunha.
O ato de testemunhar irá mudar tudo; ele é a transformação. Somente este
testemunhar vai torná-lo consciente de quem você é.
Não morrerei, não irei a parte alguma,
Estarei aqui;
Mas não me perguntem nada,
Não responderei.
ESSE É O VERSO DA MORTE DE IKKYU. É uma tradição no Zen que, quando
o Mestre está morrendo, seus discípulos lhe peçam o verso da morte — sua
última expressão poética, sua declaração final, seu testamento sobre a morte.
Ikkyu diz:
Nós comemos e expelimos, dormimos e nos levantamos:
Este é o nosso mundo.
Tudo o que precisamos fazer, depois disso,
É morrer.
Agora a morte está chegando e os discípulos lhe pediram para compor o seu
último verso. E este foi o seu último verso:
Não morrerei, não irei a parte alguma,
Estarei aqui;
Mas não me perguntem nada,
Não responderei.
Alguém perguntou a Raman Maharshi — ele estava morrendo de câncer e
alguém lhe perguntou: “Quando você estiver morto, para onde irá?” Ele abriu os
olhos e disse: “Para onde eu posso ir? Eu estarei aqui”. É que uma pessoa
iluminada não conhece outro espaço a não ser aqui, não conhece outro tempo a
não ser agora. Todo o tempo consiste no agora, e todo o espaço consiste no
aqui. Aqui e agora é toda a sua existência.
Ikkyu diz:
Não morrerei...
Porque, em primeiro lugar, eu nunca nasci. O nascimento é uma ilusão. E
também não vou morrer: como eu poderia morrer, se nunca nasci? A morte é
outra ilusão. Estarei aqui, sempre estive aqui. Sou o sabor do Tao, sou parte
desta eternidade, sou uma onda neste oceano. Algumas vezes, como onda;
outras vezes, como ausência de onda, de qualquer forma eu estou aqui e estarei
sempre aqui. Não há nenhum vir, não há nenhum ir.
Ikkyu diz:
Vou lhes ensinar a maneira
De não vir, de não ir!
O nascimento e a morte são idéias nossas. É muito difícil entender isto. Quando
uma pessoa está morrendo, em seus últimos momentos ela projeta a idéia do
nascimento. Em seus momentos finais, começa a pensar: “Como voltar? De que
forma?” As experiências de toda a sua vida se condensam numa forma; nasce
uma forma.
Essa pessoa viveu de uma certa maneira; gostaria de viver de uma outra, mas
não conseguiu. Essa outra maneira apossa-se agora da sua mente: “Da próxima
vez, gostaria de ser assim”. E essa última idéia da pessoa, ao morrer, torna-se
a semente.
Se você morrer sem uma idéia, você não nascerá. Seu nascimento é sua idéia;
ela o cria. Você não nasceu por acaso, nada é casual. Você causou o seu
nascimento, é responsável por ele. As pessoas morrem de diferentes formas em
suas mentes. Essas formas tornam-se as linhas mestras e de acordo com elas
as pessoas entram num útero, e surge o nascimento.
Você se surpreenderá ao saber que também a morte é sua idéia. As pessoas
morrem de acordo com suas idéias. De fato, a psicologia profunda suspeita de
que cada morte seja um suicídio. Essa suspeita é quase verdadeira — digo
“quase” porque tenho de excluir os Budas. Mas é verdadeira para qualquer outra
pessoa: sua morte é sua idéia. Mais cedo ou mais tarde, você começa a ficar
cansado da vida, você começa a pensar em morrer, em desaparecer. Já é
demais, chega!
Você já não pensou muitas vezes em cometer suicídio? Freud deparou-se com
essa idéia e lhe deu o nome de thanatos, o desejo de morte. Cada pessoa tem,
lá no fundo a idéia de suicídio; cada um decide a sua morte. Até as pessoas que
morrem em acidentes são propensas a eles pois gostariam inconscientemente
de morrer num acidente.
Criamos continuamente possibilidades em torno de nós, mas nos
surpreendemos quando elas acontecem. Vigie bem suas idéias e observe como
elas criam sua vida. Alguém pensa que é um fracasso, que não vai fazer nada
na vida. Realmente, essa pessoa não irá fazer nada porque sua idéia está
criando a sua realidade. Quanto mais ela achar que não está conseguindo nada,
quanto mais essa idéia for reforçada pelo feedback, mais ela achará que está se
tornando um fracasso. Cria-se um círculo vicioso.
Quem pensa que vai ter sucesso, é bem-sucedido; quem pensa em ficar rico,
enriquece, quem pensa que não vai enriquecer, permanece pobre. Experimente
e você ficará admirado; algumas vezes, nem vai acreditar.
Se um homem pensa que jamais encontrará um amigo, ele não encontrará.
Ergueu em torno de si a Muralha da China; não está disponível. Ele precisa
provar que sua idéia é certa, lembre-se. Mesmo que alguém se aproxime dele
com grande cordialidade, será rejeitado. Ele precisa provar sua idéia, está muito
comprometido com ela. Não vai se desviar dessa idéia porque ela é uma parte
importante do seu ego. Ele precisa provar ao mundo que tinha razão, que
ninguém pode ser seu amigo, que todos são inimigos. E pouco a pouco todos se
tornarão seus inimigos.
Observe a sua mente. Você está constantemente criando sua vida, está
constantemente fabricando sua vida.
Os psicólogos verificaram há muitos séculos que as pessoas pensam que a vida
dura setenta anos. É devido a essa idéia que vive-se cerca de setenta anos; não
há outra razão. Pelo fato de acreditar que esse é o limite — excetuando-se
alguns excêntricos, que morrem um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde,
as pessoas geralmente, seguem a rotina, convencional, e morrem perto dos
setenta anos. Quando chegam aos sessenta, já começam a se preparar, já vão
ficando prontas. Aposentam-se e começam a expulsar a si mesmas do mundo.
Por dez anos, ficam pensando: “Agora está chegando; tenho quase setenta
anos. Já passou um ano, restam nove. Passaram dois, restam oito”. Estão
sempre se sugestionando. Quando chegam os setenta, já se foram e provaram
a sua idéia. E passaram também aos seus filhos a idéia de que a vida é isto:
apenas setenta anos.
Há tribos que vivem mais. Na fronteira da Cachemira, no Paquistão, existe uma
tribo, os Hunza, que vivem muito. Cem anos é muito fácil, cento e vinte não é
difícil, cento e cinquenta também é possível. Entretanto, desde que entraram em
contato com outros povos, eles começaram a morrer mais cedo. A alimentação
deles não mudou, nem o clima; tudo continuou como era. Só pelo fato de ficarem
sabendo que as pessoas morrem mais cedo, devem se sentir um pouco
culpados. Começaram a morrer mais cedo, é preciso seguir a multidão. Dentro
de trinta ou quarenta anos, irão desaparecer. Vão participar da crença nos
setenta anos...
Quando Bernard Shaw estava procurando, na sua velhice... ele viveu muito. Aos
cinquenta anos estava procurando um lugar para morar. Desejava sair de
Londres. Sabem como ele encontrou o seu lugar? Fez uma verdadeira pesquisa
psicológica. Visitou cemitérios para ler o que estava escrito nas lápides.
Encontrou um cemitério onde tinham sido sepultadas pessoas com idade
avançada — noventa anos, noventa e cinco, noventa e oito, cem... Um homem
tinha morrido aos cem anos, e em sua lápide havia esta inscrição: “Este homem
morreu prematuramente”. Ora, ele tinha vivido cem anos! Shaw disse: “Este é o
lugar ideal para se viver”. Quis viver naquele lugar, onde as pessoas achavam
prematuro morrer aos cem anos. E ainda viveu por muitos anos. A idéia
funcionou.
Os fisiologistas dizem que parece não haver no ser humano uma necessidade
física de morrer. Sim, você ficará admirado em saber que existe a possibilidade
de, um dia, o ser humano alcançar uma idade muito avançada, quase
imortalidade física porque o corpo está constantemente se renovando, por isso
não tem necessidade de morrer. As células velhas desaparecem, novas células
se formam; em sete anos, o corpo muda completamente. Ele está continuamente
se reciclando, se renovando e rejuvenescendo; é um continuum. Não existe no
corpo uma necessidade interior de morrer.
Os médicos estão de acordo quanto a isso. Os psicólogos, por sua vez, estão
percebendo que a razão pela qual as pessoas morrem pode estar relacionado
com a mente, e não com o corpo.
Este é um dos grandes ensinamentos do budismo — o nascimento é mente, a
morte é mente. Tudo são idéias. E você não é nenhuma delas.
Não morrerei, não irei a parte alguma,
Estarei aqui;
Mas não me perguntem nada,
Não responderei...
... porque não pode ser respondido. Precisa ser vivido, reconhecido; precisa ser
saboreado. Entre profundamente dentro de si mesmo e observe: você está
pensando em morrer? Então, está criando a semente. De fato, o nascimento cria
a morte.
Há poucos momentos eu lhes falei do trauma do nascimento. Quando a criança
nasce, sente que está morrendo. É natural, ela vivia de uma forma tão bela, e
está sendo expulsa do paraíso. Adão é expulso em cada criança — ele estava
no Jardim do Éden, e agora está sendo expulso. Aquilo era vida; isto parece
morte.
Cada criança, durante toda a sua vida, deseja retornar ao útero materno. Nós
criamos úteros substitutos. Nossos quartos de dormir são úteros. O quarto de
dormir é fechado por cortinas escuras. A noite, você apaga a luz e fica tão escuro
como no útero. Há também a cama, a cama macia, os travesseiros, o colchão,
as cobertas — você se aninha dentro delas, toma a postura do feto. O calor da
cama, a escuridão ao redor, o conforto, o silêncio... você escorrega outra vez
para dentro do útero.
O sono, todas as noites, é recapitulação do útero, é uma pequena morte. É por
isso que você acha tão difícil se levantar de manhã: porque volta a perturbar de
novo o seu inconsciente profundo. É um novo nascimento, e o trauma do
nascimento ainda afeta você.
Você vai se surpreender ao saber que os povos primitivos não se incomodam de
levantar de manhã cedo. Quando o sol aparece, já estão de pé, sem nenhum
problema. A razão disso é que eles não têm um trauma de nascimento tão
grande.
Numa sociedade primitiva, a criança não nasce com tanto sofrimento quanto
entre os povos civilizados. A mãe não sente muita dor. Tudo é muito simples,
como entre os animais. A mãe pode estar trabalhando no campo, ela dá à luz a
criança e a leva para casa. Ou talvez seja meio-dia e o trabalho ainda terminou.
Ela deixa o bebê sob a árvore, termina o trabalho e então o leva para casa. Não
há necessidade de hospitais nem de drogas. Ela não sente dor, pelo contrário,
sente um grande êxtase. A experiência de dar à luz uma criança é mais orgástica
do que qualquer experiência sexual jamais pode ser. E a criança vem tão
facilmente que não sofre nenhum trauma de nascimento. É por isso que nas
sociedades primitivas as pessoas se levantam cedo. Quanto mais civilizada é a
sociedade, tanto mais difícil isso se torna.
Há poucos dias, perguntei por Padma, e ela estava dormindo, às 11 horas da
manhã. Ela deve ter sofrido um grande trauma de nascimento. Se você também
sofreu, achará muito difícil levantar-se de manhã, o seu corpo quer permanecer
na cama. Ele quer permanecer no útero, não quer sair dele. Você precisa ser
puxado para fora.
O nascimento cria a morte. Cada sono é uma pequena morte. É por isto que
muitas pessoas acham difícil fazer amor na cama, porque nelas desperta a idéia
da morte. Elas ficam com um pouco de medo. Acham bem melhor fazer amor no
carro ou na praia, mas na cama lhes parece um pouco difícil. Para algumas, é
mesmo impossível, porque a própria idéia da cama evoca o ambiente da morte.
Outros, porém, só podem fazer amor na cama, porque ao entrar no corpo de
uma mulher, pensam que estão retornando ao útero. Isso depende do seu
pensamento. Se você pensa que entrar no corpo de uma mulher é entrar
novamente no útero, então não encontrará outro lugar para fazer amor, que não
seja a cama. Mas se você tem medo da morte e se o trauma do nascimento
desperta lembranças, então será difícil ter orgasmo na cama.
As pessoas morrem em suas camas. Noventa e nove por cento delas morrem
na própria cama. É natural, parece ser o mais natural: um dia elas desaparecem,
na cama. E por toda a vida, pensam numa maneira de recriar o útero. A casa
delas é uma réplica do útero. Quanto mais uma coisa se assemelha a um útero,
mais confortável parece.
Não morrerei, não irei a parte alguma,
Estarei aqui;
Mas não me perguntem nada,
Não responderei.
A morte é falsa, tão falsa quanto o nascimento. Você está além do nascimento e
da morte. Você vem ao nascimento, você toma a forma do nascimento, e
transcende essa forma na morte. Você é sem forma. Porém nada pode ser dito
a respeito; precisa ser experimentado.
Tudo o que pode existir
Faz parte do mundo da ilusão,
A própria morte
Não sendo uma coisa real.
A morte é a maior ilusão, apenas comparável ao nascimento. Você é eterno.
Ikkyu costumava denominar esse aspecto do nascimento e da morte “o remédio
de não nascer e não morrer”. Ele dizia: “Isto pode curar todos os males”, porque
todos os males estão situados em algum lugar entre o nascimento e a morte. Se
você puder abandonar a idéia de nascimento e de morte, tudo será abandonado.
Você não precisará mais se preocupar com meditação. Não haverá estar junto,
nem estar só.
Você é uma unidade com o todo. Como pode estar só? E como pode estar
acompanhado? Não existe ninguém, a não ser o todo? O todo é o todo, nada
existe além dele, nada existe fora dele. Por isso, ele não pode estar com
ninguém. E por isso é impossível estar acompanhado. Mas você também não
pode estar sozinho porque a própria idéia “estou só” faz com que você se sinta
separado do todo. Você está no todo. Você é o todo.
Se quiserem conhecer o caminho,
Neste mundo e naquele outro,
Perguntem a um homem
De misericórdia e sinceridade.
IKKYU DIZ: Não me perguntem, não vou responder. Em primeiro lugar, a
experiência é tal que isso não pode ser respondido. Mas uma coisa pode ser
feita, e os Budas continuam a fazê-la: eles apontam o caminho. Não dizem o que
vai acontecer, o que acontece, mas dizem como pode acontecer.
Se vocês quiserem conhecer o caminho...
Nunca pergunte sobre a experiência, ela é inexplicável. Mas pergunte sobre o
caminho, e então algo poderá ser dito: como buscá-lo, que artifícios usar, de
onde partir, como sair do círculo vicioso. Como sair do amor? A meditação
ajudará. Como sair da meditação? A vida confiante ajudará.
E quando você estiver fora da meditação e fora do amor, ambos irão acontecer
espontaneamente. Então não serão mais coisas pequeninas, criações suas,
serão dons de Deus.
Se vocês quiserem conhecer o caminho,
Neste mundo e no outro,
Perguntem a um homem
De misericórdia e sinceridade.
Como encontrar um Buda? Por estas duas coisas, diz Ikkyu: pela sinceridade e
pela misericórdia. Sua compaixão mostrará seu amor transbordante, que não
necessita de razões.
Se você puder encontrar um homem de amor, recorde aquelas palavras: “Um
vislumbre do homem real, e você se apaixona”. Então você é amor. Se você
conseguir encontrar um homem de amor, não perca a oportunidade. Ele é a
porta: entre e você encontrará sinceridade. Lembre-se de que sinceridade não
significa seriedade; mas sim veracidade, autenticidade.
Como você julgará se um homem é autêntico e veraz ou não? Só há uma coisa
a ser lembrada: a verdade é paradoxal, só a inverdade é coerente. Se você
encontrar um homem muito coerente, evite-o, pois significa que ele está
simplesmente filosofando. Ainda não vivenciou coisa alguma, não é um homem
sincero.
O homem sincero é alguém que simplesmente diz o que é verdadeiro em cada
situação. Se com isto ele se contradiz, se é coerente ou incoerente, não faz a
menor diferença para ele.
Lembre-se da definição de verdade no Zen: a verdade é aquela cuja contradição
é também verdadeira. Assim, um homem sincero é necessariamente paradoxal.
E é nisso que nós erramos. Quando você encontra paradoxos, você pensa: “Este
homem é incoerente; como ele pode ser verdadeiro?” Você tem idéia de que a
verdade precisa ser coerente, e isso o impede de encontrar os Budas. Você cai
na armadilha dos lógicos, dos filósofos, dos pensadores.
Um Buda é basicamente, fundamentalmente, tacitamente paradoxal porque ele
vê a verdade na sua totalidade. Ora, a totalidade é paradoxal. A totalidade é
ambas as coisas: a noite e o dia, o amor e a meditação. A totalidade é ambas as
coisas: isto e aquilo, o visível e o invisível. A totalidade é ambas as coisas: o
nascimento e a morte e nenhum dos dois. A totalidade significa que o todo é tão
complexo que não se pode fazer nenhuma afirmação coerente a respeito dele.
Você precisa ficar se contradizendo.
Se você puder encontrar um homem de contradições, poderá estar próximo de
alguém que conhece. Verdade é aquilo cuja contradição é também verdadeira.
Procure a sinceridade no paradoxo. O homem sincero está disposto a ser
incoerente. Ele é tão sincero que está disposto a ser chamado de louco. Ele é
tão sincero que não tenta convencer pela lógica. Ele não é um vendedor, não
está preocupado em convencer; simplesmente afirma o que é verdadeiro na
situação; se você está convencido ou não, isto é assunto seu. Ele não está, de
forma alguma, interessado em impor qualquer coisa. Está pronto a ajudar você,
mas não a forçá-lo.
E o que é a misericórdia? Não é o mesmo que ter pena. Os Budas não têm pena
de você, porque ter pena vem do ego. Eles são misericordiosos, são
compassivos. A diferença é grande.
Há poucos dias, alguém me fez uma pergunta: “Os grupos de terapia que
acontecem aqui são muito duros e cruéis. Como é que você, um homem de
compaixão, os permite?” E não só isto, a pessoa mencionou ainda o incidente
que eu havia contado dias antes, sobre um amigo meu que queria se suicidar.
Ela acrescentou: “Ouvindo aquele relato, achei que você foi muito cruel. Não
convenceu a pessoa a não cometer suicídio; ao contrário, dispôs-se a levá-lo ao
rio para que ela pulasse a pedra e morresse. Que compaixão é essa?”
Você perdeu a história. O homem foi salvo! Você perdeu o essencial. O essencial
não é como ele foi salvo, essencial é que ele foi salvo. Olhe o resultado.
O homem compassivo olha para o resultado. Os artifícios que utiliza não são
importantes. Ele está disposto a lançar mão de qualquer artifício: olhe apenas
para o resultado objetivo. O homem compassivo não é sentimental, emocional.
Você gostaria que eu tivesse abraçado o rapaz e chorado... Mas então ele teria
cometido suicídio! Isto teria sido compaixão? Eu o teria levado ao suicídio. Isto
é o que os seus pais e amigos estavam fazendo, estavam levando você ao
suicídio. Quanto mais tentavam convencê-lo, mais ele queria dizer não. De fato,
estava ficando cada vez mais excitado com a idéia do suicídio por causa
daquelas pessoas e da atenção que recebia delas. Todas eram pessoas
amorosas, elas amavam o rapaz. Mas veja a diferença.
Há dois tipos de amor. Um é sentimental e emocional; esse não ajuda. O outro
é objetivo; esse ajuda. Então a pessoa repleta de amor objetivo decide agir. Seu
único interesse é salvar as pessoas.
Eu queria salvar esse amigo, por isso fui tão cruel. E desejo que você também
seja salvo, por isso todos os grupos de terapia, aqui, são cruéis. Às vezes, até
pessoas que deveriam ser mais esclarecidas entendem mal.
Foi o que aconteceu com um sannyasin, Geet Govind. Ele veio de Esalen, foi um
dos fundadores de Esalen, então sabe tudo sobre grupos de terapia. Mas não
sabe nada de mim, não sabe nada de compaixão objetiva.
Acompanhando aqui um grupo de Encounter, ele ficou chocado, mas não teve a
coragem suficiente de me dizer isso, porque, quando o grupo de Encounter
terminou, eu perguntei especialmente a ele: “O que você achou, Geet Govind?”
