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OSHO
VÁ COM
CALMA
Discursos sobre Zen-Budismo – Volume 1
UNIVERSALISMO
Sumário
Introdução
Capítulo 1 — Vindo da Estrada Esburacada
Capítulo 2 — A Morte no Ego É a Vida no Amor
Capítulo 3 — Tudo Mentiras e Absurdos!
Capítulo 4 — Viva Perigosamente!
Capítulo 5 — E Ficamos Enamorados
Capítulo 6 — A Simultaneidade Cósmica de Tudo
Capítulo 7 — Os Pêlos do Seixo
Introdução
Você já experimentou uma dose pesada de vazio ou uma injeção de nada?
Parece impossível, mas com Osho o impossível sempre se torna possível. Se
alguém não puder lhe dar “nada”, ele pode. Estes discursos são amplas provas
disso.
“Humm, nada”, você dirá, “isso parece muito bom e gostoso...” Cuidado! E
quando você escutar os versos sussurrantes e evasivos do Mestre Zen Ikkyu
pensará: “Que encantador!”, e de repente, mais tarde, nas mãos de Osho eles
são transformados em martelos. Ele vem a você e o torna consciente de que
nunca investigou esta realidade: você é nada. E aceitar as ramificações disso
claramente alterará toda a sua existência. Ao escutar e ao ler essas palavras,
você não pode permanecer o mesmo.
Nós, que estávamos presentes aos discursos, ficávamos chocados, à medida
que eles progrediam. “Vá com calma, Osho”, dizíamos. “Isso machuca! Chega...
por favor, chega! Você está destruindo nossos sonhos, está tirando tudo aquilo
em que acreditamos, tudo que nos esforçamos todas as nossas vidas para
proteger.” Nós saíamos do hall dos discursos em frangalhos e em chamas — em
contraste com a saída inocente e pacífica de Osho —, perguntando-nos o que
nos havia ferido. E no dia seguinte ele estava de volta para mais.
Todos reagiram fortemente aos discursos, contra ou a favor, e podíamos
concordar somente numa coisa: que a mensagem tinha sido pesada e profunda,
atingindo o próprio âmago de nosso ser.
Pessoalmente, eu adorei esses discursos. Minha reclamação estava somente na
superfície, no fundo do meu coração eu sabia que era verdade aquilo que Osho
dizia a respeito do vazio e sobre não haver ninguém, e algo em mim relaxava
com o reconhecimento disso. Comecei a brilhar por dentro, e o notável é que o
relaxamento e o contentamento não eram temporários, mas se aprofundavam.
Agora, quatro meses mais tarde, ao reler estas palavras descubro que o
sentimento de vazio não é mais chocante ou desconfortável; pelo contrário, ele
me traz grande alegria. A ausência de brandura da existência não me importuna
mais, e como consequência a vida fica muito fácil e simples. E algo novo está
surgindo dentro de mim: a qualidade das canções de Ikkyu, o silêncio que as
palavras indicam antes que elas desapareçam.
E Osho tornou tudo isso possível, pois ele é aquilo que ele fala. Quando ele fala
sobre o nada, realmente o sinto desaparecendo, acenando-me para segui-lo.
Quando ele fala sobre o silêncio, eu ouço seu silêncio — o seu próprio som me
desperta subitamente para a consciência. Quando ele fala sobre o lugar da
Inatividade Original, sei que ele vive lá; ao senti-lo, tomo conhecimento da
essência de lá. E quando ele fala sobre “a face antes de você nascer” percebo
em sua própria presença a autoridade de falar sobre o Zen.
Afigura do Ser Humano Real
Postado ali —
Apenas um vislumbre dele
E nos enamoramos.
Ma Sagarpriya
(Roberta DeLong Miller)
1
Vindo da Estrada
Esburacada
Um descanso no caminho de volta
Da Estrada Esburacada
Para a Estrada Nunca-Esburacada;
Se chover, deixe que chova;
Se ventar, deixe que vente.
Meu eu de há muito tempo,
Em natureza não-existente;
Nenhum lugar para ir quando morto,
Nada absolutamente.
Quando perguntavam, ele respondia;
Nenhuma pergunta, nenhuma resposta;
Então o Mestre Daruma
Deve ter tido
Nada em sua mente.
Nossa mente —
Sem fim,
Sem princípio,
Embora tenha nascido, embora morra...
A essência do vazio!
Todos os pecados cometidos
Nos Três Mundos
Se dissolverão e desaparecerão
Comigo.
A RELIGIÃO É IRRACIONAL — pelo irracional e para o irracional. A razão não
pode contê-la, pois é muito pequena. A religião é o vasto céu da existência e a
razão é um minúsculo fenômeno humano. A razão precisa ser perdida e
abandonada. Somente indo além da mente a pessoa começa a entender aquilo
que é. Esta é a mudança radical, e nenhuma filosofia pode oferecê-la — somente
a religião.
A religião não é filosófica nem antifilosófica, e o Zen é a forma mais pura de
religião, é a própria essência da religião. Daí ser ele irracional e absurdo. Se
você tentar compreendê-lo logicamente, ficará desnorteado. Ele somente pode
ser assimilado ilogicamente, e deve ser abordado com profunda simpatia e amor.
Não se pode abordar o Zen por meio de conceitos empíricos, científicos e
objetivos; tudo isso precisa ser abandonado.
Ele é um fenômeno do coração; você precisa senti-lo ao invés de pensar nele;
você precisa sê-lo para conhecê-lo. Ser é conhecer, e não há outro conhecer.
É por isso que a religião precisa escolher um tipo diferente de linguagem. Ela
precisa falar em parábolas, em poesias, em metáforas e em mitos. Estes são
meios indiretos de insinuá-la — somente insinuar a verdade, e não apontar
diretamente; apenas sussurrar, e não gritar. Ela vem a você quando há uma
conexão profunda.
Estes pequenos poemas do Mestre Zen Ikkyu são de uma importância imensa.
Eles não têm grande poesia, lembre-se, pois esse não é o interesse. A poesia
foi usada como uma estratégia, de tal modo que seu coração possa ser tocado.
A poesia não é o objetivo. Ikkyu não está preocupado em criar grande poesia;
ele não é realmente um poeta, mas um místico. Porém, em vez de falar em prosa,
ele fala em poesia — por uma certa razão.
A razão é: a poesia tem uma maneira indireta de insinuar coisas; ela é feminina
e a prosa é masculina. A própria estrutura da prosa é lógica e a poesia é
basicamente ilógica. A prosa tem de ser precisa e a poesia tem de ser vaga —
esta é a sua beleza, a sua qualidade. A prosa simplesmente diz o que ela diz; a
poesia diz muitas coisas. A prosa é necessária no mundo do dia-a-dia, no
mercado, mas, sempre que algo do coração precisa ser dito, a prosa
constantemente se revela inadequada — a pessoa precisa recorrer à poesia.
Existem duas linguagens na linguagem. Cada linguagem consiste em duas
linguagens: uma é a prosa e a outra é a poesia. A prosa se tornou muito
predominante em razão de ser utilitária, e a poesia logo desapareceu por não ter
utilidade. A poesia é necessária somente quando se está amando, quando se
fala de amor, de morte, de oração, da verdade, de Deus — mas essas não são
comodidades, não são vendidas no mercado nem compradas.
Lentamente nosso mundo se tornou linear. A outra linguagem, a mais profunda,
perdeu seu significado para nós. E devido ao desaparecimento da segunda
linguagem, a da poesia, o ser humano se empobreceu muito — pois todas as
riquezas são do coração. A mente é muito pobre, é uma mendiga; ela vive
através do trivial. O coração é uma abertura para as profundezas da vida e da
existência, para os mistérios do cosmo.
Lembre-se disto: existem duas linguagens na linguagem, duas maneiras de falar,
dois níveis do uso linguístico. Há uma linguagem das verdades, conceitos e
fórmulas claras, a linguagem da lógica pura, da informação objetiva e da ciência
exata, mas esta não é a linguagem do coração, do amor e da religião.
A ciência e a religião são diametralmente opostas; elas pertencem a dimensões
diferentes da existência e não se sobrepõem em seus terrenos e campos. Elas
simplesmente nunca se encontram ou se entrecruzam! E a mente moderna foi
treinada para a ciência, daí a religião ter ficado praticamente fora de moda e se
tornado coisa do passado. Parece não haver futuro para a religião.
Sigmund Freud declarou não haver futuro para a ilusão chamada religião. Mas,
se não houver futuro para ela, também não haverá futuro para o ser humano. A
ciência vai destruir a humanidade, pois esta pode viver somente através do
poético e do metafórico. A vida adquire significado unicamente por meio do
coração, e o ser humano não pode viver só pela mente, pelo cálculo e pela
matemática. A matemática pode servir, porém não pode ser a mestra; a cabeça
pode somente ser uma serva, e como serva ela é muito útil, mas é perigosa e
fatal quando pretende se tornar a mestra.
A linguagem da ciência objetiva vive no mundo dos fatos; as coisas são como
são e você diz o que você quer dizer tão precisa e inequivocamente como você
pode. Falar, então, é decifrar um quebra-cabeça, definir e prescrever limites —
isso é isso e não aquilo. Isso é água, não vapor ou gelo. Aqui é aqui e não lá.
Um é um, dois equivale a dois, morto é morto. Este é o mundo dos fatos —
monótono e morto, rançoso e estagnado.
É impossível viver apenas no mundo dos fatos, pois assim você nunca será
capaz de relaxar. Na verdade, não há sentido em viver no mundo dos fatos —
de onde você obterá o significado e o valor? Então uma rosa não tem beleza; ela
é apenas um fato botânico. Então o amor não tem esplendor; ele é apenas um
fato biológico.
Como a pessoa pode viver nos fatos? Ao viver neles, a vida começa a ficar sem
sentido. Não é por acaso que as mentes filosóficas modernas estejam
discorrendo continuamente sobre a ausência de significado; criamos isso ao
decidir viver somente numa linguagem — a da prosa.
É bom termos esta linguagem, a dos fatos, da prosa. É verdade que nosso
mundo não pode ficar sem ela; ela é necessária, mas não pode ser o objetivo da
vida. Ela pode somente servir, mas nunca a usamos quando desejamos abrir
nossos corações e dizer o que realmente está dentro de nós, oculto e
praticamente impossível de denominar.
Certamente é pobre uma pessoa que não sentiu a inadequação da linguagem
comum. Se houver alguém tão desafortunado por não ter sentido a inadequação
da linguagem comum, isso simplesmente revela que ele nunca sentiu amor,
nunca teve um momento meditativo e não conheceu o êxtase; seu coração não
palpita mais e ele é apenas um cadáver. Ele vive e ainda assim não vive, ele se
move e caminha, mas todos os seus gestos são vazios e nada contêm.
Se uma pessoa não sentiu a inadequação da linguagem da prosa — a linguagem
empírica, dos fatos e matemática —, isso simplesmente mostra que ela não
experimentou nenhum mistério da vida e que não vive realmente. Do contrário,
como evitar os mistérios? Isso significa que ela nunca viu a lua cheia na noite,
nunca viu a beleza e o esplendor dos olhos humanos, nunca gargalhou, nunca
chorou e não sabe o que significam as lágrimas; isso revela que ela é um robô,
não um ser humano — ela é inumana, apenas uma máquina. Ela trabalha, ganha
e então morre; ela se reproduz e então morre, mas em vão — para começar, ela
não pode dizer por que viveu.
É verdade que este tipo de linguagem é essencial, é uma necessidade, mas,
mesmo que todas as necessidades sejam satisfeitas por ela, a necessidade
suprema permaneceria insatisfeita por ela — a necessidade de celebrar, de
rejubilar-se, de manter um diálogo com as estrelas, com o oceano e com a areia;
a necessidade de segurar as mãos, de se apaixonar, de dançar e cantar. A
linguagem comum não pode preencher esta necessidade suprema, a qual
especifica à humanidade.
Um ser humano é um ser humano somente à medida que vive nesta necessidade
suprema.
Em questões de amor, morte, Deus e ser humano, a primeira linguagem não é
somente inadequada, mas também perigosa. Se você usar o primeiro tipo de
linguagem para as considerações supremas da vida, logo sua própria linguagem
as destruirá. É assim que você destrói Deus e tudo que é belo e significativo.
Use uma linguagem errada e mais cedo ou mais tarde você ficará preso por ela,
pois sua mente vive através da linguagem. Você conhece somente aquilo que
entra em sua linguagem, somente aquilo que você pode claramente pensar a
esse respeito.
Se você abandonou o mundo vago do coração, dos sentimentos, das sensações,
das emoções e do êxtase, então naturalmente você está fechado para Deus. E
aí, se você disser que Deus está morto, isso parece ser absolutamente
verdadeiro. Não que Deus esteja morto — somente que você está morto no que
se refere a Deus. Estar vivo no que se refere a Deus é penetrar na poesia. Ela é
a ponte de arco-íris entre o ser humano e Deus, entre o ser humano como mente
e Deus como mistério. Esta é a abertura, a porta, a entrada.
Você já viu Khajuraho, Konarak e outros belos templos da Índia? As velhas
escrituras afirmam que na entrada de cada templo deveria haver uma estátua ou
uma escultura de amantes. Isso é muito estranho. Essas escrituras não dizem
especificamente o motivo, e simplesmente mencionam esse fato para os
arquitetos, que isso é uma necessidade. Na entrada de cada templo, na porta,
deve haver pelo menos um casal em maithuna — em orgasmo, em profundo
amor, com os membros entrelaçados entre si e em grande êxtase.
Por que na porta? Porque, a menos que você conheça o amor, não pode
conhecer a ponte entre o ser humano e Deus. E a porta é um símbolo: ela é a
soleira entre o mundo da mente e o da não-mente. É o amor que faz a ponte
entre o mundo da mente e o da não-mente, e é somente através do amor que
conhecemos os mistérios orgásticos da vida.
Isso é muito significativo — embora vários templos não sejam construídos desta
maneira. As pessoas têm evitado isso; elas são muito moralistas e estúpidas,
mas a prescrição antiga é de grande significado: somente o amor pode ser a
entrada, pois só ele tornará viva a sua poesia.
Se você usar exclusivamente o primeiro tipo de linguagem, estará destruindo
algo muito delicado em você e se tornará mais e mais acostumado com as
rochas e menos e menos consciente das flores.
Entretanto, existe uma segunda linguagem abaixo da primeira, como uma
estrutura bem mais velha à volta dela. É a linguagem do que realmente não pode
ser dito; sim, a poesia é a linguagem do que realmente não pode ser dito, mesmo
assim ela precisa ser dita, há uma urgência em dizê-la.
Aquilo que pode ser dito pode ser expresso através da prosa. Como você dirá
aquilo que não pode ser dito se você não tiver poesia? Ela é a linguagem do que
não pode realmente ser dito, aquela linguagem que você fala de tal modo que
não tenha de ficar completamente em silêncio, a linguagem da emoção e do
êxtase.
ESTES PEQUENOS POEMAS DE IKKYU podem não ser muito poéticos — na
verdade, R.H. Blyth, ao escrever sobre estes dokas de Ikkyu, disse: “Os
pequenos poemas de Ikkyu não são de grande valor poético, mesmo assim eles
nos retratam uma pessoa de profunda sinceridade, talvez honesta demais para
ser um grande poeta lírico”. O propósito não é poesia, mas comunicar algo que
não pode ser transmitido através da linguagem comum. A poesia está sendo
usada como um veículo, lembre-se disso. Não pense em termos de literatura,
mas em termos de êxtase.
E algumas vezes o êxtase pode ser expresso mediante pequenas palavras.
William Samuel escreve:
“Um dia eu estava em minhas colinas ponderando sobre o enigma da
comunicação, quando testemunhei um feliz encontro de um pai com o filho de
cinco anos que tinha se perdido na floresta por muitas horas. Eu sabia que o
menino seria encontrado — eu sabia que eu sabia —, mas, apesar do
conhecimento positivo, fui incapaz de atenuar os temores do pai ou de fazê-lo
compreender a verdade que eu via. Então, enquanto pensava comigo mesmo e
me perguntava sobre esta inabilidade de comunicar algo quando parece tão
importante fazê-lo, vi o garotinho e o pai se encontrando.
Que encontro! Um garotinho descalço, sujo e esfarrapado saindo correndo da
floresta e gritando a plenos pulmões: ‘Papai! Papai!’, e vi o pai soluçando sem
se envergonhar e arrebatando o filho em seus braços. Tudo que ele podia dizer
era ‘Viva! Graças a Deus!’ repetidamente, ‘Viva! Graças a Deus!’”
Há momentos em que algo precisa ser expresso e nada pode ser dito; há
momentos em que as lágrimas, a risada, os gestos e o silêncio dizem muito mais
que as palavras. Todas as risadas, as lágrimas, os gestos e os silêncios estão
contidos na segunda linguagem — a linguagem da poesia.
William Samuel também escreve:
“Uma vez, na China, me foi dado um único verso para eu ler e depois fazer minha
interpretação. Eu estava pronto para dar imediatamente uma resposta, mas me
informaram que eu tinha vinte e oito dias para pensar a respeito dela. ‘Por que
tanto tempo?’, perguntei, com a habitual impaciência de um ocidental.
‘Porque nada é lido uma vez até que seja lido doze vezes’, foi a resposta. ‘Leia
e releia.’
Eu assim fiz. Doze vezes doze para fazer doze leituras — e ouvi uma melodia
que não poderia ouvir de outra forma. Desde então sei por que certas linhas da
Bíblia, ou de qualquer outro livro, as quais foram lidas incontáveis vezes, um dia,
após apenas mais uma leitura, assumirão de repente um novo significado de
grandes proporções.”
Este é todo o segredo dos mantras. Um mantra é um poema condensado; ele é
poesia essencial. Não se pode compreendê-lo simplesmente por lê-lo. Não que
você não o entenda intelectualmente — ele é simples e o significado é evidente
—, mas o significado evidente não é o real. Ele vem da primeira linguagem e o
oculto terá de ser esperado. Ele terá de ser repetido em profundo amor, num
estado de ânimo repleto de grande oração... em algum momento, de repente,
ele irromperá de seu próprio inconsciente e será revelado a você. Será ouvida
uma melodia, e ela é o significado, e não o significado que você decifrou da
primeira leitura. E nunca se sabe quando isso acontecerá.
Por isso, no Oriente as pessoas recitam o Alcorão, o Bhagavad Gita e o
Dhammapada; elas ficam recitando, todos os dias, de manhã e à noite. Elas
recitam tantas vezes quanto possível, e nem mesmo contam. Para que contar?
Mas, a cada vez que recitam, algo entra mais fundo nelas, o sulco é aprofundado
e um dia a melodia é ouvida.
Quando você ouve a melodia, toma conhecimento do mantra real, você depara
com a segunda camada oculta, com a poesia real que existe nele. Isto não pode
ser compreendido, mas somente ouvido e experimentado.
Estes pequenos poemas de Ikkyu são como mantras. Não tente entendê-los
intelectualmente. Ao invés disso, brinque com eles com profundo amor, simpatia
e conexão, e lentamente, como uma fragrância e uma melodia, algo se
manifestará em você e você será capaz de perceber o que este homem deseja
expressar. Ele deseja transmitir aquilo que não pode ser transmitido, ele deseja
dizer aquilo que não pode ser dito. E ele é capaz de transmiti-lo.
Este homem, Ikkyu, era um Mestre estranho. Os Mestres Zen são Mestres
estranhos. Uma pessoa religiosa fatalmente se torna estranha, pois ela vive de
uma maneira totalmente diferente — ela vive numa realidade separada. Ela
começa a existir aqui como uma forasteira e se torna uma visitante deste mundo
comum, pois ela está aqui e ainda assim não é daqui. Ela vive aqui, mas não é
tocada, contaminada ou poluída pelo mundo. Ela vive aqui, e de tal modo que
ela é intocável. Ela não escapa do mundo, e vive no mundo ordinário de uma
maneira extraordinária.
Ouvi algumas histórias a respeito de Ikkyu. Uma é esta, a qual lhe dará alguma
amostra do homem. Antes de entrarmos nestes poemas, é melhor saborearmos
um pouco a pessoa.
Num dia de verão, enquanto trabalhava, talvez capinando, Ikkyu se cansou muito
e, por estar com calor, foi até a varanda do templo e saboreou uma brisa fresca.
Ele se sentiu tão bem que entrou no templo, pegou o Buda do santuário e,
amarrando-o num mastro lá fora, disse: “Agora, refresque-se também!”
Parece absurdo amarrar um Buda de madeira num mastro e dizer a ele: “Agora,
refresque-se também!” Mas perceba... há algo profundo nisso. Para Ikkyu, nada
mais está morto, nem mesmo o Buda de madeira; tudo está vivo, e ele começou
a sentir por tudo como ele sentia para si mesmo. Essas fronteiras de eu e você
não são mais relevantes; ele atingiu o um.
E agora outra, justamente o pólo oposto da história anterior:
Numa noite muito fria de inverno, ele estava alojado num templo e, de repente,
no meio da noite, o sacerdote do templo ouviu ruídos e viu luz; assim, ele veio
correndo: “O que está acontecendo?”
Ele viu Ikkyu sentado e queimando um Buda de madeira. O sacerdote ficou
horrorizado e disse: “Você é louco ou o quê? O que você fez? Isso é sacrilégio,
não pode haver pecado maior que este, você queimou o meu Buda!”
Ikkyu pegou um graveto pequeno e começou a remexer as cinzas, e o sacerdote
perguntou: “O que você está fazendo agora, o que você está tentando fazer?”
E Ikkyu respondeu: “Estou tentando encontrar os ossos de Buda”.
E o sacerdote disse: “Você deve ser completamente louco, como você pode
encontrar ossos num Buda de madeira?”
E Ikkyu riu e disse: “A noite é longa e muito fria e você tem tantos Budas de
madeira... por que você não traz mais alguns? E você também pode se
esquentar”.
Ora, este homem é estranho. Uma vez, num verão quente, ele amarra num
mastro o Buda de madeira e diz: “Agora refresque-se também”. Em outra, ele
queima um Buda de madeira porque a noite está muito fria, e diz ao sacerdote:
“Olhe para mim — o Buda interno está tremendo de frio”. Na verdade, ambas as
histórias são iguais; de dois ângulos diferentes, são idênticas.
Um homem que se realizou, que compreendeu, não faz diferenças. As distinções
são perdidas, as divisões desaparecem e todas as fronteiras ficam sem sentido.
Uma pessoa que se realizou começa a viver no ilimitado, no infinito. Agora este
doka:
Um descanso no caminho de volta
Da Estrada Esburacada
Para a Estrada Nunca-Esburacada;
Se chover, deixe que chova;
Se ventar; deixe que vente.
CADA PALAVRA DEVE SER PENETRADA COM SIMPATIA. “A Estrada
Esburacada” significa este mundo, o mundo dos desejos. Através dos desejos
estamos perdendo nossa energia, desperdiçando nosso ser e desaparecendo
pelo ralo.
Este mundo é a Estrada Esburacada, e o ser humano simplesmente se
desperdiça aqui. Nada é ganho a partir dela, nunca. Na verdade, as pessoas
vêm como imperadores e morrem como mendigos. Esta é uma Estrada
Esburacada! Toda criança nasce como um imperador, e logo o reino, a pureza e
a inocência são perdidos. Cada criança é Adão no Jardim do Éden e cada uma
precisa ser expulsa do Jardim; e ela começa a penetrar no mundo dos desejos.
Existem dez mil desejos, os quais não podem ser realizados e satisfeitos. Eles
trazem somente frustrações e mais frustrações, e cada desejo é uma nova
armadilha de frustração. Você novamente tem esperança e acaba sendo pego,
e cada desejo traz somente uma enorme frustração. Porém, no momento em
que ele vem, você começa a desejar de novo; você se move de um desejo a
outro, e pode continuar se movendo por milhões de vidas. Em realidade, é assim
que temos nos movido.
Ikkyu chama isso de Estrada Esburacada. E a Estrada Nunca-Esburacada, o
mundo antes de nós e ela termos nascido ou o mundo quando nós e ela não
existirmos mais?
No Zen, esta é uma das meditações mais básicas: procurar a face que tínhamos
antes de nascermos ou procurar a face que teremos quando estivermos mortos.