E ele respondeu: “Tudo foi bom, muito bom, eu gostei” ou qualquer coisa assim.
Contudo, ao voltar para casa, ele começou a espalhar boatos e a dizer: “Não vão
a Puna. Eles são perigosos, os grupos de lá são muito violentos e cruéis”.
Ele entendeu tudo errado. Mas é isto o que acontece com as pessoas cultas.
Elas pensam que sabem, conhecem grupos de Encounter, mas não sabem que
um grupo de Encounter, usado por um homem compassivo, é uma coisa
completamente diferente. Elas conhecem terapia, mas não conhecem nada
sobre Budas.
Aqui, os grupos de terapia não são meros grupos de terapia, como em Esalen.
Aqui, eles são usados apenas como um artifício para destruir alguma coisa, para
fazer você despertar. O essencial consiste em arrancá-lo do seu sono. Todos os
tipos de coisas serão usados. Se for preciso cravar um punhal no seu coração,
ele terá de ser usado. Se for necessária uma espada, ela terá de ser usada.
Você se lembra das palavras de Jesus: “Não vim ao mundo para trazer a paz,
mas a espada”? O que ele quis dizer? Um homem de compaixão! Só alguma
coisa parecida com uma espada pode arrancar você do seu sono.
Então, quando se deparar com um homem de misericórdia, lembre-se: o único
objetivo dele é despertar você. Ele não é sentimental, não vai chorar com você,
mas é muito objetivo, muito científico. Ele sente por você, ama você, quer ajudá-
lo. E só ele pode ajudar. Essas pessoas sentimentais, essa idiotice sentimental,
não vai ajudar. Se ajudasse, você já estaria salvo.
Então, sempre que você encontrar um homem de sinceridade, um homem de
paradoxo, cujo único interesse seja a verdade... Mesmo que por isto ele pareça
contraditório, não vai mudar a verdade, só para ser coerente. Seu único interesse
é ajudar as pessoas a tornar-se alertas e conscientes, mesmo que às vezes seja
preciso usar métodos cruéis, e ele está disposto a usá-los. Esse é o homem de
misericórdia e sinceridade.
Só um homem assim pode ser um Mestre. Evite aqueles que o consolam. Siga
os que estão dispostos a destruir você, porque é só quando você é destruído
que Deus nasce.
2
Não É Fácil!
O que é o desejo de perfeição?
Estou me sentindo não-espiritual e estúpido,
como um vegetal alaranjado.
Estou me desviando?
Eu só conheço dois estágios:
o Mestre e o discípulo.
Existe um terceiro estágio —
uma pessoa plenamente adulta e auto-suficiente?
Como você pode fazer generalizações
sobre os homens e as mulheres?
Você me deixou com raiva!
A primeira pergunta:
O que é o desejo de perfeição?
ADHEERA, O DESEJO DE PERFEIÇÃO é a busca do útero perdido, do paraíso
perdido. A criança é totalmente feliz no útero da mãe; essa memória persiste.
Não é apenas uma memória no cérebro; está em cada célula do corpo, em cada
fibra do corpo. Envolve todo o seu ser.
Essa memória persiste. Aqueles nove meses foram de gozo eterno, de
relaxamento e entrega tamanhos que não é fácil esquecer. Embora
conscientemente você tenha se esquecido — devido ao trauma do nascimento,
sua consciência se desconectou —, seu inconsciente ainda anseia pelo útero;
ele tenta, de todas as formas, voltar ao paraíso perdido.
A religião consiste nessa busca, e a ciência igualmente consiste nessa busca. O
esforço científico tenta criar o mesmo útero no exterior — aquecimento central,
ar condicionado, boas roupas, melhor tecnologia. Você se empenha em criar o
útero exterior. E a religião tenta criar o útero interior — com a prece, técnicas de
meditação, com o amor, com Deus. Mas seu empenho é o mesmo, voltar àqueles
lindos dias. Esse útero perdido é a fonte da parábola de Adão e Eva no Jardim
do Éden.
Você pergunta: O que é o desejo de perfeição?
O desejo de perfeição consiste nisto: seja qual for a sua situação, ela nunca
satisfaz. Nunca é como deveria ser, há sempre um senão. Você ainda fica
imaginando um estado melhor das coisas, melhores dias, melhores
possibilidades. E fica ansiando por elas.
Você só pode abandonar a busca da perfeição se voltar ao passado e passar
novamente pelo trauma do nascimento. Se você o reviver conscientemente, se
recordar conscientemente aqueles dias no útero, o desejo de perfeição
desaparecerá instantaneamente. O desaparecimento desse desejo é um grande
alívio, porque só então você poderá começar a viver cada momento. Como você
consegue conviver com esse desejo de perfeição? Ele é a fonte de todas as
neuroses.
O homem que deseja ser perfeito inevitavelmente torna-se um neurótico porque
não consegue estar aqui. Ele vive no futuro, que não existe. Não pode desfrutar
o presente momento, só condená-lo. Não pode amar esta mulher, porque tem
uma idéia da mulher perfeita. Não pode amar este homem, porque ele não é
perfeito. Não pode saborear este alimento, esta refeição, esta manhã, nada mais
o satisfaz, não pode satisfazer. Sua expectativa está sempre presente e ele está
sempre comparando e sempre se decepcionando.
O homem que vive com desejo de perfeição tem a vida condenada. E a
sociedade colabora com isso. Os pais, as escolas, os colégios, as universidades,
os mahatmas, os sacerdotes, os políticos, todos colaboram para neurotizá-lo.
Desde a infância você não é aceito como você é. Disseram-lhe: “Seja desta
maneira, só assim você será aceito”. Se quiser viver a vida do seu jeito, você
será condenado por todos, todos ficarão contra você. Seus pais não poderão
suportá-lo. Precisam moldar, formar, mudar, manipular. Eles precisam fabricar
você de acordo com os desejos deles.
E qual é o problema dos seus pais? Também estão sofrendo o trauma do
nascimento. Tentaram, por toda a vida, ser perfeitos e falharam. Ninguém jamais
pode ter êxito nisso; esse desejo é de tal natureza que está fadado ao insucesso.
O fracasso é inevitável, porque você pode estar vencendo, mas a idéia da
perfeição começa a se sofisticar cada vez mais. Na medida em que se vai
vencendo, a idéia começa a se distanciar mais para o futuro. Fica mais
sofisticada, há mais expectativas...
A distância entre você e a idéia da perfeição permanece a mesma. Se você tem
dez mil rúpias, precisará de cem mil para ser feliz. Quando tiver cem mil, seu
desejo já terá caminhado para a frente; agora isso já não basta. Acontece em
todas as áreas da vida.
Os pais vivem os seus próprios traumas. Por toda a vida tentaram e fracassaram,
agora desejam viver através do filho. Com isso, começam a fazer dele um ser
neurótico, começam a ensinar ao filho. Esta é uma forma alternativa de viver.
Eles fracassaram; agora sabem que a morte se aproxima, que seus dias estão
contados; eles estão perdendo a esperança. Mas então surge uma nova
esperança: poder viver através do filho. Já que eles não foram perfeitos, ao
menos os filhos poderão sê-lo. Dizem que uma árvore se conhece pelos seus
frutos. Se os filhos forem perfeitos, os pais devem ter sido perfeitos.
É assim que a neurose se perpetua, de geração em geração. Os pais estão
constantemente tentando, de todas as formas, aperfeiçoar a criança. Só o que
conseguem com essa atitude é fazer com que ela se sinta condenada a ser como
é. Eles tornam impossível que ela ame a si mesma, respeite a si mesma. E
quando perde o amor e o respeito por si, uma pessoa está perdida.
O mundo sofre tanta loucura, todo o tipo de problemas mentais, de doenças
físicas. Noventa e nove por cento das causas de todos esses problemas do corpo
e da mente vêm da mentalidade que a criança tem de ser perfeita.
Uma família foi a um restaurante. Depois de anotar o pedido dos adultos, a
garçonete virou-se para o garotinho.
“O que você vai querer, filhinho?”
“Eu quero um cachorro-quente”, respondeu o garoto, timidamente.
Antes que a garçonete pudesse anotar o pedido, a mãe interrompeu: “Não, nada
de cachorro-quente. Traga batatas, um bife e cenouras”.
A garçonete ignorou-a totalmente.
“Você prefere ketchup ou mostarda em seu cachorro-quente?” perguntou ao
garoto.
“Ketchup”, respondeu ele, com um sorriso de felicidade.
“Já vai sair”, disse a garçonete, indo para a cozinha.
Foi um espanto geral.
Finalmente, o garoto perguntou aos pais: “Vocês viram? Ela acha que eu sou
real!”
É aí que nasce o problema: vocês não permitem que seus filhos sejam reais.
Fazem com que eles se sintam irreais, vocês os forçam a se sentir falsos,
rejeitados, inúteis. E quando essa idéia é criada na mente de vocês, que eles
são inúteis do jeito que são, é natural que surja neles um grande desejo de ser
perfeitos, e com isto todo o tipo de neurose.
Meu empenho aqui é em ajudar você, não a ser perfeito, mas a abandonar toda
essa besteira. Abandonando-a, pela primeira vez você será real.
A realidade nunca é perfeita, lembre-se. Se a realidade está sempre crescendo,
como ela pode ser perfeita? Se alguma coisa é perfeita, o crescimento é
impossível. Só a imperfeição pode sentir a alegria do crescimento.
Você deseja permanecer como uma flor, crescendo, abrindo-se? Ou deseja
tornar-se apenas uma pedra morta, perfeita, sem abertura, sem crescimento,
sem mudança? Seja imperfeito, respeite suas imperfeições e você poderá
alegrar-se e celebrar, poderá ser saudável e inteiro. E não precisará procurar um
psiquiatra ou um psicanalista para ficar por anos deitado num divã, falando
besteira. E também não haverá necessidade de qualquer tratamento de choque.
Na verdade, se o seu estresse mental desaparecer, o seu corpo se sentirá
imediatamente relaxado.
Muitas doenças desapareceriam automaticamente da face da Terra, se essa
idéia idiota de tornar-se perfeito desaparecesse. Mas ela tem sido ensinada em
toda parte, nas igrejas, nos templos, nas mesquitas, nas universidades. Em todo
lugar, todos parecem estar envolvidos nessa conspiração. Parecem
absolutamente determinados a tornar todas as pessoas perfeitas. Ora, jamais
existiu um único ser humano perfeito, e não pode existir. A imperfeição é o modo
de ser das coisas. A imperfeição é bela porque tem potencial para crescer e fluir.
A perfeição é simplesmente a morte, e nada mais. A vida é imperfeita. E a vida
gosta da imperfeição.
Eu lhes ensino a totalidade, e não a perfeição: são dois objetivos diferentes. A
perfeição é um objetivo neurótico, a totalidade é um objetivo saudável. A
perfeição está no futuro, a totalidade está aqui e agora. Você pode ser total neste
momento. Pode ser total em sua raiva, pode ser total em seu sexo, pode ser total
em tudo o que esteja fazendo, limpando o chão, cozinhando, escrevendo poesia.
Você pode ser total neste momento! Isso não exige preparação, não exige
treinamento.
Sendo total, você entrará em Deus, entrará no nirvana. Quando se é total, o eu
desaparece — esta é a beleza da totalidade. Tente entender, é sutil, é
imensamente importante: quando se é total, o eu desaparece.
Você já experimentou um momento total? Então sabe que o eu desaparece
imediatamente. Se você está totalmente apaixonado por uma mulher ou por um
homem, o eu desaparece. Quando está fazendo amor, se é total, o eu
desaparece. Se você sai de manhã para um passeio e é total nisso, nada mais
importa, nesses lindos momentos, apenas a manhã e você, você e a manhã, os
pássaros, as árvores e o sol. Você está totalmente imerso, profundamente
imerso no momento — o eu desaparece.
O desaparecimento do eu é uma bênção. Você saberá o que Buda quer dizer
com o “não-eu”, a total bem-aventurança. Ele jamais usa as palavras “total bem-
aventurança” porque conhece você — você poderia fazer dela um objetivo e
começar a lutar por alcançá-la. Poderia fazer dela o objetivo de um perfeccionista
e dizer: “Não descansarei até que seja totalmente bem-aventurado”. Nesse caso,
você não entendeu.
Se você é total, a bem-aventurança acontece por acréscimo, porque o eu
desaparece. Dançando, cantando, ouvindo música ou apenas estando aqui
comigo, às vezes acontece. Eu posso vê-la acontecendo com muitas pessoas.
Quando olho para o seu rosto, sei se há um eu ou não; o rosto assume
imediatamente uma outra qualidade. Quando olho para você e não existe o eu,
você é apenas uma abertura, uma janela, e eu posso ver claramente Deus em
você. Nesses momentos Deus está presente e você não está. Todas as nuvens
desapareceram, o céu ficou claro e transparente, o sol está brilhando.
Sempre que o seu eu desaparece por um momento, de repente posso ver a
luminosidade que vem em seu rosto, a qualidade de magia que nasce ao seu
redor. Mas fomos ensinados a viver de um modo não-total através da idéia de
perfeição.
Eu lhes ensino a totalidade. Na totalidade o eu desaparece; com a perfeição,
acontece justamente o contrário. Com a idéia de perfeição, o eu é reforçado. É
um ideal egoísta: “Eu quero ser perfeito”. O eu não pode ser total, porque
nenhum eu pode ser encontrado no todo. Por isso, o ego tem interesse em
tornar-se perfeito, ser o homem mais perfeito ou a mulher mais perfeita do
mundo. O ego se sente muito bem, começa a lutar nesse sentido. O ego está
envolvido com a idéia de perfeição.
Com a experiência da totalidade, o ego simplesmente não existe. Se você
aprender como estar aqui e agora, pouco a pouco verá que a vida é linda do jeito
que é. A vida é linda em ser assim, em sua qualidade de ser como é. Não
necessita de nenhum aperfeiçoamento.
Isto pode ser facilitado pelo trauma do nascimento. Se você passar pelo trauma
do nascimento, se o reviver conscientemente, o próprio significado do
nascimento mudará.
Neste exato momento, a experiência uterina permanece no seu inconsciente, ela
é tão importante que você está inconscientemente lutando por ela. É por isto que
as pessoas continuam pensando que no passado tudo era bom. É apenas uma
projeção, por causa da experiência do útero. Em todas as sociedades do mundo,
em todas as religiões do mundo persiste a idéia de que, em algum lugar no
passado existiu uma idade de ouro. Quando Adão viveu no Jardim do Éden, era
o paraíso. Na Índia, dizem que a idade de ouro aconteceu muito antes da história.
Depois dela, as coisas começaram a decair — o pecado original. Vivíamos uma
situação de felicidade total, e então começamos a decair e a perdemos.
É a mesma história com roupagem filosófica. A queda original nada mais é do
que a queda do útero. A lembrança de que antes, algum tempo antes, muito
longe no passado, tudo era dourado e lindo, não passa de uma lembrança
projetada na história, uma lembrança individual projetada na história coletiva. E
nós precisamos retomá-la, por isso ficamos interessados no futuro. O passado é
importante, o futuro é importante, só o presente não é importante — porque
perdemos o passado e só no futuro, graças às nossas tentativas e aos nossos
esforços, um dia o alcançaremos.
Então, há dois tipos de pessoas, que basicamente não diferem. As pessoas
religiosas dizem que a idade de ouro aconteceu no passado. As não religiosas
dizem que vai acontecer no futuro, que a utopia está chegando. Os hindus dizem
que a idade de ouro — satyayuga, a era da verdade — aconteceu no passado.
E os comunistas dizem que a idade de ouro — samyuga, a idade da igualdade
— vai chegar no futuro.
Eles não são diferentes. Parecem diferentes, porque um fala do passado e o
outro fala do futuro. Mas o mecanismo é o mesmo: ambos querem evitar o
presente. Comunistas e anticomunistas não são muito diferentes.
A espiritualidade autêntica começa no presente e termina no presente. Não tem
passado, e não tem futuro. Este momento é tudo.
ENTÃO, ADHEERA, procure entrar conscientemente em seu inconsciente.
Tente penetrar onde nasce esse desejo de perfeição. Vá para a sua infância.
Você foi ensinado, condicionado, camada por camada; terá de descascar a
cebola de sua mente. E então, finalmente, chegará ao trauma do seu
nascimento, ao dia em que nasceu.
Você pode revivê-lo. Esse é o processo do renascimento, você pode revivê-lo. E
assim que o reviver, ele desaparecerá. O que acontecerá? Uma total mudança
de perspectiva. Se puder revivê-lo conscientemente, se puder regredir, tornar-se
uma criança, uma criança pequena, um bebê que acaba de sair do útero, você
irá passar por muito sofrimento e agonia. Sofrerá a mesma dor do nascimento;
se sentirá sufocado, sua respiração ficará ofegante. Algumas vezes, a respiração
poderá cessar totalmente, o corpo ficará paralisado. Você vai sentir que está
morrendo, porque foi o que você sentiu quando estava saindo do útero. Sentirá
que está passando por um túnel muito estreito, sufocante, escuro. Um grande
medo surgirá em seu ser, você será sacudido e agitado pelo medo. Vai precisar
de alguém para ajudá-lo.
Daí a necessidade de um Mestre. Você precisará de alguém para protegê-lo,
precisará de alguém para lhe dar suporte e dizer-lhe: “Não tenha medo, vá em
frente. Deixe que passe, não fuja disso”. Assim que tiver atravessado e
vivenciado conscientemente o que aconteceu inconscientemente em seu
nascimento, tudo se apagará. Este é o processo da mente. Tudo o que é vivido
conscientemente é apagado, não tem mais poder sobre o seu ser inconsciente.
E então, pela primeira vez, você abre os olhos e vê que o mundo é lindo. O
salgueiro é verde e a rosa é vermelha. E então, pela primeira vez, entende que
o útero era bom, mas não é a meta. O útero era conveniente, porém somente
uma preparação. Não era a vida real, mas a vida de um dependente, pura
exploração. Era dependência. O útero não conhecia a liberdade — como pode
ser lindo? Sim, ele era conveniente e confortável, mas você simplesmente
vegetava, não estava realmente vivendo. Era um porco satisfeito. O útero não
tem valor por si mesmo.
E assim você começa a ver que a vida tem belezas que nenhum útero jamais
poderá lhe proporcionar.
Todo útero é confinado. É por isso que, após nove meses, a criança precisa sair
dele: por causa do confinamento. O útero é uma prisão; é confortável e quente,
mas uma prisão é sempre uma prisão. Mesmo que seja confortável, mesmo que
seja quente, nada disso a transforma em outra coisa. É uma prisão.
Você está saindo do útero para a liberdade. Todo o céu se abre, o sol, a lua, as
árvores, as estrelas — eles não existiam para você. E o canto dos pássaros, a
música, toda a poesia e o amor — eles também não existiam para você. Seu
paraíso pouco tinha de paraíso; seu paraíso era um paraíso muito bobo.
Assim que você percebeu que ele não tinha valor... Ele foi necessário naquele
momento porque você estava crescendo; era muito frágil e delicado, precisava
de proteção. Quando a criança completa nove meses, ela anseia por sair, quer
sair, quer se livrar do útero. Ela está pronta para entrar no mundo, e conhecer
as alegrias e as misérias do mundo. Está pronta para mergulhar fundo nas
experiências da existência.
Quando você tiver vivido conscientemente o trauma do nascimento e apagado a
memória da dor, ficará espantado ao notar que uma espécie de névoa se afastou
dos seus olhos. E quando os reabrir, as árvores serão mais verdes do que jamais
foram e tudo será totalmente diferente. Você verá o mundo em cores
psicodélicas, sem precisar de drogas.
As pessoas utilizam drogas para criar uma coisa que é muito natural. Para isso
não é preciso destruir quimicamente o organismo. Basta passar pelo trauma do
nascimento e retornar que o mundo inteiro e toda a experiência do mundo se
tornarão psicodélicos. Tudo fica mais colorido. É uma permanente celebração.
Esta celebração não terá fim — ela dura do princípio sem princípio ao fim sem
fim. É uma canção eterna.
Quando você começa a enxergar isto, a vida começa. É o que Jesus quer dizer
com estas palavras: “A não ser que você nasça de novo, não entrará no reino de
Deus”. Ele está falando em renascimento!