Apenas pensar sobre ela traz grandes realizações; apenas por meditar
continuamente a respeito dela e a pessoa começa a sentir algo sem feição. Esta
é a nossa face original: o estado da não-feição. Você não tinha face, corpo,
mente, nome ou forma antes de nascer — nenhum namarupa, nem nome nem
forma. Você era, mas não estava identificado com nada.
O objetivo de todas as meditações é perceber isso novamente, dentre todo este
barulho da Estrada Esburacada, dentre todas essas pessoas que estão apenas
correndo atrás de desejos, perseguindo um desejo e então um outro e um outro...
reconhecer e perceber a face original quando você não era um corpo nem uma
mente, mas somente uma consciência pura, uma testemunha. Isto é chamado
de Estrada Nunca-Esburacada. Se você puder permanecer neste estado, suas
energias de vida não se dispersarão.
E o caminho de volta é retornar a esta fonte, a esta face original. Todas as
religiões são o caminho de volta. Religião significa uma virada de cento e oitenta
graus, uma meia-volta, uma meia-volta completa. Estamos correndo para longe
da fonte original, estamos correndo de nós mesmos, e precisamos retornar,
precisamos chegar à nossa fonte original, pois somente ali há paz,
contentamento, bem-aventurança e preenchimento.
A fonte é o objetivo — eles nunca estão separados. Somente a fonte pode ser o
objetivo! Quando a pessoa volta para sua fonte original, ela atinge tudo que a
vida pode dar, tudo que a vida pretende dar.
A vida é perder o paraíso e a religião é recuperá-lo. Atirar-se no mundo dos
desejos é Adão caindo da graça; retornar é Cristo. Eles são as mesmas pessoas!
Adão e Cristo não são duas pessoas separadas, mas a mesma pessoa, somente
suas direções mudaram. Adão está na Estrada Esburacada, afastando-se da
fonte, indo cada vez mais longe da fonte, e Cristo está regressando, ele deu a
volta.
A palavra cristã “conversão” significa exatamente isto: regressar. Conversão não
significa um hindu se tornar cristão ou um muçulmano se tornar cristão.
Conversão significa Adão se tornar Cristo. Isso nada tem a ver com o
cristianismo, mas algo a ver com o próprio estado crístico. Ao se tornar cristão,
você não se converteu; e nada muda. Você era hindu e estava se atirando no
mundo dos desejos, então você se torna cristão e se atira no mesmo mundo —
mudou em você apenas o rótulo. Agora você não é mais chamado de hindu, mas
de cristão. Ou você pode ser cristão e se converter ao hinduísmo — isso também
não é conversão.
Conversão significa uma virada de cento e oitenta graus — Adão regressando,
o caminho de volta.
Os budistas têm uma palavra ainda mais bonita para isso, paravritti — significa
exatamente uma virada de cento e oitenta graus. Menos que isso não serve. Se
você errar, mesmo que por um único grau, você ainda estará se atirando no
mundo.
Este também é o significado do meu sannyas — o caminho de volta.
E “o descanso” significa nossa curta vida humana, tão curta que chuva ou vento
e desgosto ou puxão são de consequências e significados pequenos.
Agora escute o doka:
Um descanso no caminho de volta
Da Estrada Esburacada
Para a Estrada Nunca-Esburacada;
Se chover; deixe que chova;
Se ventar; deixe que vente.
Nossa vida humana é tão momentânea... não faz sentido se perturbar com ela.
Alguém o insultou e você faz um grande estardalhaço a respeito disso — e isso
é tão momentâneo! Não vai durar e tudo vai ser esquecido; ou alguém se torna
bem-sucedido e enlouquece; ou alguém acumula muita riqueza e tira os pés do
chão e passa a “voar”.
Antigamente havia uma bela tradição em Roma, que deveria ser seguida em
todos os países. Sempre que um conquistador romano voltava — ele conquistara
novos países, fora um grande soldado e voltara com grandes sucessos e vitórias
—, as massas, a multidão, o povão, gritavam em alegria. Ele era saudado como
um deus. A tradição era que um serviçal caminhava atrás dele e continuamente
o lembrava: “Não seja enganado pelas pessoas. Senhor, não seja enganado
pelas pessoas! Não seja enganado pelos tolos; caso contrário, o senhor
enlouquecerá”. Um serviçal, um escravo, tinha de repetir isso continuamente às
costas do conquistador, de tal modo que ele pudesse se lembrar. Senão é muito
fácil: quando o sucesso vem, a pessoa enlouquece.
Isso deveria ser seguido em todos os países. Uma pessoa deveria seguir Jimmy
Carter e Morarji Desai apenas para lembrá-los: “Não sejam enganados pelo
sucesso. Ele é momentâneo, é apenas uma bolha, uma bolha de sabão. Não
deixem que lhes suba à cabeça”.
O sucesso sobe à cabeça — e o mesmo acontece com o fracasso; ele machuca.
E tudo é momentâneo, este descanso é momentâneo. Pense nas infinidades...
antes do seu nascimento havia infinidade, o tempo sem começo o precedeu; e
após a sua morte o tempo sem fim vai sucedê-lo. E entre essas duas infinidades
o que é você, o que é a sua vida? Uma bolha de sabão, apenas um sonho de
um momento.
Não permita que isso o afete. Se a pessoa puder permanecer consciente e não
for afetada pelo sucesso ou pelo fracasso, pelo elogio ou pelo insulto, pelos
inimigos ou pelos amigos, então ela está retornando à fonte original. A pessoa
se torna uma testemunha.
Um descanso no caminho de volta
Da Estrada Esburacada
Para a Estrada Nunca-Esburacada;
Se chover, deixe que chova;
Se ventar; deixe que vente.
Não fique perturbado com isso. Pondere e contemple a respeito disso — este é
um grande segredo, um dos grandes segredos dos Budas. Simplesmente fique
alerta, pois tudo é trivial, momentâneo e um sonho de verão. Ele está partindo,
já está partindo, e você não pode se segurar nele. Não há necessidade de se
apegar a ele nem de empurrá-lo. Ele vai por si mesmo, bom ou mau, não importa
o que ele seja, ele está partindo. Tudo está partindo; o rio está fluindo e você
permanece sereno e desapegado, apenas uma testemunha. Isto é meditação.
Meu eu de há muito tempo,
Em natureza não-existente;
Nenhum lugar para ir quando morto,
Nada absolutamente.
NOVAMENTE, TENTE COMPREENDER CADA PALAVRA: Meu eu de há muito
tempo... Antes do nascimento, éramos não-existentes, e assim, de novo,
seremos após a morte. Nenhum eu existia e nenhum eu existirá após a morte.
Buda insiste muito nesta visão do não-eu, pois todos os nossos desejos estão à
volta do conceito do eu: eu sou. Se eu sou, então mil e um desejos surgirão; se
eu não sou, então como desejos podem surgir a partir do nada?
Esta é uma das maiores contribuições de Buda ao mundo. No que se refere à
idéia do não-eu, ele superou todos os outros Mestres — Krishna, Cristo,
Zaratustra, Lao Tzu —, ele superou todos.
Esta é uma das meditações mais fundamentais. Se isso puder se assentar em
você, que “eu não sou”, então de repente o mundo desaparece. Saber que “eu
não sou” é saber que não há necessidade de fazer coisa alguma, de ser coisa
alguma, de possuir coisa alguma, de atingir coisa alguma. Quando não existe o
eu, a ambição é irrelevante. Se houver um eu, então a ambição é relevante.
É por isso que todas as outras religiões, exceto o budismo, caíram numa
armadilha. A armadilha é: elas tentam não desejar as coisas deste mundo, mas
então começam a desejar coisas do outro mundo. Porém, dá no mesmo — o
desejo é o mesmo. Não importa o que você deseja, não faz absolutamente
nenhuma diferença qual é o objeto do seu desejo — o desejo é o mesmo.
Você quer dinheiro ou meditação: o desejo é o mesmo e somente o objeto
mudou. E o objeto não é o problema — o problema é o próprio desejo, o próprio
ato de desejar. Alguém deseja uma longa vida aqui, um belo corpo aqui, sucesso,
nome, fama; uma outra pessoa deseja a vida eterna com Deus no paraíso —
qual é a diferença? A única diferença parece ser esta: a primeira pessoa não é
tão gananciosa quanto a segunda; a segunda é mais gananciosa.
É por isso que as chamadas pessoas espirituais são pessoas muito gananciosas.
Não é por acaso que a Índia é muito gananciosa — ela é muito espiritual. Esta
espiritualidade cria mais cobiças. Na verdade, os chamados mahatmas insistem
em ensinar às pessoas: “Não desejem coisas deste mundo, pois elas são
momentâneas. Desejem coisas do outro mundo, pois essas são eternas”. E eles
chamam isso de renúncia? Isso é renúncia? Isso é ficar mais desejoso, é pedir
pela gratificação eterna.
As pessoas mundanas são pessoas simples, ficam satisfeitas com os desejos
momentâneos. E as que buscam o outro mundo parecem ser absolutamente
gananciosas. Elas não estão satisfeitas com este mundo e precisam de um outro
no qual existam prazeres eternos, no qual a beleza nunca acaba, no qual a vida
está sempre jovem, no qual a pessoa vive continuamente e nunca envelhece.
Isso é cobiça, é pura cobiça transplantada para um outro mundo! Isso é mais
cobiça do que a primeira. Evite esse materialismo espiritual; ele é um completo
materialismo e não muda a sua vida, não pode mudá-la e simplesmente nutre
sua velha mente e o envenena ainda mais.
Buda diz que a meditação básica é perceber que “eu não era e eu não serei,
então como posso estar no meio de dois nadas? Se eu não era antes e não serei
novamente após a morte, então como posso ser agora?” Não se pode existir
entre dois nadas, então isto também deve ser um nada — nós não o vimos
corretamente.
Meu eu de há muito tempo...
Antes do nascimento nós éramos não-existentes, não-eu, e deveremos ser
assim novamente após a morte. Portanto, estamos nesta condição no momento
presente, sem nada no mundo que possamos chamar de nosso — nem mesmo
nossos próprios eus. Isso atinge o âmago do problema.
Não se despoje de coisas — despoje-se do seu eu, e então as coisas são
despojadas automaticamente. Se eu não sou, então como a casa pode me
pertencer? Se eu não sou, então como posso possuir uma mulher ou um
homem? Se eu não sou, então como posso possuir um filho? Se eu não sou,
então como a propriedade é possível? Não existe ninguém para possuir. Perceba
a diferença.
As outras religiões disseram: “Renunciem às posses!” Buda diz: “Renunciem o
possuidor”. Por certo, isso vai infinitamente mais fundo. Você pode renunciar às
posses, mas o possuidor permanece, e com ele o modelo para possuir
novamente — o possuidor trará sua possessividade pelas portas dos fundos.
Você pode ver isto acontecer: uma pessoa renuncia a esta vida mundana e se
muda para uma caverna no Himalaia, mas então ela possui aquela caverna. E
se alguém vier e começar a viver na caverna ela o expulsará e dirá: “Saia! Esta
é minha caverna”. E esta pessoa renunciou à sua casa, à sua esposa e aos seus
filhos. Agora a mesma possessividade entrou numa nova forma.
Não importa o que você possui, mas se você possui, então você permanece na
Estrada Esburacada.
Despojar-se de coisas não significa escapar delas. As coisas existem e estarão
em todos os lugares. Coisas também existirão na caverna do Himalaia — as
montanhas, as árvores — e você pode começar a possuí-las. Se você se sentar
sob uma certa árvore, começará a possuí-la; esta é a sua árvore e nenhum outro
ascético pode vir e meditar ali; ele precisa encontrar sua própria árvore. Ou você
começa a possuir os templos, as mesquitas, as igrejas, as filosofias — hindu,
cristã, muçulmana —, as escrituras — o Gita, o Alcorão, a Bíblia — e os conceitos
de Deus: “Este é o meu conceito de Deus. Seu conceito está errado e o meu
está certo”.
Buda corta a raiz. Ele diz que não há ninguém para possuir. Perceba a beleza e
a imensa implicação disso. Ele simplesmente corta as raízes e não os galhos e
as folhas, que brotariam novamente, pois as raízes permaneceriam intactas.
Corte a raiz e toda a árvore morre. Não abandone as posses, abandone o
possuidor. E então você pode viver no mundo e não há problema. Viva no mundo
e não possua, pois não há ninguém para possuir.
É por isso que não digo a meus sannyasins para renunciarem ao mundo; digo
para renunciarem ao ego e viverem no mundo. O mundo não lhes pode fazer
mal, e todos os males acontecem devido ao ego. É isto que Buda chama de “eu”,
esta é sua palavra para “ego”: atta — o eu.
Meu eu de há muito tempo,
Em natureza não-existente...
Buda trabalhou continuamente por seis anos em busca do eu. Você já ouviu o
famoso ensinamento de todos os tempos: “Conheça a si mesmo!” Buda
trabalhou duro; por seis anos ele tentou, a partir de todos os cantos, ângulos e
lados possíveis, penetrar nesta realidade do eu, mas ele não pôde encontrá-lo.
Conheça a si mesmo, e no dia em que você se conhecer saberá que não existe
eu.
Neste dia, você terá sabido — quando você souber que não existe eu. Dentro
existe completo e absoluto vazio, um silêncio imperturbado e virgem. Jamais
houve alguém; trata-se apenas de um sonho.
À noite, você sonha e acha que se tornou um imperador, e pela manhã você se
encontra na mesma velha cama e não é um imperador. Mas a mente pode
imaginar, ela é uma grande força imaginativa. O eu é imaginação da mente; ele
não existe em realidade.
Aqueles que penetraram fundo em seus próprios seres vieram a conhecer
completo silêncio. Ninguém foi encontrado ali, e esta é a grande realização:
encontrar ninguém ali... então todos os problemas desaparecem, pois o criador
de problema desapareceu.
Meu eu de há muito tempo,
Em natureza não-existente;
Nenhum lugar para ir quando morto,
Nada absolutamente.
“Nada” significa absolutamente nenhuma coisa. Há uma famosa historieta Zen:
Um homem veio a um Mestre Zen e perguntou: “Um cachorro tem natureza
búdica?”
Não se pode fazer esta pergunta em nenhum outro lugar. Se você perguntar a
um cristão: “Um cachorro tem natureza crística?”, ele ficará absolutamente
enfurecido. Você está insultando Cristo, o filho unigênito de Deus; isso não é
somente profano, mas um sacrilégio. Porém, no budismo se pode perguntar isso,
não há problema.
O discípulo perguntou ao Mestre: “Um cachorro tem a mesma natureza de
Buda?”
E a resposta do Mestre é muito estranha e confusa, e através dos séculos
pessoas a têm contemplado e ela se tornou um koan a ser meditado.
O Mestre disse: “Mu”.
Mu significa nada. Agora o problema é: o que ele quer dizer ao falar mu? Mu
também pode significar não; pode significar nada e não. Ele está dizendo que o
cachorro não tem a mesma natureza de Buda? Vindo de um Mestre Zen, isso
não é possível. Então, o que ele quer dizer por mu? Ele não quer dizer não —
ele quer dizer nada. Ele está dizendo: “Buda é nada, assim é o cachorro”. Ele
está dizendo sim ao dizer não.
Ele está dizendo: “Sim, o cachorro tem a mesma natureza de Buda, mas Buda é
nada, assim é um cachorro!” Não existe eu, nem em Buda nem num cachorro.
Não existe ninguém lá dentro! Buda é vazio e assim é o cachorro. Somente as
formas e os sonhos são diferentes. O cachorro está sonhando que é um cachorro
— isso é tudo. Você está sonhando que é um ser humano, alguém está
sonhando que é uma árvore. Mas dentro não há ninguém — puro silêncio.
Este silêncio é samadhi. Quando você começa a ter vislumbres deste silêncio,
sua vida começa a mudar. Então, pela primeira vez, você vive numa maneira
poética, a morte não cria medo em você e nada pode perturbá-lo ou distraí-lo.
A resposta do Mestre, mu, significa realmente sim, mas ele não disse sim por
uma certa razão — porque o sim será mal interpretado. O homem teria pensado
que o cachorro também tem o mesmo eu que Buda — por isso, ele não usou a
palavra “sim”. Ele disse não, mas ele não quer dizer que o cachorro não tem a
mesma natureza. Ele quer dizer que ambos têm nada dentro. A forma difere.
Para um budista, em particular para um zen-budista, não há nada profano e nada
sagrado.
Escute esta história:
Era uma reunião solene e majestosa de pessoas profundamente interessadas e
congregadas para aprender a Verdade. Elas acreditavam ouvir os segredos
decisivos do Universo, e por fim ficaram face a face com o Absoluto, o Supremo,
e pensavam em ouvir as gemas de sabedoria pelas quais príncipes e mendigos
brigavam desde o princípio dos tempos.
Imagine o decoro e a solenidade de tudo isso, o ar de expectativa que preencheu
a sala quando O Mestre entrou. Um silêncio eletrizante se fez presente e a sala
se tornou uma catedral. Todos os olhos estavam voltados para O Mestre, e havia
aqueles que pensavam ver a sua aura e outros que viam anjos pairando por
perto.
O Mestre se sentou e se preparou para falar. A audiência se inclinou para a
frente, e com a respiração suspensa se aprontou para apanhar cada uma de
suas palavras. Finalmente, após o que parecia um tempo interminável, O Mestre
da Justeza abriu a boca e lhes ensinou, dizendo: “Hoje, neste momento, estou
usando uma cueca felpuda”. E isso foi tudo o que ele ensinou naquele dia.
O Zen tem uma abordagem totalmente diferente a respeito da vida. Ele não
acredita no sagrado ou no profano. Ele não acredita em coisa alguma — tudo é
um. Cachorro é Deus — tudo é um. Buda, não-Buda — tudo é um. O ignorante,
o sábio — tudo é um. O pecador e o santo — tudo é um.
Quando perguntavam, ele respondia;
Nenhuma pergunta, nenhuma resposta;
Então o Mestre Daruma
Deve ter tido
Nada em sua mente.
TENTE PENETRAR EM CADA PALAVRA. A mente, em sua pureza, é apenas
um espelho, um espelho vazio; ela nada contém. Ela é um espelho porque é
vazia, porque somente o vazio pode espelhar. Se algo já estiver contido, então
o seu reflexo não será o reflexo verdadeiro. Quando o espelho estiver
absolutamente vazio, ele será o espelho mais perfeito.
Na meditação, a mente se torna mais e mais como um espelho. Lentamente toda
a poeira dos pensamentos desaparece, todas as nuvens de desejo
desaparecem... e então não sobra nada, anatta, não-eu, nada, mu. A mente, em
sua pureza, é apenas um espelho, imperturbado pela paixão e desanuviado pelo
pensamento; tudo aparece como é.
Daruma — o nome japonês de Bodhidharma — respondia quando questionado,
comia quando estava com fome, dormia quando estava cansado. A verdadeira
vida de um sábio, nada na mente: nirvana.
Preste atenção:
Quando perguntavam, ele respondia...
A pessoa iluminada não tem respostas prontas, não tem pensamento pronto para
atirar em sua cabeça. Ela responde, e suas totalidades são suas respostas. Ela
é um espelho. O discípulo vem à frente do Mestre e ele responde às
necessidades do discípulo. Ele não tem idéia fixa, ele não está preocupado em
servir algo e dá-lo a todos. Ele simplesmente espera ali como um espelho. Você
vem e vê a sua face.
Daí as contradições de um Mestre. Um professor é consistente e um Mestre
fatalmente é contraditório e inconsistente. Um espelho precisa ser inconsistente:
num momento, ele está espelhando um gato; num outro, um homem; num outro,
lágrimas; e, num outro, gargalhada. Como um espelho pode ser consistente?
Não se pode dizer ao espelho: “Seja consistente! Ontem eu vi lágrimas em você
e hoje estou vendo gargalhada. Ontem olhei para você e você estava triste e
hoje você parece muito feliz. Ontem eu vi que você estava em profunda
meditação e hoje vejo que você está dançando e cantando. Isso é inconsistente!”
Somente uma fotografia pode ser consistente, não um espelho. A fotografia é
uma fotografia; se houver lágrimas, elas permanecerão ali para sempre. A
fotografia é morta, ela não responde. Se vier um macaco, a fotografia vai
continuar a mostrar suas lágrimas. Se vier um sábio, acontecerá o mesmo. Mas
lembre-se: com um Mestre é diferente. Se você for um macaco, então o Mestre
mostrará a sua face, e sua resposta será em resposta a seu ser. Ele responde.
Ele não replica, mas responde.
Quando perguntavam, ele respondia;
Nenhuma pergunta, nenhuma resposta…
Por isso, aconteceu de Kabir e Farid, dois grandes Mestres indianos, se
encontrarem e ficarem continuamente juntos por dois dias e nem uma única
palavra ser trocada. Dois espelhos se refletindo, o que eles podem refletir?
Coloque dois espelhos um em frente do outro: um espelho espelhará o outro
espelho e assim por diante... espelho, espelho e espelho, mas nada será
espelhado. Não existe nada.
Dois silêncios ficaram juntos, Farid e Kabir, e olharam um para o outro. Não havia
pergunta, daí não haver resposta. Não havia ninguém, daí não haver resposta.
Quando perguntavam, ele respondia;
Nenhuma pergunta, nenhuma resposta;
Então o Mestre Daruma
Deve ter tido
Nada em sua mente.
Sim, esta é a mente de um Mestre — ele nada tem em sua mente. Ter algo na
mente é permanecer não-iluminado. Ter nada na mente é se tornar iluminado.
Mesmo se você tiver iluminação em sua mente, então você ainda não é
iluminado. Ter nada na mente é ser iluminado, lembre-se disso.
Deixe-me repetir: se você tiver a idéia de que você se iluminou, então você ainda
não é iluminado. Mesmo essa idéia é suficiente para mantê-lo amarrado à
Estrada Esburacada, amarrado ao mundo dos desejos.
Certo dia alguém me escreveu uma carta. Ele acha que se iluminou, então ele
quer vir e apertar a minha mão. Apertar a mão está perfeitamente bem, mas a
própria idéia de que se iluminou o manterá não-iluminado. Espere... quando você
estiver pronto, eu apertarei sua mão. Espere, tenha um pouco de paciência.
Deixe que todas as idéias desapareçam, mesmo a idéia da iluminação.
No dia em que você vier como um espelho, eu apertarei o meu ser com o seu
ser — por que a mão? As mãos não servem.
Então o Mestre Daruma
Deve ter tido
Nada em sua mente.
Normalmente, estamos empacotando soluções para problemas que não existem
mais. Todos são assim; estamos carregando milhares de soluções para
problemas que não existem mais — e você chama isso de conhecimento. Isso
está obstruindo sua capacidade de saber; isso não é conhecimento.
Abandone todas as soluções e respostas que você está carregando. Permaneça
em silêncio, e sempre que surgir uma questão a partir deste silêncio você ouvirá
a resposta — e esta será a resposta. Ela não virá de você, das escrituras ou de
algum lugar — ela virá de lugar nenhum e virá de ninguém; ela virá do seu nada
mais profundo.
As outras religiões chamam este nada de “Deus”. Com frequência, Buda enfatiza
a palavra “nada” — significativa e sugestivamente, pois uma vez usada a palavra
“Deus” as pessoas começam a se apegar a ela. Então elas têm alguma idéia;
elas perguntam qual é a aparência de Deus. Não se pode perguntar qual é a
aparência do nada, ou se pode? Uma vez que se tenha a palavra “Deus”,
começa-se a perguntar: “Como fazer a imagem? Como criar um templo? Como
venerar? Como orar? Que nome dar a ele?” E por isso há muitos nomes e
imagens... o que resulta em luta.
É por essa razão que Buda enfatiza tanto a palavra “nada” — pois ela é
realmente bela. Ela não permite que se faça algum jogo com ela e não se permite
ser corrompida por você. Todavia, se você compreender corretamente, nada
significa Deus e Deus significa nada.
Nossa mente —
Sem fim,
Sem princípio,
Embora tenha nascido, embora morra...
A essência do vazio!
A MENTE PRECISA SER ENTENDIDA DE DUAS MANEIRAS. Uma: Mente com
“M” maiúsculo. Esta é a Mente universal, cómica, do todo — o próprio todo, a
consciência que permeia a existência. Esta é uma existência consciente, viva,
viva até o cerne. Tudo está vivo, e você pode saber disso ou não. Isso pode não
ser tangível ou visível para você, mas tudo está vivo. Somente a vida existe.