No Oriente, temos um nome para o homem que se tornou alerta e total, nós o
chamamos dwija — nascido duas vezes. Ele atingiu o segundo nascimento.
O primeiro nascimento está fadado a ser inconsciente. Se você ficar apenas no
primeiro nascimento, continuará sendo um perfeccionista. É só nascendo uma
segunda vez, conscientemente, e tendo apagado a dolorosa memória do
primeiro nascimento, que você viverá a totalidade. Não com o desejo de
perfeição — o desejo de perfeição desaparece quando você reconhece que este
é o mundo mais perfeito, que você é a pessoa mais perfeita, que cada pessoa é
perfeita e que tudo é como deve ser.
Quando você percebe que tudo é como deve ser, surge uma grande gratidão. A
prece é natural. Você se curva diante da terra, curva-se diante do sol, curva-se
diante da existência. Esta é a qualidade religiosa; ela não consiste em ir à igreja
e pensar que é religioso, em se curvar diante de Cristo e pensar que é religioso:
você não é! Não é nada disto. Você está simplesmente com medo, está
pensando que Cristo irá salvá-lo.
Ninguém pode salvá-lo, a não ser que você mesmo se salve. Nem Cristo, nem
Buda podem salvá-lo. Mas você pode salvar a si mesmo. Salvar-se é sua
responsabilidade. E o caminho para salvar-se é renascer, é nascer de novo.
Lembre-se: se você sofre com o desejo de perfeição — e quase todos sofrem —
considere como ponto de grande importância a necessidade de retornar ao
processo de seu nascimento e apagar toda aquela fita. Então volte a olhar com
os olhos vazios e ficará surpreso.
Já trabalhei com muitas pessoas. Sempre que elas se defrontam com a memória
de seu nascimento, acontecem coisas estranhas, incríveis. Eu estava ajudando
um jovem a fazer a travessia. Ele chegou a um ponto em que começou a se
sentir sufocado; chorava e soluçava, e então ficou paralisado. Por um momento,
tudo cessou, até mesmo a respiração. Foi uma grande agonia. Então ele abriu
os olhos, olhou para mim e disse: “É estranho. Estou sentindo um cheiro de
clorofórmio, um cheiro de hospital”. Eu lhe perguntei: “Você nasceu num
hospital?” Ele respondeu: “Não sei, nunca perguntei a minha mãe”. Nós
averiguamos com a mãe e ela confirmou: “Sim, ele nasceu num hospital. Eu
estava com tanta dor que me deram uma forte dose de clorofórmio”.
A memória do clorofórmio entrou em suas células. Ele ainda podia sentir o cheiro,
vinte e oito anos depois!
Mas assim que você passar por essas memórias, elas começarão a perder o
controle sobre você. Passar pelo nascimento é o primeiro passo. Se puder fazê-
lo, o segundo passo será passar pela morte que precedeu seu nascimento, nove
meses antes. Se puder atravessar seu nascimento, poderá facilmente atravessar
sua morte. E quando tiver atravessado a morte, sua vida passada estará
acessível a você. E então ela e toda a sua estupidez...
É por isto que estes ditos de Buda e estes sutras de Ikkyu lhe parecem tão
depressivos; é que eles se baseiam numa compreensão da vida totalmente
diferente. Essas pessoas conheceram suas vidas passadas e perceberam a
tolice dela. Você não pode perceber. Acredita estar fazendo grandes coisas, não
está consciente.
Se você esteve apaixonado por muitas e muitas vidas, muitas e muitas vezes, e
sempre fracassou, e se você vier a saber disto, se puder ver isto, então o caso
de amor que você vive hoje simplesmente se torna inválido, precisamente em
razão dessa experiência. Você ficou sabendo que esses são os caminhos em
que você esteve constantemente se enganando. É uma repetição, uma roda que
continua girando.
Estes sutras não são filosóficos, não propõem qualquer doutrina. Eles se
baseiam numa experiência de vida totalmente diferente, numa visão diferente.
Em razão disso, você algumas vezes ficará perturbado.
Há alguns dias, Arup estava dizendo a alguém: “Que discursos pesados, e Osho
chamou esta série de Take it Easy”. 1
1. Neste contexto, a tradução é: “Pegue leve”, “Pegue fácil” (easy).
Foi por isso mesmo que chamei esta série de Take it Easy. Não é fácil; é difícil,
é muito difícil entender isso. É quase impossível entender, porque romperá todo
o seu estilo de vida. Não é fácil, e foi por isto que chamei esta série de Take it
Easy.
Verdade é aquela cuja contradição é também verdadeira.
A segunda pergunta:
Desde que cheguei aqui, desta vez, tenho me sentido cada vez mais não
espiritual e mais estúpido, como um vegetal alaranjado.
Sinto que estou desfrutando prazeres sensuais e, de modo geral, tenho
sido muito hedonista.
Isto não se ajusta aos sentimentos e idéias que eu tinha a respeito de
estar perto de um Mestre.
O que está acontecendo? Estou me desviando? O que fazer?
NISEEMA, O VERDADEIRO MESTRE JAMAIS SE AJUSTA ÀS SUAS
EXPECTATIVAS. Se ele se ajustasse, não seria um Mestre. O verdadeiro Mestre
não pode se ajustar às suas expectativas; elas nascem da sua mente. Sua mente
é o problema, ela precisa entrar pelo cano, completamente.
O Mestre verdadeiro jamais se ajusta às suas expectativas. Os que se ajustam
a elas são meros negociantes, não são verdadeiros Mestres. Eles se ajustam,
precisam se ajustar — é assim que dependem de você. O verdadeiro Mestre é
sempre um choque, uma demolição. Ele não vai absolutamente permitir a si
mesmo ajustar-se a você; só então poderá destruí-lo.
O verdadeiro Mestre não é uma consolação. Ele precisa descriar você — como
poderá ser uma consolação? Ele precisa demolir você; não se trata de um
simples conserto. Ele não está apenas remendando as coisas, mas precisa
arrancar você desde as raízes e transformá-lo numa outra dimensão. Ele é uma
transmutação. Nada jamais se ajustará ao verdadeiro Mestre.
Você pensa que os judeus estavam com raiva de Jesus à-toa? A raiva era esta:
ele não correspondeu às expectativas deles. Costumava andar com pessoas
não-respeitáveis. Costumava conviver com jogadores, bêbados, ladrões.
Costumava pousar em casas onde nenhum rabino, nenhuma pessoa de
respeito, se disporia a entrar. Ele permitiu que Madalena, uma prostituta, se
tornasse sua discípula mais próxima. Jesus não estava se ajustando às
expectativas deles. Os judeus pensavam que uma pessoa religiosa devia se
comportar de um certo modo, mas Jesus estava se comportando de uma forma
ultrajante, irritante para as pessoas.
Agora, você me pergunta: Desde que aqui cheguei, desta vez, tenho me
sentido cada vez mais não espiritual.
Esta é a sua verdade. E eu estou aqui para trazer à tona a sua verdade. Você
certamente estava reprimindo o que chama de “não espiritual”. Chamando
assim, está simplesmente dizendo que está contra isso, está condenando.
Nossas palavras são importantes. Quando você chama algo de não espiritual,
você já o condenou.
Você está dizendo: Desde que aqui cheguei, desta vez, tenho me sentido
cada vez mais não espiritual.
Você está se tornando cada vez mais real, essa é a verdade. Todas as suas
idéias de espiritualidade estão sendo removidas. Elas eram forçadas, eram
falsas. Você estava apenas reprimindo a sua realidade e chamando isso de
espiritualidade. Você estava contra si mesmo, não estava desfrutando o seu ser;
estava atrofiando-o, envenenando-o. Você era uma vítima. Agora está tendo
coragem suficiente para ser você mesmo. Não chame isso de não espiritual.
Você está se tornando real, está se tornando natural. Como a natureza pode ser
não espiritual? Como a realidade pode ser não espiritual?
Estar comigo significa, em primeiro lugar, que eu preciso remover tudo o que é
falso em você. O falso precisa ser reconhecido como tal! Ao ser reconhecido
como falso, desaparece. A verdade vai aparecer quando o falso tiver
desaparecido.
Ora, Niseema, sua espiritualidade era falsa. Ela era uma simples fachada, uma
espiritualidade de vitrina. Lá no fundo, você sempre foi aquilo que agora está
achando que é. Neste momento, as suas profundezas estão se encontrando com
a superfície, estão perdendo a divisão, a separação. Você está relaxando, está
abandonando o conflito que tem consigo mesmo. O mais alto e o mais baixo
estão se encontrando; pela primeira vez, está acontecendo uma fusão. Esse é o
princípio do crescimento porque só o que é real pode crescer. O que é plástico,
sintético, falso, não pode crescer.
Você pode ter flores de plástico, mas elas não podem crescer. O crescimento só
ocorre nas flores reais; ora, a sua espiritualidade era uma flor de plástico. É
assim que as pessoas são espirituais. Bem no fundo, elas são totalmente o
oposto, mas na superfície apresentam máscaras.
Eu estou removendo a sua pintura, estou retirando a sua máscara, ela está
caindo. Foi aí que nasceu a sua pergunta. Você deve estar sentindo medo: “Que
tipo de mestre é este? O que estou fazendo aqui?” Você deve ter vindo aqui
esperando tornar-se mais espiritual, e eu estou tornando você mais real! Ou, nas
suas palavras, mais “não espiritual”.
Desde que aqui cheguei, desta vez, tenho me sentido cada vez mais não
espiritual e cada vez mais estúpido.
Isso é um bom começo. Sentir-se ignorante é o princípio da sabedoria. Somente
as pessoas estúpidas nunca se sentem estúpidas. É assim que nasce a
sabedoria: quando você começa a perceber a estupidez de tudo isto, alguma
coisa aconteceu com você, um raio de luz entrou.
Para entrar no mundo da compreensão, primeiro é preciso abandonar todos os
tipos de conhecimento. Então, eu estou removendo a sua pseudo-espiritualidade
e os conhecimentos que você tomou emprestados. As pessoas ditas espirituais
estão cheias de conhecimentos esotéricos e ocultos; elas ficam acumulando
esses conhecimentos. Consultam I-Ching, consultam livros de astrologia, lêem
cartas de tarô e pesquisam os mistérios da Cabala. Ora, todas essas coisas são
apenas jogos da mente e nada têm a ver com espiritualidade; destinam-se à
diversão de pessoas estúpidas. Essas pessoas ficam lendo a Bíblia, os Vedas,
o Gita; empanturram-se com isto, tornam-se papagaios. E pensam que sabem
das coisas.
Conhecer não significa saber. Nada que é emprestado pode ser um saber para
você. Então, quando você vem a mim, muitas coisas vão acontecer. A cada dia
você sentirá que está ficando mais pobre, e tinha vindo para ficar mais rico.
Então, naturalmente, só as pessoas corajosas de fato podem ficar comigo. As
pessoas sem coragem fogem, porque, quem deseja ficar mais pobre? Você veio
com grande conhecimento e agora se sente estúpido: que brincadeira é essa?
Você veio para aprender alguma coisa, mas o que estou propondo aqui não é
aprender, mas desaprender.
Você veio para acumular mais um pouquinho de conhecimento. Já possuía uma
bela coleção deles e queria atualizá-la. Desejava receber algo de um Buda
moderno, porque o velho Buda já tem vinte e cinco séculos de idade e as coisas
mudaram. Você desejava uma versão atualizada do estado búdico. E então
chegou aqui, e eu comecei a tirar coisas de você. O seu conhecimento começou
a desaparecer, e você entrou em pânico: o que está acontecendo? Você
começou a sentir-se estúpido.
Estúpido você sempre foi, só que aquele seu conhecimento lhe dava a impressão
de que não era. Esta é a grande revelação que está acontecendo, acontecendo
agora. Sua espiritualidade está começando a parecer falsa, de plástico, e você
pensava que era um santo, que estava à beira da iluminação. Agora esse seu
moralismo começa a perder sentido; perder era apenas uma imposição de fora.
Por causa do medo e por causa da cobiça você era moralista. Agora o seu
caráter parece sem valor porque eu lhe ensino um estilo de vida totalmente
diferente: a ausência de caráter. Somente na ausência de caráter existe
liberdade. E somente na ausência de caráter nasce em você o verdadeiro caráter
— aquele que brota da própria fonte, que não é imposto de fora, que não é
imposto pela sociedade; aquele que não consiste numa forma de obediência, e
sim no crescimento da liberdade. Esse caráter totalmente diferente só acontece
às pessoas mais rebeldes. Eu não ensino a obediência, eu ensino a rebeldia.
Então, depois que a sua espiritualidade, a sua moralidade e o seu conhecimento
entraram pelo cano, é natural que você fique aí parecendo estúpido, nu,
ignorante, sem caráter, imoral, não espiritual. Ora, que espécie de discipulado é
esse? É natural que a pergunta apareça.
Mas isto, Niseema, é apenas o começo. Em primeiro lugar, eu preciso tirar tudo
o que você tem. Então, o seu coração sobrecarregado é aliviado, o lixo que você
juntou é jogado fora e você fica limpo. Nessa limpeza, nessa pureza, nessa
descarga, você começa a crescer.
E esse crescimento vai acontecer para você, não sou eu que vou dar. Você está
pronto para ele, mas ainda há muito lixo impedindo que você cresça. É como se
uma roseira estivesse coberta de lixo — Vedas, Gitas, Alcorões, Bíblias, todo
esse lixo — e está morrendo. Tenho que tirar todos esses livros. A roseira logo
vai começar a crescer, e não está longe o dia em que você verá as primeiras
rosas desabrocharem.
Sinto que estou desfrutando prazeres sensuais e, de modo geral, tenho
sido muito hedonista.
Excelente. Goze esses prazeres porque somente gozando-os você poderá
perceber o seu caráter ilusório — não existe nenhum outro meio. Eu digo que
eles são ilusórios, Ikkyu e Buda dizem o mesmo, mas esses prazeres não serão
ilusórios só porque estamos afirmando isso. Você precisa perceber por si
mesmo.
Buda disse e repetiu muitas vezes: “Não acredite no que eu digo, a menos que
você já tenha examinado, vivido, observado e concluído por si mesmo”.
Como poderá conhecer o caráter ilusório desses prazeres, se não entrar neles?
Entre neles, mas entre da maneira mais completa possível, para que possa sair
deles mais cedo. Seja um hedonista. Sendo um hedonista você perceberá que
todos os prazeres trazem dor, que a cada prazer segue-se por uma grande dor.
Aos poucos você perceberá que o prazer e a dor são dois lados da mesma
moeda. Você não pode se livrar da dor, se não perceber isso. Quando tiver
percebido que o prazer e a dor estão juntos, inevitavelmente juntos....
Não há como separá-los. É isto o que temos feito ao longo dos tempos: tentando
separá-los. Desejamos todos os prazeres e não desejamos nenhuma dor. Ora,
ambos estão juntos, eles chegam juntos. Queremos evitar a dor e desfrutar o
prazer. Mas a dor vem.
Um dia quando você perceber que isto sempre volta a acontecer, um dia essa
experiência lhe permitirá abandonar a ambos.
No dia em que você abandonar o prazer e a dor, acontecerá o que se chama
bem-aventurança. Nasce um grande silêncio, um grande gozo — que não é o
prazer, lembre-se, porque possui a contrapartida da dor. E puro gozo, eterno
gozo. Porém, a bem-aventurança só nasce quando ambos, o prazer e a dor,
tiverem sido abandonados.
Se você não se tornar um hedonista, se não experimentar a verdade disso, vai
se tornar um hedonista espiritual. Ficará pensando nos mesmos prazeres — no
paraíso, naturalmente, não aqui; mas nos mesmos prazeres. Desejará as
mesmas mulheres, os mesmos homens, o mesmo vinho, mas no paraíso. Você
só precisará adiar um pouco, nada mais.
Os seus santos são exatamente iguais a você; na verdade, são ainda mais
ávidos, mais hedonistas do que você, só que esperam pelo paraíso. Lá, eles vão
se vingar. Providenciarão para que vocês todos sofram no inferno porque já
gozaram na Terra. Eles sofreram na Terra e agora serão recompensados: no
paraíso terão lindas mulheres, eternamente jovens, que não suam, etc, e terão
rios de vinho.
No paraíso, o vinho não é servido em bares, ele vem nos rios. E lá, nada é
proibido. Você pode mergulhar e se banhar nos rios de vinho, pode beber quanto
desejar. Todos os tipos de alimentos estarão disponíveis, e sem medo de
engordar. Ninguém jamais ouviu dizer... você já viu algum anjo gordo? Eles não
engordam e estão sempre comendo. O único trabalho deles é celebrar, cantar
hinos de louvor ao Senhor e se divertir.
Os seus santos são assim. Antigamente, eles ficavam sentados, com o ar de
santos e caras sérias; agora, estão se divertindo no paraíso.
Eles não são contra os prazeres, lembre-se, mas apenas contra o caráter
momentâneo dos mesmos; são contra a transitoriedade deles. Os prazeres são
efêmeros; então, qual é o sentido de correr atrás deles? Os seus santos estão
esperando o prazer permanente. Eles são os verdadeiros hedonistas, mais
hedonistas do que você.
Então, se você se torna espiritual, pretensamente espiritual, está apenas
aguardando a sua hora. Está aguardando com impaciência a chegada do
paraíso, para poder mergulhar em todo o tipo de prazer. Você vai explodir, vai
explorar todos os tipos de prazer aos quais se negou nesta terra. Não há muita
diferença entre pessoas mundanas e pessoas do outro mundo: elas não são
diferentes, são iguais.
Estou tentando fazê-lo perceber que não é preciso tornar-se um hedonista do
outro mundo ou ser contra o hedonismo neste mundo. O que estou tentando é
torná-lo consciente da situação da vida. Se algo em seu inconsciente anseia por
prazer, vá em frente, esta é a única forma de ir além. Atravessar é o único meio
de transcender. Não reprima essa necessidade.
Então, Niseema, seja hedonista, totalmente hedonista. Goze todos os prazeres
sensuais — não tenha medo, porque todos têm a consistência do sonho. E se
você estiver gostando do sonho, eu serei a última pessoa a preocupar-me com
isto. Se os seus santos se opõem, isto apenas mostra que eles ainda não
entenderam que tudo é sonho. Por que deveriam se opor?
É por isto que, às vezes, as coisas que digo o deixam muito confuso. Há poucos
dias, eu falei contra o amor. E toda a tarde, toda a noite, sugiro às pessoas que
busquem o amor. Elas ficam perplexas. Apaixonam-se por um louco, que de
manhã diz, “Todo amor é ilusão”, e à tarde ele diz, “Apaixonem-se, mergulhem
de cabeça”.
Estou dizendo isto porque é uma ilusão. Entre de cabeça e você logo sairá disso.
Se entrar com muita parcimônia, poderá levar anos para sair, e posso não estar
mais aqui para ajudá-lo. Por isso eu lhe digo, entre de cabeça, salte dentro do
tumulto do mundo, para poder sair da ilusão. Se é uma ilusão, você sairá dela,
não se preocupe com isto. E mesmo que não saia dela, o que é que tem? É
apenas uma ilusão! Desfrute-a enquanto durar!
Mais cedo ou mais tarde, você inevitavelmente acordará. Por experiência
própria, sei que quanto mais você entrar nessas experiências de vida, mais perto
estará o seu despertar. Quando a noite é mais escura, a manhã está mais
próxima. Quando você entrar profundamente numa ilusão, e ela lhe parecer tão
real que o resto em comparação, pareça irreal, nesse momento a manhã estará
chegando.
Você diz: Isto não se ajusta aos sentimentos e idéias que eu tinha a
respeito de estar próximo de um Mestre.
Como você pode ter idéias, sem estar perto de um Mestre? Que expectativas
pode ter? Todas expectativas são projeções suas, seus desejos, seus medos,
sua cobiça. Não podem estar baseadas na verdade.
Agora você está comigo. Estando comigo por alguns anos, você saberá o que é
estar com um Mestre. Se puder ficar comigo o tempo suficiente para estar
completamente terminado, você saberá o que é estar com um Mestre: é conviver
com a sua própria morte, a morte total.
Mas só quando você estiver aniquilado haverá uma possibilidade de que Deus
nasça em você. Somente depois da crucificação abre-se a porta para a
ressurreição.
A terceira pergunta:
Algum tempo atrás, uma pessoa que, como eu, já passou dos cinquenta
anos, me disse: “Você ainda é um discípulo?”
O homem que disse isto é muito autoconfiante e auto-suficiente.
Ele não procura outras pessoas para descobrir o que deveria fazer; ele se
basta.
Estou constantemente procurando fora, em outras pessoas, mais
conhecimento e mais habilidades.
Sou tímido, acanhado, tenho pouca autoconfiança; não sou auto-
suficiente.
Na minha opinião, existem apenas estes dois estágios: o discípulo e o
Mestre. Qual é esse terceiro estágio, o da pessoa plenamente adulta e
auto-suficiente, que não procura um Mestre?
Isso é uma falácia?
A PRIMEIRA COISA A SER ENTENDIDA: você diz: “Algum tempo atrás, uma
pessoa que, como eu, passou dos cinquenta anos, me perguntou: ‘Você ainda é
um discípulo?’ Na próxima vez em que encontrá-la, pergunte “Você ainda não é
um discípulo?”
De fato, o que significa ser um discípulo? Significa que você começou a
aprender. Em vez de colecionar conhecimentos, você começou a aprender. O
discipulado significa que você encontrou uma pessoa que sabe. Você gostaria
de se encontrar e se fundir com o ser dela, para que possa sentir igualmente o
sabor da realidade.
Há pessoas egoístas que não gostam disto, que não gostam de se encontrar e
se fundir com ninguém. Elas preferem se manter auto-suficientes, mesmo que
seja um inferno. Mesmo que estejam sofrendo, não revelarão isso a alguém. E
elas devem estar sofrendo, porque o ego é infernal.
O discipulado significa simplesmente que você está perdendo as fronteiras do
seu ego. Primeiro, perde-as com uma pessoa, e então percebe a beleza de
perdê-las. É o que sucede com o Mestre. Você percebe a beleza de perder suas
fronteiras, começa a perdê-las também para outras pessoas. Um dia, você será
capaz de perdê-las para toda a existência.
A pessoa que se acha auto-suficiente jamais se abrirá, permanecerá fechada.
Viverá naquilo que Sören Kierkegaard chamou de “enclausuramento”. Será uma
mônada sem janelas. Sofrerá agonias, mas pensará que valem a pena; porque
ela não precisa de ninguém, é auto-suficiente.
Aconteceu, certa vez, que o primeiro-ministro de um certo país — seria melhor
chamá-lo de um “primeiro-ministro” — veio me ver e disse: “Eu sou um self-made
man”.
Eu lhe disse: “Agradecido. Você livrou Deus de uma grande responsabilidade”.
Feito por si mesmo?
Você precisou de uma mãe e de um pai para nascer. Depende necessariamente
do ar para respirar, das árvores para se nutrir, do sol para se aquecer. Precisa
depender dos mares, dos rios, do fogo. Você é dependente! De onde vem esse
disparate: “Eu sou um homem que se fez por si mesmo”? É possível existir,
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VICIOS MORAIS E COMPORTAMENTAIS NA VISÃO ESPÍRITA
 
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos Pobres
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O Zen e a solidão

  • 1. OSHO VÁ COM CALMA Discursos sobre Zen-Budismo – Volume 3 UNIVERSALISMO
  • 2. Sumário Capítulo 1 — O Remédio de Não Nascer e Não Morrer Capítulo 2 — Não É Fácil! Capítulo 3 — Este Eco da Montanha Capítulo 4 — O Vôo do Solitário para o Solitário Capítulo 5 — O Segredo do Homem Afogado Capítulo 6 — Budas de Olhos Fechados
  • 3. 1 O Remédio de Não Nascer e Não Morrer “Chegamos sós a este mundo, partimos sós”... Isto também é ilusão. Vou lhes ensinar a maneira De não vir, de não ir! Nós comemos e expelimos, dormimos e nos levantamos; Este é o nosso mundo. Tudo o que precisamos fazer, depois disso, É morrer. Não morrerei, não irei a parte alguma, Estarei aqui; Mas não me perguntem nada, Não responderei. Tudo o que pode existir Faz parte do mundo da ilusão, A própria morte Não sendo uma coisa real. Se vocês quiserem conhecer o caminho, Neste mundo e naquele outro, Perguntem a um homem De misericórdia e sinceridade. Um monge pergunta ao Mestre Pai-Chang, “Quem é Buda?” Pai-Chang responde: “Quem é você?”
  • 4. O PROPÓSITO DOS BUDAS NÃO É INFORMÁ-LO, mas transformá-lo. Eles querem produzir uma radical mudança em sua consciência, querem mudá-lo em suas próprias raízes. Querem trazer-lhe novos olhos e uma nova clareza. O propósito deles não é informar. Não estão aí para transmitir um conhecimento, mas para transplantar um ser. Querem partilhar com você a luz que eles têm — não pretendem informar, mas iluminar. Por essa razão, não se interessam em saber qual é a sua pergunta. As respostas deles poderão, às vezes, parecer irrelevantes, absurdas. Elas não são, mas possuem um outro tipo de relevância. São relevantes para você, e não para a sua pergunta. Agora, esse monge pergunta ao Mestre Pai-Chang: “Quem é Buda?” E Pai- Chang responde: “Quem é você?” Perceba o sentido: ele está retornando a pergunta, numa dimensão totalmente nova. De fato, não está dando uma resposta, mas respondendo com uma pergunta mais profunda do que a que o monge lhe fez. “Quem é Buda?” Seria fácil responder. Pai-Chang poderia ter dito: “É Sidarta Gautama”. Mas isso é irrelevante: ele não está interessado na história do pensamento, não está absolutamente interessado em história. Não está preocupado com um determinado homem chamado Gautama Buda; está mais preocupado com o despertar que pode acontecer a cada um: o verdadeiro estado búdico. Ele retorna a pergunta ao questionador, e com a pergunta ele forja uma espada que atravessa o seu coração. Ele diz: “Quem é você? Não me pergunte sobre os Budas, faça apenas uma pergunta: ‘Quem sou eu?’ e você saberá quem é Buda. Cada pessoa leva em si o potencial para ser um Buda; você não precisa olhar para fora de si”. Lao-Tzu diz: “Para encontrar a verdade, você não precisa sair deste quarto, não precisa abrir a porta, não precisa nem mesmo abrir os olhos — a verdade é o seu próprio ser”. O estado búdico consiste em reconhecer isso. Lembre-se: os ensinamentos dos mestres Zen não são ensinamentos no sentido usual do termo; não se destinam a transmitir algo que você não saiba. Eles pretendem chocá-lo, provocá-lo para uma nova qualidade de consciência. Tenha isto em mente quando ouvir estes sutras. Ikkyu não está propondo uma filosofia. Seus sutras são choques que ele aplica em seus discípulos — possuem uma imensa beleza, um imenso potencial para abalar qualquer pessoa. Ouça: “Chegamos sós a este mundo, Partimos sós”… Isto vem sendo sempre repetido, através dos tempos. Todas as pessoas religiosas têm dito sempre: “Chegamos sós a este mundo e partimos sós”. Todo
  • 5. companheirismo é ilusório. A própria idéia de companheirismo surge porque somos sós e a solidão dói. Desejamos afundar nossa solidão nos relacionamentos... É por causa disto que ficamos tão envolvidos com o amor. Tente perceber este ponto. Você costuma pensar que se apaixonou por uma mulher, ou por um homem, por causa da beleza. A verdade não é essa, é justamente o oposto: você se apaixonou porque não pode estar só. Se uma mulher bonita não estivesse disponível, você cairia de amores por uma feia — a questão não é a beleza. E se nenhuma mulher estivesse disponível, você cairia de amores por um homem — a questão também não é a mulher. Você estava disposto a cair; você estava disposto a evitar a si mesmo, de qualquer maneira. E também existem pessoas que não se apaixonam por mulheres ou por homens, e sim pelo dinheiro. Começam a buscar o dinheiro e a aventura do poder; tornam- se políticos. Esse também é um meio de evitar a própria solidão. Se você observar o homem, se observar profundamente a si mesmo, você vai se surpreender — todas as suas atividades podem ser reduzidas a uma fonte única: o medo da solidão. O resto é desculpa. A causa real é que você se sente muito só. E estar só é ser infeliz. Parece que não existe nenhum lugar para se ir, ninguém para se relacionar, ninguém em quem se fundir. A poesia servirá, a música servirá, o sexo servirá, o álcool servirá — você vai precisar de alguma coisa para afogar a solidão, para esquecer que é só. É esse o espinho na alma que continua ferindo. Porém, você continua arrumando desculpas. O trabalho do Mestre consiste em trazê-lo de volta à causa original. Todos os seus pretensos casos de amor não passam de evasões, e nisso eu incluo todos os casos de amor. O pintor apaixona-se pelos seus quadros. E não é por acaso que um homem voltado para a sua poesia evite as mulheres, que seriam uma distração. As mulheres naturalmente desconfiam de homens que tenham qualquer tipo de hobby, interesse ou envolvimento profundos. Ficam enciumadas porque sabem que ele tem outra mulher. Se um homem se dedica à ciência, para a mulher é como se ele estivesse amando uma outra. Ela não quer que a ciência se interponha entre os dois. Os que foram buscadores, pesquisadores, poetas e pintores, permaneceram solteiros. Isto não foi por acaso. Eles vivem outro tipo de caso amoroso; não precisam de mulher, não precisam de homem. Observe a sua mente. De mil e uma formas, ela está tentando somente uma coisa: “Como esquecer o fato de que eu sou só?” Há poucos dias, eu estava lendo estas linhas de T. S. Eliot:
  • 6. Somos todos realmente não-amorosos e não-amáveis? Então cada um é só... Se o amor não é possível, então cada um é só. Então é preciso tornar possível o amor. Se ele não é possível, é preciso criá-lo, acreditar nele. Se é quase impossível, é preciso criar a ilusão dele, porque o indivíduo precisa evitar a própria solidão. Quando está sozinho, você sente medo. Lembre-se, esse medo não vem dos fantasmas. Quando você está sozinho, o medo vem da sua solidão. Mas nós insistimos em ocultar essa causa porque reconhecê-la implicaria sermos transformados pelo próprio reconhecimento. Caminhando sozinho por uma floresta, não tenha medo de fantasmas, ladrões ou assaltantes porque eles preferem a multidão. O que estariam fazendo na floresta, se há tantas vítimas disponíveis na cidade? Sozinho num quarto escuro, não tenha medo de fantasmas; eles não passam de projeções. O que você realmente teme é a sua solidão, ela é o fantasma. De repente, você é obrigado a encarar a si mesmo, a perceber o seu absoluto vazio, a sua solidão, a sua impossibilidade de se relacionar. Você grita sem cessar e ninguém o ouve. Você tateia no escuro e jamais encontra uma mão que o ampare. Você está nessa fria solidão e não há ninguém para abraçá-lo, ninguém para aquecê-lo. Esse é o medo, essa é a angústia do ser humano. Se o amor não é possível, então você é só. Então é preciso tornar possível o amor, é preciso criá-lo; mesmo que seja um falso amor, precisa ser criado. Você tem de continuar amando, senão a vida será impossível. Sempre que a sociedade se defronta com a falsidade do amor, duas coisas podem suceder: ou as pessoas começam a cometer suicídio ou a se tornar sannyasins... E ambas são uma coisa só. O suicídio é a tentativa mais comum de destruir a si mesmo: se você não existe, ninguém está sozinho. Mas isso não funciona, porque logo você estará num outro corpo. Isso jamais funcionou. O sannyas é o suicídio radical. Se você é só, então essa é a realidade. Ela precisa ser aceita, não pode ser evitada. Se você é só, o que vem depois? Se isso é um fato, o fato é este: você precisa mergulhar dentro dele. O sannyas significa encontrar-se com a própria solitude, entrar nela. Penetrar nela, apesar do medo, é morrer nela. Se disso resultar a morte, tudo bem, mas o indivíduo não fugirá da verdade. Se a solitude é a verdade, ele a aceita, entra nela. É este o significado do sannyas. O indivíduo comete realmente suicídio, desaparece.
  • 7. É dessa transformação que estou falando. Os Budas não estão interessados na informação, estão interessados na transformação. Você usa o seu mundo como um grande artifício para fugir de si mesmo. Os Budas destroem os seus artifícios, e o trazem de volta a si mesmo. É por isso que é reservado aos raros e corajosos estar em contato com um Buda. A mente comum não pode suportar a presença de um Buda. Por quê? Por que as pessoas se opuseram tanto a Buda, a Cristo, a Zaratustra, a Lao-Tzu? Por uma única razão: porque esses homens não permitem a você o luxo da inverdade, o conforto da mentira, a comodidade de viver de ilusões. Esses homens não desistem de você; eles insistem em que você caminhe para a verdade. E a verdade é perigosa. A primeira verdade a ser vivenciada é que cada um é só. A primeira verdade a ser vivenciada é que o amor é ilusório. Pense bem nisso, pense bem na amplitude disso: o amor é ilusório. E você tem vivido somente dessa ilusão... Você amou seus pais, amou seus irmãos e irmãs, depois apaixonou-se por uma mulher ou um homem. Você ama seu país, sua igreja, sua religião; ama seu carro, seu sorvete e assim por diante. Você está vivendo todas estas ilusões. E, de repente, descobre que está nu, sozinho. Todas as ilusões sumiram. Isso dói. Pela manhã, Vivek dizia, e ela sempre repete isso, que os discursos de Ikkyu são pesados e depressivos. É inevitável que sejam assim, porque sempre que suas ilusões são tocadas, provoca uma grande inquietação. Você fica com medo. De uma forma ou de outra, você estava administrando isso. Lá no seu íntimo, você sabe que não existe significado para isto, mas não quer olhar. Reconhecer isso seria apavorante e você prefere permanecer na ilusão. Ninguém quer reconhecer que o seu amor é falso. As pessoas estão dispostas a acreditar que os amores passados eram falsos, mas este também é? Não, este é um amor verdadeiro. Quando ele tiver desaparecido, dirão que também era falso, e que algum outro amor será o verdadeiro. Seja qual for a ilusão na qual elas estejam vivendo, fingem que é a verdadeira. “Quanto aos outros amores, Ikkyu e Osho podem estar certos, reconhecemos que eram falsos. Mas e este? Este é uma coisa totalmente diversa. Não é um amor comum, eu encontrei minha alma gêmea.” Se ninguém jamais encontrou a alma gêmea, como você pode ter encontrado a sua? A solidão é absoluta. Essas tentativas só servem para enganar a si mesmo — e você continua se enganando. Isto é o que vem fazendo através dos tempos, por tantas vidas...
  • 8. No entanto, você esquece. Esquece por causa do trauma do nascimento. Quando a criança nasce, ela se recorda perfeitamente tudo o que aconteceu na vida passada, ela sabe. Porém, o trauma do nascimento é de tal natureza, a dor de nascer é tanta... A criança viveu no útero com todo o conforto durante nove meses — você jamais voltará a gozar um conforto igual. Nem mesmo um imperador poderia gozar um conforto semelhante. Você flutuava num líquido morno. Todas as suas necessidades eram satisfeitas, você não tinha nenhuma responsabilidade, nenhuma preocupação. Ficava apenas dormindo, sonhando coisas boas. Estava completamente protegido, seguro. Tudo acontecia espontaneamente, sem necessidade de qualquer esforço da sua parte. E, subitamente, depois de nove meses, esse mundo é destruído. Você é arrancado de suas raízes. Estava seguro no útero, conectado à mãe; agora está desconectado. E ainda tem de passar pelo canal do nascimento, que é um canal muito estreito. A criança sente uma dor imensa, e a dor é tão grande que ela perde a consciência. Este é um mecanismo intrínseco da mente: quando alguma coisa se torna insuportável, a mente simplesmente desliga para que você não precise sentir. Na verdade, dizer que uma dor é insuportável está existencialmente incorreto, porque quando é mesmo insuportável, você perde a consciência. Assim, você jamais sentiu uma dor insuportável. Se você a sente e se está consciente, ela ainda é suportável. Assim que a dor atinge o limiar do insuportável, imediatamente o mecanismo da consciência é desligado. Você entra em coma, uma anestesia natural. Assim, toda criança, ao passar pelo canal do nascimento, entra em coma; isso interrompe a sua memória. E novamente ela passa por aquele mesmo caminho, achando que está fazendo algo de novo. Ninguém faz nada novo. Tudo o que você faz, já fez muitas vezes, milhões de vezes. Não existe nada novo. A raiva, a cobiça, o sexo, a ambição, a possessividade, tudo isso você já viveu milhões de vezes. Entretanto, por causa do trauma do nascimento, houve uma descontinuidade, um hiato; e por isso o seu passado deixou de ser acessível a você. Através de um profundo grito primal, o passado pode tornar-se acessível. Se você regredir ao trauma do nascimento, poderá recordar suas vidas passadas. Mas terá de entrar profundamente no trauma do nascimento. E uma vez tendo retornado ao estágio uterino da sua consciência, de repente você vê a sua autobiografia. E ela é longa. É entediante. São só angústias, fracassos e frustrações. Na nova comuna, vamos nos esforçar para que você se recorde de suas vidas passadas. Então não achará deprimentes as palavras de Ikkyu, mas reconhecerá que são verdadeiras.
  • 9. Mas você está vivendo uma vida falsa, pensando que está fazendo uma coisa nova. E por achar que é nova, continua fascinado por ela, pela magia da novidade. Se soubesse que já se apaixonou milhões de vezes, e que em cada uma delas fracassou, é impossível cair na mesma armadilha. Você verá que isso é tudo em vão, que não existe alma gêmea e nunca existirá. Que a solidão é absoluta. Que não é possível estar junto, se comunicar. Que ninguém pode entender você, nem você entender alguém. Eu sei que esses discursos são depressivos. Por quê? Porque tocaram as suas feridas e o pus começará a escorrer. Mas lembre-se sempre: às vezes, é bom manter aberta a ferida, pois essa é a condição para curar-se. Certamente será preciso coragem ou nada poderá ser feito. Para manter aberta a ferida é preciso ter muita coragem; essa é a condição para a sua cura! Você gostaria de esconder sua ferida, de cobri-la com flores; você gostaria de esquecê-la. Gostaria de buscar um consolo. “Talvez o amor ainda não tenha acontecido e pode acontecer agora. Desta vez, posso ser capaz de realizá-lo.” Entretanto, o amor não pode ser possível. Torná-lo possível não depende de você. O amor é, em si, uma impossibilidade. Ele mantém você iludido, numa espécie de sonolência. Ikkyu diz: “Chegamos sós a este mundo, Partimos sós...” Estar junto é ilusório, estar só é fundamental. O amor é ilusório, a meditação é fundamental. Mas, em última análise, também ela é ilusória. É agora que Ikkyu adianta um passo e dá o salto quântico. Você já ouviu dizer, muitas vezes: “Chegamos sós a este mundo e partimos sós”. Mas Ikkyu diz: Isso também é ilusão. Vou lhes ensinar a maneira De não vir, de não ir! Isso é Zen, puro Zen. A religião comum ensina que o amor é ilusório. Mas Zen, no fim, ensina que até mesmo a meditação é ilusória. Deixe-me esclarecer este ponto. O amor significa companheirismo, a possibilidade de estar junto, de se perder no outro, da comunicação, do relacionamento. Quando o amor fracassa, quando fracassa inteiramente, você começa a buscar a meditação. Meditação é a capacidade de estar só. O amor e a meditação são polaridades. Meditação é a capacidade de não se relacionar — não é preciso relacionar-se, cada um basta a si mesmo.