E a morte é um mito, uma ilusão. Assim é a inconsciência. Mesmo a rocha não
é inconsciente — ela é consciente à sua própria maneira. Ela pode não estar
disponível a nós, pode não nos ser possível saber se ela é consciente ou não,
pois existem milhões de maneiras de ser consciente; a maneira humana não é a
única maneira. Árvores, pássaros, animais e pedras são conscientes à sua
própria maneira.
A consciência pode ser expressa de tantas maneiras quantas forem possíveis;
este Universo tem infinidades de expressões.
Mente com “M” maiúsculo é a Mente cósmica — isto deve ser atingido. É isto
que Buda chama de “nada”, de vazio como um espelho.
Mas há uma outra mente com “m” minúsculo, a mente pequena. Então minha
mente é diferente, sua mente é diferente; a mente humana é diferente das
mentes das árvores e as mentes das árvores são diferentes das mentes das
pedras. Portanto, existem diferenças, e cada mente tem sua própria limitação;
ela é diminuta.
A pessoa precisa desaparecer da minúscula para a infinita. O “m” minúsculo
precisa ser dissolvido no “M” maiúsculo.
O “m” minúsculo, a mente pequena, é parte do tempo, e o “M” maiúsculo, a Mente
cósmica, é eternidade. O “m” também é parte do “M”. A eternidade penetra no
tempo — da mesma forma que a Lua se reflete no lago; ela não está realmente
ali, mas está refletida.
Nossas mentes pequenas são somente reflexos da grande Mente. Quando a Lua
se levanta, a lua cheia, milhões de lagos, mares, rios e lagoas sobre a terra a
refletirão. Onde houver alguma água, ela será refletida. Mas a Lua é uma e os
reflexos são milhões... assim são nossas pequenas mentes. A Mente é uma —
você pode chamá-la de Mente de Buda, de Mente do todo, de Mente cósmica ou
de Deus. Esses são apenas nomes diferentes para a mesma realidade.
Essa mente pequena tem um começo e um fim. Essa Mente grande não tem
começo nem fim.
Agora escute estas palavras:
Nossa mente —
Sem fim,
Sem princípio,
Embora tenha nascido, embora morra...
A essência do vazio!
Uma declaração muito contraditória. Por um lado, Ikkyu diz: Nossa mente — sem
fim, sem princípio..., ele está falando sobre a Mente com “M” maiúsculo.
Então ele diz: Embora tenha nascido, embora morra..., agora ele está falando
sobre a mente com “m” minúsculo, a mente pequena. A mente pequena nasce e
morre e a Mente grande continua. A mente pequena é somente um reflexo, e
reflexos nascem e morrem.
Como um reflexo, você nasceu e morrerá. Se você se apegar demais ao reflexo,
você sofrerá. O sofrimento é isso, o inferno é isso. Se você não ficar
demasiadamente apegado, se você não estiver se apegando ao reflexo... o
corpo, esta mente e esta vida são reflexos. Se você observar silenciosamente,
será capaz de perceber que todos esses reflexos estão passando — e então
você fica consciente do espelho no qual esses reflexos estão passando.
Este espelho é a eternidade. Atingir este espelho é saber o que é a verdade.
Todos os pecados cometidos
Nos Três Mundos
Se dissolverão e desaparecerão
Comigo.
OS TRÊS MUNDOS são os mundos do passado, do presente e do futuro — o
mundo do tempo. O sutra é de um significado revolucionário imenso.
Todos os pecados cometidos
Nos Três Mundos
Se dissolverão e desaparecerão
Comigo.
No momento em que você souber que você não é, então tudo o que você fez no
passado, está fazendo no presente ou fará no futuro também desaparecerá.
Quando aquele que faz desaparece, os feitos também desaparecem.
No Oriente, as pessoas se preocupam muito com carmas e ações. Elas ficam
com muito medo, pois têm de pagar e sofrer por todas as coisas ruins que fizeram
no passado.
Ikkyu está lhe dando uma grande chave: “Não tenha medo, pois você não é;
portanto, você não fez coisa alguma!” Como você pode fazer? Porque, em
primeiro lugar, você não é. Ele está tirando o próprio chão sob seus pés — com
ele tudo desaparece.
Todos os pecados cometidos
Nos Três Mundos
Se dissolverão e desaparecerão
Comigo.
Assim, a única coisa é penetrar fundo em você mesmo e perceber o seu nada.
Você não precisa fazer coisas boas para contrabalançar as coisas más que fez.
Você não precisa se esforçar em fazer boas ações, pois, faça você o bem ou o
mal, você permanece na ilusão de um executante. Perceba a diferença!
Normalmente, as religiões ensinam a ser moral, fazer o bem e evitar pecados.
Lembre-se daqueles Dez Mandamentos — eles compõem a religião ordinária:
não faça isso, faça aquilo. A religião extraordinária diz: desapareça como autor,
não se Incomode a respeito de fazer o bem ou o mal. E quem sabe o que é bom
e o que é mau?
Na verdade, nada é bom e nada é mau, pois a existência é uma — como pode
haver duas? Tudo é um. O bom transforma-se em mau, o mau transforma-se em
bom, e a crente nunca sabe o que é o quê. As coisas continuamente estão se
transformando umas nas outras. Você pode observar...
Você estava fazendo algo bom e resultou em algo mau. Uma mãe tenta proteger
seu filho de todas as coisas ruins do mundo e, justamente porque ela o está
protegendo, ela o está forçando a entrar nelas, pois está criando a tentação.
Lembre-se da velha história: Deus disse a Adão para não comer desta árvore, e
criou a tentação. Ele deve ter sido um bom pai, e destruiu o filho. Ao dizer “Não
coma da Árvore do Conhecimento”, ele criou a tentação e o desejo, o desejo
irresistível de comer daquela árvore.
Ora, ele queria fazer o bem, mas o que aconteceu? O pecado original surgiu.
Todas as pessoas que ficam fazendo coisas boas provam ser muito nocivas; os
benfeitores são as pessoas mais nocivas do mundo, e o mundo sofreu muito com
elas; suas intenções são boas, mas suas compreensões são nulas. E apenas
boa intenção não serve para nada.
Aqueles que compreendem dizem que não se trata de uma questão de bom e
mau, mas de uma questão de desaparecimento do autor. Ou podemos dizer isso
desta maneira: permanecer como autor é mau; desaparecer como autor é bom.
Não ser é virtude; ser é pecado.
Este é o entendimento de Buda. Todos nossos atos são apenas sonhos, e
quando a pessoa se torna desperta ela simplesmente começa a rir: todo o mal e
o bem foram apenas sonhos.
Escute esta história:
Havia certa vez um trabalhador que detestava café; contudo, sua esposa não
sabia disso, pois ele nunca lhe dissera. Ela adorava café e ficava muito feliz ao
colocar uma garrafa térmica de café na sua trouxa de almoço, todas as manhãs.
Ele sempre levava a trouxa e a garrafa térmica para o trabalho, mas, sendo um
homem econômico, à noite trazia a garrafa cheia de volta para casa. Então, para
economizar e porque sua esposa adorava café tanto quanto ele o detestava, ele
despejava o café no bule quando ela não estava vendo. E ele recusava o café
da noite com a desculpa de que atrapalhava seu sono.
Numa noite, a esposa sonhou que seu marido lhe era infiel e, na noite seguinte,
ela teve o mesmo sonho. Isso a deixou furiosa, mas ela não disse nada. Cerca
de uma semana depois, o sonho ocorreu pela terceira vez, causando-lhe muito
ciúme e angústia.
“É verdade”, pensou ela. “Deve ser verdade, o verme é infiel a mim!” Assim, ela
decidiu se vingar, e o fez ao colocar todas as manhãs uma pitada de arsênico na
garrafa térmica dele, até que ela morreu.
No julgamento do marido, o juiz disse: “É sempre assim, aqueles que acreditam
no sonho assassinam a si mesmos”.
O maior dos sonhos é “Eu sou” — e este se tornou nosso suicídio. Isso parecerá
muito paradoxal. A idéia “Eu sou” provou ser muito suicida. E se você
desaparecer como um eu, se você cometer este suicídio espiritual, pela primeira
vez você começará a viver, nascerá para a vida eterna e conhecerá algo que
não é temporal.
E então não há nada bom e nada mau. Então a pessoa come quando tem fome,
dorme quando está cansada, responde quando uma questão é levantada. A
pessoa não tem idéia de como viver e vive sem a mente. A pessoa vive com
nada dentro de si, e este é o objetivo do budismo. Viver como nada é nirvana.
2
A Morte no Ego É
a Vida no Amor
Existe uma ponte
entre a ciência racional e a religião irracional?
Você nos falaria sobre sonhos?
Por que parece que a gente está morrendo
quando está amando?
Por que o relacionamento entre o homem indiano
e a mulher ocidental não é bem-sucedido?
Qual a diferença entre
um hedonista epicurista e um zen-budista?
A primeira pergunta:
Ontem você disse que a ciência e a religião são diametralmente opostas.
No Ocidente, existem muitas escolas ensinando misticismo científico, e os
caminhos do Tantra e da Ioga também são muito sistemáticos. Sua
literatura também é profunda e artisticamente racional. Parece existir uma
ponte entre a ciência racional e a religião irracional.
Por favor; comente.
A PONTE É POSSÍVEL, e é possível somente por elas serem diametralmente
opostas. Existe a lacuna, então a lacuna pode ser transposta.
Os opostos podem se encontrar, e isso pode ocorrer somente por serem
opostos. Os opostos se atraem, e é assim que toda a vida se move e tem
dinamismo. Ela é dialética e existe através de pólos opostos: homem e mulher,
yin e yang, matéria e mente, a terra e o céu, isto e aquilo. Há uma constante
ligação, mas a ligação é possível somente por eles serem opostos. Se eles não
fossem opostos, não haveria necessidade de ponte.
Assim, a primeira coisa a ser compreendida: a ciência e a religião são
diametralmente opostas, mas é possível ligá-las. Esta ponte não as tornará
iguais, na verdade tornará mais gritantes e claras suas oposições diamétricas.
A religião pode ter um sabor científico, ela pode ser sistemática, porém ela nunca
se torna ciência; ela permanece misticismo. Ela toma a forma, a metodologia e
a terminologia de uma ciência, contudo permanece misticismo e poesia.
Pode-se traduzir poesia em prosa e prosa em poesia. Simplesmente traduzir
prosa em poesia não a tornará poesia — ela permanecerá prosa. E
simplesmente por traduzir poesia em prosa, ela não se tornará prosa e
permanecerá poesia. Buda fala em prosa, mas o que ele fala é poético.
Eu não sou poeta. Falo em prosa, mas o que falo é poético, sua alma é poética
e permanece poética.
A religião pode usar a sistematização científica — o Tantra e a Ioga fizeram isso.
A ciência também pode usar o misticismo como um método de investigar a
realidade, e todos os grandes cientistas fizeram uso disso, no entanto ela ainda
permanece ciência. Sua confiança básica está na razão e a confiança básica da
religião não está na razão. A religião pode se tornar científica na periferia, mas
no cerne permanece irracional. E a ciência pode se tornar muito poética na
periferia, porém no cerne permanece racional.
Albert Einstein ou outros grandes cientistas e investigadores são muito parecidos
com os místicos. Suas investigações, na realidade, são iguais à investigação de
William Blake. Os olhos de Einstein estão repletos de misticismo, mas no fundo
sua confiança está na razão. Mesmo que ele defronte com algo através de seus
sentimentos poéticos e intuitivos, ele imediatamente o traduzirá para a razão. Ele
somente confiará naquilo quando aquilo se tornar racional.
E justamente o oposto é o caso com um místico: mesmo que ele consiga saber
de algo muito racional sobre a realidade, ele o transformará em irracional, o
virará e o mudará em poesia.
Eles são opostos, mas podem ser ligados — e eles sempre são ligados quando
você puder encontrar uma pessoa contraditória; contudo, esta pessoa será
contraditória. Ela falará duas línguas ao mesmo tempo e falará em contradições
e paradoxos. Todos os grandes cientistas são paradoxais e todos os místicos
também o são.
Um Mestre, seja da ciência, seja da religião, inevitavelmente é paradoxal. Ele
não pode ser unidimensional e precisa estar em sintonia com ambas as
realidades — mas então fica muito difícil entendê-lo.
Este é o seu problema comigo: falo sobre o irracional, mas falo racionalmente
sobre ele. Sou todo a favor do ilógico; mas... e quanto à minha abordagem?
Através da lógica, lentamente o convenço a ir em direção à ilógica. Eu argumento
para isso. Meu argumento para a ilógica está fadado a ser lógico, pois nenhum
argumento pode, em si, ser ilógico — ele precisa ser lógico.
Ontem eu mencionei que as velhas escrituras afirmam que cada templo deveria
ter pelo menos uma figura maithuna na entrada — pelo menos uma, mas, se
puder ter muitas, ótimo. Um Mestre é uma entrada, uma porta, uma abertura.
Seus pés estão enraizados na terra e suas mãos estão tocando o céu — o Mestre
é a ponte entre a razão e a não-razão, entre a religião e a ciência, entre o amor
e a lógica. Um Mestre é uma soleira — daí ele poder convencê-lo, ele poder usar
toda a argumentação lógica e ainda assim seu objetivo permanecer ilógico. Uma
vez que você esteja convencido, ele o atira no misterioso. Trata-se de um salto
quântico.
Gostaria de falar algo mais sobre a tradição antiga:
Manuais de arquitetura medievais, todos os manuais da Índia, tinham como regra
que todos os templos deveriam ter esculturas maithuna em suas entradas.
“Maithuna” é uma palavra sânscrita muito fecunda. Ela não significa uma relação
sexual comum, não significa um casal comum se amando — ela significa unio
mystica, significa duas pessoas tão profundamente dissolvidas uma na outra que
elas não são mais duas. Não se trata simplesmente de um casal fazendo amor—
trata-se de amor, e o casal desapareceu nele. Trata-se de um estado de se
perder um no outro, de unidade.
Outros manuais de arquitetura dizem que o templo deve ser um encontro do céu
com a terra. A terra é visível, lógica e material e o céu é vago, nebuloso e
indefinido. O templo deve ser um lugar em que o definido encontra o indefinido,
em que o conhecido encontra o desconhecido.
O homem é lógico, ele representa a lógica, a matemática, a sistematização e a
ciência. A mulher é a ilógica, a intuição, o sentimento, a emoção e a poesia;
vaga, indefinida e indefinível. A figura maithuna representa este encontro do
lógico com o ilógico, da mente com o coração, do corpo com a alma — de todos
os pares de opostos yin e yang. E um templo é criado quando yin e yang se
encontram, se fundem e se tornam um. O amor é o templo: orgasmo, este estado
de fluxo orgástico no qual você não sabe quem é você — homem ou mulher —
no qual você não conhece nenhuma identidade e todas as
identidades são perdidas, quando você está em completo estado de
esquecimento e lembrança... esquecimento tudo o que você conhecia a respeito
de você mesmo e lembrança de tudo o que você realmente é; esquecimento
como um ego e lembrança como um todo. Este é o significado de maithuna.
Maithuna significa amantes num profundo estado de unidade, num estado de
casamento interior — não apenas o casamento exterior. Você ficará admirado
ao saber que somente o ser humano pode chegar a este casamento interior —
os animais não podem. Você já viu animais fazendo amor? Você nunca
encontrará nenhum êxtase em suas faces e olhos, nunca. O ato sexual é feito
como algo trivial, como um fenômeno biológico; eles o fazem praticamente como
um estorvo.
Os biólogos e os fisiologistas concordaram com o fato de que as fêmeas, exceto
nos seres humanos, de modo nenhum conhecem o orgasmo; nenhuma fêmea
animal conhece o orgasmo. Conhecer o orgasmo é um privilégio do ser humano.
Orgasmo significa casamento interior, e mesmo no ser humano...
No passado, noventa por cento das mulheres não conheciam o orgasmo, e isso
significa que elas nunca souberam algo sobre o casamento interior. O amor delas
permanecia biológico. Elas eram usadas pela natureza para reproduzirem, mas
não havia estado meditativo nisso. Minha própria observação é esta: devido a
este fenômeno, todas as antigas religiões foram contra o sexo, pois ele
representa o animal. Porém, elas não estavam cientes de que o ser humano
pode transcender o sexo — e a transcendência pode ocorrer somente através
do sexo —, de que o ser humano pode atingir algo interior por meio do exterior.
Aquilo que não é possível para os animais é possível para o ser humano. O ser
humano pode penetrar num estado orgástico, num êxtase, em que o sexo se
torna irrelevante e é deixado para trás. Corpos e mentes se tornam irrelevantes
e a pessoa mergulha na própria profundidade do ser — por um único momento,
é claro, mas Deus se torna disponível.
Maithuna significa amor tão profundo, tão imensamente profundo, que um
lampejo de Deus se torna disponível.
Maithuna significa um casal que não é mais um casal, um estado de ser casal a
partir do exterior, mas a partir do interior há somente unidade — ela existe em
solitude. Por um momento, a dualidade é superada, a harmonia atingida e o
acordo aconteceu — daí o orgasmo ser tão relaxante. E Wilhelm Reich está
certo: se a pessoa puder ser capaz de obter o deleite orgástico, então a loucura
e todos os tipos de neuroses e psicoses desaparecerão da terra.
Esta também é a experiência do Tantra. Contudo, havia necessidade de grande
coragem para colocar uma figura maithuna na entrada de um templo. O próprio
passo era de uma profunda revolução. Aquelas pessoas deviam ser corajosas;
elas declaravam algo através disso. Elas diziam: “Os pólos opostos podem ser
ligados somente através do amor”.
Um Mestre é amor, ele está continuamente em estado de orgasmo; ele é
unidade, e sua dualidade desapareceu. Ele sabe que só existe um, e neste
estado os opostos podem ser ligados.
O casal entrelaçado em profundo amor fica na entrada do templo num grande
êxtase de unidade: perdido, fundido, um com algo mais profundo e superior que
ambos.
Você precisa se apaixonar por um Mestre; o Mestre é a entrada para Deus. Você
precisa aprender a se fundir com o Mestre, como se tornar um com ele. Somente
por meio disso você conhecerá a ponte.
Eles ficam lá, possuídos pelo Deus chamado Amor, e este é exatamente o
relacionamento entre um discípulo e um Mestre: ser possuído por um profundo
e imenso amor. O relacionamento não é sexual, não é físico, mas é o mesmo
atingido por dois amantes. Ele é o mesmo, o clímax é o mesmo! Dois amantes
se movem através da fisiologia e da biologia e percorrem um longo caminho para
alcançar o clímax. Um discípulo e um Mestre alcançam este clímax
imediatamente; eles não fazem rodeios, eles não passam através do corpo ou
da mente. Este é o significado da entrega, shraddha ou confiança.
Seu amor abre as portas de uma nova percepção, de uma nova maneira de olhar
para a realidade, a qual estabelece a ponte dos pólos opostos. Eles estão
passando do ordinário para o extraordinário, da prosa para a poesia, da lógica
para o amor, da separação para a unidade, do ego para o estado de ausência
de ego.
Você já percebeu isto acontecer? Em amor profundo o ego desaparece, não se
pode encontrá-lo. Daí eu insistir: enquanto você estiver fazendo amor, lembre-
se sempre de olhar pelo menos uma vez quando estiver atingindo o clímax —
olhe para dentro. Existe algum ego? E esta experiência pode se tornar um satori.
Normalmente, você não olha para dentro; você fica tão absorto com o
divertimento e a alegria do amor que se esquece da meditação. Se naquele
momento em que você está se dissolvendo puder se lembrar de dar uma olhada
para dentro, nunca mais você vai ser o mesmo. Ao sair do amor, surgirá como
uma pessoa totalmente nova; nasce um novo ser. Você terá novas maneiras de
percepção e de visão da realidade.
Uma vez percebido que o ego não existe, não se pode juntá-lo novamente. E,
mesmo que você o junte, saberá que ele é falso, é pseudo. Então este
entendimento penetra fundo em você.
Os amantes se movem do tempo para a ausência do tempo. Observe: quando
ocorre o clímax, o tempo desaparece. Por um momento, o tempo pára, todo o
mundo pára, todo movimento pára, e esta parada de todos os movimentos e do
tempo é o que se chama “clímax”, o pico, o orgasmo.
O tempo também pode parar com um Mestre, e ele pára! Aqui, ele pára todos os
dias para muitas pessoas; por momentos, e você fica em sintonia comigo. Você
não está mais ali e eu não estou mais aqui, e desaparecemos e existe algo que
está além de nós. Você entrou no templo e fez a ponte com o pólo oposto.
A realidade não pode ser dividida realmente, ela não pode ser dividida em lógica
e amor, em tempo e eternidade, em corpo e alma, em Deus e matéria — ela não
pode ser dividida. Embora existam pólos opostos, eles não são inimigos, mas
complementares. Eles se apóiam mutuamente: sem um, o outro não será
possível.
Pode-se pensar em poesia se não houver mais nenhuma lógica? Ou pode-se
pensar em lógica se não houver mais nenhum amor? Eles parecem opostos;
mesmo assim, no fundo, em algum lugar, eles apóiam, nutrem e fortalecem um
ao outro.
Assim, estabelecer a ponte é possível, mas ela sempre ocorre através do amor,
através de uma soleira. Chamo o Mestre de soleira.
Num momento de amor ou confiança... você está simplesmente aqui e agora, o
eterno agora, o absoluto aqui! Você está na entrada.
Lembre-se: entradas são aberturas. Porphyrus escreveu: “Uma soleira é algo
sagrado”. Uma soleira é aquilo que une os opostos. O que realmente é um
templo? Uma soleira. Ele une o mundo com o além, o mercado com a meditação.
É por isso que o templo existe no mercado — ele precisa existir ali.
Por isso, insisto: não renuncie ao mundo — esteja ali! E, permanecendo ali,
procure pelo outro mundo e o encontrará; ele está oculto em algum lugar no
mercado. Se você escutar atentamente o barulho do mercado, você ficará
surpreso — existe música oculta, grande música nele! Simplesmente abandone
o gostar e o desgostar. Escute atentamente, esteja em conexão com ele, e, em
todos os lugares, no conhecido você encontrará o desconhecido, no visível o
invisível.
Porphyrus está certo quando diz que uma soleira é algo sagrado. Uma soleira é
o limite entre isto e aquilo, entre dois mundos, o espaço comum e profano e o
mundo sagrado além. A soleira é o ponto no qual passamos de um modo de ser
para um outro, de um nível de consciência para um outro, de uma realidade para
um outro tipo de realidade, de uma vida para um outro tipo de vida. Entrar num
templo simboliza entrar em nossa própria profundidade — ou altura.
Existencialmente, essas palavras significam a mesma coisa; pode-se chamar de
profundidade ou de altura — ambas querem dizer a mesma coisa. Trata-se da
dimensão vertical.
Existem duas dimensões: a horizontal e a vertical. A soleira une estas duas
dimensões. A vida profana comum é horizontal; a vida religiosa é vertical. Deixe-
me lembrá-lo da cruz cristã: ela simplesmente é uma representação destas duas
dimensões, a horizontal e a vertical. A cruz é um belo símbolo, ela é uma soleira,
uma ponte em que o horizontal e o vertical se encontram, em que o ordinário e
o extraordinário se encontram.
E, obviamente, a metáfora mais natural para a abertura e o abridor só pode ser
o ato de amor. De acordo com um outro texto antigo: “Onde vacas se divertem
com touros, acompanhadas pelos seus filhotes, ou onde belas mulheres flertam
com seus amantes, esse lugar é um lugar apropriado para um templo”.
Uma afirmação estranha. Escute novamente; você ficará chocado,
particularmente os hindus, os cristãos e os budistas — todos ficarão chocados.
Mas isso vem de um antigo texto oriental. Ele diz: “Onde vacas se divertem com
touros, acompanhadas pelos seus filhotes, ou onde belas mulheres flertam com
seus amantes, esse lugar é um local apropriado para um templo”.
Estranho, mas absolutamente significativo. É assim que deveria ser. Um templo
deve ser um encontro, uma ponte.
Você diz: Ontem você disse que a ciência e a religião são diametralmente
opostas.
SIM, ELAS SÃO DIAMETRALMENTE OPOSTAS, daí estarem atraídas entre si
como um homem e uma mulher. Elas podem se apaixonar e também são
complementares — todos os opostos também são complementares.
No Ocidente, existem muitas escolas que ensinam misticismo científico, e
os caminhos do Tantra e da Ioga também são muito sistemáticos.