  • 10. Muita gente continua apegada ao amor. Algumas pessoas fogem dele, mas se apegam à meditação. O Zen diz: se você se apega à meditação, à sua solitude, ainda está muito longe da verdade. Porque, se estar junto é falso, como estar só pode ser verdadeiro? Essa é a grande revolução que o Zen traz para a religião. Se estar junto é falso, então estar só não pode ser verdadeiro porque a solitude só pode ser entendida no contexto do companheirismo. Se o amor é falso, a meditação também não pode ser verdadeira. Quem escolhe a meditação em oposição ao amor, está escolhendo uma polaridade — e uma polaridade depende da outra. Pense bem: se a escuridão é falsa, como a luz pode ser verdadeira? Se o sofrimento é falso, como a felicidade pode ser verdadeira? Se o nascimento é falso, como a morte pode ser verdadeira? Se o “eu” é falso, como “você” pode ser verdadeiro, e vice-versa? Eles existem aos pares. O amor e a meditação formam um par, eles estão casados para sempre. Se você ficar em silêncio, observando o funcionamento da sua mente, perceberá que isso está continuamente acontecendo... Você ama uma pessoa, mas logo começa a sentir necessidade do seu próprio espaço. É a necessidade da meditação. Pode ser que você não veja assim, mas é exatamente isso. Ao lado de alguém, você começa a sentir-se sufocado, pressionado, esmagado. Então percebe que precisa do seu próprio espaço, gostaria de ficar sozinho por alguns dias. Há poucos dias, recebi uma carta de uma sannyasin, cujo namorado viajou para o Ocidente; ela estava naturalmente preocupada e tensa, porque ficaria sozinha aqui. O rapaz precisava ir por certas razões e responsabilidades. Gostaria de ficar com ela, mas precisava ir. Por isso a jovem estava tão perturbada, estava sofrendo. Mas ela teve uma surpresa; quando o namorado partiu, ela sentiu-se como que aliviada de um fardo. Sentiu-se muito bem. Escreveu a carta, sentindo-se muito culpada. Isso lhe parecia traição: “Seu namorado vai embora e você está feliz! Devia estar chorando e soluçando, devia estar andando por aí com a cara triste, para todo o mundo saber que o seu namorado partiu”. E ela está tão feliz, como nunca esteve na vida! O que está acontecendo? Você não precisa sentir-se culpada. Se as pessoas estivessem alertas, isso aconteceria com todo o mundo. Quando o seu namorado se for, você irá dançar: finalmente, pode ficar sozinha! Isso não vai durar muito; dentro de poucos dias você estará cansada de ficar sozinha e começará a suspirar outra vez pelo namorado. Essa é uma polaridade. O amor cria a necessidade de estar só. E estar só inevitavelmente acontece por intermédio do amor. E quando você está só, essa solitude cria a necessidade de
  • 11. amar: o amor inevitavelmente acontece por intermédio da solitude. Ambos são sócios, sócios da mesma empresa. O Zen diz: as pessoas que se refugiaram no Himalaia e hoje estão sentadas em suas cavernas são tão tolas quanto as que vão atrás de mulheres ou de homens, pensando que estão vivendo a própria vida. Tanto umas quanto as outras são tolas porque escolheram polaridades. Está demonstrado, por milhares de anos de experiência, que o homem sentado numa caverna do Himalaia só pensa em mulher e nada mais. E, é claro, cada vez tem mais medo dela, pois ela está chegando até ali, senão em corpo, ao menos psicologicamente. Ele fica tão fascinado que em certos momentos começa a projetar a mulher quase fisicamente, como se ela estivesse presente; ele começa a ter alucinações. Nas escrituras indianas há relatos de grandes rishis que meditavam no Himalaia. Num certo dia, subitamente, lindas mulheres celestiais vieram entretê-los. Ora, por quê e para quê estariam interessadas em distrair essas pobres criaturas? Não há ninguém, é pura alucinação. Esses homens viveram demais em solitude. Cansaram-se, e agora não há ninguém com quem possam se relacionar. Então eles criam, projetam. A mente está numa tal carência que eles precisam criar alguém para conversar. E, naturalmente, se você vai criar, por que não criar lindas mulheres nuas, dançando ao seu redor? E era isso que eles tinham reprimido, foi por isso que fugiram do mundo — mas continuava dentro deles. Você percebeu o outro lado? Uma pessoa que está no mundo, cansada, preocupada, tensa, começa a pensar numa forma de renunciar a ele. Sente-se muito bem, só em pensar: “Um dia desses eu renunciarei ao mundo, irei para o Himalaia e ficarei lá, naquele silêncio e naquela paz, com a satisfação de gozar de tudo isso”. Esta simples idéia já faz com que a pessoa sinta-se bem e renovada. Na Índia, especialmente, as pessoas vivem pensando que um belo dia renunciarão a toda esta loucura, a esta feira, e buscarão refúgio num mosteiro, onde viverão felizes para sempre. Elas não conseguirão; lembram-se daquelas mulheres que desciam do céu? Elas virão torturá-las. A meditação e o amor constituem um par, um casal. Estão juntos e casados para sempre: são yin e yang, não podem se abandonar mutuamente. Então Ikkyu está certíssimo quando diz: “Chegamos sós a este mundo, Partimos sós — Isto também é ilusão”.
  • 12. O amor é ilusão, e a meditação também é: a única vantagem da meditação é que ela pode tirar você do amor. Contudo, não se apegue: ela é apenas um artifício para afastá-lo da ilusão do amor. Então deixe-a também, imediatamente; caso contrário, você começará a criar novas ilusões a respeito da meditação: a kundalini despertando, uma luz surgindo nos chakras, e mil outras coisas conhecidas como “experiências espirituais”. Não são espirituais coisa nenhuma, mas pura fantasia. Você não pode viver por muito tempo sozinho. Se não vierem as lindas mulheres, a kundalini vai despertar ou alguma outra coisa vai suceder, porque você não pode estar só. Talvez aquelas lindas mulheres já tenham esquecido ou se cansado dos velhos rishis e não venham mais ou estejam ocupadas em outros planetas. Mas alguma coisa terá de acontecer: você começará a ver chakras agitando-se em seu interior, uma energia surgindo. Na sua espinha, uma grande excitação; na sua cabeça, flor de lótus se abrindo. Você não pode ficar só! Está criando um mundo que agora chama de espiritual. Não importa o nome que você lhe dê. O que importa é o fato de que você não pode ficar só por muito tempo. Não pode ficar acompanhado por muito tempo e não pode ficar só por muito tempo. O companheirismo cria a necessidade de estar só, de permanecer só. E mais cedo ou mais tarde, você descobre que está ansioso por estar com alguém. É exatamente como o dia e a noite, o verão e o inverno: está sempre mudando, é a roda da vida. Ikkyu está certo, quando diz: a verdade é que cada um precisa ultrapassar o amor e a meditação, transcender o relacionamento e a solitude. Quando ambos desaparecem, o que resta? Não resta nada; esse nada é o sabor da existência. Você não é só e não está ligado a alguém. Na verdade, você não é. Vou lhes ensinar a maneira De não vir, de não ir! E aí, para onde você pode ir? Quem é que vai? De onde você pode vir? Quem está por vir? Então, esse ir-e-vir desaparece e se conhece aquilo que sempre é: conhece-se o eterno. O ir-e-vir se reduz a sonhos, a fenômenos temporais, a bolhas de sabão, coisas momentâneas. Quando todas essas coisas momentâneas tiverem sido abandonadas, ao perceber que a comunicação não é possível, que o relacionamento não é possível, você começa a buscar a solitude. Então, um belo dia você percebe um outro fenômeno: a solitude também não é possível. E em vez de retornar ao amor, como geralmente acontece, você pula também para fora da solidão. Você pula mais fundo. A partir do dois, você chegou ao um; a partir do um, você chega ao nenhum — nem-um. Isso é advaita, o não-dual; nem mesmo se pode chamar de “um”. Essa é a fonte, é o oceano. Nós somos as ondas. E ao ver esse oceano você
  • 13. reconhece que nunca nasceu e que nunca irá morrer. Toda a sua existência foi uma existência de sonho. Tudo desapareceu. BUDA CHAMOU a tendência de estar amando ou estar sozinho de tendência do ego para subsistir. No relacionamento ou no isolamento o ego deseja subsistir; seja como amante ou como meditador, como homem deste mundo ou do outro, o ego quer subsistir. A essa tendência Buda deu o nome de avidya, ignorância. Lembre-se, avidya não significa ausência de conhecimento, mas simplesmente inconsciência. Avidya é a tendência de tratar o ego como absoluto. Cria um espaço entre o ser humano e o universo, e por isso o ser humano não está na sua relação correta com o mundo. Essa falsificação é chamada por Buda de avidya — ignorância, inconsciência. Você busca o amor com certa inconsciência, e também busca a meditação com uma certa inconsciência. Quando você se torna consciente, o amor desaparece, a meditação desaparece. Mas deixe-me lembrá-lo de uma coisa, para que você não interprete erroneamente tudo isso. Quando desaparece aquilo que você chama de amor, surge outro tipo de amor, do qual você não tem nenhuma noção dele. Quando desaparece a meditação, surge uma espécie totalmente distinta de condição meditativa, da qual você não tem a mínima idéia. Sua meditação atual é um esforço, uma prática, um cultivo, um condicionamento. Quando esse tipo de meditação é abandonado, uma simples qualidade meditativa nasce em seu ser. Você simplesmente fica silencioso, sem qualquer motivo. Não é que você esteja tentando ficar silencioso e tranquilo, não é que você esteja fazendo esforço para permanecer tranquilo. Você simplesmente fica tranquilo porque não há ninguém para perturbá-lo. Como o ego não está presente, foi-se embora a única causa da perturbação. Você simplesmente fica tranquilo, sem fazer nada para isso. Tentar ficar tranquilo significa apenas que você está perturbado, cindido, dividido em duas partes: uma que tenta silenciar você, e outra que é puxada com violência para o silêncio. Há um certo conflito, e como um conflito pode ser meditativo? Há coerção, violência, e como a violência pode ser paz? É por isso que eu digo que as pessoas que se esforçam, com posturas de ioga e mantras, tentando a qualquer custo encontrar a sua paz, não são pessoas pacíficas. Estão somente criando uma fachada, uma hipocrisia. Quando nasce em você o verdadeiro ser humano, o ser humano original, você não faz nenhum esforço para ser alguma coisa: simplesmente é. Este é o homem natural do Zen. Ele ama, não porque precisa de alguém, mas porque não pode deixar de amar. O amor está presente, o amor está fluindo, não há ninguém que o impeça. O que ele pode fazer? Ele é meditativo, não pelo fato de meditar, mas porque não existe nenhuma perturbação. O ego, a causa exclusiva da
  • 14. perturbação, não está mais presente. A divisão deixou de existir, o indivíduo é uno. Ele está unificado, calmo, integrado. E tudo isso é puramente espontâneo. É por isso que as pessoas do Zen não chamam de espiritual o autêntico homem do Zen — ele não é mundano nem espiritual. Está no mundo, mas já não é do mundo. Vive em pleno tumulto, mas o tumulto não vive nele. O ensinamento de Buda é absolutamente negativo por uma única razão. É preciso negar o amor, é preciso negar a meditação. Ora, estas são as duas coisas mais elevadas do mundo, as mais preciosas. E Buda nega ambas. Sören Kierkegaard, pensador e místico dinamarquês, tem uma compreensão profunda do ensinamento negativo. Diz que só ele é possível, porque a qualquer ensinamento positivo a mente se apega e cria novos sonhos a seu respeito. Se você fala de Deus, a mente se apega a Deus. Ele se torna um objeto e a mente começa a pensar: “Como me relacionar com Deus? Como alcançar Deus?” E isso se torna um novo caso de amor. Se alguém fala de moksha, o paraíso, a pessoa começa a cobiçá-lo: “Como ter o paraíso?” E a cobiça cria novos sonhos e novos pesadelos. Só o ensinamento negativo é possível. Um ensinamento verdadeiro é necessariamente negativo; um caminho verdadeiro é uma via negativa. Por quê? Porque os homens combatem a verdade, eles fogem intencionalmente dela. O propósito do ensinamento negativo é perturbar e provocar o ser humano para ser ele próprio, porque ele está fugindo, está negando a si mesmo. O ensinamento negativo é a negação da negação. Toda a sua vida é negativa; neste exato momento, ela é negativa. Você está fugindo de si mesmo: esta é a sua negação. Ora, essa negação só pode ser anulada por uma outra negação. Quando duas negações se encontram, elas se anulam e se destroem reciprocamente; nessa luta, ambas desaparecem. O que resta é positivo. E nem mesmo pode ser chamado de positivo, porque nada restou de negativo. É o cósmico, a verdade. É o eterno, o definitivo, o absoluto. O caminho de Buda é o do neti neti — nem isto, nem aquilo. Ele diz: Continue negando. Chega um momento em que não se encontra mais nada para se negar: é o momento do nirvana. Quando nada mais resta para ser negado, e só o nada ficou em suas mãos, então a liberdade acontece. Você é resgatado de si mesmo e de todas as suas projeções. Nós comemos e expelimos, dormimos e nos levantamos: Este é o nosso mundo. Tudo o que precisamos fazer, depois disso, É morrer.
  • 15. ESTA AFIRMAÇÃO TEM DUPLO SENTIDO. Um deles é dirigido ao homem ignorante: esta é a sua vida, esta é toda a sua vida. Veja em quê ela consiste... Nós comemos e expelimos, dormimos e nos levantamos: Este é o nosso mundo. É o que você vem fazendo. A mente é mesmo completamente estúpida, caso contrário não se limitaria a comer e expelir, dormir e acordar... e recomeçar todo o ciclo. Esta é a sua vida, é assim que você se move, entra dia e sai dia, entra ano e sai ano. Entra vida, sai vida, e você continua fazendo do mesmo jeito. Tudo o que precisamos fazer, depois disso, É morrer. Somente uma coisa restou fora do círculo: a morte. Mais cedo ou mais tarde, ela também chega. Toda a história se resume nisso. Omar Khayyam diz em seu Rubaiyat: “Houve uma breve conversa a respeito de mim e de ti, e então nada mais houve a respeito de ti e de mim”. Somente uma breve conversa, uma conversa repetitiva, uma pequena fofoca. Comer, expelir, dormir e morrer — é nisso que consiste toda a sua vida. Aqui, porém, surge a pergunta: “Mas é isto que continuam fazendo até mesmo as pessoas iluminadas? O que fez Buda por quarenta anos, depois que se iluminou? O que fez o próprio Ikkyu? Por muitos anos ele permaneceu iluminado no mundo; ele estava fazendo a mesma coisa”. Sim, mas com uma diferença, que precisa ser entendida. O homem do Zen vive de uma forma tão comum como qualquer outra pessoa, por isso não se pode fazer qualquer outra distinção. No entanto, se você visitar, por exemplo, um monge jainista, verá que ele vive de uma forma diferente: ele também come e expele, dorme e se levanta, e a roda continua girando, ele criou hábitos especiais de comer. Não ganha o próprio sustento, mas mendiga. Até para expelir ele criou hábitos especiais, extraordinários. Não usa o banheiro público. Não, ele precisa sair da cidade. Não pode usar o banheiro que você usa; ele não é um ser humano comum. Veja como é idiota o nosso modo de proceder — que coisa extraordinária! Ele tem de sair da cidade, só come uma vez por dia. Há uma seita de jainistas ainda mais complicada: seus membros comem de pé. O monge jainista anda nu, não toma banho, não escova os dentes. Não dorme em cama, somente no chão, com palha por baixo e por cima. Não tem abrigo, ele muda de um lugar para outro, está constantemente mudando. Mas essas diferenças são mero detalhe. No fundo, que diferença faz se você sai da cidade para fazer as suas necessidades ou se você usa o banheiro público?
  • 16. Se você ganha o seu próprio sustento ou se outro ganha por você, enquanto você mendiga? Se come duas, três ou cinco vezes por dia, ou uma só vez? Que diferença faz? Trata-se apenas de hábitos, que podem ser cultivados. Há tribos na África que comem somente uma vez a cada vinte e quatro horas. Há séculos, elas se alimentam assim. Seus membros não podem acreditar que as pessoas comam duas vezes por dia; para eles, uma vez é o bastante. Esses pequenos detalhes só servem para criar a idéia de que “eu sou especial”. São viagens do ego. Um homem do Zen vive simplesmente da mesma forma que você. É muito difícil notar a diferença, mas ela existe. A diferença que ele testemunha tudo o que está acontecendo. Ele come, mas permanece uma testemunha. Ora, essa é uma diferença interna. Não se pode vê-la de fora, mas um pouco dela filtra também para o exterior. Você pode notar um homem do Zen pelo seu modo de caminhar: ele caminha tão consciente, tão alerta. Come consciente e alerta. Até dorme consciente; uma luz permanece acesa durante o seu sono. Ele continua observando até mesmo os seus sonhos. Está sempre de vigia, atento, consciente, alerta. Esta é a diferença. Por estar alerta, ele permanece relaxado; e pelo fato de estar relaxado, todo o mundo está relaxado para ele. O mundo em que ele vive é o mesmo, mas as rosas são muito mais coloridas, o verde é muito mais verde, o canto do pássaro é uma grande alegria. Ouvi contar: A paciente, uma jovem e bonita showgirl, estava se queixando de tensões nervosas. O médico lhe receitou tranquilizantes e mandou que ela voltasse em algumas semanas para dizer como se sentia. Quando ela voltou, o médico perguntou se sentiu algo diferente, e ela respondeu: “Não, doutor, mas reparei que as outras pessoas pareciam muito mais relaxadas!” Se você está relaxado, notará de repente que as outras pessoas parecem muito mais relaxadas. Se você está silencioso, o mundo todo entra num profundo silêncio. Se você está meditativo, subitamente percebe que as árvores e as pedras estão meditando, que a lua está em profunda meditação, e também o sol e as estrelas. Quando o amor começar a inundar você, não esse amor que você conhece, mas aquele que os Budas conhecem, quando ele começa a fluir, subitamente você verá que ele está fluindo em toda parte. Está fluindo das árvores — o que você chama de fragrância é amor. Irradiando do sol — o que você chama de luz é amor! É a gravidade da Terra — o que você chama de gravidade é amor.
  • 17. É o silêncio da noite, o gorjear dos pássaros, o fluir do rio, o silêncio do Himalaia. Quando o seu amor começa a fluir, subitamente você percebe que o amor está fluindo por toda aparte, que a vida consiste em amor, que a existência é feita da matéria chamada amor. Mas isto precisa acontecer, em primeiro lugar, com você mesmo. Um homem do Zen vive de uma forma tão comum quanto você. Mas essa forma comum tem uma qualidade extraordinária: ela irradia alegria e celebração, irradia o testemunhar. Um grande Mestre Zen, Lin Chi, diz: “Ó Irmãos do Caminho, é preciso saber que não há, na realidade do budismo, nada de extraordinário a realizar. Simplesmente vivam da forma costumeira, sem fazer nada de especial, satisfazendo as necessidades naturais, vestindo-se, comendo, e deitando-se, quando estiverem cansados. Deixem que as pessoas ignorantes riam de mim. Os homens sábios sabem o que eu quero dizer”. Lin Chi está dizendo: não faça nada de especial, não seja um fazedor. Deixe que as coisas aconteçam, seja um observador. E os ignorantes rirão de você. Eles irão dizer: “Que espécie de religião é esta?” Você já deve ter encontrado essas pessoas ignorantes. Elas dizem: “Que religião é essa? Em que armadilha você caiu? O seu Mestre não lhe está ensinando nada de especial”. Sim, eu não estou ensinando nada de especial, porque todas as idéias de especialidade são viagens do ego. Eu estou lhe ensinando a ser normal, a ser comum. Se você puder relaxar no que é normal, no que é comum, de repente você explodirá numa irradiação extraordinária e um grande esplendor lhe acontecerá. Lin Chi tem razão quando diz: “Deixe que os ignorantes riam. Os homens sábios sabem o que eu quero dizer”. Coma, beba e festeje, exatamente como qualquer pessoa. Não tente ser especial de jeito nenhum. Mas comendo, seja uma testemunha; bebendo, seja uma testemunha; festejando, seja uma testemunha. O ato de testemunhar irá mudar tudo; ele é a transformação. Somente este testemunhar vai torná-lo consciente de quem você é. Não morrerei, não irei a parte alguma, Estarei aqui; Mas não me perguntem nada, Não responderei.
  • 18. ESSE É O VERSO DA MORTE DE IKKYU. É uma tradição no Zen que, quando o Mestre está morrendo, seus discípulos lhe peçam o verso da morte — sua última expressão poética, sua declaração final, seu testamento sobre a morte. Ikkyu diz: Nós comemos e expelimos, dormimos e nos levantamos: Este é o nosso mundo. Tudo o que precisamos fazer, depois disso, É morrer. Agora a morte está chegando e os discípulos lhe pediram para compor o seu último verso. E este foi o seu último verso: Não morrerei, não irei a parte alguma, Estarei aqui; Mas não me perguntem nada, Não responderei. Alguém perguntou a Raman Maharshi — ele estava morrendo de câncer e alguém lhe perguntou: “Quando você estiver morto, para onde irá?” Ele abriu os olhos e disse: “Para onde eu posso ir? Eu estarei aqui”. É que uma pessoa iluminada não conhece outro espaço a não ser aqui, não conhece outro tempo a não ser agora. Todo o tempo consiste no agora, e todo o espaço consiste no aqui. Aqui e agora é toda a sua existência. Ikkyu diz: Não morrerei... Porque, em primeiro lugar, eu nunca nasci. O nascimento é uma ilusão. E também não vou morrer: como eu poderia morrer, se nunca nasci? A morte é outra ilusão. Estarei aqui, sempre estive aqui. Sou o sabor do Tao, sou parte desta eternidade, sou uma onda neste oceano. Algumas vezes, como onda; outras vezes, como ausência de onda, de qualquer forma eu estou aqui e estarei sempre aqui. Não há nenhum vir, não há nenhum ir. Ikkyu diz: Vou lhes ensinar a maneira De não vir, de não ir! O nascimento e a morte são idéias nossas. É muito difícil entender isto. Quando uma pessoa está morrendo, em seus últimos momentos ela projeta a idéia do nascimento. Em seus momentos finais, começa a pensar: “Como voltar? De que
  • 19. forma?” As experiências de toda a sua vida se condensam numa forma; nasce uma forma. Essa pessoa viveu de uma certa maneira; gostaria de viver de uma outra, mas não conseguiu. Essa outra maneira apossa-se agora da sua mente: “Da próxima vez, gostaria de ser assim”. E essa última idéia da pessoa, ao morrer, torna-se a semente. Se você morrer sem uma idéia, você não nascerá. Seu nascimento é sua idéia; ela o cria. Você não nasceu por acaso, nada é casual. Você causou o seu nascimento, é responsável por ele. As pessoas morrem de diferentes formas em suas mentes. Essas formas tornam-se as linhas mestras e de acordo com elas as pessoas entram num útero, e surge o nascimento. Você se surpreenderá ao saber que também a morte é sua idéia. As pessoas morrem de acordo com suas idéias. De fato, a psicologia profunda suspeita de que cada morte seja um suicídio. Essa suspeita é quase verdadeira — digo “quase” porque tenho de excluir os Budas. Mas é verdadeira para qualquer outra pessoa: sua morte é sua idéia. Mais cedo ou mais tarde, você começa a ficar cansado da vida, você começa a pensar em morrer, em desaparecer. Já é demais, chega! Você já não pensou muitas vezes em cometer suicídio? Freud deparou-se com essa idéia e lhe deu o nome de thanatos, o desejo de morte. Cada pessoa tem, lá no fundo a idéia de suicídio; cada um decide a sua morte. Até as pessoas que morrem em acidentes são propensas a eles pois gostariam inconscientemente de morrer num acidente. Criamos continuamente possibilidades em torno de nós, mas nos surpreendemos quando elas acontecem. Vigie bem suas idéias e observe como elas criam sua vida. Alguém pensa que é um fracasso, que não vai fazer nada na vida. Realmente, essa pessoa não irá fazer nada porque sua idéia está criando a sua realidade. Quanto mais ela achar que não está conseguindo nada, quanto mais essa idéia for reforçada pelo feedback, mais ela achará que está se tornando um fracasso. Cria-se um círculo vicioso. Quem pensa que vai ter sucesso, é bem-sucedido; quem pensa em ficar rico, enriquece, quem pensa que não vai enriquecer, permanece pobre. Experimente e você ficará admirado; algumas vezes, nem vai acreditar. Se um homem pensa que jamais encontrará um amigo, ele não encontrará. Ergueu em torno de si a Muralha da China; não está disponível. Ele precisa provar que sua idéia é certa, lembre-se. Mesmo que alguém se aproxime dele com grande cordialidade, será rejeitado. Ele precisa provar sua idéia, está muito comprometido com ela. Não vai se desviar dessa idéia porque ela é uma parte importante do seu ego. Ele precisa provar ao mundo que tinha razão, que
  • 20. ninguém pode ser seu amigo, que todos são inimigos. E pouco a pouco todos se tornarão seus inimigos. Observe a sua mente. Você está constantemente criando sua vida, está constantemente fabricando sua vida. Os psicólogos verificaram há muitos séculos que as pessoas pensam que a vida dura setenta anos. É devido a essa idéia que vive-se cerca de setenta anos; não há outra razão. Pelo fato de acreditar que esse é o limite — excetuando-se alguns excêntricos, que morrem um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde, as pessoas geralmente, seguem a rotina, convencional, e morrem perto dos setenta anos. Quando chegam aos sessenta, já começam a se preparar, já vão ficando prontas. Aposentam-se e começam a expulsar a si mesmas do mundo. Por dez anos, ficam pensando: “Agora está chegando; tenho quase setenta anos. Já passou um ano, restam nove. Passaram dois, restam oito”. Estão sempre se sugestionando. Quando chegam os setenta, já se foram e provaram a sua idéia. E passaram também aos seus filhos a idéia de que a vida é isto: apenas setenta anos. Há tribos que vivem mais. Na fronteira da Cachemira, no Paquistão, existe uma tribo, os Hunza, que vivem muito. Cem anos é muito fácil, cento e vinte não é difícil, cento e cinquenta também é possível. Entretanto, desde que entraram em contato com outros povos, eles começaram a morrer mais cedo. A alimentação deles não mudou, nem o clima; tudo continuou como era. Só pelo fato de ficarem sabendo que as pessoas morrem mais cedo, devem se sentir um pouco culpados. Começaram a morrer mais cedo, é preciso seguir a multidão. Dentro de trinta ou quarenta anos, irão desaparecer. Vão participar da crença nos setenta anos... Quando Bernard Shaw estava procurando, na sua velhice... ele viveu muito. Aos cinquenta anos estava procurando um lugar para morar. Desejava sair de Londres. Sabem como ele encontrou o seu lugar? Fez uma verdadeira pesquisa psicológica. Visitou cemitérios para ler o que estava escrito nas lápides. Encontrou um cemitério onde tinham sido sepultadas pessoas com idade avançada — noventa anos, noventa e cinco, noventa e oito, cem... Um homem tinha morrido aos cem anos, e em sua lápide havia esta inscrição: “Este homem morreu prematuramente”. Ora, ele tinha vivido cem anos! Shaw disse: “Este é o lugar ideal para se viver”. Quis viver naquele lugar, onde as pessoas achavam prematuro morrer aos cem anos. E ainda viveu por muitos anos. A idéia funcionou. Os fisiologistas dizem que parece não haver no ser humano uma necessidade física de morrer. Sim, você ficará admirado em saber que existe a possibilidade de, um dia, o ser humano alcançar uma idade muito avançada, quase imortalidade física porque o corpo está constantemente se renovando, por isso não tem necessidade de morrer. As células velhas desaparecem, novas células
  • 21. se formam; em sete anos, o corpo muda completamente. Ele está continuamente se reciclando, se renovando e rejuvenescendo; é um continuum. Não existe no corpo uma necessidade interior de morrer. Os médicos estão de acordo quanto a isso. Os psicólogos, por sua vez, estão percebendo que a razão pela qual as pessoas morrem pode estar relacionado com a mente, e não com o corpo. Este é um dos grandes ensinamentos do budismo — o nascimento é mente, a morte é mente. Tudo são idéias. E você não é nenhuma delas. Não morrerei, não irei a parte alguma, Estarei aqui; Mas não me perguntem nada, Não responderei... ... porque não pode ser respondido. Precisa ser vivido, reconhecido; precisa ser saboreado. Entre profundamente dentro de si mesmo e observe: você está pensando em morrer? Então, está criando a semente. De fato, o nascimento cria a morte. Há poucos momentos eu lhes falei do trauma do nascimento. Quando a criança nasce, sente que está morrendo. É natural, ela vivia de uma forma tão bela, e está sendo expulsa do paraíso. Adão é expulso em cada criança — ele estava no Jardim do Éden, e agora está sendo expulso. Aquilo era vida; isto parece morte. Cada criança, durante toda a sua vida, deseja retornar ao útero materno. Nós criamos úteros substitutos. Nossos quartos de dormir são úteros. O quarto de dormir é fechado por cortinas escuras. A noite, você apaga a luz e fica tão escuro como no útero. Há também a cama, a cama macia, os travesseiros, o colchão, as cobertas — você se aninha dentro delas, toma a postura do feto. O calor da cama, a escuridão ao redor, o conforto, o silêncio... você escorrega outra vez para dentro do útero. O sono, todas as noites, é recapitulação do útero, é uma pequena morte. É por isso que você acha tão difícil se levantar de manhã: porque volta a perturbar de novo o seu inconsciente profundo. É um novo nascimento, e o trauma do nascimento ainda afeta você. Você vai se surpreender ao saber que os povos primitivos não se incomodam de levantar de manhã cedo. Quando o sol aparece, já estão de pé, sem nenhum problema. A razão disso é que eles não têm um trauma de nascimento tão grande.
  • 22. Numa sociedade primitiva, a criança não nasce com tanto sofrimento quanto entre os povos civilizados. A mãe não sente muita dor. Tudo é muito simples, como entre os animais. A mãe pode estar trabalhando no campo, ela dá à luz a criança e a leva para casa. Ou talvez seja meio-dia e o trabalho ainda terminou. Ela deixa o bebê sob a árvore, termina o trabalho e então o leva para casa. Não há necessidade de hospitais nem de drogas. Ela não sente dor, pelo contrário, sente um grande êxtase. A experiência de dar à luz uma criança é mais orgástica do que qualquer experiência sexual jamais pode ser. E a criança vem tão facilmente que não sofre nenhum trauma de nascimento. É por isso que nas sociedades primitivas as pessoas se levantam cedo. Quanto mais civilizada é a sociedade, tanto mais difícil isso se torna. Há poucos dias, perguntei por Padma, e ela estava dormindo, às 11 horas da manhã. Ela deve ter sofrido um grande trauma de nascimento. Se você também sofreu, achará muito difícil levantar-se de manhã, o seu corpo quer permanecer na cama. Ele quer permanecer no útero, não quer sair dele. Você precisa ser puxado para fora. O nascimento cria a morte. Cada sono é uma pequena morte. É por isto que muitas pessoas acham difícil fazer amor na cama, porque nelas desperta a idéia da morte. Elas ficam com um pouco de medo. Acham bem melhor fazer amor no carro ou na praia, mas na cama lhes parece um pouco difícil. Para algumas, é mesmo impossível, porque a própria idéia da cama evoca o ambiente da morte. Outros, porém, só podem fazer amor na cama, porque ao entrar no corpo de uma mulher, pensam que estão retornando ao útero. Isso depende do seu pensamento. Se você pensa que entrar no corpo de uma mulher é entrar novamente no útero, então não encontrará outro lugar para fazer amor, que não seja a cama. Mas se você tem medo da morte e se o trauma do nascimento desperta lembranças, então será difícil ter orgasmo na cama. As pessoas morrem em suas camas. Noventa e nove por cento delas morrem na própria cama. É natural, parece ser o mais natural: um dia elas desaparecem, na cama. E por toda a vida, pensam numa maneira de recriar o útero. A casa delas é uma réplica do útero. Quanto mais uma coisa se assemelha a um útero, mais confortável parece. Não morrerei, não irei a parte alguma, Estarei aqui; Mas não me perguntem nada, Não responderei. A morte é falsa, tão falsa quanto o nascimento. Você está além do nascimento e da morte. Você vem ao nascimento, você toma a forma do nascimento, e
  • 23. transcende essa forma na morte. Você é sem forma. Porém nada pode ser dito a respeito; precisa ser experimentado. Tudo o que pode existir Faz parte do mundo da ilusão, A própria morte Não sendo uma coisa real. A morte é a maior ilusão, apenas comparável ao nascimento. Você é eterno. Ikkyu costumava denominar esse aspecto do nascimento e da morte “o remédio de não nascer e não morrer”. Ele dizia: “Isto pode curar todos os males”, porque todos os males estão situados em algum lugar entre o nascimento e a morte. Se você puder abandonar a idéia de nascimento e de morte, tudo será abandonado. Você não precisará mais se preocupar com meditação. Não haverá estar junto, nem estar só. Você é uma unidade com o todo. Como pode estar só? E como pode estar acompanhado? Não existe ninguém, a não ser o todo? O todo é o todo, nada existe além dele, nada existe fora dele. Por isso, ele não pode estar com ninguém. E por isso é impossível estar acompanhado. Mas você também não pode estar sozinho porque a própria idéia “estou só” faz com que você se sinta separado do todo. Você está no todo. Você é o todo. Se quiserem conhecer o caminho, Neste mundo e naquele outro, Perguntem a um homem De misericórdia e sinceridade. IKKYU DIZ: Não me perguntem, não vou responder. Em primeiro lugar, a experiência é tal que isso não pode ser respondido. Mas uma coisa pode ser feita, e os Budas continuam a fazê-la: eles apontam o caminho. Não dizem o que vai acontecer, o que acontece, mas dizem como pode acontecer. Se vocês quiserem conhecer o caminho... Nunca pergunte sobre a experiência, ela é inexplicável. Mas pergunte sobre o caminho, e então algo poderá ser dito: como buscá-lo, que artifícios usar, de onde partir, como sair do círculo vicioso. Como sair do amor? A meditação ajudará. Como sair da meditação? A vida confiante ajudará. E quando você estiver fora da meditação e fora do amor, ambos irão acontecer espontaneamente. Então não serão mais coisas pequeninas, criações suas, serão dons de Deus.
  • 24. Se vocês quiserem conhecer o caminho, Neste mundo e no outro, Perguntem a um homem De misericórdia e sinceridade. Como encontrar um Buda? Por estas duas coisas, diz Ikkyu: pela sinceridade e pela misericórdia. Sua compaixão mostrará seu amor transbordante, que não necessita de razões. Se você puder encontrar um homem de amor, recorde aquelas palavras: “Um vislumbre do homem real, e você se apaixona”. Então você é amor. Se você conseguir encontrar um homem de amor, não perca a oportunidade. Ele é a porta: entre e você encontrará sinceridade. Lembre-se de que sinceridade não significa seriedade; mas sim veracidade, autenticidade. Como você julgará se um homem é autêntico e veraz ou não? Só há uma coisa a ser lembrada: a verdade é paradoxal, só a inverdade é coerente. Se você encontrar um homem muito coerente, evite-o, pois significa que ele está simplesmente filosofando. Ainda não vivenciou coisa alguma, não é um homem sincero. O homem sincero é alguém que simplesmente diz o que é verdadeiro em cada situação. Se com isto ele se contradiz, se é coerente ou incoerente, não faz a menor diferença para ele. Lembre-se da definição de verdade no Zen: a verdade é aquela cuja contradição é também verdadeira. Assim, um homem sincero é necessariamente paradoxal. E é nisso que nós erramos. Quando você encontra paradoxos, você pensa: “Este homem é incoerente; como ele pode ser verdadeiro?” Você tem idéia de que a verdade precisa ser coerente, e isso o impede de encontrar os Budas. Você cai na armadilha dos lógicos, dos filósofos, dos pensadores. Um Buda é basicamente, fundamentalmente, tacitamente paradoxal porque ele vê a verdade na sua totalidade. Ora, a totalidade é paradoxal. A totalidade é ambas as coisas: a noite e o dia, o amor e a meditação. A totalidade é ambas as coisas: isto e aquilo, o visível e o invisível. A totalidade é ambas as coisas: o nascimento e a morte e nenhum dos dois. A totalidade significa que o todo é tão complexo que não se pode fazer nenhuma afirmação coerente a respeito dele. Você precisa ficar se contradizendo. Se você puder encontrar um homem de contradições, poderá estar próximo de alguém que conhece. Verdade é aquilo cuja contradição é também verdadeira. Procure a sinceridade no paradoxo. O homem sincero está disposto a ser incoerente. Ele é tão sincero que está disposto a ser chamado de louco. Ele é tão sincero que não tenta convencer pela lógica. Ele não é um vendedor, não
  • 25. está preocupado em convencer; simplesmente afirma o que é verdadeiro na situação; se você está convencido ou não, isto é assunto seu. Ele não está, de forma alguma, interessado em impor qualquer coisa. Está pronto a ajudar você, mas não a forçá-lo. E o que é a misericórdia? Não é o mesmo que ter pena. Os Budas não têm pena de você, porque ter pena vem do ego. Eles são misericordiosos, são compassivos. A diferença é grande. Há poucos dias, alguém me fez uma pergunta: “Os grupos de terapia que acontecem aqui são muito duros e cruéis. Como é que você, um homem de compaixão, os permite?” E não só isto, a pessoa mencionou ainda o incidente que eu havia contado dias antes, sobre um amigo meu que queria se suicidar. Ela acrescentou: “Ouvindo aquele relato, achei que você foi muito cruel. Não convenceu a pessoa a não cometer suicídio; ao contrário, dispôs-se a levá-lo ao rio para que ela pulasse a pedra e morresse. Que compaixão é essa?” Você perdeu a história. O homem foi salvo! Você perdeu o essencial. O essencial não é como ele foi salvo, essencial é que ele foi salvo. Olhe o resultado. O homem compassivo olha para o resultado. Os artifícios que utiliza não são importantes. Ele está disposto a lançar mão de qualquer artifício: olhe apenas para o resultado objetivo. O homem compassivo não é sentimental, emocional. Você gostaria que eu tivesse abraçado o rapaz e chorado... Mas então ele teria cometido suicídio! Isto teria sido compaixão? Eu o teria levado ao suicídio. Isto é o que os seus pais e amigos estavam fazendo, estavam levando você ao suicídio. Quanto mais tentavam convencê-lo, mais ele queria dizer não. De fato, estava ficando cada vez mais excitado com a idéia do suicídio por causa daquelas pessoas e da atenção que recebia delas. Todas eram pessoas amorosas, elas amavam o rapaz. Mas veja a diferença. Há dois tipos de amor. Um é sentimental e emocional; esse não ajuda. O outro é objetivo; esse ajuda. Então a pessoa repleta de amor objetivo decide agir. Seu único interesse é salvar as pessoas. Eu queria salvar esse amigo, por isso fui tão cruel. E desejo que você também seja salvo, por isso todos os grupos de terapia, aqui, são cruéis. Às vezes, até pessoas que deveriam ser mais esclarecidas entendem mal. Foi o que aconteceu com um sannyasin, Geet Govind. Ele veio de Esalen, foi um dos fundadores de Esalen, então sabe tudo sobre grupos de terapia. Mas não sabe nada de mim, não sabe nada de compaixão objetiva. Acompanhando aqui um grupo de Encounter, ele ficou chocado, mas não teve a coragem suficiente de me dizer isso, porque, quando o grupo de Encounter terminou, eu perguntei especialmente a ele: “O que você achou, Geet Govind?” E ele respondeu: “Tudo foi bom, muito bom, eu gostei” ou qualquer coisa assim.
  • 26. Contudo, ao voltar para casa, ele começou a espalhar boatos e a dizer: “Não vão a Puna. Eles são perigosos, os grupos de lá são muito violentos e cruéis”. Ele entendeu tudo errado. Mas é isto o que acontece com as pessoas cultas. Elas pensam que sabem, conhecem grupos de Encounter, mas não sabem que um grupo de Encounter, usado por um homem compassivo, é uma coisa completamente diferente. Elas conhecem terapia, mas não conhecem nada sobre Budas. Aqui, os grupos de terapia não são meros grupos de terapia, como em Esalen. Aqui, eles são usados apenas como um artifício para destruir alguma coisa, para fazer você despertar. O essencial consiste em arrancá-lo do seu sono. Todos os tipos de coisas serão usados. Se for preciso cravar um punhal no seu coração, ele terá de ser usado. Se for necessária uma espada, ela terá de ser usada. Você se lembra das palavras de Jesus: “Não vim ao mundo para trazer a paz, mas a espada”? O que ele quis dizer? Um homem de compaixão! Só alguma coisa parecida com uma espada pode arrancar você do seu sono. Então, quando se deparar com um homem de misericórdia, lembre-se: o único objetivo dele é despertar você. Ele não é sentimental, não vai chorar com você, mas é muito objetivo, muito científico. Ele sente por você, ama você, quer ajudá- lo. E só ele pode ajudar. Essas pessoas sentimentais, essa idiotice sentimental, não vai ajudar. Se ajudasse, você já estaria salvo. Então, sempre que você encontrar um homem de sinceridade, um homem de paradoxo, cujo único interesse seja a verdade... Mesmo que por isto ele pareça contraditório, não vai mudar a verdade, só para ser coerente. Seu único interesse é ajudar as pessoas a tornar-se alertas e conscientes, mesmo que às vezes seja preciso usar métodos cruéis, e ele está disposto a usá-los. Esse é o homem de misericórdia e sinceridade. Só um homem assim pode ser um Mestre. Evite aqueles que o consolam. Siga os que estão dispostos a destruir você, porque é só quando você é destruído que Deus nasce.