Verdade, há uma maneira de ensinar misticismo científico, mas o misticismo
sempre vai além da ciência. É isto o que eu estou fazendo aqui! Estou lhe
ensinando ilógica lógica, misticismo científico e religiosidade mundana.
Lembre-se: sempre que houver algo realmente acontecendo, haverá o paradoxo,
pois a ponte será necessária. Todavia, ainda assim, o misticismo é misticismo
— a ciência pode ser usada como estratégia, mas o misticismo jamais se torna
científico. O vôo supremo permanece não-científico e transcendental.
E o Tantra e a Ioga são muito sistemáticos — porém, são sistemáticos apenas
no caminho. Uma vez que você os tenha seguido por tempo suficiente, eles o
empurram para o caos da existência no qual todos os sistemas devem ser
abandonados — pois todos os sistemas são minúsculos, são pequenas prisões
feitas pela mente.
Uma prisão é muito sistemática. Você não percebeu isso? Você já visitou uma
prisão? Vá e veja... essa é a coisa mais sistemática do mundo. Sua casa não é
tão sistemática como uma prisão — tudo é sistemático, tudo segue certas regras,
e de modo absoluto. As pessoas se levantam cedo pela manhã exatamente a
uma certa hora, tomam o café da manhã, tomam banho... elas se movem
praticamente como robôs — tudo é sistemático.
Na verdade, quando tudo é demasiadamente sistemático, a pessoa fica
aprisionada e a liberdade é esmagada. A liberdade necessita de caos.
Algo estranho foi observado pelos psicólogos: que os soldados do exército são
ensinados a ser muito sistemáticos, e o objetivo deles é criar a guerra e o caos,
a morte, matar e ser morto, destruir... o objetivo é Hiroshima e Nagasaki. Mas os
soldados do exército são absolutamente sistemáticos, e o exército vive em
ordem para criar a desordem. Perceba a complementaridade: o exército vive em
ordem para criar a desordem.
E você percebeu uma outra polaridade? Os artistas criam a ordem a partir da
desordem, mas eles vivem vidas muito desleixadas, preguiçosas e
desordenadas. Se você observar a vida de um artista, você começará a pensar
em suicídio. É repugnante, não existe sistema algum! Você pode ir ver Chaitanya
Hari — quando ele vai dormir, quando ele se levanta —, não há ordem. E ele cria
uma bela música, ele cria ordem.
Os artistas criam ordem, daí terem que complementá-la pela desordem em suas
vidas. E os soldados criam a desordem, daí terem que complementá-la pela
ordem em suas vidas. As coisas se movem em equilíbrio.
Budas falam muito logicamente porque o objetivo deles é a ilógica. E você pode
perceber os físicos modernos falando muito ilogicamente: a teoria da
relatividade, a teoria da incerteza, a geometria não-euclidiana e a alta
matemática são ilógicas. Eles falam muito ilogicamente e criam a lógica; o
objetivo deles é a lógica. Eles estão se movendo em direção à ordem.
Você verá este equilíbrio acontecendo. A vida não pode ser unilateral, do
contrário ela desaparece. Ela necessita do dia e da noite, do verão e do inverno,
do nascimento e da morte, do amor e do ódio.
Assim, eu digo: a ciência e a religião são diametralmente opostas, mas não estou
dizendo que estabelecer a ponte não seja possível — a ligação sempre ocorre,
está continuamente ocorrendo. Ela acontece do lado da ciência e também do
lado da religião, e quando ela acontece surge um grande Mestre, um Buda ou
um Einstein. Sempre que ela acontece, ocorre o superfenômeno.
A segunda pergunta:
Você nos falaria sobre sonhos? Tenho sonhado que estou sonhando ou
vivendo situações dolorosas do passado ou do futuro e lidando com elas
de uma maneira diferente. Algumas vezes, acordo na calada da noite ou
após um breve sono com uma imensa sensação de terror e
vulnerabilidade, sentindo-me como se tivesse cinco anos de idade.
Sua presença, sem exceção, está na minha consciência de sonho, está
em todos os sonhos desde que cheguei aqui.
O que são todos estes novos desenvolvimentos? Sei que você não dá
importância à nossa vida de sonhos, mas eles também não são parte da
indagação “Quem sou eu?”
SAVITA, ESTEJA VOCÊ SONHANDO ou não, você está sonhando. Esteja você
sonhando com os olhos fechados ou abertos, não faz diferença. Você sonha à
noite e de dia; existem sonhos noturnos e sonhos diurnos, e você simplesmente
fica mudando de um sonho para outro, de um tipo de sonho para outro tipo de
sonho.
Escute... Você sonha à noite e então, abruptamente, o sono é interrompido e
você sente horror — isso também é um sonho. Depois, você sonha e sente
horror, vulnerabilidade, medo. Então você adormece novamente e começa a
sonhar, e pela manhã você abre os olhos e começa a sonhar de olhos abertos.
Os sonhos são um continuum; sua mente é feita de sonhos, consiste em sonhos.
Lembre-se daquele que está percebendo os sonhos, desperte para esta
testemunha e não preste muita atenção aos sonhos.
É aí que o Oriente e o Ocidente diferem. A psicologia ocidental é muito inclinada
aos sonhos, à análise deles; a pessoa precisa penetrar fundo neles.
Savita é terapeuta, uma psicanalista, então obviamente ela deve estar se
sentindo ofendida quando eu rebaixo e menosprezo sua vida de sonho. Não se
sinta ofendida — esta é uma abordagem totalmente diferente. Ao analisar os
sonhos, nunca se chega a terminá-los; ao analisá-los, você pode se tornar um
pouco mais entendida a respeito de sonhos, mas a consciência não vai
acontecer através disso. Ao analisá-los, você pode até mesmo começar a ter
sonhos melhores, porém sonhos melhores são do mesmo modo sonhos. Ao
analisá-los, você pode começar a sentir suas motivações ocultas atrás deles,
seus desejos reprimidos e suas ambições, mas você nunca virá a saber quem
você é.
Como a pessoa pode vir a saber quem ela é ao analisar os sonhos? Sonhos são
objetos e você é sujeito. Você precisa fazer um paravritti — uma conversão; você
precisa virar cento e oitenta graus, precisa parar de prestar atenção aos sonhos
e prestar atenção àquele que está sonhando.
O Oriente está interessado na testemunha, não naquilo que ela testemunha.
Você pode estar vendo uma árvore real ou uma árvore de sonho — não faz
diferença. Para a abordagem oriental, não faz diferença se a árvore é real ou
apenas uma árvore de sonho; em ambos os casos, ela é o objeto; em ambos os
casos, você não é ela. Portanto, que diferença faz se ela existe realmente ou se
você apenas a imaginou?
A única coisa que faz diferença é o espelho, é aquele no qual a árvore é refletida
— verdadeira ou não, isso é irrelevante. Mas o poço de água pura em você no
qual ela é refletida... preste atenção, enfatize a testemunha, vá mais fundo na
testemunha.
E este é o meu propósito aqui, a fim de ajudá-lo — e não analisar seus sonhos.
Isso você pode fazer no Ocidente de uma maneira muito mais científica. O
Ocidente se tornou muito habilidoso em analisar sonhos, mas o Oriente nunca
se preocupou com isso, pois diz que tudo é sonho. Então, qual o sentido em
analisar?
E não há fim. Se você ficar analisando, e a fonte que os cria existir, ela continuará
a criar novos sonhos. Eles viram indefinidamente... e é por isso que ninguém fica
totalmente psicanalisado. Não existe uma única pessoa sobre a terra que esteja
real e totalmente psicanalisada, pois o objetivo da psicanálise total é que os
sonhos desapareçam, e isso não acontece; não aconteceu nem mesmo com
Freud ou Jung. Eles continuaram a sonhar, e isso significa que eles continuaram
a permanecer suprimidos, a permanecer os mesmos que eram antes. Os sonhos
continuavam vindo, pois a fonte não foi radicalmente mudada.
O projetor está funcionando e você fica analisando o filme sobre a tela e
pensando em como analisá-lo. E então ambos diferem, suas análises diferem, e
surgem escolas de psicanálise. Freud diz algo, Jung diz uma outra coisa, Adler
ainda uma outra e assim por diante. Existem tantas psicanálises quanto existem
psicanalistas, e todos têm suas próprias opiniões e ninguém pode ser realmente
refutado — pois tudo é trabalho de sonho.
Tudo o que você disser atrai as pessoas, se você puder dizê-lo alto e de uma
maneira convincente, com autoridade, argumento e lógica — deve ser
verdadeiro. E todos os psicanalistas parecem estar certos. Todas estas
interpretações parecem ser verdadeiras, pois nenhuma tem valor. Todas as
interpretações estão erradas!
O Oriente tem um tipo de abordagem totalmente diferente: testemunhe, não
analise. Na análise, você fica muito interessado focado no sonho. Esqueça-se
do sonho: simplesmente olhe para o observador. Este observador é constante;
à noite, ele vê sonhos e de dia ele vê sonhos. Primeiro você percebe o sonho,
Savita, e então você desperta abruptamente e percebe o horror. Então você
novamente adormece e pode ver um doce, belo e feliz sonho ou um pesadelo...
e isso continua. Uma coisa é constante: aquele que percebe, o observador, a
testemunha.
Volte-se para a testemunha, e é isto o que estou tentando dizer a você —
enquanto você estiver sonhando de dia ou à noite. O único ponto bom sobre os
sonhos é quando você diz:
Sua presença sem exceção está na minha consciência de sonho, está em
todos os sonhos desde que cheguei aqui.
Isso é bom. Pelo menos uma coisa está constantemente presente, a qual a
ajudará a retirar-se para você mesma. Enfatize esta presença.
Gurdjieff costumava dizer a seus discípulos: “Torne uma coisa constante em
seus sonhos e mais cedo ou mais tarde você se livrará deles”. E ele costumava
oferecer coisas pequenas, pequenas técnicas e estratégias — e elas funcionam!
Ele disse a uma pessoa: “Sempre que você sonhar, veja no sonho que você está
erguendo suas mãos acima de sua cabeça. E durante o dia também; pratique
isso muitas vezes, de tal modo que você fique muito acostumado e habituado a
isso, tornando-se praticamente algo mecânico, para que mesmo nos sonhos
você possa erguer as mãos acima da cabeça”.
E o homem perguntou: “O que acontecerá?”
Gurdjieff respondeu: “Quando você for capaz, venha e me diga”.
Três meses se passaram e o homem continuava, dia após dia, caminhando ou
comendo, sempre se lembrando de erguer sua mão e também dizia: “Esta noite
vou erguer minha mão no sonho”.
E então aconteceu após três meses: numa noite, ele estava sonhando que
caminhava por uma estrada muito movimentada e barulhenta e, de repente, se
deu conta e levantou a mão acima da cabeça — e o sonho foi interrompido. E
naquele momento em que o sonho se foi ele viu a si mesmo pela primeira vez —
a volta, a conversão. Isso ocorreu no meio da noite, e ele dançou e ficou
imensamente feliz. E desde aquele dia os sonhos desapareceram.
E quando os sonhos desaparecem a realidade se aproxima mais e mais, a cada
dia. São os sonhos que estão impedindo você de perceber aquilo que você é.
Quando ele foi ver Gurdjieff, pela manhã, antes que falasse algo Gurdjieff disse:
“Então aconteceu, pois vejo seus olhos com um brilho e uma luz diferentes; eles
têm clareza. Aquele material de sonho que costumava se mover atrás de seus
olhos não está mais presente. Então aconteceu! Então você foi capaz de levantar
a mão! Agora não se preocupe, sempre que o sonho vier, de novo erga a mão.
Existe toda possibilidade de que ele não ocorra mais, pois você fez pelo menos
uma coisa conscientemente. Mesmo em seu sonho, apenas o pequeno ato de
erguer a mão fez você se lembrar de uma pequena coisa... Ela foi muito
pequena, mas lembrar-se é notável. Você se lembrou, mesmo em seu sonho.
Então a testemunha chegou ali — agora não há necessidade de se preocupar”.
Gostaria de dizer a Savita: Convide-me mais e mais em seus sonhos, deixe-me
também curti-los. Vá dormir todas as noites com uma sensação muito consciente
de que eu estarei presente em seus sonhos. Faça disso um esforço alerta,
deliberado, e um dia irá acontecer, e não será apenas um fenômeno de sonho.
Eu estarei realmente tão presente como estou agora, ou mesmo mais, pois neste
momento posso perceber que existem sonhos nos olhos de Savita. Se em seu
sonho, mesmo por um único momento, você puder me ver como eu sou, todo o
ato de sonhar desaparecerá.
Não tem sentido analisar. Os sonhos precisam ir embora, e quando isso
acontece entra a realidade. Os sonhos saem por uma porta e a realidade entra
por outra. E a realidade é silenciosa, serena, pacífica, bem-aventurada...
A terceira pergunta:
Por que parece que agente está morrendo quando está amando?
Apaixonar-se é um desejo suicida ou apenas um instinto autodestrutivo
como a marcha dos lemingos para o mar ou o vôo da mariposa para uma
chama? Isso é bizarro.
O AMOR É MORTE, mas aquele que morre no amor jamais existiu realmente. O
que morre é o eu irreal, é a idéia de um ego.
Portanto, o amor é morte, é suicida, é perigoso. É por isso que milhões de
pessoas decidiram contra o amor; elas vivem uma vida sem amor e decidiram
em favor do ego — mas o ego é falso. E você pode se apegar ao falso e o falso
jamais se tornará real. Assim, a vida de um egoísta sempre permanece na
insegurança. Como se pode tornar algo irreal real? Ele está sempre
desaparecendo e você precisa se apegar a ele e com constância criá-lo
repetidamente. Trata-se de uma autodecepção, e isso cria infelicidade.
A infelicidade é função do irreal. O real é bem-aventurança — satchitanand. A
verdade é bem-aventurança e consciência. Sat significa verdade, chit significa
consciência e anand significa bem-aventurança. Estas três coisas são as
qualidades da verdade. Ela é assim, alerta e bem-aventurada.
A irrealidade é infelicidade. O inferno é aquilo que não existe, mas que você cria;
e o paraíso é aquilo que existe, mas que você não aceita. O paraíso está onde
você realmente está, mas você não é corajoso o suficiente para penetrar nele. E
o inferno é a sua criação privada, mas, devido a ser sua criação, você se apega
a ela.
O ser humano jamais deixou Deus. Ele vive em Deus, porém, ainda assim, sofre,
pois ele cria um pequeno inferno à volta de si. O céu não precisa ser criado —
ele já está presente e você precisa relaxar e desfrutá-lo. O inferno precisa ser
criado.
Leve a vida num estado de ânimo relaxado. Não há necessidade de criar,
proteger ou se apegar a coisa alguma. Aquilo que é permanecerá, esteja você
se apegando ou não a ele, e aquilo que não é não pode permanecer, esteja você
se apegando ou não a ele. Aquilo que não é não é e aquilo que é é.
Você pergunta: Por que parece que agente está morrendo quando está
amando?
Porque morre o ego, o irreal. O amor abre as portas para o real; ele é a soleira
do templo. O amor abre a pessoa para Deus e traz grande alegria, mas
simultaneamente traz grande medo: seu ego está desaparecendo. E você
investiu tanto no ego! Você viveu para ele, foi ensinado e condicionado para ele.
Seus pais, seus sacerdotes, seus políticos, sua educação, sua escola, colégio e
universidade, todos eles criam o seu ego e a ambição, eles são fábricas de criar
ambição. E um dia você se encontrará mutilado pelas suas próprias ambições e
engaiolado pelo seu próprio ego. Você sofre muito, mas por toda a vida lhe foi
ensinado que isso é valioso, então você se apega a ele — você sofre e se apega
a ele e, quanto mais você se apega, mais você sofre.
Existem momentos em que Deus vem e bate à sua porta. O amor é isto — Deus
batendo à sua porta. Talvez através de uma mulher, de um homem, de uma
criança, de um amor, de uma flor, do pôr-do-sol, do alvorecer... Deus pode bater
de milhões de maneiras, mas sempre que ele bate você fica com medo. O
sacerdote, o político, os pais e o ego criado... o ego fica em perigo e começa a
sentir que está morrendo. Você recua, se segura, fecha os olhos e ouvidos e não
ouve a batida. Você desaparece em seu buraco e fecha as portas.
O amor parece a morte — ele é. E aqueles que desejam ser realmente bem-
aventurados precisam passar por esta morte, pois a ressurreição somente é
possível através da morte.
Jesus está certo quando diz que você terá de carregar sua cruz sobre seus
ombros. Você terá de morrer. Ele diz: “A menos que você renasça, você não verá
o meu Reino e não perceberá o que estou lhe ensinando”. E ele diz: “Amor é
Deus”. Ele está certo, pois o amor é a soleira.
Morra em amor, e isso é muito mais belo e verdadeiro do que viver no ego. A
vida no ego é a morte no amor; a morte no ego é a vida no amor. Lembre-se:
quando você escolhe o ego, está escolhendo a morte real — pois ela é a morte
no amor. E quando você escolhe o amor está somente escolhendo a morte irreal,
pois, ao morrer no ego, você não está perdendo coisa alguma — desde o
princípio você não tinha coisa alguma.
Esta é toda a ênfase do doka de Ikkyu de ontem. Você não é, então por que ficar
com medo? Quem vai morrer? Não há ninguém para morrer! A quem você está
se apegando? A quem você quer tornar seguro? A quem você quer proteger e
encouraçar? Não há ninguém, apenas vazio... vazio... completo vazio.
Escute a canção de Ikkyu, aceite este vazio e o medo desaparecerá. Seja uma
mariposa quando você encontrar a chama do amor queimando — seja uma
mariposa! Salte nela... e você perderá o falso e ganhará o real, e você perderá
sonhos e ganhará o supremo. Você perderá algo que não estava presente e
ganhará algo que sempre esteve presente.
A quarta pergunta:
Por que o relacionamento entre o homem indiano e a mulher ocidental
não é bem-sucedido? Ele sempre se rompe em algum ponto. Qual é o
problema real que ocorre e impede o relacionamento de amadurecer? Por
favor, diga alguma coisa.
VEDANT BHARTI, todos os relacionamentos se rompem em algum ponto —
precisam se romper. Você não pode fazer sua casa na soleira, você não deveria.
O amor é uma porta; passe por ela. Passe, certamente, não a evite, pois se a
evitar perderá a deidade no templo. Porém, você não deveria fazer sua casa na
soleira, na porta. Não permaneça ali.
A porta é apenas uma abertura. Você precisa se mover!
O relacionamento amoroso é uma necessidade, mas não o destino, não o final
— somente o princípio. Sou inteiramente a favor do amor, mas lembre-se: o amor
também é algo que deve ser transcendido.
Existem dois tipos de pessoa e ambos ficam neuróticos. Um tipo é daquelas que
estão com muito medo do amor, pois estão com medo de morrer; elas se apegam
ao ego e evitam o amor. Elas podem chamar isso de religião, contudo isso não
pode ser religião — trata-se simplesmente de puro ego e nada mais. É por isso
que os monges — os católicos, os hindus, os budistas — têm egos tão fortes,
sutis e ocultos, mas muito fortes. A humildade é somente superficial, apenas
açúcar encobrindo o ego venenoso. Eles têm egos respeitosos, todavia, os egos
estão presentes, e um ego respeitoso é mais perigoso que um ego comum,
porque o ego comum é aparente e não pode ser ocultado. Entretanto, o ego
respeitoso está muito oculto e de maneiras sutis pode ser carregado para
sempre.
Desse modo, isso cria um tipo de neurose: as pessoas evitam o amor e acham
que estão se dirigindo a Deus. Elas não podem se dirigir a Deus, pois evitaram
a própria porta.
Então há um outro tipo de neurose: perceber a beleza do amor, ter coragem para
saltar nele, dissolver o ego por alguns momentos... porque no amor isso pode
ser somente por alguns momentos. O êxtase do amor não pode ser eterno, pois
é êxtase entre duas partes se encontrando e se dissolvendo uma na outra. A
menos que você se dissolva com o todo, você não pode obter o êxtase eterno.
Ao se dissolver com a parte — com um homem ou com uma mulher — você
estará se dissolvendo somente numa pequena gota de Deus, e isso não pode
ser oceânico. Sim, por um momento você sente o sabor e então o sabor
desaparece. Isso cria um outro tipo de neurose: as pessoas se apegam a seus
casos de amor. Se o amor morre com uma mulher, elas mudam para uma outra
mulher ou um outro homem, e elas seguem assim. Elas começam a viver na
soleira e se esquecem da deidade e do templo. O amor precisa ser transcendido
em oração.
Nunca permaneça na neurose do primeiro tipo e nunca se apegue ao segundo
tipo de neurose. Vá em frente... siga em frente.
Um grande imperador, Akbar, criou uma pequena e bela capital da Índia. Ela
nunca foi usada, pais Akbar morreu antes de ela ser completada. Portanto, sua
capital nunca foi transferida de Delhi para lá. O nome do lugar é Fatehpur Sikri,
e é uma das mais belas cidades planejadas — e jamais usada por alguém.
Cada pequeno detalhe foi examinado e grandes arquitetos e grandes mestres
daqueles dias foram consultados. Akbar pediu a todos os grandes professores
da Índia daqueles dias para lhe darem uma pequena frase que pudesse ser
escrita sobre o portão, sobre a passagem. Uma ponte levava a Fatehpur Sikri —
um rio precisava ser atravessado — e Akbar fez um lindo portão na ponte. Alguns
sufis sugeriram uma frase de Jesus, e ele a adorou. Muitos dizeres foram
sugeridos, mas ele adorou o de Jesus, o qual foi escrito no portão. Essa frase é
bela; ela não se encontra na Bíblia e veio de uma outra fonte oral. Ela diz: “A
vida é uma ponte — passe por ela, mas não faça sua casa sobre ela”.
O amor também é uma ponte — passe por ele.
Assim, nenhum caso de amor é bem-sucedido. Ele lhe dá esperança, grande
esperança, mas sempre termina em frustração. Esta frustração está embutida;
da mesma forma que o êxtase está embutido, assim está a frustração. No
começo é êxtase e no fim é frustração. Esta frustração o levará a ir além; do
contrário, como você irá além? Quando você procurará pela deidade real no
templo se você se apega à porta? Se você achar que “A porta é suficiente e
estou satisfeito” então ninguém jamais se moverá.
Jesus diz que o ser humano alcança Deus através do amor, que amor é Deus —
mas esta é somente a metade da verdade. A outra metade é: o ser humano
nunca alcança através do amor, mas somente ao transcender o amor. Quando
ambas são compreendidas, você compreende o fenômeno do amor. Amor é
Deus e amor não é Deus. No começo ele é, no fim ele não é. No começo ele traz
êxtase, aqueles dias de lua-de-mel, e então surge a frustração, o tédio que todo
casamento dá.
Pense em duas pessoas sentadas juntas e entediadas. Tudo foi explorado e não
existe mais nada para explorar. Este é o momento! Ou você pode começar a
procurar um outro homem ou uma outra mulher, ou você pode começar a olhar
além do amor. Você viveu o amor, viu suas belezas e suas fealdades, sua alegria
e sua miséria, seu céu e seu inferno. Ele não é puro céu, não; senão, ninguém
jamais iria a Deus. Ele é puro céu e puro inferno — ambos. Inferno e céu são
dois aspectos dele. No começo esperança, no final frustração.
Ao passar repetidamente através dessa esperança e dessa frustração, um dia
surge a compreensão: “O que estou fazendo na soleira? Preciso ir além!” E a
pessoa vai além não a partir da raiva, porém, a partir do entendimento.
Assim, a primeira coisa: nenhum relacionamento é bem-sucedido, e é uma sorte
que seja dessa maneira — do contrário, quando você se relacionaria com Deus?
Por que você deveria pensar em Deus? O ser humano pensa em Deus porque
o amor dá um vislumbre, uma esperança. E o ser humano precisa pensar em
Deus, pois o amor dá frustração. Todas as esperanças se transformam em
desesperança.
Sem o amor não haveria a busca por Deus, pois as pessoas não teriam qualquer
experiência da esperança, do sentido, do significado e da grandeza. O amor lhe
dá um vislumbre do além... não se apegue a ele. Aproveite a sugestão dele e
procure algo mais, continue a procurar. Use o amor como um degrau.
Você pergunta: Por que o relacionamento entre o homem indiano e a
mulher ocidental não é bem-sucedido?
A primeira coisa: nenhum relacionamento é bem-sucedido, seja entre o homem
indiano e a mulher ocidental, entre o homem ocidental e a mulher indiana ou
entre o homem indiano e a mulher indiana. Ele não pode ser bem-sucedido; sua
própria natureza proíbe isso. Parece que ele está sendo bem-sucedido, porém,
ele nunca é bem-sucedido. Ele chega muitíssimo perto do sucesso, mas nunca
exatamente no ponto. Ele o leva a grandes jornadas, contudo, nunca supre o
objetivo. Ele mantém sua esperança acesa, porém apenas esperança.
Entretanto, isso é ótimo, pelo menos ele o leva à soleira. Um passo precisa ser
dado; metade da jornada está completa, mas metade ainda permanece.
E a segunda coisa: é mais difícil entre um homem Indiano e uma mulher ocidental
ou entre um homem ocidental e uma mulher indiana. O problema não está entre
o homem e a mulher, mas entre o oriental e o ocidental. Homem e mulher são
simplesmente homem e mulher; Oriente e Ocidente não fazem diferença.
Todavia, as mentes estão presentes, e essas mentes criam o problema.
O indiano tem um tipo de mente e o Ocidente evoluiu um tipo mental diferente.
Portanto, quando um homem indiano está com uma mulher ocidental ou vice-
versa, não há comunicação; eles não falam a mesma língua — inglês, alemão,
francês ou italiano —; contudo, eles podem falar a mesma língua, e ainda assim
eles não falam a mesma língua, pois têm diferentes tipos de mente. Suas
expectativas e condicionamentos são diferentes. O homem indiano diz uma
coisa e a mulher ocidental entende outra. A mulher diz algo e o homem indiano
entende algo mais. A menos que ambos abandonem as mentes e se tornem
homem e mulher puros, haverá grande dificuldade.
E Vedant Bharti deve estar fazendo esta pergunta a partir de sua própria
experiência. Numa noite, bisbilhotando sobre Vedant Bharti, ouvi este diálogo:
Vedant Bharti: “Oh, minha estupenda e doce amada! Eu sou o primeiro homem
que foi para a cama com você?”
E a garota americana respondeu: “É claro que sim! Por que todos vocês,
indianos, fazem sempre a mesma estúpida pergunta?”
Mentes diferentes... A mente indiana é muito macho-chauvinista e a mulher
ocidental agora é liberada; ela vive num tipo de ambiente totalmente diferente.
Ela não é a mulher que vive por séculos na Índia. Agora não é possível possuir
uma mulher ocidental, ela já não é uma propriedade — ela é tão livre quanto
você.
Na Índia, a mulher é tomada como propriedade, o homem pode possuí-la, e não
apenas o homem comum — mesmo os grandes homens da Índia consideram a
mulher uma posse. Você pode ter escutado a famosa história de Mahabharata.
ludhishthira, um dos homens mais famosos da história indiana — e considerado
muito religioso, conhecido como Dharmaraj, um rei religioso ou um rei da religião
—, brincando e jogando, apostava a sua esposa. Ele a colocava em jogo, pois a
considerava uma propriedade. Ele apostou seu reino, seu tesouro, tudo; então
só sobrou a esposa, e ele também a apostou. E ainda assim, na Índia, ele é visto
como um dos homens mais religiosos. Que tipo de homem religioso é este? Só
de pensar em apostar uma pessoa viva, colocá-la em jogo... Mas na Índia a
mulher é considerada propriedade; você é o proprietário, o único e total
proprietário.
Não existe mais esta escravidão no Ocidente; ela desapareceu, e isso é bom e
precisa desaparecer também na Índia. Ninguém pode possuir ninguém, homem
O Zen e a linguagem do coração
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O Zen e a linguagem do coração

  • 1. OSHO VÁ COM CALMA Discursos sobre Zen-Budismo – Volume 1 UNIVERSALISMO
  • 2. Sumário Introdução Capítulo 1 — Vindo da Estrada Esburacada Capítulo 2 — A Morte no Ego É a Vida no Amor Capítulo 3 — Tudo Mentiras e Absurdos! Capítulo 4 — Viva Perigosamente! Capítulo 5 — E Ficamos Enamorados Capítulo 6 — A Simultaneidade Cósmica de Tudo Capítulo 7 — Os Pêlos do Seixo
  • 3. Introdução Você já experimentou uma dose pesada de vazio ou uma injeção de nada? Parece impossível, mas com Osho o impossível sempre se torna possível. Se alguém não puder lhe dar “nada”, ele pode. Estes discursos são amplas provas disso. “Humm, nada”, você dirá, “isso parece muito bom e gostoso...” Cuidado! E quando você escutar os versos sussurrantes e evasivos do Mestre Zen Ikkyu pensará: “Que encantador!”, e de repente, mais tarde, nas mãos de Osho eles são transformados em martelos. Ele vem a você e o torna consciente de que nunca investigou esta realidade: você é nada. E aceitar as ramificações disso claramente alterará toda a sua existência. Ao escutar e ao ler essas palavras, você não pode permanecer o mesmo. Nós, que estávamos presentes aos discursos, ficávamos chocados, à medida que eles progrediam. “Vá com calma, Osho”, dizíamos. “Isso machuca! Chega... por favor, chega! Você está destruindo nossos sonhos, está tirando tudo aquilo em que acreditamos, tudo que nos esforçamos todas as nossas vidas para proteger.” Nós saíamos do hall dos discursos em frangalhos e em chamas — em contraste com a saída inocente e pacífica de Osho —, perguntando-nos o que nos havia ferido. E no dia seguinte ele estava de volta para mais. Todos reagiram fortemente aos discursos, contra ou a favor, e podíamos concordar somente numa coisa: que a mensagem tinha sido pesada e profunda, atingindo o próprio âmago de nosso ser. Pessoalmente, eu adorei esses discursos. Minha reclamação estava somente na superfície, no fundo do meu coração eu sabia que era verdade aquilo que Osho dizia a respeito do vazio e sobre não haver ninguém, e algo em mim relaxava com o reconhecimento disso. Comecei a brilhar por dentro, e o notável é que o relaxamento e o contentamento não eram temporários, mas se aprofundavam. Agora, quatro meses mais tarde, ao reler estas palavras descubro que o sentimento de vazio não é mais chocante ou desconfortável; pelo contrário, ele me traz grande alegria. A ausência de brandura da existência não me importuna mais, e como consequência a vida fica muito fácil e simples. E algo novo está surgindo dentro de mim: a qualidade das canções de Ikkyu, o silêncio que as palavras indicam antes que elas desapareçam.
  • 4. E Osho tornou tudo isso possível, pois ele é aquilo que ele fala. Quando ele fala sobre o nada, realmente o sinto desaparecendo, acenando-me para segui-lo. Quando ele fala sobre o silêncio, eu ouço seu silêncio — o seu próprio som me desperta subitamente para a consciência. Quando ele fala sobre o lugar da Inatividade Original, sei que ele vive lá; ao senti-lo, tomo conhecimento da essência de lá. E quando ele fala sobre “a face antes de você nascer” percebo em sua própria presença a autoridade de falar sobre o Zen. Afigura do Ser Humano Real Postado ali — Apenas um vislumbre dele E nos enamoramos. Ma Sagarpriya (Roberta DeLong Miller)
  • 5. 1 Vindo da Estrada Esburacada Um descanso no caminho de volta Da Estrada Esburacada Para a Estrada Nunca-Esburacada; Se chover, deixe que chova; Se ventar, deixe que vente. Meu eu de há muito tempo, Em natureza não-existente; Nenhum lugar para ir quando morto, Nada absolutamente. Quando perguntavam, ele respondia; Nenhuma pergunta, nenhuma resposta; Então o Mestre Daruma Deve ter tido Nada em sua mente. Nossa mente — Sem fim, Sem princípio, Embora tenha nascido, embora morra... A essência do vazio! Todos os pecados cometidos Nos Três Mundos Se dissolverão e desaparecerão Comigo. A RELIGIÃO É IRRACIONAL — pelo irracional e para o irracional. A razão não pode contê-la, pois é muito pequena. A religião é o vasto céu da existência e a
  • 6. razão é um minúsculo fenômeno humano. A razão precisa ser perdida e abandonada. Somente indo além da mente a pessoa começa a entender aquilo que é. Esta é a mudança radical, e nenhuma filosofia pode oferecê-la — somente a religião. A religião não é filosófica nem antifilosófica, e o Zen é a forma mais pura de religião, é a própria essência da religião. Daí ser ele irracional e absurdo. Se você tentar compreendê-lo logicamente, ficará desnorteado. Ele somente pode ser assimilado ilogicamente, e deve ser abordado com profunda simpatia e amor. Não se pode abordar o Zen por meio de conceitos empíricos, científicos e objetivos; tudo isso precisa ser abandonado. Ele é um fenômeno do coração; você precisa senti-lo ao invés de pensar nele; você precisa sê-lo para conhecê-lo. Ser é conhecer, e não há outro conhecer. É por isso que a religião precisa escolher um tipo diferente de linguagem. Ela precisa falar em parábolas, em poesias, em metáforas e em mitos. Estes são meios indiretos de insinuá-la — somente insinuar a verdade, e não apontar diretamente; apenas sussurrar, e não gritar. Ela vem a você quando há uma conexão profunda. Estes pequenos poemas do Mestre Zen Ikkyu são de uma importância imensa. Eles não têm grande poesia, lembre-se, pois esse não é o interesse. A poesia foi usada como uma estratégia, de tal modo que seu coração possa ser tocado. A poesia não é o objetivo. Ikkyu não está preocupado em criar grande poesia; ele não é realmente um poeta, mas um místico. Porém, em vez de falar em prosa, ele fala em poesia — por uma certa razão. A razão é: a poesia tem uma maneira indireta de insinuar coisas; ela é feminina e a prosa é masculina. A própria estrutura da prosa é lógica e a poesia é basicamente ilógica. A prosa tem de ser precisa e a poesia tem de ser vaga — esta é a sua beleza, a sua qualidade. A prosa simplesmente diz o que ela diz; a poesia diz muitas coisas. A prosa é necessária no mundo do dia-a-dia, no mercado, mas, sempre que algo do coração precisa ser dito, a prosa constantemente se revela inadequada — a pessoa precisa recorrer à poesia. Existem duas linguagens na linguagem. Cada linguagem consiste em duas linguagens: uma é a prosa e a outra é a poesia. A prosa se tornou muito predominante em razão de ser utilitária, e a poesia logo desapareceu por não ter utilidade. A poesia é necessária somente quando se está amando, quando se fala de amor, de morte, de oração, da verdade, de Deus — mas essas não são comodidades, não são vendidas no mercado nem compradas. Lentamente nosso mundo se tornou linear. A outra linguagem, a mais profunda, perdeu seu significado para nós. E devido ao desaparecimento da segunda linguagem, a da poesia, o ser humano se empobreceu muito — pois todas as
  • 7. riquezas são do coração. A mente é muito pobre, é uma mendiga; ela vive através do trivial. O coração é uma abertura para as profundezas da vida e da existência, para os mistérios do cosmo. Lembre-se disto: existem duas linguagens na linguagem, duas maneiras de falar, dois níveis do uso linguístico. Há uma linguagem das verdades, conceitos e fórmulas claras, a linguagem da lógica pura, da informação objetiva e da ciência exata, mas esta não é a linguagem do coração, do amor e da religião. A ciência e a religião são diametralmente opostas; elas pertencem a dimensões diferentes da existência e não se sobrepõem em seus terrenos e campos. Elas simplesmente nunca se encontram ou se entrecruzam! E a mente moderna foi treinada para a ciência, daí a religião ter ficado praticamente fora de moda e se tornado coisa do passado. Parece não haver futuro para a religião. Sigmund Freud declarou não haver futuro para a ilusão chamada religião. Mas, se não houver futuro para ela, também não haverá futuro para o ser humano. A ciência vai destruir a humanidade, pois esta pode viver somente através do poético e do metafórico. A vida adquire significado unicamente por meio do coração, e o ser humano não pode viver só pela mente, pelo cálculo e pela matemática. A matemática pode servir, porém não pode ser a mestra; a cabeça pode somente ser uma serva, e como serva ela é muito útil, mas é perigosa e fatal quando pretende se tornar a mestra. A linguagem da ciência objetiva vive no mundo dos fatos; as coisas são como são e você diz o que você quer dizer tão precisa e inequivocamente como você pode. Falar, então, é decifrar um quebra-cabeça, definir e prescrever limites — isso é isso e não aquilo. Isso é água, não vapor ou gelo. Aqui é aqui e não lá. Um é um, dois equivale a dois, morto é morto. Este é o mundo dos fatos — monótono e morto, rançoso e estagnado. É impossível viver apenas no mundo dos fatos, pois assim você nunca será capaz de relaxar. Na verdade, não há sentido em viver no mundo dos fatos — de onde você obterá o significado e o valor? Então uma rosa não tem beleza; ela é apenas um fato botânico. Então o amor não tem esplendor; ele é apenas um fato biológico. Como a pessoa pode viver nos fatos? Ao viver neles, a vida começa a ficar sem sentido. Não é por acaso que as mentes filosóficas modernas estejam discorrendo continuamente sobre a ausência de significado; criamos isso ao decidir viver somente numa linguagem — a da prosa. É bom termos esta linguagem, a dos fatos, da prosa. É verdade que nosso mundo não pode ficar sem ela; ela é necessária, mas não pode ser o objetivo da vida. Ela pode somente servir, mas nunca a usamos quando desejamos abrir
  • 8. nossos corações e dizer o que realmente está dentro de nós, oculto e praticamente impossível de denominar. Certamente é pobre uma pessoa que não sentiu a inadequação da linguagem comum. Se houver alguém tão desafortunado por não ter sentido a inadequação da linguagem comum, isso simplesmente revela que ele nunca sentiu amor, nunca teve um momento meditativo e não conheceu o êxtase; seu coração não palpita mais e ele é apenas um cadáver. Ele vive e ainda assim não vive, ele se move e caminha, mas todos os seus gestos são vazios e nada contêm. Se uma pessoa não sentiu a inadequação da linguagem da prosa — a linguagem empírica, dos fatos e matemática —, isso simplesmente mostra que ela não experimentou nenhum mistério da vida e que não vive realmente. Do contrário, como evitar os mistérios? Isso significa que ela nunca viu a lua cheia na noite, nunca viu a beleza e o esplendor dos olhos humanos, nunca gargalhou, nunca chorou e não sabe o que significam as lágrimas; isso revela que ela é um robô, não um ser humano — ela é inumana, apenas uma máquina. Ela trabalha, ganha e então morre; ela se reproduz e então morre, mas em vão — para começar, ela não pode dizer por que viveu. É verdade que este tipo de linguagem é essencial, é uma necessidade, mas, mesmo que todas as necessidades sejam satisfeitas por ela, a necessidade suprema permaneceria insatisfeita por ela — a necessidade de celebrar, de rejubilar-se, de manter um diálogo com as estrelas, com o oceano e com a areia; a necessidade de segurar as mãos, de se apaixonar, de dançar e cantar. A linguagem comum não pode preencher esta necessidade suprema, a qual especifica à humanidade. Um ser humano é um ser humano somente à medida que vive nesta necessidade suprema. Em questões de amor, morte, Deus e ser humano, a primeira linguagem não é somente inadequada, mas também perigosa. Se você usar o primeiro tipo de linguagem para as considerações supremas da vida, logo sua própria linguagem as destruirá. É assim que você destrói Deus e tudo que é belo e significativo. Use uma linguagem errada e mais cedo ou mais tarde você ficará preso por ela, pois sua mente vive através da linguagem. Você conhece somente aquilo que entra em sua linguagem, somente aquilo que você pode claramente pensar a esse respeito. Se você abandonou o mundo vago do coração, dos sentimentos, das sensações, das emoções e do êxtase, então naturalmente você está fechado para Deus. E aí, se você disser que Deus está morto, isso parece ser absolutamente verdadeiro. Não que Deus esteja morto — somente que você está morto no que se refere a Deus. Estar vivo no que se refere a Deus é penetrar na poesia. Ela é
  • 9. a ponte de arco-íris entre o ser humano e Deus, entre o ser humano como mente e Deus como mistério. Esta é a abertura, a porta, a entrada. Você já viu Khajuraho, Konarak e outros belos templos da Índia? As velhas escrituras afirmam que na entrada de cada templo deveria haver uma estátua ou uma escultura de amantes. Isso é muito estranho. Essas escrituras não dizem especificamente o motivo, e simplesmente mencionam esse fato para os arquitetos, que isso é uma necessidade. Na entrada de cada templo, na porta, deve haver pelo menos um casal em maithuna — em orgasmo, em profundo amor, com os membros entrelaçados entre si e em grande êxtase. Por que na porta? Porque, a menos que você conheça o amor, não pode conhecer a ponte entre o ser humano e Deus. E a porta é um símbolo: ela é a soleira entre o mundo da mente e o da não-mente. É o amor que faz a ponte entre o mundo da mente e o da não-mente, e é somente através do amor que conhecemos os mistérios orgásticos da vida. Isso é muito significativo — embora vários templos não sejam construídos desta maneira. As pessoas têm evitado isso; elas são muito moralistas e estúpidas, mas a prescrição antiga é de grande significado: somente o amor pode ser a entrada, pois só ele tornará viva a sua poesia. Se você usar exclusivamente o primeiro tipo de linguagem, estará destruindo algo muito delicado em você e se tornará mais e mais acostumado com as rochas e menos e menos consciente das flores. Entretanto, existe uma segunda linguagem abaixo da primeira, como uma estrutura bem mais velha à volta dela. É a linguagem do que realmente não pode ser dito; sim, a poesia é a linguagem do que realmente não pode ser dito, mesmo assim ela precisa ser dita, há uma urgência em dizê-la. Aquilo que pode ser dito pode ser expresso através da prosa. Como você dirá aquilo que não pode ser dito se você não tiver poesia? Ela é a linguagem do que não pode realmente ser dito, aquela linguagem que você fala de tal modo que não tenha de ficar completamente em silêncio, a linguagem da emoção e do êxtase. ESTES PEQUENOS POEMAS DE IKKYU podem não ser muito poéticos — na verdade, R.H. Blyth, ao escrever sobre estes dokas de Ikkyu, disse: “Os pequenos poemas de Ikkyu não são de grande valor poético, mesmo assim eles nos retratam uma pessoa de profunda sinceridade, talvez honesta demais para ser um grande poeta lírico”. O propósito não é poesia, mas comunicar algo que não pode ser transmitido através da linguagem comum. A poesia está sendo usada como um veículo, lembre-se disso. Não pense em termos de literatura, mas em termos de êxtase.
  • 10. E algumas vezes o êxtase pode ser expresso mediante pequenas palavras. William Samuel escreve: “Um dia eu estava em minhas colinas ponderando sobre o enigma da comunicação, quando testemunhei um feliz encontro de um pai com o filho de cinco anos que tinha se perdido na floresta por muitas horas. Eu sabia que o menino seria encontrado — eu sabia que eu sabia —, mas, apesar do conhecimento positivo, fui incapaz de atenuar os temores do pai ou de fazê-lo compreender a verdade que eu via. Então, enquanto pensava comigo mesmo e me perguntava sobre esta inabilidade de comunicar algo quando parece tão importante fazê-lo, vi o garotinho e o pai se encontrando. Que encontro! Um garotinho descalço, sujo e esfarrapado saindo correndo da floresta e gritando a plenos pulmões: ‘Papai! Papai!’, e vi o pai soluçando sem se envergonhar e arrebatando o filho em seus braços. Tudo que ele podia dizer era ‘Viva! Graças a Deus!’ repetidamente, ‘Viva! Graças a Deus!’” Há momentos em que algo precisa ser expresso e nada pode ser dito; há momentos em que as lágrimas, a risada, os gestos e o silêncio dizem muito mais que as palavras. Todas as risadas, as lágrimas, os gestos e os silêncios estão contidos na segunda linguagem — a linguagem da poesia. William Samuel também escreve: “Uma vez, na China, me foi dado um único verso para eu ler e depois fazer minha interpretação. Eu estava pronto para dar imediatamente uma resposta, mas me informaram que eu tinha vinte e oito dias para pensar a respeito dela. ‘Por que tanto tempo?’, perguntei, com a habitual impaciência de um ocidental. ‘Porque nada é lido uma vez até que seja lido doze vezes’, foi a resposta. ‘Leia e releia.’ Eu assim fiz. Doze vezes doze para fazer doze leituras — e ouvi uma melodia que não poderia ouvir de outra forma. Desde então sei por que certas linhas da Bíblia, ou de qualquer outro livro, as quais foram lidas incontáveis vezes, um dia, após apenas mais uma leitura, assumirão de repente um novo significado de grandes proporções.” Este é todo o segredo dos mantras. Um mantra é um poema condensado; ele é poesia essencial. Não se pode compreendê-lo simplesmente por lê-lo. Não que você não o entenda intelectualmente — ele é simples e o significado é evidente —, mas o significado evidente não é o real. Ele vem da primeira linguagem e o oculto terá de ser esperado. Ele terá de ser repetido em profundo amor, num estado de ânimo repleto de grande oração... em algum momento, de repente, ele irromperá de seu próprio inconsciente e será revelado a você. Será ouvida uma melodia, e ela é o significado, e não o significado que você decifrou da primeira leitura. E nunca se sabe quando isso acontecerá.
  • 11. Por isso, no Oriente as pessoas recitam o Alcorão, o Bhagavad Gita e o Dhammapada; elas ficam recitando, todos os dias, de manhã e à noite. Elas recitam tantas vezes quanto possível, e nem mesmo contam. Para que contar? Mas, a cada vez que recitam, algo entra mais fundo nelas, o sulco é aprofundado e um dia a melodia é ouvida. Quando você ouve a melodia, toma conhecimento do mantra real, você depara com a segunda camada oculta, com a poesia real que existe nele. Isto não pode ser compreendido, mas somente ouvido e experimentado. Estes pequenos poemas de Ikkyu são como mantras. Não tente entendê-los intelectualmente. Ao invés disso, brinque com eles com profundo amor, simpatia e conexão, e lentamente, como uma fragrância e uma melodia, algo se manifestará em você e você será capaz de perceber o que este homem deseja expressar. Ele deseja transmitir aquilo que não pode ser transmitido, ele deseja dizer aquilo que não pode ser dito. E ele é capaz de transmiti-lo. Este homem, Ikkyu, era um Mestre estranho. Os Mestres Zen são Mestres estranhos. Uma pessoa religiosa fatalmente se torna estranha, pois ela vive de uma maneira totalmente diferente — ela vive numa realidade separada. Ela começa a existir aqui como uma forasteira e se torna uma visitante deste mundo comum, pois ela está aqui e ainda assim não é daqui. Ela vive aqui, mas não é tocada, contaminada ou poluída pelo mundo. Ela vive aqui, e de tal modo que ela é intocável. Ela não escapa do mundo, e vive no mundo ordinário de uma maneira extraordinária. Ouvi algumas histórias a respeito de Ikkyu. Uma é esta, a qual lhe dará alguma amostra do homem. Antes de entrarmos nestes poemas, é melhor saborearmos um pouco a pessoa. Num dia de verão, enquanto trabalhava, talvez capinando, Ikkyu se cansou muito e, por estar com calor, foi até a varanda do templo e saboreou uma brisa fresca. Ele se sentiu tão bem que entrou no templo, pegou o Buda do santuário e, amarrando-o num mastro lá fora, disse: “Agora, refresque-se também!” Parece absurdo amarrar um Buda de madeira num mastro e dizer a ele: “Agora, refresque-se também!” Mas perceba... há algo profundo nisso. Para Ikkyu, nada mais está morto, nem mesmo o Buda de madeira; tudo está vivo, e ele começou a sentir por tudo como ele sentia para si mesmo. Essas fronteiras de eu e você não são mais relevantes; ele atingiu o um. E agora outra, justamente o pólo oposto da história anterior: Numa noite muito fria de inverno, ele estava alojado num templo e, de repente, no meio da noite, o sacerdote do templo ouviu ruídos e viu luz; assim, ele veio correndo: “O que está acontecendo?”