  • 27. 2 Não É Fácil! O que é o desejo de perfeição? Estou me sentindo não-espiritual e estúpido, como um vegetal alaranjado. Estou me desviando? Eu só conheço dois estágios: o Mestre e o discípulo. Existe um terceiro estágio — uma pessoa plenamente adulta e auto-suficiente? Como você pode fazer generalizações sobre os homens e as mulheres? Você me deixou com raiva! A primeira pergunta: O que é o desejo de perfeição? ADHEERA, O DESEJO DE PERFEIÇÃO é a busca do útero perdido, do paraíso perdido. A criança é totalmente feliz no útero da mãe; essa memória persiste. Não é apenas uma memória no cérebro; está em cada célula do corpo, em cada fibra do corpo. Envolve todo o seu ser. Essa memória persiste. Aqueles nove meses foram de gozo eterno, de relaxamento e entrega tamanhos que não é fácil esquecer. Embora conscientemente você tenha se esquecido — devido ao trauma do nascimento, sua consciência se desconectou —, seu inconsciente ainda anseia pelo útero; ele tenta, de todas as formas, voltar ao paraíso perdido. A religião consiste nessa busca, e a ciência igualmente consiste nessa busca. O esforço científico tenta criar o mesmo útero no exterior — aquecimento central,
  • 28. ar condicionado, boas roupas, melhor tecnologia. Você se empenha em criar o útero exterior. E a religião tenta criar o útero interior — com a prece, técnicas de meditação, com o amor, com Deus. Mas seu empenho é o mesmo, voltar àqueles lindos dias. Esse útero perdido é a fonte da parábola de Adão e Eva no Jardim do Éden. Você pergunta: O que é o desejo de perfeição? O desejo de perfeição consiste nisto: seja qual for a sua situação, ela nunca satisfaz. Nunca é como deveria ser, há sempre um senão. Você ainda fica imaginando um estado melhor das coisas, melhores dias, melhores possibilidades. E fica ansiando por elas. Você só pode abandonar a busca da perfeição se voltar ao passado e passar novamente pelo trauma do nascimento. Se você o reviver conscientemente, se recordar conscientemente aqueles dias no útero, o desejo de perfeição desaparecerá instantaneamente. O desaparecimento desse desejo é um grande alívio, porque só então você poderá começar a viver cada momento. Como você consegue conviver com esse desejo de perfeição? Ele é a fonte de todas as neuroses. O homem que deseja ser perfeito inevitavelmente torna-se um neurótico porque não consegue estar aqui. Ele vive no futuro, que não existe. Não pode desfrutar o presente momento, só condená-lo. Não pode amar esta mulher, porque tem uma idéia da mulher perfeita. Não pode amar este homem, porque ele não é perfeito. Não pode saborear este alimento, esta refeição, esta manhã, nada mais o satisfaz, não pode satisfazer. Sua expectativa está sempre presente e ele está sempre comparando e sempre se decepcionando. O homem que vive com desejo de perfeição tem a vida condenada. E a sociedade colabora com isso. Os pais, as escolas, os colégios, as universidades, os mahatmas, os sacerdotes, os políticos, todos colaboram para neurotizá-lo. Desde a infância você não é aceito como você é. Disseram-lhe: “Seja desta maneira, só assim você será aceito”. Se quiser viver a vida do seu jeito, você será condenado por todos, todos ficarão contra você. Seus pais não poderão suportá-lo. Precisam moldar, formar, mudar, manipular. Eles precisam fabricar você de acordo com os desejos deles. E qual é o problema dos seus pais? Também estão sofrendo o trauma do nascimento. Tentaram, por toda a vida, ser perfeitos e falharam. Ninguém jamais pode ter êxito nisso; esse desejo é de tal natureza que está fadado ao insucesso. O fracasso é inevitável, porque você pode estar vencendo, mas a idéia da perfeição começa a se sofisticar cada vez mais. Na medida em que se vai vencendo, a idéia começa a se distanciar mais para o futuro. Fica mais sofisticada, há mais expectativas...
  • 29. A distância entre você e a idéia da perfeição permanece a mesma. Se você tem dez mil rúpias, precisará de cem mil para ser feliz. Quando tiver cem mil, seu desejo já terá caminhado para a frente; agora isso já não basta. Acontece em todas as áreas da vida. Os pais vivem os seus próprios traumas. Por toda a vida tentaram e fracassaram, agora desejam viver através do filho. Com isso, começam a fazer dele um ser neurótico, começam a ensinar ao filho. Esta é uma forma alternativa de viver. Eles fracassaram; agora sabem que a morte se aproxima, que seus dias estão contados; eles estão perdendo a esperança. Mas então surge uma nova esperança: poder viver através do filho. Já que eles não foram perfeitos, ao menos os filhos poderão sê-lo. Dizem que uma árvore se conhece pelos seus frutos. Se os filhos forem perfeitos, os pais devem ter sido perfeitos. É assim que a neurose se perpetua, de geração em geração. Os pais estão constantemente tentando, de todas as formas, aperfeiçoar a criança. Só o que conseguem com essa atitude é fazer com que ela se sinta condenada a ser como é. Eles tornam impossível que ela ame a si mesma, respeite a si mesma. E quando perde o amor e o respeito por si, uma pessoa está perdida. O mundo sofre tanta loucura, todo o tipo de problemas mentais, de doenças físicas. Noventa e nove por cento das causas de todos esses problemas do corpo e da mente vêm da mentalidade que a criança tem de ser perfeita. Uma família foi a um restaurante. Depois de anotar o pedido dos adultos, a garçonete virou-se para o garotinho. “O que você vai querer, filhinho?” “Eu quero um cachorro-quente”, respondeu o garoto, timidamente. Antes que a garçonete pudesse anotar o pedido, a mãe interrompeu: “Não, nada de cachorro-quente. Traga batatas, um bife e cenouras”. A garçonete ignorou-a totalmente. “Você prefere ketchup ou mostarda em seu cachorro-quente?” perguntou ao garoto. “Ketchup”, respondeu ele, com um sorriso de felicidade. “Já vai sair”, disse a garçonete, indo para a cozinha. Foi um espanto geral. Finalmente, o garoto perguntou aos pais: “Vocês viram? Ela acha que eu sou real!”
  • 30. É aí que nasce o problema: vocês não permitem que seus filhos sejam reais. Fazem com que eles se sintam irreais, vocês os forçam a se sentir falsos, rejeitados, inúteis. E quando essa idéia é criada na mente de vocês, que eles são inúteis do jeito que são, é natural que surja neles um grande desejo de ser perfeitos, e com isto todo o tipo de neurose. Meu empenho aqui é em ajudar você, não a ser perfeito, mas a abandonar toda essa besteira. Abandonando-a, pela primeira vez você será real. A realidade nunca é perfeita, lembre-se. Se a realidade está sempre crescendo, como ela pode ser perfeita? Se alguma coisa é perfeita, o crescimento é impossível. Só a imperfeição pode sentir a alegria do crescimento. Você deseja permanecer como uma flor, crescendo, abrindo-se? Ou deseja tornar-se apenas uma pedra morta, perfeita, sem abertura, sem crescimento, sem mudança? Seja imperfeito, respeite suas imperfeições e você poderá alegrar-se e celebrar, poderá ser saudável e inteiro. E não precisará procurar um psiquiatra ou um psicanalista para ficar por anos deitado num divã, falando besteira. E também não haverá necessidade de qualquer tratamento de choque. Na verdade, se o seu estresse mental desaparecer, o seu corpo se sentirá imediatamente relaxado. Muitas doenças desapareceriam automaticamente da face da Terra, se essa idéia idiota de tornar-se perfeito desaparecesse. Mas ela tem sido ensinada em toda parte, nas igrejas, nos templos, nas mesquitas, nas universidades. Em todo lugar, todos parecem estar envolvidos nessa conspiração. Parecem absolutamente determinados a tornar todas as pessoas perfeitas. Ora, jamais existiu um único ser humano perfeito, e não pode existir. A imperfeição é o modo de ser das coisas. A imperfeição é bela porque tem potencial para crescer e fluir. A perfeição é simplesmente a morte, e nada mais. A vida é imperfeita. E a vida gosta da imperfeição. Eu lhes ensino a totalidade, e não a perfeição: são dois objetivos diferentes. A perfeição é um objetivo neurótico, a totalidade é um objetivo saudável. A perfeição está no futuro, a totalidade está aqui e agora. Você pode ser total neste momento. Pode ser total em sua raiva, pode ser total em seu sexo, pode ser total em tudo o que esteja fazendo, limpando o chão, cozinhando, escrevendo poesia. Você pode ser total neste momento! Isso não exige preparação, não exige treinamento. Sendo total, você entrará em Deus, entrará no nirvana. Quando se é total, o eu desaparece — esta é a beleza da totalidade. Tente entender, é sutil, é imensamente importante: quando se é total, o eu desaparece. Você já experimentou um momento total? Então sabe que o eu desaparece imediatamente. Se você está totalmente apaixonado por uma mulher ou por um
  • 31. homem, o eu desaparece. Quando está fazendo amor, se é total, o eu desaparece. Se você sai de manhã para um passeio e é total nisso, nada mais importa, nesses lindos momentos, apenas a manhã e você, você e a manhã, os pássaros, as árvores e o sol. Você está totalmente imerso, profundamente imerso no momento — o eu desaparece. O desaparecimento do eu é uma bênção. Você saberá o que Buda quer dizer com o “não-eu”, a total bem-aventurança. Ele jamais usa as palavras “total bem- aventurança” porque conhece você — você poderia fazer dela um objetivo e começar a lutar por alcançá-la. Poderia fazer dela o objetivo de um perfeccionista e dizer: “Não descansarei até que seja totalmente bem-aventurado”. Nesse caso, você não entendeu. Se você é total, a bem-aventurança acontece por acréscimo, porque o eu desaparece. Dançando, cantando, ouvindo música ou apenas estando aqui comigo, às vezes acontece. Eu posso vê-la acontecendo com muitas pessoas. Quando olho para o seu rosto, sei se há um eu ou não; o rosto assume imediatamente uma outra qualidade. Quando olho para você e não existe o eu, você é apenas uma abertura, uma janela, e eu posso ver claramente Deus em você. Nesses momentos Deus está presente e você não está. Todas as nuvens desapareceram, o céu ficou claro e transparente, o sol está brilhando. Sempre que o seu eu desaparece por um momento, de repente posso ver a luminosidade que vem em seu rosto, a qualidade de magia que nasce ao seu redor. Mas fomos ensinados a viver de um modo não-total através da idéia de perfeição. Eu lhes ensino a totalidade. Na totalidade o eu desaparece; com a perfeição, acontece justamente o contrário. Com a idéia de perfeição, o eu é reforçado. É um ideal egoísta: “Eu quero ser perfeito”. O eu não pode ser total, porque nenhum eu pode ser encontrado no todo. Por isso, o ego tem interesse em tornar-se perfeito, ser o homem mais perfeito ou a mulher mais perfeita do mundo. O ego se sente muito bem, começa a lutar nesse sentido. O ego está envolvido com a idéia de perfeição. Com a experiência da totalidade, o ego simplesmente não existe. Se você aprender como estar aqui e agora, pouco a pouco verá que a vida é linda do jeito que é. A vida é linda em ser assim, em sua qualidade de ser como é. Não necessita de nenhum aperfeiçoamento. Isto pode ser facilitado pelo trauma do nascimento. Se você passar pelo trauma do nascimento, se o reviver conscientemente, o próprio significado do nascimento mudará. Neste exato momento, a experiência uterina permanece no seu inconsciente, ela é tão importante que você está inconscientemente lutando por ela. É por isto que
  • 32. as pessoas continuam pensando que no passado tudo era bom. É apenas uma projeção, por causa da experiência do útero. Em todas as sociedades do mundo, em todas as religiões do mundo persiste a idéia de que, em algum lugar no passado existiu uma idade de ouro. Quando Adão viveu no Jardim do Éden, era o paraíso. Na Índia, dizem que a idade de ouro aconteceu muito antes da história. Depois dela, as coisas começaram a decair — o pecado original. Vivíamos uma situação de felicidade total, e então começamos a decair e a perdemos. É a mesma história com roupagem filosófica. A queda original nada mais é do que a queda do útero. A lembrança de que antes, algum tempo antes, muito longe no passado, tudo era dourado e lindo, não passa de uma lembrança projetada na história, uma lembrança individual projetada na história coletiva. E nós precisamos retomá-la, por isso ficamos interessados no futuro. O passado é importante, o futuro é importante, só o presente não é importante — porque perdemos o passado e só no futuro, graças às nossas tentativas e aos nossos esforços, um dia o alcançaremos. Então, há dois tipos de pessoas, que basicamente não diferem. As pessoas religiosas dizem que a idade de ouro aconteceu no passado. As não religiosas dizem que vai acontecer no futuro, que a utopia está chegando. Os hindus dizem que a idade de ouro — satyayuga, a era da verdade — aconteceu no passado. E os comunistas dizem que a idade de ouro — samyuga, a idade da igualdade — vai chegar no futuro. Eles não são diferentes. Parecem diferentes, porque um fala do passado e o outro fala do futuro. Mas o mecanismo é o mesmo: ambos querem evitar o presente. Comunistas e anticomunistas não são muito diferentes. A espiritualidade autêntica começa no presente e termina no presente. Não tem passado, e não tem futuro. Este momento é tudo. ENTÃO, ADHEERA, procure entrar conscientemente em seu inconsciente. Tente penetrar onde nasce esse desejo de perfeição. Vá para a sua infância. Você foi ensinado, condicionado, camada por camada; terá de descascar a cebola de sua mente. E então, finalmente, chegará ao trauma do seu nascimento, ao dia em que nasceu. Você pode revivê-lo. Esse é o processo do renascimento, você pode revivê-lo. E assim que o reviver, ele desaparecerá. O que acontecerá? Uma total mudança de perspectiva. Se puder revivê-lo conscientemente, se puder regredir, tornar-se uma criança, uma criança pequena, um bebê que acaba de sair do útero, você irá passar por muito sofrimento e agonia. Sofrerá a mesma dor do nascimento; se sentirá sufocado, sua respiração ficará ofegante. Algumas vezes, a respiração poderá cessar totalmente, o corpo ficará paralisado. Você vai sentir que está morrendo, porque foi o que você sentiu quando estava saindo do útero. Sentirá que está passando por um túnel muito estreito, sufocante, escuro. Um grande
  • 33. medo surgirá em seu ser, você será sacudido e agitado pelo medo. Vai precisar de alguém para ajudá-lo. Daí a necessidade de um Mestre. Você precisará de alguém para protegê-lo, precisará de alguém para lhe dar suporte e dizer-lhe: “Não tenha medo, vá em frente. Deixe que passe, não fuja disso”. Assim que tiver atravessado e vivenciado conscientemente o que aconteceu inconscientemente em seu nascimento, tudo se apagará. Este é o processo da mente. Tudo o que é vivido conscientemente é apagado, não tem mais poder sobre o seu ser inconsciente. E então, pela primeira vez, você abre os olhos e vê que o mundo é lindo. O salgueiro é verde e a rosa é vermelha. E então, pela primeira vez, entende que o útero era bom, mas não é a meta. O útero era conveniente, porém somente uma preparação. Não era a vida real, mas a vida de um dependente, pura exploração. Era dependência. O útero não conhecia a liberdade — como pode ser lindo? Sim, ele era conveniente e confortável, mas você simplesmente vegetava, não estava realmente vivendo. Era um porco satisfeito. O útero não tem valor por si mesmo. E assim você começa a ver que a vida tem belezas que nenhum útero jamais poderá lhe proporcionar. Todo útero é confinado. É por isso que, após nove meses, a criança precisa sair dele: por causa do confinamento. O útero é uma prisão; é confortável e quente, mas uma prisão é sempre uma prisão. Mesmo que seja confortável, mesmo que seja quente, nada disso a transforma em outra coisa. É uma prisão. Você está saindo do útero para a liberdade. Todo o céu se abre, o sol, a lua, as árvores, as estrelas — eles não existiam para você. E o canto dos pássaros, a música, toda a poesia e o amor — eles também não existiam para você. Seu paraíso pouco tinha de paraíso; seu paraíso era um paraíso muito bobo. Assim que você percebeu que ele não tinha valor... Ele foi necessário naquele momento porque você estava crescendo; era muito frágil e delicado, precisava de proteção. Quando a criança completa nove meses, ela anseia por sair, quer sair, quer se livrar do útero. Ela está pronta para entrar no mundo, e conhecer as alegrias e as misérias do mundo. Está pronta para mergulhar fundo nas experiências da existência. Quando você tiver vivido conscientemente o trauma do nascimento e apagado a memória da dor, ficará espantado ao notar que uma espécie de névoa se afastou dos seus olhos. E quando os reabrir, as árvores serão mais verdes do que jamais foram e tudo será totalmente diferente. Você verá o mundo em cores psicodélicas, sem precisar de drogas. As pessoas utilizam drogas para criar uma coisa que é muito natural. Para isso não é preciso destruir quimicamente o organismo. Basta passar pelo trauma do
  • 34. nascimento e retornar que o mundo inteiro e toda a experiência do mundo se tornarão psicodélicos. Tudo fica mais colorido. É uma permanente celebração. Esta celebração não terá fim — ela dura do princípio sem princípio ao fim sem fim. É uma canção eterna. Quando você começa a enxergar isto, a vida começa. É o que Jesus quer dizer com estas palavras: “A não ser que você nasça de novo, não entrará no reino de Deus”. Ele está falando em renascimento! No Oriente, temos um nome para o homem que se tornou alerta e total, nós o chamamos dwija — nascido duas vezes. Ele atingiu o segundo nascimento. O primeiro nascimento está fadado a ser inconsciente. Se você ficar apenas no primeiro nascimento, continuará sendo um perfeccionista. É só nascendo uma segunda vez, conscientemente, e tendo apagado a dolorosa memória do primeiro nascimento, que você viverá a totalidade. Não com o desejo de perfeição — o desejo de perfeição desaparece quando você reconhece que este é o mundo mais perfeito, que você é a pessoa mais perfeita, que cada pessoa é perfeita e que tudo é como deve ser. Quando você percebe que tudo é como deve ser, surge uma grande gratidão. A prece é natural. Você se curva diante da terra, curva-se diante do sol, curva-se diante da existência. Esta é a qualidade religiosa; ela não consiste em ir à igreja e pensar que é religioso, em se curvar diante de Cristo e pensar que é religioso: você não é! Não é nada disto. Você está simplesmente com medo, está pensando que Cristo irá salvá-lo. Ninguém pode salvá-lo, a não ser que você mesmo se salve. Nem Cristo, nem Buda podem salvá-lo. Mas você pode salvar a si mesmo. Salvar-se é sua responsabilidade. E o caminho para salvar-se é renascer, é nascer de novo. Lembre-se: se você sofre com o desejo de perfeição — e quase todos sofrem — considere como ponto de grande importância a necessidade de retornar ao processo de seu nascimento e apagar toda aquela fita. Então volte a olhar com os olhos vazios e ficará surpreso. Já trabalhei com muitas pessoas. Sempre que elas se defrontam com a memória de seu nascimento, acontecem coisas estranhas, incríveis. Eu estava ajudando um jovem a fazer a travessia. Ele chegou a um ponto em que começou a se sentir sufocado; chorava e soluçava, e então ficou paralisado. Por um momento, tudo cessou, até mesmo a respiração. Foi uma grande agonia. Então ele abriu os olhos, olhou para mim e disse: “É estranho. Estou sentindo um cheiro de clorofórmio, um cheiro de hospital”. Eu lhe perguntei: “Você nasceu num hospital?” Ele respondeu: “Não sei, nunca perguntei a minha mãe”. Nós averiguamos com a mãe e ela confirmou: “Sim, ele nasceu num hospital. Eu estava com tanta dor que me deram uma forte dose de clorofórmio”.