  • 12. Ele viu Ikkyu sentado e queimando um Buda de madeira. O sacerdote ficou horrorizado e disse: “Você é louco ou o quê? O que você fez? Isso é sacrilégio, não pode haver pecado maior que este, você queimou o meu Buda!” Ikkyu pegou um graveto pequeno e começou a remexer as cinzas, e o sacerdote perguntou: “O que você está fazendo agora, o que você está tentando fazer?” E Ikkyu respondeu: “Estou tentando encontrar os ossos de Buda”. E o sacerdote disse: “Você deve ser completamente louco, como você pode encontrar ossos num Buda de madeira?” E Ikkyu riu e disse: “A noite é longa e muito fria e você tem tantos Budas de madeira... por que você não traz mais alguns? E você também pode se esquentar”. Ora, este homem é estranho. Uma vez, num verão quente, ele amarra num mastro o Buda de madeira e diz: “Agora refresque-se também”. Em outra, ele queima um Buda de madeira porque a noite está muito fria, e diz ao sacerdote: “Olhe para mim — o Buda interno está tremendo de frio”. Na verdade, ambas as histórias são iguais; de dois ângulos diferentes, são idênticas. Um homem que se realizou, que compreendeu, não faz diferenças. As distinções são perdidas, as divisões desaparecem e todas as fronteiras ficam sem sentido. Uma pessoa que se realizou começa a viver no ilimitado, no infinito. Agora este doka: Um descanso no caminho de volta Da Estrada Esburacada Para a Estrada Nunca-Esburacada; Se chover, deixe que chova; Se ventar; deixe que vente. CADA PALAVRA DEVE SER PENETRADA COM SIMPATIA. “A Estrada Esburacada” significa este mundo, o mundo dos desejos. Através dos desejos estamos perdendo nossa energia, desperdiçando nosso ser e desaparecendo pelo ralo. Este mundo é a Estrada Esburacada, e o ser humano simplesmente se desperdiça aqui. Nada é ganho a partir dela, nunca. Na verdade, as pessoas vêm como imperadores e morrem como mendigos. Esta é uma Estrada Esburacada! Toda criança nasce como um imperador, e logo o reino, a pureza e a inocência são perdidos. Cada criança é Adão no Jardim do Éden e cada uma precisa ser expulsa do Jardim; e ela começa a penetrar no mundo dos desejos. Existem dez mil desejos, os quais não podem ser realizados e satisfeitos. Eles trazem somente frustrações e mais frustrações, e cada desejo é uma nova
  • 13. armadilha de frustração. Você novamente tem esperança e acaba sendo pego, e cada desejo traz somente uma enorme frustração. Porém, no momento em que ele vem, você começa a desejar de novo; você se move de um desejo a outro, e pode continuar se movendo por milhões de vidas. Em realidade, é assim que temos nos movido. Ikkyu chama isso de Estrada Esburacada. E a Estrada Nunca-Esburacada, o mundo antes de nós e ela termos nascido ou o mundo quando nós e ela não existirmos mais? No Zen, esta é uma das meditações mais básicas: procurar a face que tínhamos antes de nascermos ou procurar a face que teremos quando estivermos mortos. Apenas pensar sobre ela traz grandes realizações; apenas por meditar continuamente a respeito dela e a pessoa começa a sentir algo sem feição. Esta é a nossa face original: o estado da não-feição. Você não tinha face, corpo, mente, nome ou forma antes de nascer — nenhum namarupa, nem nome nem forma. Você era, mas não estava identificado com nada. O objetivo de todas as meditações é perceber isso novamente, dentre todo este barulho da Estrada Esburacada, dentre todas essas pessoas que estão apenas correndo atrás de desejos, perseguindo um desejo e então um outro e um outro... reconhecer e perceber a face original quando você não era um corpo nem uma mente, mas somente uma consciência pura, uma testemunha. Isto é chamado de Estrada Nunca-Esburacada. Se você puder permanecer neste estado, suas energias de vida não se dispersarão. E o caminho de volta é retornar a esta fonte, a esta face original. Todas as religiões são o caminho de volta. Religião significa uma virada de cento e oitenta graus, uma meia-volta, uma meia-volta completa. Estamos correndo para longe da fonte original, estamos correndo de nós mesmos, e precisamos retornar, precisamos chegar à nossa fonte original, pois somente ali há paz, contentamento, bem-aventurança e preenchimento. A fonte é o objetivo — eles nunca estão separados. Somente a fonte pode ser o objetivo! Quando a pessoa volta para sua fonte original, ela atinge tudo que a vida pode dar, tudo que a vida pretende dar. A vida é perder o paraíso e a religião é recuperá-lo. Atirar-se no mundo dos desejos é Adão caindo da graça; retornar é Cristo. Eles são as mesmas pessoas! Adão e Cristo não são duas pessoas separadas, mas a mesma pessoa, somente suas direções mudaram. Adão está na Estrada Esburacada, afastando-se da fonte, indo cada vez mais longe da fonte, e Cristo está regressando, ele deu a volta. A palavra cristã “conversão” significa exatamente isto: regressar. Conversão não significa um hindu se tornar cristão ou um muçulmano se tornar cristão.
  • 14. Conversão significa Adão se tornar Cristo. Isso nada tem a ver com o cristianismo, mas algo a ver com o próprio estado crístico. Ao se tornar cristão, você não se converteu; e nada muda. Você era hindu e estava se atirando no mundo dos desejos, então você se torna cristão e se atira no mesmo mundo — mudou em você apenas o rótulo. Agora você não é mais chamado de hindu, mas de cristão. Ou você pode ser cristão e se converter ao hinduísmo — isso também não é conversão. Conversão significa uma virada de cento e oitenta graus — Adão regressando, o caminho de volta. Os budistas têm uma palavra ainda mais bonita para isso, paravritti — significa exatamente uma virada de cento e oitenta graus. Menos que isso não serve. Se você errar, mesmo que por um único grau, você ainda estará se atirando no mundo. Este também é o significado do meu sannyas — o caminho de volta. E “o descanso” significa nossa curta vida humana, tão curta que chuva ou vento e desgosto ou puxão são de consequências e significados pequenos. Agora escute o doka: Um descanso no caminho de volta Da Estrada Esburacada Para a Estrada Nunca-Esburacada; Se chover; deixe que chova; Se ventar; deixe que vente. Nossa vida humana é tão momentânea... não faz sentido se perturbar com ela. Alguém o insultou e você faz um grande estardalhaço a respeito disso — e isso é tão momentâneo! Não vai durar e tudo vai ser esquecido; ou alguém se torna bem-sucedido e enlouquece; ou alguém acumula muita riqueza e tira os pés do chão e passa a “voar”. Antigamente havia uma bela tradição em Roma, que deveria ser seguida em todos os países. Sempre que um conquistador romano voltava — ele conquistara novos países, fora um grande soldado e voltara com grandes sucessos e vitórias —, as massas, a multidão, o povão, gritavam em alegria. Ele era saudado como um deus. A tradição era que um serviçal caminhava atrás dele e continuamente o lembrava: “Não seja enganado pelas pessoas. Senhor, não seja enganado pelas pessoas! Não seja enganado pelos tolos; caso contrário, o senhor enlouquecerá”. Um serviçal, um escravo, tinha de repetir isso continuamente às costas do conquistador, de tal modo que ele pudesse se lembrar. Senão é muito fácil: quando o sucesso vem, a pessoa enlouquece.
  • 15. Isso deveria ser seguido em todos os países. Uma pessoa deveria seguir Jimmy Carter e Morarji Desai apenas para lembrá-los: “Não sejam enganados pelo sucesso. Ele é momentâneo, é apenas uma bolha, uma bolha de sabão. Não deixem que lhes suba à cabeça”. O sucesso sobe à cabeça — e o mesmo acontece com o fracasso; ele machuca. E tudo é momentâneo, este descanso é momentâneo. Pense nas infinidades... antes do seu nascimento havia infinidade, o tempo sem começo o precedeu; e após a sua morte o tempo sem fim vai sucedê-lo. E entre essas duas infinidades o que é você, o que é a sua vida? Uma bolha de sabão, apenas um sonho de um momento. Não permita que isso o afete. Se a pessoa puder permanecer consciente e não for afetada pelo sucesso ou pelo fracasso, pelo elogio ou pelo insulto, pelos inimigos ou pelos amigos, então ela está retornando à fonte original. A pessoa se torna uma testemunha. Um descanso no caminho de volta Da Estrada Esburacada Para a Estrada Nunca-Esburacada; Se chover, deixe que chova; Se ventar; deixe que vente. Não fique perturbado com isso. Pondere e contemple a respeito disso — este é um grande segredo, um dos grandes segredos dos Budas. Simplesmente fique alerta, pois tudo é trivial, momentâneo e um sonho de verão. Ele está partindo, já está partindo, e você não pode se segurar nele. Não há necessidade de se apegar a ele nem de empurrá-lo. Ele vai por si mesmo, bom ou mau, não importa o que ele seja, ele está partindo. Tudo está partindo; o rio está fluindo e você permanece sereno e desapegado, apenas uma testemunha. Isto é meditação. Meu eu de há muito tempo, Em natureza não-existente; Nenhum lugar para ir quando morto, Nada absolutamente. NOVAMENTE, TENTE COMPREENDER CADA PALAVRA: Meu eu de há muito tempo... Antes do nascimento, éramos não-existentes, e assim, de novo, seremos após a morte. Nenhum eu existia e nenhum eu existirá após a morte. Buda insiste muito nesta visão do não-eu, pois todos os nossos desejos estão à volta do conceito do eu: eu sou. Se eu sou, então mil e um desejos surgirão; se eu não sou, então como desejos podem surgir a partir do nada?
  • 16. Esta é uma das maiores contribuições de Buda ao mundo. No que se refere à idéia do não-eu, ele superou todos os outros Mestres — Krishna, Cristo, Zaratustra, Lao Tzu —, ele superou todos. Esta é uma das meditações mais fundamentais. Se isso puder se assentar em você, que “eu não sou”, então de repente o mundo desaparece. Saber que “eu não sou” é saber que não há necessidade de fazer coisa alguma, de ser coisa alguma, de possuir coisa alguma, de atingir coisa alguma. Quando não existe o eu, a ambição é irrelevante. Se houver um eu, então a ambição é relevante. É por isso que todas as outras religiões, exceto o budismo, caíram numa armadilha. A armadilha é: elas tentam não desejar as coisas deste mundo, mas então começam a desejar coisas do outro mundo. Porém, dá no mesmo — o desejo é o mesmo. Não importa o que você deseja, não faz absolutamente nenhuma diferença qual é o objeto do seu desejo — o desejo é o mesmo. Você quer dinheiro ou meditação: o desejo é o mesmo e somente o objeto mudou. E o objeto não é o problema — o problema é o próprio desejo, o próprio ato de desejar. Alguém deseja uma longa vida aqui, um belo corpo aqui, sucesso, nome, fama; uma outra pessoa deseja a vida eterna com Deus no paraíso — qual é a diferença? A única diferença parece ser esta: a primeira pessoa não é tão gananciosa quanto a segunda; a segunda é mais gananciosa. É por isso que as chamadas pessoas espirituais são pessoas muito gananciosas. Não é por acaso que a Índia é muito gananciosa — ela é muito espiritual. Esta espiritualidade cria mais cobiças. Na verdade, os chamados mahatmas insistem em ensinar às pessoas: “Não desejem coisas deste mundo, pois elas são momentâneas. Desejem coisas do outro mundo, pois essas são eternas”. E eles chamam isso de renúncia? Isso é renúncia? Isso é ficar mais desejoso, é pedir pela gratificação eterna. As pessoas mundanas são pessoas simples, ficam satisfeitas com os desejos momentâneos. E as que buscam o outro mundo parecem ser absolutamente gananciosas. Elas não estão satisfeitas com este mundo e precisam de um outro no qual existam prazeres eternos, no qual a beleza nunca acaba, no qual a vida está sempre jovem, no qual a pessoa vive continuamente e nunca envelhece. Isso é cobiça, é pura cobiça transplantada para um outro mundo! Isso é mais cobiça do que a primeira. Evite esse materialismo espiritual; ele é um completo materialismo e não muda a sua vida, não pode mudá-la e simplesmente nutre sua velha mente e o envenena ainda mais. Buda diz que a meditação básica é perceber que “eu não era e eu não serei, então como posso estar no meio de dois nadas? Se eu não era antes e não serei novamente após a morte, então como posso ser agora?” Não se pode existir
  • 17. entre dois nadas, então isto também deve ser um nada — nós não o vimos corretamente. Meu eu de há muito tempo... Antes do nascimento nós éramos não-existentes, não-eu, e deveremos ser assim novamente após a morte. Portanto, estamos nesta condição no momento presente, sem nada no mundo que possamos chamar de nosso — nem mesmo nossos próprios eus. Isso atinge o âmago do problema. Não se despoje de coisas — despoje-se do seu eu, e então as coisas são despojadas automaticamente. Se eu não sou, então como a casa pode me pertencer? Se eu não sou, então como posso possuir uma mulher ou um homem? Se eu não sou, então como posso possuir um filho? Se eu não sou, então como a propriedade é possível? Não existe ninguém para possuir. Perceba a diferença. As outras religiões disseram: “Renunciem às posses!” Buda diz: “Renunciem o possuidor”. Por certo, isso vai infinitamente mais fundo. Você pode renunciar às posses, mas o possuidor permanece, e com ele o modelo para possuir novamente — o possuidor trará sua possessividade pelas portas dos fundos. Você pode ver isto acontecer: uma pessoa renuncia a esta vida mundana e se muda para uma caverna no Himalaia, mas então ela possui aquela caverna. E se alguém vier e começar a viver na caverna ela o expulsará e dirá: “Saia! Esta é minha caverna”. E esta pessoa renunciou à sua casa, à sua esposa e aos seus filhos. Agora a mesma possessividade entrou numa nova forma. Não importa o que você possui, mas se você possui, então você permanece na Estrada Esburacada. Despojar-se de coisas não significa escapar delas. As coisas existem e estarão em todos os lugares. Coisas também existirão na caverna do Himalaia — as montanhas, as árvores — e você pode começar a possuí-las. Se você se sentar sob uma certa árvore, começará a possuí-la; esta é a sua árvore e nenhum outro ascético pode vir e meditar ali; ele precisa encontrar sua própria árvore. Ou você começa a possuir os templos, as mesquitas, as igrejas, as filosofias — hindu, cristã, muçulmana —, as escrituras — o Gita, o Alcorão, a Bíblia — e os conceitos de Deus: “Este é o meu conceito de Deus. Seu conceito está errado e o meu está certo”. Buda corta a raiz. Ele diz que não há ninguém para possuir. Perceba a beleza e a imensa implicação disso. Ele simplesmente corta as raízes e não os galhos e as folhas, que brotariam novamente, pois as raízes permaneceriam intactas. Corte a raiz e toda a árvore morre. Não abandone as posses, abandone o
  • 18. possuidor. E então você pode viver no mundo e não há problema. Viva no mundo e não possua, pois não há ninguém para possuir. É por isso que não digo a meus sannyasins para renunciarem ao mundo; digo para renunciarem ao ego e viverem no mundo. O mundo não lhes pode fazer mal, e todos os males acontecem devido ao ego. É isto que Buda chama de “eu”, esta é sua palavra para “ego”: atta — o eu. Meu eu de há muito tempo, Em natureza não-existente... Buda trabalhou continuamente por seis anos em busca do eu. Você já ouviu o famoso ensinamento de todos os tempos: “Conheça a si mesmo!” Buda trabalhou duro; por seis anos ele tentou, a partir de todos os cantos, ângulos e lados possíveis, penetrar nesta realidade do eu, mas ele não pôde encontrá-lo. Conheça a si mesmo, e no dia em que você se conhecer saberá que não existe eu. Neste dia, você terá sabido — quando você souber que não existe eu. Dentro existe completo e absoluto vazio, um silêncio imperturbado e virgem. Jamais houve alguém; trata-se apenas de um sonho. À noite, você sonha e acha que se tornou um imperador, e pela manhã você se encontra na mesma velha cama e não é um imperador. Mas a mente pode imaginar, ela é uma grande força imaginativa. O eu é imaginação da mente; ele não existe em realidade. Aqueles que penetraram fundo em seus próprios seres vieram a conhecer completo silêncio. Ninguém foi encontrado ali, e esta é a grande realização: encontrar ninguém ali... então todos os problemas desaparecem, pois o criador de problema desapareceu. Meu eu de há muito tempo, Em natureza não-existente; Nenhum lugar para ir quando morto, Nada absolutamente. “Nada” significa absolutamente nenhuma coisa. Há uma famosa historieta Zen: Um homem veio a um Mestre Zen e perguntou: “Um cachorro tem natureza búdica?” Não se pode fazer esta pergunta em nenhum outro lugar. Se você perguntar a um cristão: “Um cachorro tem natureza crística?”, ele ficará absolutamente enfurecido. Você está insultando Cristo, o filho unigênito de Deus; isso não é
  • 19. somente profano, mas um sacrilégio. Porém, no budismo se pode perguntar isso, não há problema. O discípulo perguntou ao Mestre: “Um cachorro tem a mesma natureza de Buda?” E a resposta do Mestre é muito estranha e confusa, e através dos séculos pessoas a têm contemplado e ela se tornou um koan a ser meditado. O Mestre disse: “Mu”. Mu significa nada. Agora o problema é: o que ele quer dizer ao falar mu? Mu também pode significar não; pode significar nada e não. Ele está dizendo que o cachorro não tem a mesma natureza de Buda? Vindo de um Mestre Zen, isso não é possível. Então, o que ele quer dizer por mu? Ele não quer dizer não — ele quer dizer nada. Ele está dizendo: “Buda é nada, assim é o cachorro”. Ele está dizendo sim ao dizer não. Ele está dizendo: “Sim, o cachorro tem a mesma natureza de Buda, mas Buda é nada, assim é um cachorro!” Não existe eu, nem em Buda nem num cachorro. Não existe ninguém lá dentro! Buda é vazio e assim é o cachorro. Somente as formas e os sonhos são diferentes. O cachorro está sonhando que é um cachorro — isso é tudo. Você está sonhando que é um ser humano, alguém está sonhando que é uma árvore. Mas dentro não há ninguém — puro silêncio. Este silêncio é samadhi. Quando você começa a ter vislumbres deste silêncio, sua vida começa a mudar. Então, pela primeira vez, você vive numa maneira poética, a morte não cria medo em você e nada pode perturbá-lo ou distraí-lo. A resposta do Mestre, mu, significa realmente sim, mas ele não disse sim por uma certa razão — porque o sim será mal interpretado. O homem teria pensado que o cachorro também tem o mesmo eu que Buda — por isso, ele não usou a palavra “sim”. Ele disse não, mas ele não quer dizer que o cachorro não tem a mesma natureza. Ele quer dizer que ambos têm nada dentro. A forma difere. Para um budista, em particular para um zen-budista, não há nada profano e nada sagrado. Escute esta história: Era uma reunião solene e majestosa de pessoas profundamente interessadas e congregadas para aprender a Verdade. Elas acreditavam ouvir os segredos decisivos do Universo, e por fim ficaram face a face com o Absoluto, o Supremo, e pensavam em ouvir as gemas de sabedoria pelas quais príncipes e mendigos brigavam desde o princípio dos tempos. Imagine o decoro e a solenidade de tudo isso, o ar de expectativa que preencheu a sala quando O Mestre entrou. Um silêncio eletrizante se fez presente e a sala
  • 20. se tornou uma catedral. Todos os olhos estavam voltados para O Mestre, e havia aqueles que pensavam ver a sua aura e outros que viam anjos pairando por perto. O Mestre se sentou e se preparou para falar. A audiência se inclinou para a frente, e com a respiração suspensa se aprontou para apanhar cada uma de suas palavras. Finalmente, após o que parecia um tempo interminável, O Mestre da Justeza abriu a boca e lhes ensinou, dizendo: “Hoje, neste momento, estou usando uma cueca felpuda”. E isso foi tudo o que ele ensinou naquele dia. O Zen tem uma abordagem totalmente diferente a respeito da vida. Ele não acredita no sagrado ou no profano. Ele não acredita em coisa alguma — tudo é um. Cachorro é Deus — tudo é um. Buda, não-Buda — tudo é um. O ignorante, o sábio — tudo é um. O pecador e o santo — tudo é um. Quando perguntavam, ele respondia; Nenhuma pergunta, nenhuma resposta; Então o Mestre Daruma Deve ter tido Nada em sua mente. TENTE PENETRAR EM CADA PALAVRA. A mente, em sua pureza, é apenas um espelho, um espelho vazio; ela nada contém. Ela é um espelho porque é vazia, porque somente o vazio pode espelhar. Se algo já estiver contido, então o seu reflexo não será o reflexo verdadeiro. Quando o espelho estiver absolutamente vazio, ele será o espelho mais perfeito. Na meditação, a mente se torna mais e mais como um espelho. Lentamente toda a poeira dos pensamentos desaparece, todas as nuvens de desejo desaparecem... e então não sobra nada, anatta, não-eu, nada, mu. A mente, em sua pureza, é apenas um espelho, imperturbado pela paixão e desanuviado pelo pensamento; tudo aparece como é. Daruma — o nome japonês de Bodhidharma — respondia quando questionado, comia quando estava com fome, dormia quando estava cansado. A verdadeira vida de um sábio, nada na mente: nirvana. Preste atenção: Quando perguntavam, ele respondia... A pessoa iluminada não tem respostas prontas, não tem pensamento pronto para atirar em sua cabeça. Ela responde, e suas totalidades são suas respostas. Ela é um espelho. O discípulo vem à frente do Mestre e ele responde às necessidades do discípulo. Ele não tem idéia fixa, ele não está preocupado em
  • 21. servir algo e dá-lo a todos. Ele simplesmente espera ali como um espelho. Você vem e vê a sua face. Daí as contradições de um Mestre. Um professor é consistente e um Mestre fatalmente é contraditório e inconsistente. Um espelho precisa ser inconsistente: num momento, ele está espelhando um gato; num outro, um homem; num outro, lágrimas; e, num outro, gargalhada. Como um espelho pode ser consistente? Não se pode dizer ao espelho: “Seja consistente! Ontem eu vi lágrimas em você e hoje estou vendo gargalhada. Ontem olhei para você e você estava triste e hoje você parece muito feliz. Ontem eu vi que você estava em profunda meditação e hoje vejo que você está dançando e cantando. Isso é inconsistente!” Somente uma fotografia pode ser consistente, não um espelho. A fotografia é uma fotografia; se houver lágrimas, elas permanecerão ali para sempre. A fotografia é morta, ela não responde. Se vier um macaco, a fotografia vai continuar a mostrar suas lágrimas. Se vier um sábio, acontecerá o mesmo. Mas lembre-se: com um Mestre é diferente. Se você for um macaco, então o Mestre mostrará a sua face, e sua resposta será em resposta a seu ser. Ele responde. Ele não replica, mas responde. Quando perguntavam, ele respondia; Nenhuma pergunta, nenhuma resposta… Por isso, aconteceu de Kabir e Farid, dois grandes Mestres indianos, se encontrarem e ficarem continuamente juntos por dois dias e nem uma única palavra ser trocada. Dois espelhos se refletindo, o que eles podem refletir? Coloque dois espelhos um em frente do outro: um espelho espelhará o outro espelho e assim por diante... espelho, espelho e espelho, mas nada será espelhado. Não existe nada. Dois silêncios ficaram juntos, Farid e Kabir, e olharam um para o outro. Não havia pergunta, daí não haver resposta. Não havia ninguém, daí não haver resposta. Quando perguntavam, ele respondia; Nenhuma pergunta, nenhuma resposta; Então o Mestre Daruma Deve ter tido Nada em sua mente. Sim, esta é a mente de um Mestre — ele nada tem em sua mente. Ter algo na mente é permanecer não-iluminado. Ter nada na mente é se tornar iluminado. Mesmo se você tiver iluminação em sua mente, então você ainda não é iluminado. Ter nada na mente é ser iluminado, lembre-se disso.
  • 22. Deixe-me repetir: se você tiver a idéia de que você se iluminou, então você ainda não é iluminado. Mesmo essa idéia é suficiente para mantê-lo amarrado à Estrada Esburacada, amarrado ao mundo dos desejos. Certo dia alguém me escreveu uma carta. Ele acha que se iluminou, então ele quer vir e apertar a minha mão. Apertar a mão está perfeitamente bem, mas a própria idéia de que se iluminou o manterá não-iluminado. Espere... quando você estiver pronto, eu apertarei sua mão. Espere, tenha um pouco de paciência. Deixe que todas as idéias desapareçam, mesmo a idéia da iluminação. No dia em que você vier como um espelho, eu apertarei o meu ser com o seu ser — por que a mão? As mãos não servem. Então o Mestre Daruma Deve ter tido Nada em sua mente. Normalmente, estamos empacotando soluções para problemas que não existem mais. Todos são assim; estamos carregando milhares de soluções para problemas que não existem mais — e você chama isso de conhecimento. Isso está obstruindo sua capacidade de saber; isso não é conhecimento. Abandone todas as soluções e respostas que você está carregando. Permaneça em silêncio, e sempre que surgir uma questão a partir deste silêncio você ouvirá a resposta — e esta será a resposta. Ela não virá de você, das escrituras ou de algum lugar — ela virá de lugar nenhum e virá de ninguém; ela virá do seu nada mais profundo. As outras religiões chamam este nada de “Deus”. Com frequência, Buda enfatiza a palavra “nada” — significativa e sugestivamente, pois uma vez usada a palavra “Deus” as pessoas começam a se apegar a ela. Então elas têm alguma idéia; elas perguntam qual é a aparência de Deus. Não se pode perguntar qual é a aparência do nada, ou se pode? Uma vez que se tenha a palavra “Deus”, começa-se a perguntar: “Como fazer a imagem? Como criar um templo? Como venerar? Como orar? Que nome dar a ele?” E por isso há muitos nomes e imagens... o que resulta em luta. É por essa razão que Buda enfatiza tanto a palavra “nada” — pois ela é realmente bela. Ela não permite que se faça algum jogo com ela e não se permite ser corrompida por você. Todavia, se você compreender corretamente, nada significa Deus e Deus significa nada. Nossa mente — Sem fim, Sem princípio, Embora tenha nascido, embora morra...
  • 23. A essência do vazio! A MENTE PRECISA SER ENTENDIDA DE DUAS MANEIRAS. Uma: Mente com “M” maiúsculo. Esta é a Mente universal, cómica, do todo — o próprio todo, a consciência que permeia a existência. Esta é uma existência consciente, viva, viva até o cerne. Tudo está vivo, e você pode saber disso ou não. Isso pode não ser tangível ou visível para você, mas tudo está vivo. Somente a vida existe. E a morte é um mito, uma ilusão. Assim é a inconsciência. Mesmo a rocha não é inconsciente — ela é consciente à sua própria maneira. Ela pode não estar disponível a nós, pode não nos ser possível saber se ela é consciente ou não, pois existem milhões de maneiras de ser consciente; a maneira humana não é a única maneira. Árvores, pássaros, animais e pedras são conscientes à sua própria maneira. A consciência pode ser expressa de tantas maneiras quantas forem possíveis; este Universo tem infinidades de expressões. Mente com “M” maiúsculo é a Mente cósmica — isto deve ser atingido. É isto que Buda chama de “nada”, de vazio como um espelho. Mas há uma outra mente com “m” minúsculo, a mente pequena. Então minha mente é diferente, sua mente é diferente; a mente humana é diferente das mentes das árvores e as mentes das árvores são diferentes das mentes das pedras. Portanto, existem diferenças, e cada mente tem sua própria limitação; ela é diminuta. A pessoa precisa desaparecer da minúscula para a infinita. O “m” minúsculo precisa ser dissolvido no “M” maiúsculo. O “m” minúsculo, a mente pequena, é parte do tempo, e o “M” maiúsculo, a Mente cósmica, é eternidade. O “m” também é parte do “M”. A eternidade penetra no tempo — da mesma forma que a Lua se reflete no lago; ela não está realmente ali, mas está refletida. Nossas mentes pequenas são somente reflexos da grande Mente. Quando a Lua se levanta, a lua cheia, milhões de lagos, mares, rios e lagoas sobre a terra a refletirão. Onde houver alguma água, ela será refletida. Mas a Lua é uma e os reflexos são milhões... assim são nossas pequenas mentes. A Mente é uma — você pode chamá-la de Mente de Buda, de Mente do todo, de Mente cósmica ou de Deus. Esses são apenas nomes diferentes para a mesma realidade. Essa mente pequena tem um começo e um fim. Essa Mente grande não tem começo nem fim. Agora escute estas palavras:
  • 24. Nossa mente — Sem fim, Sem princípio, Embora tenha nascido, embora morra... A essência do vazio! Uma declaração muito contraditória. Por um lado, Ikkyu diz: Nossa mente — sem fim, sem princípio..., ele está falando sobre a Mente com “M” maiúsculo. Então ele diz: Embora tenha nascido, embora morra..., agora ele está falando sobre a mente com “m” minúsculo, a mente pequena. A mente pequena nasce e morre e a Mente grande continua. A mente pequena é somente um reflexo, e reflexos nascem e morrem. Como um reflexo, você nasceu e morrerá. Se você se apegar demais ao reflexo, você sofrerá. O sofrimento é isso, o inferno é isso. Se você não ficar demasiadamente apegado, se você não estiver se apegando ao reflexo... o corpo, esta mente e esta vida são reflexos. Se você observar silenciosamente, será capaz de perceber que todos esses reflexos estão passando — e então você fica consciente do espelho no qual esses reflexos estão passando. Este espelho é a eternidade. Atingir este espelho é saber o que é a verdade. Todos os pecados cometidos Nos Três Mundos Se dissolverão e desaparecerão Comigo. OS TRÊS MUNDOS são os mundos do passado, do presente e do futuro — o mundo do tempo. O sutra é de um significado revolucionário imenso. Todos os pecados cometidos Nos Três Mundos Se dissolverão e desaparecerão Comigo. No momento em que você souber que você não é, então tudo o que você fez no passado, está fazendo no presente ou fará no futuro também desaparecerá. Quando aquele que faz desaparece, os feitos também desaparecem. No Oriente, as pessoas se preocupam muito com carmas e ações. Elas ficam com muito medo, pois têm de pagar e sofrer por todas as coisas ruins que fizeram no passado.
  • 25. Ikkyu está lhe dando uma grande chave: “Não tenha medo, pois você não é; portanto, você não fez coisa alguma!” Como você pode fazer? Porque, em primeiro lugar, você não é. Ele está tirando o próprio chão sob seus pés — com ele tudo desaparece. Todos os pecados cometidos Nos Três Mundos Se dissolverão e desaparecerão Comigo. Assim, a única coisa é penetrar fundo em você mesmo e perceber o seu nada. Você não precisa fazer coisas boas para contrabalançar as coisas más que fez. Você não precisa se esforçar em fazer boas ações, pois, faça você o bem ou o mal, você permanece na ilusão de um executante. Perceba a diferença! Normalmente, as religiões ensinam a ser moral, fazer o bem e evitar pecados. Lembre-se daqueles Dez Mandamentos — eles compõem a religião ordinária: não faça isso, faça aquilo. A religião extraordinária diz: desapareça como autor, não se Incomode a respeito de fazer o bem ou o mal. E quem sabe o que é bom e o que é mau? Na verdade, nada é bom e nada é mau, pois a existência é uma — como pode haver duas? Tudo é um. O bom transforma-se em mau, o mau transforma-se em bom, e a crente nunca sabe o que é o quê. As coisas continuamente estão se transformando umas nas outras. Você pode observar... Você estava fazendo algo bom e resultou em algo mau. Uma mãe tenta proteger seu filho de todas as coisas ruins do mundo e, justamente porque ela o está protegendo, ela o está forçando a entrar nelas, pois está criando a tentação. Lembre-se da velha história: Deus disse a Adão para não comer desta árvore, e criou a tentação. Ele deve ter sido um bom pai, e destruiu o filho. Ao dizer “Não coma da Árvore do Conhecimento”, ele criou a tentação e o desejo, o desejo irresistível de comer daquela árvore. Ora, ele queria fazer o bem, mas o que aconteceu? O pecado original surgiu. Todas as pessoas que ficam fazendo coisas boas provam ser muito nocivas; os benfeitores são as pessoas mais nocivas do mundo, e o mundo sofreu muito com elas; suas intenções são boas, mas suas compreensões são nulas. E apenas boa intenção não serve para nada. Aqueles que compreendem dizem que não se trata de uma questão de bom e mau, mas de uma questão de desaparecimento do autor. Ou podemos dizer isso desta maneira: permanecer como autor é mau; desaparecer como autor é bom. Não ser é virtude; ser é pecado.
  • 26. Este é o entendimento de Buda. Todos nossos atos são apenas sonhos, e quando a pessoa se torna desperta ela simplesmente começa a rir: todo o mal e o bem foram apenas sonhos. Escute esta história: Havia certa vez um trabalhador que detestava café; contudo, sua esposa não sabia disso, pois ele nunca lhe dissera. Ela adorava café e ficava muito feliz ao colocar uma garrafa térmica de café na sua trouxa de almoço, todas as manhãs. Ele sempre levava a trouxa e a garrafa térmica para o trabalho, mas, sendo um homem econômico, à noite trazia a garrafa cheia de volta para casa. Então, para economizar e porque sua esposa adorava café tanto quanto ele o detestava, ele despejava o café no bule quando ela não estava vendo. E ele recusava o café da noite com a desculpa de que atrapalhava seu sono. Numa noite, a esposa sonhou que seu marido lhe era infiel e, na noite seguinte, ela teve o mesmo sonho. Isso a deixou furiosa, mas ela não disse nada. Cerca de uma semana depois, o sonho ocorreu pela terceira vez, causando-lhe muito ciúme e angústia. “É verdade”, pensou ela. “Deve ser verdade, o verme é infiel a mim!” Assim, ela decidiu se vingar, e o fez ao colocar todas as manhãs uma pitada de arsênico na garrafa térmica dele, até que ela morreu. No julgamento do marido, o juiz disse: “É sempre assim, aqueles que acreditam no sonho assassinam a si mesmos”. O maior dos sonhos é “Eu sou” — e este se tornou nosso suicídio. Isso parecerá muito paradoxal. A idéia “Eu sou” provou ser muito suicida. E se você desaparecer como um eu, se você cometer este suicídio espiritual, pela primeira vez você começará a viver, nascerá para a vida eterna e conhecerá algo que não é temporal. E então não há nada bom e nada mau. Então a pessoa come quando tem fome, dorme quando está cansada, responde quando uma questão é levantada. A pessoa não tem idéia de como viver e vive sem a mente. A pessoa vive com nada dentro de si, e este é o objetivo do budismo. Viver como nada é nirvana.
  • 27. 2 A Morte no Ego É a Vida no Amor Existe uma ponte entre a ciência racional e a religião irracional? Você nos falaria sobre sonhos? Por que parece que a gente está morrendo quando está amando? Por que o relacionamento entre o homem indiano e a mulher ocidental não é bem-sucedido? Qual a diferença entre um hedonista epicurista e um zen-budista? A primeira pergunta: Ontem você disse que a ciência e a religião são diametralmente opostas. No Ocidente, existem muitas escolas ensinando misticismo científico, e os caminhos do Tantra e da Ioga também são muito sistemáticos. Sua literatura também é profunda e artisticamente racional. Parece existir uma ponte entre a ciência racional e a religião irracional. Por favor; comente. A PONTE É POSSÍVEL, e é possível somente por elas serem diametralmente opostas. Existe a lacuna, então a lacuna pode ser transposta. Os opostos podem se encontrar, e isso pode ocorrer somente por serem opostos. Os opostos se atraem, e é assim que toda a vida se move e tem dinamismo. Ela é dialética e existe através de pólos opostos: homem e mulher, yin e yang, matéria e mente, a terra e o céu, isto e aquilo. Há uma constante
  • 28. ligação, mas a ligação é possível somente por eles serem opostos. Se eles não fossem opostos, não haveria necessidade de ponte. Assim, a primeira coisa a ser compreendida: a ciência e a religião são diametralmente opostas, mas é possível ligá-las. Esta ponte não as tornará iguais, na verdade tornará mais gritantes e claras suas oposições diamétricas. A religião pode ter um sabor científico, ela pode ser sistemática, porém ela nunca se torna ciência; ela permanece misticismo. Ela toma a forma, a metodologia e a terminologia de uma ciência, contudo permanece misticismo e poesia. Pode-se traduzir poesia em prosa e prosa em poesia. Simplesmente traduzir prosa em poesia não a tornará poesia — ela permanecerá prosa. E simplesmente por traduzir poesia em prosa, ela não se tornará prosa e permanecerá poesia. Buda fala em prosa, mas o que ele fala é poético. Eu não sou poeta. Falo em prosa, mas o que falo é poético, sua alma é poética e permanece poética. A religião pode usar a sistematização científica — o Tantra e a Ioga fizeram isso. A ciência também pode usar o misticismo como um método de investigar a realidade, e todos os grandes cientistas fizeram uso disso, no entanto ela ainda permanece ciência. Sua confiança básica está na razão e a confiança básica da religião não está na razão. A religião pode se tornar científica na periferia, mas no cerne permanece irracional. E a ciência pode se tornar muito poética na periferia, porém no cerne permanece racional. Albert Einstein ou outros grandes cientistas e investigadores são muito parecidos com os místicos. Suas investigações, na realidade, são iguais à investigação de William Blake. Os olhos de Einstein estão repletos de misticismo, mas no fundo sua confiança está na razão. Mesmo que ele defronte com algo através de seus sentimentos poéticos e intuitivos, ele imediatamente o traduzirá para a razão. Ele somente confiará naquilo quando aquilo se tornar racional. E justamente o oposto é o caso com um místico: mesmo que ele consiga saber de algo muito racional sobre a realidade, ele o transformará em irracional, o virará e o mudará em poesia. Eles são opostos, mas podem ser ligados — e eles sempre são ligados quando você puder encontrar uma pessoa contraditória; contudo, esta pessoa será contraditória. Ela falará duas línguas ao mesmo tempo e falará em contradições e paradoxos. Todos os grandes cientistas são paradoxais e todos os místicos também o são. Um Mestre, seja da ciência, seja da religião, inevitavelmente é paradoxal. Ele não pode ser unidimensional e precisa estar em sintonia com ambas as realidades — mas então fica muito difícil entendê-lo.
  • 29. Este é o seu problema comigo: falo sobre o irracional, mas falo racionalmente sobre ele. Sou todo a favor do ilógico; mas... e quanto à minha abordagem? Através da lógica, lentamente o convenço a ir em direção à ilógica. Eu argumento para isso. Meu argumento para a ilógica está fadado a ser lógico, pois nenhum argumento pode, em si, ser ilógico — ele precisa ser lógico. Ontem eu mencionei que as velhas escrituras afirmam que cada templo deveria ter pelo menos uma figura maithuna na entrada — pelo menos uma, mas, se puder ter muitas, ótimo. Um Mestre é uma entrada, uma porta, uma abertura. Seus pés estão enraizados na terra e suas mãos estão tocando o céu — o Mestre é a ponte entre a razão e a não-razão, entre a religião e a ciência, entre o amor e a lógica. Um Mestre é uma soleira — daí ele poder convencê-lo, ele poder usar toda a argumentação lógica e ainda assim seu objetivo permanecer ilógico. Uma vez que você esteja convencido, ele o atira no misterioso. Trata-se de um salto quântico. Gostaria de falar algo mais sobre a tradição antiga: Manuais de arquitetura medievais, todos os manuais da Índia, tinham como regra que todos os templos deveriam ter esculturas maithuna em suas entradas. “Maithuna” é uma palavra sânscrita muito fecunda. Ela não significa uma relação sexual comum, não significa um casal comum se amando — ela significa unio mystica, significa duas pessoas tão profundamente dissolvidas uma na outra que elas não são mais duas. Não se trata simplesmente de um casal fazendo amor— trata-se de amor, e o casal desapareceu nele. Trata-se de um estado de se perder um no outro, de unidade. Outros manuais de arquitetura dizem que o templo deve ser um encontro do céu com a terra. A terra é visível, lógica e material e o céu é vago, nebuloso e indefinido. O templo deve ser um lugar em que o definido encontra o indefinido, em que o conhecido encontra o desconhecido. O homem é lógico, ele representa a lógica, a matemática, a sistematização e a ciência. A mulher é a ilógica, a intuição, o sentimento, a emoção e a poesia; vaga, indefinida e indefinível. A figura maithuna representa este encontro do lógico com o ilógico, da mente com o coração, do corpo com a alma — de todos os pares de opostos yin e yang. E um templo é criado quando yin e yang se encontram, se fundem e se tornam um. O amor é o templo: orgasmo, este estado de fluxo orgástico no qual você não sabe quem é você — homem ou mulher — no qual você não conhece nenhuma identidade e todas as identidades são perdidas, quando você está em completo estado de esquecimento e lembrança... esquecimento tudo o que você conhecia a respeito de você mesmo e lembrança de tudo o que você realmente é; esquecimento como um ego e lembrança como um todo. Este é o significado de maithuna.
  • 30. Maithuna significa amantes num profundo estado de unidade, num estado de casamento interior — não apenas o casamento exterior. Você ficará admirado ao saber que somente o ser humano pode chegar a este casamento interior — os animais não podem. Você já viu animais fazendo amor? Você nunca encontrará nenhum êxtase em suas faces e olhos, nunca. O ato sexual é feito como algo trivial, como um fenômeno biológico; eles o fazem praticamente como um estorvo. Os biólogos e os fisiologistas concordaram com o fato de que as fêmeas, exceto nos seres humanos, de modo nenhum conhecem o orgasmo; nenhuma fêmea animal conhece o orgasmo. Conhecer o orgasmo é um privilégio do ser humano. Orgasmo significa casamento interior, e mesmo no ser humano... No passado, noventa por cento das mulheres não conheciam o orgasmo, e isso significa que elas nunca souberam algo sobre o casamento interior. O amor delas permanecia biológico. Elas eram usadas pela natureza para reproduzirem, mas não havia estado meditativo nisso. Minha própria observação é esta: devido a este fenômeno, todas as antigas religiões foram contra o sexo, pois ele representa o animal. Porém, elas não estavam cientes de que o ser humano pode transcender o sexo — e a transcendência pode ocorrer somente através do sexo —, de que o ser humano pode atingir algo interior por meio do exterior. Aquilo que não é possível para os animais é possível para o ser humano. O ser humano pode penetrar num estado orgástico, num êxtase, em que o sexo se torna irrelevante e é deixado para trás. Corpos e mentes se tornam irrelevantes e a pessoa mergulha na própria profundidade do ser — por um único momento, é claro, mas Deus se torna disponível. Maithuna significa amor tão profundo, tão imensamente profundo, que um lampejo de Deus se torna disponível. Maithuna significa um casal que não é mais um casal, um estado de ser casal a partir do exterior, mas a partir do interior há somente unidade — ela existe em solitude. Por um momento, a dualidade é superada, a harmonia atingida e o acordo aconteceu — daí o orgasmo ser tão relaxante. E Wilhelm Reich está certo: se a pessoa puder ser capaz de obter o deleite orgástico, então a loucura e todos os tipos de neuroses e psicoses desaparecerão da terra. Esta também é a experiência do Tantra. Contudo, havia necessidade de grande coragem para colocar uma figura maithuna na entrada de um templo. O próprio passo era de uma profunda revolução. Aquelas pessoas deviam ser corajosas; elas declaravam algo através disso. Elas diziam: “Os pólos opostos podem ser ligados somente através do amor”.
  • 31. Um Mestre é amor, ele está continuamente em estado de orgasmo; ele é unidade, e sua dualidade desapareceu. Ele sabe que só existe um, e neste estado os opostos podem ser ligados. O casal entrelaçado em profundo amor fica na entrada do templo num grande êxtase de unidade: perdido, fundido, um com algo mais profundo e superior que ambos. Você precisa se apaixonar por um Mestre; o Mestre é a entrada para Deus. Você precisa aprender a se fundir com o Mestre, como se tornar um com ele. Somente por meio disso você conhecerá a ponte. Eles ficam lá, possuídos pelo Deus chamado Amor, e este é exatamente o relacionamento entre um discípulo e um Mestre: ser possuído por um profundo e imenso amor. O relacionamento não é sexual, não é físico, mas é o mesmo atingido por dois amantes. Ele é o mesmo, o clímax é o mesmo! Dois amantes se movem através da fisiologia e da biologia e percorrem um longo caminho para alcançar o clímax. Um discípulo e um Mestre alcançam este clímax imediatamente; eles não fazem rodeios, eles não passam através do corpo ou da mente. Este é o significado da entrega, shraddha ou confiança. Seu amor abre as portas de uma nova percepção, de uma nova maneira de olhar para a realidade, a qual estabelece a ponte dos pólos opostos. Eles estão passando do ordinário para o extraordinário, da prosa para a poesia, da lógica para o amor, da separação para a unidade, do ego para o estado de ausência de ego. Você já percebeu isto acontecer? Em amor profundo o ego desaparece, não se pode encontrá-lo. Daí eu insistir: enquanto você estiver fazendo amor, lembre- se sempre de olhar pelo menos uma vez quando estiver atingindo o clímax — olhe para dentro. Existe algum ego? E esta experiência pode se tornar um satori. Normalmente, você não olha para dentro; você fica tão absorto com o divertimento e a alegria do amor que se esquece da meditação. Se naquele momento em que você está se dissolvendo puder se lembrar de dar uma olhada para dentro, nunca mais você vai ser o mesmo. Ao sair do amor, surgirá como uma pessoa totalmente nova; nasce um novo ser. Você terá novas maneiras de percepção e de visão da realidade. Uma vez percebido que o ego não existe, não se pode juntá-lo novamente. E, mesmo que você o junte, saberá que ele é falso, é pseudo. Então este entendimento penetra fundo em você. Os amantes se movem do tempo para a ausência do tempo. Observe: quando ocorre o clímax, o tempo desaparece. Por um momento, o tempo pára, todo o mundo pára, todo movimento pára, e esta parada de todos os movimentos e do tempo é o que se chama “clímax”, o pico, o orgasmo.