  • 35. A memória do clorofórmio entrou em suas células. Ele ainda podia sentir o cheiro, vinte e oito anos depois! Mas assim que você passar por essas memórias, elas começarão a perder o controle sobre você. Passar pelo nascimento é o primeiro passo. Se puder fazê- lo, o segundo passo será passar pela morte que precedeu seu nascimento, nove meses antes. Se puder atravessar seu nascimento, poderá facilmente atravessar sua morte. E quando tiver atravessado a morte, sua vida passada estará acessível a você. E então ela e toda a sua estupidez... É por isto que estes ditos de Buda e estes sutras de Ikkyu lhe parecem tão depressivos; é que eles se baseiam numa compreensão da vida totalmente diferente. Essas pessoas conheceram suas vidas passadas e perceberam a tolice dela. Você não pode perceber. Acredita estar fazendo grandes coisas, não está consciente. Se você esteve apaixonado por muitas e muitas vidas, muitas e muitas vezes, e sempre fracassou, e se você vier a saber disto, se puder ver isto, então o caso de amor que você vive hoje simplesmente se torna inválido, precisamente em razão dessa experiência. Você ficou sabendo que esses são os caminhos em que você esteve constantemente se enganando. É uma repetição, uma roda que continua girando. Estes sutras não são filosóficos, não propõem qualquer doutrina. Eles se baseiam numa experiência de vida totalmente diferente, numa visão diferente. Em razão disso, você algumas vezes ficará perturbado. Há alguns dias, Arup estava dizendo a alguém: “Que discursos pesados, e Osho chamou esta série de Take it Easy”. 1 1. Neste contexto, a tradução é: “Pegue leve”, “Pegue fácil” (easy). Foi por isso mesmo que chamei esta série de Take it Easy. Não é fácil; é difícil, é muito difícil entender isso. É quase impossível entender, porque romperá todo o seu estilo de vida. Não é fácil, e foi por isto que chamei esta série de Take it Easy. Verdade é aquela cuja contradição é também verdadeira. A segunda pergunta: Desde que cheguei aqui, desta vez, tenho me sentido cada vez mais não espiritual e mais estúpido, como um vegetal alaranjado. Sinto que estou desfrutando prazeres sensuais e, de modo geral, tenho sido muito hedonista. Isto não se ajusta aos sentimentos e idéias que eu tinha a respeito de
  • 36. estar perto de um Mestre. O que está acontecendo? Estou me desviando? O que fazer? NISEEMA, O VERDADEIRO MESTRE JAMAIS SE AJUSTA ÀS SUAS EXPECTATIVAS. Se ele se ajustasse, não seria um Mestre. O verdadeiro Mestre não pode se ajustar às suas expectativas; elas nascem da sua mente. Sua mente é o problema, ela precisa entrar pelo cano, completamente. O Mestre verdadeiro jamais se ajusta às suas expectativas. Os que se ajustam a elas são meros negociantes, não são verdadeiros Mestres. Eles se ajustam, precisam se ajustar — é assim que dependem de você. O verdadeiro Mestre é sempre um choque, uma demolição. Ele não vai absolutamente permitir a si mesmo ajustar-se a você; só então poderá destruí-lo. O verdadeiro Mestre não é uma consolação. Ele precisa descriar você — como poderá ser uma consolação? Ele precisa demolir você; não se trata de um simples conserto. Ele não está apenas remendando as coisas, mas precisa arrancar você desde as raízes e transformá-lo numa outra dimensão. Ele é uma transmutação. Nada jamais se ajustará ao verdadeiro Mestre. Você pensa que os judeus estavam com raiva de Jesus à-toa? A raiva era esta: ele não correspondeu às expectativas deles. Costumava andar com pessoas não-respeitáveis. Costumava conviver com jogadores, bêbados, ladrões. Costumava pousar em casas onde nenhum rabino, nenhuma pessoa de respeito, se disporia a entrar. Ele permitiu que Madalena, uma prostituta, se tornasse sua discípula mais próxima. Jesus não estava se ajustando às expectativas deles. Os judeus pensavam que uma pessoa religiosa devia se comportar de um certo modo, mas Jesus estava se comportando de uma forma ultrajante, irritante para as pessoas. Agora, você me pergunta: Desde que aqui cheguei, desta vez, tenho me sentido cada vez mais não espiritual. Esta é a sua verdade. E eu estou aqui para trazer à tona a sua verdade. Você certamente estava reprimindo o que chama de “não espiritual”. Chamando assim, está simplesmente dizendo que está contra isso, está condenando. Nossas palavras são importantes. Quando você chama algo de não espiritual, você já o condenou. Você está dizendo: Desde que aqui cheguei, desta vez, tenho me sentido cada vez mais não espiritual. Você está se tornando cada vez mais real, essa é a verdade. Todas as suas idéias de espiritualidade estão sendo removidas. Elas eram forçadas, eram
  • 37. falsas. Você estava apenas reprimindo a sua realidade e chamando isso de espiritualidade. Você estava contra si mesmo, não estava desfrutando o seu ser; estava atrofiando-o, envenenando-o. Você era uma vítima. Agora está tendo coragem suficiente para ser você mesmo. Não chame isso de não espiritual. Você está se tornando real, está se tornando natural. Como a natureza pode ser não espiritual? Como a realidade pode ser não espiritual? Estar comigo significa, em primeiro lugar, que eu preciso remover tudo o que é falso em você. O falso precisa ser reconhecido como tal! Ao ser reconhecido como falso, desaparece. A verdade vai aparecer quando o falso tiver desaparecido. Ora, Niseema, sua espiritualidade era falsa. Ela era uma simples fachada, uma espiritualidade de vitrina. Lá no fundo, você sempre foi aquilo que agora está achando que é. Neste momento, as suas profundezas estão se encontrando com a superfície, estão perdendo a divisão, a separação. Você está relaxando, está abandonando o conflito que tem consigo mesmo. O mais alto e o mais baixo estão se encontrando; pela primeira vez, está acontecendo uma fusão. Esse é o princípio do crescimento porque só o que é real pode crescer. O que é plástico, sintético, falso, não pode crescer. Você pode ter flores de plástico, mas elas não podem crescer. O crescimento só ocorre nas flores reais; ora, a sua espiritualidade era uma flor de plástico. É assim que as pessoas são espirituais. Bem no fundo, elas são totalmente o oposto, mas na superfície apresentam máscaras. Eu estou removendo a sua pintura, estou retirando a sua máscara, ela está caindo. Foi aí que nasceu a sua pergunta. Você deve estar sentindo medo: “Que tipo de mestre é este? O que estou fazendo aqui?” Você deve ter vindo aqui esperando tornar-se mais espiritual, e eu estou tornando você mais real! Ou, nas suas palavras, mais “não espiritual”. Desde que aqui cheguei, desta vez, tenho me sentido cada vez mais não espiritual e cada vez mais estúpido. Isso é um bom começo. Sentir-se ignorante é o princípio da sabedoria. Somente as pessoas estúpidas nunca se sentem estúpidas. É assim que nasce a sabedoria: quando você começa a perceber a estupidez de tudo isto, alguma coisa aconteceu com você, um raio de luz entrou. Para entrar no mundo da compreensão, primeiro é preciso abandonar todos os tipos de conhecimento. Então, eu estou removendo a sua pseudo-espiritualidade e os conhecimentos que você tomou emprestados. As pessoas ditas espirituais estão cheias de conhecimentos esotéricos e ocultos; elas ficam acumulando esses conhecimentos. Consultam I-Ching, consultam livros de astrologia, lêem cartas de tarô e pesquisam os mistérios da Cabala. Ora, todas essas coisas são
  • 38. apenas jogos da mente e nada têm a ver com espiritualidade; destinam-se à diversão de pessoas estúpidas. Essas pessoas ficam lendo a Bíblia, os Vedas, o Gita; empanturram-se com isto, tornam-se papagaios. E pensam que sabem das coisas. Conhecer não significa saber. Nada que é emprestado pode ser um saber para você. Então, quando você vem a mim, muitas coisas vão acontecer. A cada dia você sentirá que está ficando mais pobre, e tinha vindo para ficar mais rico. Então, naturalmente, só as pessoas corajosas de fato podem ficar comigo. As pessoas sem coragem fogem, porque, quem deseja ficar mais pobre? Você veio com grande conhecimento e agora se sente estúpido: que brincadeira é essa? Você veio para aprender alguma coisa, mas o que estou propondo aqui não é aprender, mas desaprender. Você veio para acumular mais um pouquinho de conhecimento. Já possuía uma bela coleção deles e queria atualizá-la. Desejava receber algo de um Buda moderno, porque o velho Buda já tem vinte e cinco séculos de idade e as coisas mudaram. Você desejava uma versão atualizada do estado búdico. E então chegou aqui, e eu comecei a tirar coisas de você. O seu conhecimento começou a desaparecer, e você entrou em pânico: o que está acontecendo? Você começou a sentir-se estúpido. Estúpido você sempre foi, só que aquele seu conhecimento lhe dava a impressão de que não era. Esta é a grande revelação que está acontecendo, acontecendo agora. Sua espiritualidade está começando a parecer falsa, de plástico, e você pensava que era um santo, que estava à beira da iluminação. Agora esse seu moralismo começa a perder sentido; perder era apenas uma imposição de fora. Por causa do medo e por causa da cobiça você era moralista. Agora o seu caráter parece sem valor porque eu lhe ensino um estilo de vida totalmente diferente: a ausência de caráter. Somente na ausência de caráter existe liberdade. E somente na ausência de caráter nasce em você o verdadeiro caráter — aquele que brota da própria fonte, que não é imposto de fora, que não é imposto pela sociedade; aquele que não consiste numa forma de obediência, e sim no crescimento da liberdade. Esse caráter totalmente diferente só acontece às pessoas mais rebeldes. Eu não ensino a obediência, eu ensino a rebeldia. Então, depois que a sua espiritualidade, a sua moralidade e o seu conhecimento entraram pelo cano, é natural que você fique aí parecendo estúpido, nu, ignorante, sem caráter, imoral, não espiritual. Ora, que espécie de discipulado é esse? É natural que a pergunta apareça. Mas isto, Niseema, é apenas o começo. Em primeiro lugar, eu preciso tirar tudo o que você tem. Então, o seu coração sobrecarregado é aliviado, o lixo que você juntou é jogado fora e você fica limpo. Nessa limpeza, nessa pureza, nessa descarga, você começa a crescer.
  • 39. E esse crescimento vai acontecer para você, não sou eu que vou dar. Você está pronto para ele, mas ainda há muito lixo impedindo que você cresça. É como se uma roseira estivesse coberta de lixo — Vedas, Gitas, Alcorões, Bíblias, todo esse lixo — e está morrendo. Tenho que tirar todos esses livros. A roseira logo vai começar a crescer, e não está longe o dia em que você verá as primeiras rosas desabrocharem. Sinto que estou desfrutando prazeres sensuais e, de modo geral, tenho sido muito hedonista. Excelente. Goze esses prazeres porque somente gozando-os você poderá perceber o seu caráter ilusório — não existe nenhum outro meio. Eu digo que eles são ilusórios, Ikkyu e Buda dizem o mesmo, mas esses prazeres não serão ilusórios só porque estamos afirmando isso. Você precisa perceber por si mesmo. Buda disse e repetiu muitas vezes: “Não acredite no que eu digo, a menos que você já tenha examinado, vivido, observado e concluído por si mesmo”. Como poderá conhecer o caráter ilusório desses prazeres, se não entrar neles? Entre neles, mas entre da maneira mais completa possível, para que possa sair deles mais cedo. Seja um hedonista. Sendo um hedonista você perceberá que todos os prazeres trazem dor, que a cada prazer segue-se por uma grande dor. Aos poucos você perceberá que o prazer e a dor são dois lados da mesma moeda. Você não pode se livrar da dor, se não perceber isso. Quando tiver percebido que o prazer e a dor estão juntos, inevitavelmente juntos.... Não há como separá-los. É isto o que temos feito ao longo dos tempos: tentando separá-los. Desejamos todos os prazeres e não desejamos nenhuma dor. Ora, ambos estão juntos, eles chegam juntos. Queremos evitar a dor e desfrutar o prazer. Mas a dor vem. Um dia quando você perceber que isto sempre volta a acontecer, um dia essa experiência lhe permitirá abandonar a ambos. No dia em que você abandonar o prazer e a dor, acontecerá o que se chama bem-aventurança. Nasce um grande silêncio, um grande gozo — que não é o prazer, lembre-se, porque possui a contrapartida da dor. E puro gozo, eterno gozo. Porém, a bem-aventurança só nasce quando ambos, o prazer e a dor, tiverem sido abandonados. Se você não se tornar um hedonista, se não experimentar a verdade disso, vai se tornar um hedonista espiritual. Ficará pensando nos mesmos prazeres — no paraíso, naturalmente, não aqui; mas nos mesmos prazeres. Desejará as mesmas mulheres, os mesmos homens, o mesmo vinho, mas no paraíso. Você só precisará adiar um pouco, nada mais.
  • 40. Os seus santos são exatamente iguais a você; na verdade, são ainda mais ávidos, mais hedonistas do que você, só que esperam pelo paraíso. Lá, eles vão se vingar. Providenciarão para que vocês todos sofram no inferno porque já gozaram na Terra. Eles sofreram na Terra e agora serão recompensados: no paraíso terão lindas mulheres, eternamente jovens, que não suam, etc, e terão rios de vinho. No paraíso, o vinho não é servido em bares, ele vem nos rios. E lá, nada é proibido. Você pode mergulhar e se banhar nos rios de vinho, pode beber quanto desejar. Todos os tipos de alimentos estarão disponíveis, e sem medo de engordar. Ninguém jamais ouviu dizer... você já viu algum anjo gordo? Eles não engordam e estão sempre comendo. O único trabalho deles é celebrar, cantar hinos de louvor ao Senhor e se divertir. Os seus santos são assim. Antigamente, eles ficavam sentados, com o ar de santos e caras sérias; agora, estão se divertindo no paraíso. Eles não são contra os prazeres, lembre-se, mas apenas contra o caráter momentâneo dos mesmos; são contra a transitoriedade deles. Os prazeres são efêmeros; então, qual é o sentido de correr atrás deles? Os seus santos estão esperando o prazer permanente. Eles são os verdadeiros hedonistas, mais hedonistas do que você. Então, se você se torna espiritual, pretensamente espiritual, está apenas aguardando a sua hora. Está aguardando com impaciência a chegada do paraíso, para poder mergulhar em todo o tipo de prazer. Você vai explodir, vai explorar todos os tipos de prazer aos quais se negou nesta terra. Não há muita diferença entre pessoas mundanas e pessoas do outro mundo: elas não são diferentes, são iguais. Estou tentando fazê-lo perceber que não é preciso tornar-se um hedonista do outro mundo ou ser contra o hedonismo neste mundo. O que estou tentando é torná-lo consciente da situação da vida. Se algo em seu inconsciente anseia por prazer, vá em frente, esta é a única forma de ir além. Atravessar é o único meio de transcender. Não reprima essa necessidade. Então, Niseema, seja hedonista, totalmente hedonista. Goze todos os prazeres sensuais — não tenha medo, porque todos têm a consistência do sonho. E se você estiver gostando do sonho, eu serei a última pessoa a preocupar-me com isto. Se os seus santos se opõem, isto apenas mostra que eles ainda não entenderam que tudo é sonho. Por que deveriam se opor? É por isto que, às vezes, as coisas que digo o deixam muito confuso. Há poucos dias, eu falei contra o amor. E toda a tarde, toda a noite, sugiro às pessoas que busquem o amor. Elas ficam perplexas. Apaixonam-se por um louco, que de
  • 41. manhã diz, “Todo amor é ilusão”, e à tarde ele diz, “Apaixonem-se, mergulhem de cabeça”. Estou dizendo isto porque é uma ilusão. Entre de cabeça e você logo sairá disso. Se entrar com muita parcimônia, poderá levar anos para sair, e posso não estar mais aqui para ajudá-lo. Por isso eu lhe digo, entre de cabeça, salte dentro do tumulto do mundo, para poder sair da ilusão. Se é uma ilusão, você sairá dela, não se preocupe com isto. E mesmo que não saia dela, o que é que tem? É apenas uma ilusão! Desfrute-a enquanto durar! Mais cedo ou mais tarde, você inevitavelmente acordará. Por experiência própria, sei que quanto mais você entrar nessas experiências de vida, mais perto estará o seu despertar. Quando a noite é mais escura, a manhã está mais próxima. Quando você entrar profundamente numa ilusão, e ela lhe parecer tão real que o resto em comparação, pareça irreal, nesse momento a manhã estará chegando. Você diz: Isto não se ajusta aos sentimentos e idéias que eu tinha a respeito de estar próximo de um Mestre. Como você pode ter idéias, sem estar perto de um Mestre? Que expectativas pode ter? Todas expectativas são projeções suas, seus desejos, seus medos, sua cobiça. Não podem estar baseadas na verdade. Agora você está comigo. Estando comigo por alguns anos, você saberá o que é estar com um Mestre. Se puder ficar comigo o tempo suficiente para estar completamente terminado, você saberá o que é estar com um Mestre: é conviver com a sua própria morte, a morte total. Mas só quando você estiver aniquilado haverá uma possibilidade de que Deus nasça em você. Somente depois da crucificação abre-se a porta para a ressurreição. A terceira pergunta: Algum tempo atrás, uma pessoa que, como eu, já passou dos cinquenta anos, me disse: “Você ainda é um discípulo?” O homem que disse isto é muito autoconfiante e auto-suficiente. Ele não procura outras pessoas para descobrir o que deveria fazer; ele se basta. Estou constantemente procurando fora, em outras pessoas, mais conhecimento e mais habilidades. Sou tímido, acanhado, tenho pouca autoconfiança; não sou auto-
  • 42. suficiente. Na minha opinião, existem apenas estes dois estágios: o discípulo e o Mestre. Qual é esse terceiro estágio, o da pessoa plenamente adulta e auto-suficiente, que não procura um Mestre? Isso é uma falácia? A PRIMEIRA COISA A SER ENTENDIDA: você diz: “Algum tempo atrás, uma pessoa que, como eu, passou dos cinquenta anos, me perguntou: ‘Você ainda é um discípulo?’ Na próxima vez em que encontrá-la, pergunte “Você ainda não é um discípulo?” De fato, o que significa ser um discípulo? Significa que você começou a aprender. Em vez de colecionar conhecimentos, você começou a aprender. O discipulado significa que você encontrou uma pessoa que sabe. Você gostaria de se encontrar e se fundir com o ser dela, para que possa sentir igualmente o sabor da realidade. Há pessoas egoístas que não gostam disto, que não gostam de se encontrar e se fundir com ninguém. Elas preferem se manter auto-suficientes, mesmo que seja um inferno. Mesmo que estejam sofrendo, não revelarão isso a alguém. E elas devem estar sofrendo, porque o ego é infernal. O discipulado significa simplesmente que você está perdendo as fronteiras do seu ego. Primeiro, perde-as com uma pessoa, e então percebe a beleza de perdê-las. É o que sucede com o Mestre. Você percebe a beleza de perder suas fronteiras, começa a perdê-las também para outras pessoas. Um dia, você será capaz de perdê-las para toda a existência. A pessoa que se acha auto-suficiente jamais se abrirá, permanecerá fechada. Viverá naquilo que Sören Kierkegaard chamou de “enclausuramento”. Será uma mônada sem janelas. Sofrerá agonias, mas pensará que valem a pena; porque ela não precisa de ninguém, é auto-suficiente. Aconteceu, certa vez, que o primeiro-ministro de um certo país — seria melhor chamá-lo de um “primeiro-ministro” — veio me ver e disse: “Eu sou um self-made man”. Eu lhe disse: “Agradecido. Você livrou Deus de uma grande responsabilidade”. Feito por si mesmo? Você precisou de uma mãe e de um pai para nascer. Depende necessariamente do ar para respirar, das árvores para se nutrir, do sol para se aquecer. Precisa depender dos mares, dos rios, do fogo. Você é dependente! De onde vem esse disparate: “Eu sou um homem que se fez por si mesmo”? É possível existir,