  • 32. O tempo também pode parar com um Mestre, e ele pára! Aqui, ele pára todos os dias para muitas pessoas; por momentos, e você fica em sintonia comigo. Você não está mais ali e eu não estou mais aqui, e desaparecemos e existe algo que está além de nós. Você entrou no templo e fez a ponte com o pólo oposto. A realidade não pode ser dividida realmente, ela não pode ser dividida em lógica e amor, em tempo e eternidade, em corpo e alma, em Deus e matéria — ela não pode ser dividida. Embora existam pólos opostos, eles não são inimigos, mas complementares. Eles se apóiam mutuamente: sem um, o outro não será possível. Pode-se pensar em poesia se não houver mais nenhuma lógica? Ou pode-se pensar em lógica se não houver mais nenhum amor? Eles parecem opostos; mesmo assim, no fundo, em algum lugar, eles apóiam, nutrem e fortalecem um ao outro. Assim, estabelecer a ponte é possível, mas ela sempre ocorre através do amor, através de uma soleira. Chamo o Mestre de soleira. Num momento de amor ou confiança... você está simplesmente aqui e agora, o eterno agora, o absoluto aqui! Você está na entrada. Lembre-se: entradas são aberturas. Porphyrus escreveu: “Uma soleira é algo sagrado”. Uma soleira é aquilo que une os opostos. O que realmente é um templo? Uma soleira. Ele une o mundo com o além, o mercado com a meditação. É por isso que o templo existe no mercado — ele precisa existir ali. Por isso, insisto: não renuncie ao mundo — esteja ali! E, permanecendo ali, procure pelo outro mundo e o encontrará; ele está oculto em algum lugar no mercado. Se você escutar atentamente o barulho do mercado, você ficará surpreso — existe música oculta, grande música nele! Simplesmente abandone o gostar e o desgostar. Escute atentamente, esteja em conexão com ele, e, em todos os lugares, no conhecido você encontrará o desconhecido, no visível o invisível. Porphyrus está certo quando diz que uma soleira é algo sagrado. Uma soleira é o limite entre isto e aquilo, entre dois mundos, o espaço comum e profano e o mundo sagrado além. A soleira é o ponto no qual passamos de um modo de ser para um outro, de um nível de consciência para um outro, de uma realidade para um outro tipo de realidade, de uma vida para um outro tipo de vida. Entrar num templo simboliza entrar em nossa própria profundidade — ou altura. Existencialmente, essas palavras significam a mesma coisa; pode-se chamar de profundidade ou de altura — ambas querem dizer a mesma coisa. Trata-se da dimensão vertical. Existem duas dimensões: a horizontal e a vertical. A soleira une estas duas dimensões. A vida profana comum é horizontal; a vida religiosa é vertical. Deixe-
  • 33. me lembrá-lo da cruz cristã: ela simplesmente é uma representação destas duas dimensões, a horizontal e a vertical. A cruz é um belo símbolo, ela é uma soleira, uma ponte em que o horizontal e o vertical se encontram, em que o ordinário e o extraordinário se encontram. E, obviamente, a metáfora mais natural para a abertura e o abridor só pode ser o ato de amor. De acordo com um outro texto antigo: “Onde vacas se divertem com touros, acompanhadas pelos seus filhotes, ou onde belas mulheres flertam com seus amantes, esse lugar é um lugar apropriado para um templo”. Uma afirmação estranha. Escute novamente; você ficará chocado, particularmente os hindus, os cristãos e os budistas — todos ficarão chocados. Mas isso vem de um antigo texto oriental. Ele diz: “Onde vacas se divertem com touros, acompanhadas pelos seus filhotes, ou onde belas mulheres flertam com seus amantes, esse lugar é um local apropriado para um templo”. Estranho, mas absolutamente significativo. É assim que deveria ser. Um templo deve ser um encontro, uma ponte. Você diz: Ontem você disse que a ciência e a religião são diametralmente opostas. SIM, ELAS SÃO DIAMETRALMENTE OPOSTAS, daí estarem atraídas entre si como um homem e uma mulher. Elas podem se apaixonar e também são complementares — todos os opostos também são complementares. No Ocidente, existem muitas escolas que ensinam misticismo científico, e os caminhos do Tantra e da Ioga também são muito sistemáticos. Verdade, há uma maneira de ensinar misticismo científico, mas o misticismo sempre vai além da ciência. É isto o que eu estou fazendo aqui! Estou lhe ensinando ilógica lógica, misticismo científico e religiosidade mundana. Lembre-se: sempre que houver algo realmente acontecendo, haverá o paradoxo, pois a ponte será necessária. Todavia, ainda assim, o misticismo é misticismo — a ciência pode ser usada como estratégia, mas o misticismo jamais se torna científico. O vôo supremo permanece não-científico e transcendental. E o Tantra e a Ioga são muito sistemáticos — porém, são sistemáticos apenas no caminho. Uma vez que você os tenha seguido por tempo suficiente, eles o empurram para o caos da existência no qual todos os sistemas devem ser abandonados — pois todos os sistemas são minúsculos, são pequenas prisões feitas pela mente. Uma prisão é muito sistemática. Você não percebeu isso? Você já visitou uma prisão? Vá e veja... essa é a coisa mais sistemática do mundo. Sua casa não é
  • 34. tão sistemática como uma prisão — tudo é sistemático, tudo segue certas regras, e de modo absoluto. As pessoas se levantam cedo pela manhã exatamente a uma certa hora, tomam o café da manhã, tomam banho... elas se movem praticamente como robôs — tudo é sistemático. Na verdade, quando tudo é demasiadamente sistemático, a pessoa fica aprisionada e a liberdade é esmagada. A liberdade necessita de caos. Algo estranho foi observado pelos psicólogos: que os soldados do exército são ensinados a ser muito sistemáticos, e o objetivo deles é criar a guerra e o caos, a morte, matar e ser morto, destruir... o objetivo é Hiroshima e Nagasaki. Mas os soldados do exército são absolutamente sistemáticos, e o exército vive em ordem para criar a desordem. Perceba a complementaridade: o exército vive em ordem para criar a desordem. E você percebeu uma outra polaridade? Os artistas criam a ordem a partir da desordem, mas eles vivem vidas muito desleixadas, preguiçosas e desordenadas. Se você observar a vida de um artista, você começará a pensar em suicídio. É repugnante, não existe sistema algum! Você pode ir ver Chaitanya Hari — quando ele vai dormir, quando ele se levanta —, não há ordem. E ele cria uma bela música, ele cria ordem. Os artistas criam ordem, daí terem que complementá-la pela desordem em suas vidas. E os soldados criam a desordem, daí terem que complementá-la pela ordem em suas vidas. As coisas se movem em equilíbrio. Budas falam muito logicamente porque o objetivo deles é a ilógica. E você pode perceber os físicos modernos falando muito ilogicamente: a teoria da relatividade, a teoria da incerteza, a geometria não-euclidiana e a alta matemática são ilógicas. Eles falam muito ilogicamente e criam a lógica; o objetivo deles é a lógica. Eles estão se movendo em direção à ordem. Você verá este equilíbrio acontecendo. A vida não pode ser unilateral, do contrário ela desaparece. Ela necessita do dia e da noite, do verão e do inverno, do nascimento e da morte, do amor e do ódio. Assim, eu digo: a ciência e a religião são diametralmente opostas, mas não estou dizendo que estabelecer a ponte não seja possível — a ligação sempre ocorre, está continuamente ocorrendo. Ela acontece do lado da ciência e também do lado da religião, e quando ela acontece surge um grande Mestre, um Buda ou um Einstein. Sempre que ela acontece, ocorre o superfenômeno. A segunda pergunta: Você nos falaria sobre sonhos? Tenho sonhado que estou sonhando ou vivendo situações dolorosas do passado ou do futuro e lidando com elas de uma maneira diferente. Algumas vezes, acordo na calada da noite ou
  • 35. após um breve sono com uma imensa sensação de terror e vulnerabilidade, sentindo-me como se tivesse cinco anos de idade. Sua presença, sem exceção, está na minha consciência de sonho, está em todos os sonhos desde que cheguei aqui. O que são todos estes novos desenvolvimentos? Sei que você não dá importância à nossa vida de sonhos, mas eles também não são parte da indagação “Quem sou eu?” SAVITA, ESTEJA VOCÊ SONHANDO ou não, você está sonhando. Esteja você sonhando com os olhos fechados ou abertos, não faz diferença. Você sonha à noite e de dia; existem sonhos noturnos e sonhos diurnos, e você simplesmente fica mudando de um sonho para outro, de um tipo de sonho para outro tipo de sonho. Escute... Você sonha à noite e então, abruptamente, o sono é interrompido e você sente horror — isso também é um sonho. Depois, você sonha e sente horror, vulnerabilidade, medo. Então você adormece novamente e começa a sonhar, e pela manhã você abre os olhos e começa a sonhar de olhos abertos. Os sonhos são um continuum; sua mente é feita de sonhos, consiste em sonhos. Lembre-se daquele que está percebendo os sonhos, desperte para esta testemunha e não preste muita atenção aos sonhos. É aí que o Oriente e o Ocidente diferem. A psicologia ocidental é muito inclinada aos sonhos, à análise deles; a pessoa precisa penetrar fundo neles. Savita é terapeuta, uma psicanalista, então obviamente ela deve estar se sentindo ofendida quando eu rebaixo e menosprezo sua vida de sonho. Não se sinta ofendida — esta é uma abordagem totalmente diferente. Ao analisar os sonhos, nunca se chega a terminá-los; ao analisá-los, você pode se tornar um pouco mais entendida a respeito de sonhos, mas a consciência não vai acontecer através disso. Ao analisá-los, você pode até mesmo começar a ter sonhos melhores, porém sonhos melhores são do mesmo modo sonhos. Ao analisá-los, você pode começar a sentir suas motivações ocultas atrás deles, seus desejos reprimidos e suas ambições, mas você nunca virá a saber quem você é. Como a pessoa pode vir a saber quem ela é ao analisar os sonhos? Sonhos são objetos e você é sujeito. Você precisa fazer um paravritti — uma conversão; você precisa virar cento e oitenta graus, precisa parar de prestar atenção aos sonhos e prestar atenção àquele que está sonhando. O Oriente está interessado na testemunha, não naquilo que ela testemunha. Você pode estar vendo uma árvore real ou uma árvore de sonho — não faz
  • 36. diferença. Para a abordagem oriental, não faz diferença se a árvore é real ou apenas uma árvore de sonho; em ambos os casos, ela é o objeto; em ambos os casos, você não é ela. Portanto, que diferença faz se ela existe realmente ou se você apenas a imaginou? A única coisa que faz diferença é o espelho, é aquele no qual a árvore é refletida — verdadeira ou não, isso é irrelevante. Mas o poço de água pura em você no qual ela é refletida... preste atenção, enfatize a testemunha, vá mais fundo na testemunha. E este é o meu propósito aqui, a fim de ajudá-lo — e não analisar seus sonhos. Isso você pode fazer no Ocidente de uma maneira muito mais científica. O Ocidente se tornou muito habilidoso em analisar sonhos, mas o Oriente nunca se preocupou com isso, pois diz que tudo é sonho. Então, qual o sentido em analisar? E não há fim. Se você ficar analisando, e a fonte que os cria existir, ela continuará a criar novos sonhos. Eles viram indefinidamente... e é por isso que ninguém fica totalmente psicanalisado. Não existe uma única pessoa sobre a terra que esteja real e totalmente psicanalisada, pois o objetivo da psicanálise total é que os sonhos desapareçam, e isso não acontece; não aconteceu nem mesmo com Freud ou Jung. Eles continuaram a sonhar, e isso significa que eles continuaram a permanecer suprimidos, a permanecer os mesmos que eram antes. Os sonhos continuavam vindo, pois a fonte não foi radicalmente mudada. O projetor está funcionando e você fica analisando o filme sobre a tela e pensando em como analisá-lo. E então ambos diferem, suas análises diferem, e surgem escolas de psicanálise. Freud diz algo, Jung diz uma outra coisa, Adler ainda uma outra e assim por diante. Existem tantas psicanálises quanto existem psicanalistas, e todos têm suas próprias opiniões e ninguém pode ser realmente refutado — pois tudo é trabalho de sonho. Tudo o que você disser atrai as pessoas, se você puder dizê-lo alto e de uma maneira convincente, com autoridade, argumento e lógica — deve ser verdadeiro. E todos os psicanalistas parecem estar certos. Todas estas interpretações parecem ser verdadeiras, pois nenhuma tem valor. Todas as interpretações estão erradas! O Oriente tem um tipo de abordagem totalmente diferente: testemunhe, não analise. Na análise, você fica muito interessado focado no sonho. Esqueça-se do sonho: simplesmente olhe para o observador. Este observador é constante; à noite, ele vê sonhos e de dia ele vê sonhos. Primeiro você percebe o sonho, Savita, e então você desperta abruptamente e percebe o horror. Então você novamente adormece e pode ver um doce, belo e feliz sonho ou um pesadelo... e isso continua. Uma coisa é constante: aquele que percebe, o observador, a testemunha.
  • 37. Volte-se para a testemunha, e é isto o que estou tentando dizer a você — enquanto você estiver sonhando de dia ou à noite. O único ponto bom sobre os sonhos é quando você diz: Sua presença sem exceção está na minha consciência de sonho, está em todos os sonhos desde que cheguei aqui. Isso é bom. Pelo menos uma coisa está constantemente presente, a qual a ajudará a retirar-se para você mesma. Enfatize esta presença. Gurdjieff costumava dizer a seus discípulos: “Torne uma coisa constante em seus sonhos e mais cedo ou mais tarde você se livrará deles”. E ele costumava oferecer coisas pequenas, pequenas técnicas e estratégias — e elas funcionam! Ele disse a uma pessoa: “Sempre que você sonhar, veja no sonho que você está erguendo suas mãos acima de sua cabeça. E durante o dia também; pratique isso muitas vezes, de tal modo que você fique muito acostumado e habituado a isso, tornando-se praticamente algo mecânico, para que mesmo nos sonhos você possa erguer as mãos acima da cabeça”. E o homem perguntou: “O que acontecerá?” Gurdjieff respondeu: “Quando você for capaz, venha e me diga”. Três meses se passaram e o homem continuava, dia após dia, caminhando ou comendo, sempre se lembrando de erguer sua mão e também dizia: “Esta noite vou erguer minha mão no sonho”. E então aconteceu após três meses: numa noite, ele estava sonhando que caminhava por uma estrada muito movimentada e barulhenta e, de repente, se deu conta e levantou a mão acima da cabeça — e o sonho foi interrompido. E naquele momento em que o sonho se foi ele viu a si mesmo pela primeira vez — a volta, a conversão. Isso ocorreu no meio da noite, e ele dançou e ficou imensamente feliz. E desde aquele dia os sonhos desapareceram. E quando os sonhos desaparecem a realidade se aproxima mais e mais, a cada dia. São os sonhos que estão impedindo você de perceber aquilo que você é. Quando ele foi ver Gurdjieff, pela manhã, antes que falasse algo Gurdjieff disse: “Então aconteceu, pois vejo seus olhos com um brilho e uma luz diferentes; eles têm clareza. Aquele material de sonho que costumava se mover atrás de seus olhos não está mais presente. Então aconteceu! Então você foi capaz de levantar a mão! Agora não se preocupe, sempre que o sonho vier, de novo erga a mão. Existe toda possibilidade de que ele não ocorra mais, pois você fez pelo menos uma coisa conscientemente. Mesmo em seu sonho, apenas o pequeno ato de erguer a mão fez você se lembrar de uma pequena coisa... Ela foi muito
  • 38. pequena, mas lembrar-se é notável. Você se lembrou, mesmo em seu sonho. Então a testemunha chegou ali — agora não há necessidade de se preocupar”. Gostaria de dizer a Savita: Convide-me mais e mais em seus sonhos, deixe-me também curti-los. Vá dormir todas as noites com uma sensação muito consciente de que eu estarei presente em seus sonhos. Faça disso um esforço alerta, deliberado, e um dia irá acontecer, e não será apenas um fenômeno de sonho. Eu estarei realmente tão presente como estou agora, ou mesmo mais, pois neste momento posso perceber que existem sonhos nos olhos de Savita. Se em seu sonho, mesmo por um único momento, você puder me ver como eu sou, todo o ato de sonhar desaparecerá. Não tem sentido analisar. Os sonhos precisam ir embora, e quando isso acontece entra a realidade. Os sonhos saem por uma porta e a realidade entra por outra. E a realidade é silenciosa, serena, pacífica, bem-aventurada... A terceira pergunta: Por que parece que agente está morrendo quando está amando? Apaixonar-se é um desejo suicida ou apenas um instinto autodestrutivo como a marcha dos lemingos para o mar ou o vôo da mariposa para uma chama? Isso é bizarro. O AMOR É MORTE, mas aquele que morre no amor jamais existiu realmente. O que morre é o eu irreal, é a idéia de um ego. Portanto, o amor é morte, é suicida, é perigoso. É por isso que milhões de pessoas decidiram contra o amor; elas vivem uma vida sem amor e decidiram em favor do ego — mas o ego é falso. E você pode se apegar ao falso e o falso jamais se tornará real. Assim, a vida de um egoísta sempre permanece na insegurança. Como se pode tornar algo irreal real? Ele está sempre desaparecendo e você precisa se apegar a ele e com constância criá-lo repetidamente. Trata-se de uma autodecepção, e isso cria infelicidade. A infelicidade é função do irreal. O real é bem-aventurança — satchitanand. A verdade é bem-aventurança e consciência. Sat significa verdade, chit significa consciência e anand significa bem-aventurança. Estas três coisas são as qualidades da verdade. Ela é assim, alerta e bem-aventurada. A irrealidade é infelicidade. O inferno é aquilo que não existe, mas que você cria; e o paraíso é aquilo que existe, mas que você não aceita. O paraíso está onde você realmente está, mas você não é corajoso o suficiente para penetrar nele. E o inferno é a sua criação privada, mas, devido a ser sua criação, você se apega a ela.
  • 39. O ser humano jamais deixou Deus. Ele vive em Deus, porém, ainda assim, sofre, pois ele cria um pequeno inferno à volta de si. O céu não precisa ser criado — ele já está presente e você precisa relaxar e desfrutá-lo. O inferno precisa ser criado. Leve a vida num estado de ânimo relaxado. Não há necessidade de criar, proteger ou se apegar a coisa alguma. Aquilo que é permanecerá, esteja você se apegando ou não a ele, e aquilo que não é não pode permanecer, esteja você se apegando ou não a ele. Aquilo que não é não é e aquilo que é é. Você pergunta: Por que parece que agente está morrendo quando está amando? Porque morre o ego, o irreal. O amor abre as portas para o real; ele é a soleira do templo. O amor abre a pessoa para Deus e traz grande alegria, mas simultaneamente traz grande medo: seu ego está desaparecendo. E você investiu tanto no ego! Você viveu para ele, foi ensinado e condicionado para ele. Seus pais, seus sacerdotes, seus políticos, sua educação, sua escola, colégio e universidade, todos eles criam o seu ego e a ambição, eles são fábricas de criar ambição. E um dia você se encontrará mutilado pelas suas próprias ambições e engaiolado pelo seu próprio ego. Você sofre muito, mas por toda a vida lhe foi ensinado que isso é valioso, então você se apega a ele — você sofre e se apega a ele e, quanto mais você se apega, mais você sofre. Existem momentos em que Deus vem e bate à sua porta. O amor é isto — Deus batendo à sua porta. Talvez através de uma mulher, de um homem, de uma criança, de um amor, de uma flor, do pôr-do-sol, do alvorecer... Deus pode bater de milhões de maneiras, mas sempre que ele bate você fica com medo. O sacerdote, o político, os pais e o ego criado... o ego fica em perigo e começa a sentir que está morrendo. Você recua, se segura, fecha os olhos e ouvidos e não ouve a batida. Você desaparece em seu buraco e fecha as portas. O amor parece a morte — ele é. E aqueles que desejam ser realmente bem- aventurados precisam passar por esta morte, pois a ressurreição somente é possível através da morte. Jesus está certo quando diz que você terá de carregar sua cruz sobre seus ombros. Você terá de morrer. Ele diz: “A menos que você renasça, você não verá o meu Reino e não perceberá o que estou lhe ensinando”. E ele diz: “Amor é Deus”. Ele está certo, pois o amor é a soleira. Morra em amor, e isso é muito mais belo e verdadeiro do que viver no ego. A vida no ego é a morte no amor; a morte no ego é a vida no amor. Lembre-se: quando você escolhe o ego, está escolhendo a morte real — pois ela é a morte no amor. E quando você escolhe o amor está somente escolhendo a morte irreal,
  • 40. pois, ao morrer no ego, você não está perdendo coisa alguma — desde o princípio você não tinha coisa alguma. Esta é toda a ênfase do doka de Ikkyu de ontem. Você não é, então por que ficar com medo? Quem vai morrer? Não há ninguém para morrer! A quem você está se apegando? A quem você quer tornar seguro? A quem você quer proteger e encouraçar? Não há ninguém, apenas vazio... vazio... completo vazio. Escute a canção de Ikkyu, aceite este vazio e o medo desaparecerá. Seja uma mariposa quando você encontrar a chama do amor queimando — seja uma mariposa! Salte nela... e você perderá o falso e ganhará o real, e você perderá sonhos e ganhará o supremo. Você perderá algo que não estava presente e ganhará algo que sempre esteve presente. A quarta pergunta: Por que o relacionamento entre o homem indiano e a mulher ocidental não é bem-sucedido? Ele sempre se rompe em algum ponto. Qual é o problema real que ocorre e impede o relacionamento de amadurecer? Por favor, diga alguma coisa. VEDANT BHARTI, todos os relacionamentos se rompem em algum ponto — precisam se romper. Você não pode fazer sua casa na soleira, você não deveria. O amor é uma porta; passe por ela. Passe, certamente, não a evite, pois se a evitar perderá a deidade no templo. Porém, você não deveria fazer sua casa na soleira, na porta. Não permaneça ali. A porta é apenas uma abertura. Você precisa se mover! O relacionamento amoroso é uma necessidade, mas não o destino, não o final — somente o princípio. Sou inteiramente a favor do amor, mas lembre-se: o amor também é algo que deve ser transcendido. Existem dois tipos de pessoa e ambos ficam neuróticos. Um tipo é daquelas que estão com muito medo do amor, pois estão com medo de morrer; elas se apegam ao ego e evitam o amor. Elas podem chamar isso de religião, contudo isso não pode ser religião — trata-se simplesmente de puro ego e nada mais. É por isso que os monges — os católicos, os hindus, os budistas — têm egos tão fortes, sutis e ocultos, mas muito fortes. A humildade é somente superficial, apenas açúcar encobrindo o ego venenoso. Eles têm egos respeitosos, todavia, os egos estão presentes, e um ego respeitoso é mais perigoso que um ego comum, porque o ego comum é aparente e não pode ser ocultado. Entretanto, o ego respeitoso está muito oculto e de maneiras sutis pode ser carregado para sempre.
  • 41. Desse modo, isso cria um tipo de neurose: as pessoas evitam o amor e acham que estão se dirigindo a Deus. Elas não podem se dirigir a Deus, pois evitaram a própria porta. Então há um outro tipo de neurose: perceber a beleza do amor, ter coragem para saltar nele, dissolver o ego por alguns momentos... porque no amor isso pode ser somente por alguns momentos. O êxtase do amor não pode ser eterno, pois é êxtase entre duas partes se encontrando e se dissolvendo uma na outra. A menos que você se dissolva com o todo, você não pode obter o êxtase eterno. Ao se dissolver com a parte — com um homem ou com uma mulher — você estará se dissolvendo somente numa pequena gota de Deus, e isso não pode ser oceânico. Sim, por um momento você sente o sabor e então o sabor desaparece. Isso cria um outro tipo de neurose: as pessoas se apegam a seus casos de amor. Se o amor morre com uma mulher, elas mudam para uma outra mulher ou um outro homem, e elas seguem assim. Elas começam a viver na soleira e se esquecem da deidade e do templo. O amor precisa ser transcendido em oração. Nunca permaneça na neurose do primeiro tipo e nunca se apegue ao segundo tipo de neurose. Vá em frente... siga em frente. Um grande imperador, Akbar, criou uma pequena e bela capital da Índia. Ela nunca foi usada, pais Akbar morreu antes de ela ser completada. Portanto, sua capital nunca foi transferida de Delhi para lá. O nome do lugar é Fatehpur Sikri, e é uma das mais belas cidades planejadas — e jamais usada por alguém. Cada pequeno detalhe foi examinado e grandes arquitetos e grandes mestres daqueles dias foram consultados. Akbar pediu a todos os grandes professores da Índia daqueles dias para lhe darem uma pequena frase que pudesse ser escrita sobre o portão, sobre a passagem. Uma ponte levava a Fatehpur Sikri — um rio precisava ser atravessado — e Akbar fez um lindo portão na ponte. Alguns sufis sugeriram uma frase de Jesus, e ele a adorou. Muitos dizeres foram sugeridos, mas ele adorou o de Jesus, o qual foi escrito no portão. Essa frase é bela; ela não se encontra na Bíblia e veio de uma outra fonte oral. Ela diz: “A vida é uma ponte — passe por ela, mas não faça sua casa sobre ela”. O amor também é uma ponte — passe por ele. Assim, nenhum caso de amor é bem-sucedido. Ele lhe dá esperança, grande esperança, mas sempre termina em frustração. Esta frustração está embutida; da mesma forma que o êxtase está embutido, assim está a frustração. No começo é êxtase e no fim é frustração. Esta frustração o levará a ir além; do contrário, como você irá além? Quando você procurará pela deidade real no templo se você se apega à porta? Se você achar que “A porta é suficiente e estou satisfeito” então ninguém jamais se moverá.
  • 42. Jesus diz que o ser humano alcança Deus através do amor, que amor é Deus — mas esta é somente a metade da verdade. A outra metade é: o ser humano nunca alcança através do amor, mas somente ao transcender o amor. Quando ambas são compreendidas, você compreende o fenômeno do amor. Amor é Deus e amor não é Deus. No começo ele é, no fim ele não é. No começo ele traz êxtase, aqueles dias de lua-de-mel, e então surge a frustração, o tédio que todo casamento dá. Pense em duas pessoas sentadas juntas e entediadas. Tudo foi explorado e não existe mais nada para explorar. Este é o momento! Ou você pode começar a procurar um outro homem ou uma outra mulher, ou você pode começar a olhar além do amor. Você viveu o amor, viu suas belezas e suas fealdades, sua alegria e sua miséria, seu céu e seu inferno. Ele não é puro céu, não; senão, ninguém jamais iria a Deus. Ele é puro céu e puro inferno — ambos. Inferno e céu são dois aspectos dele. No começo esperança, no final frustração. Ao passar repetidamente através dessa esperança e dessa frustração, um dia surge a compreensão: “O que estou fazendo na soleira? Preciso ir além!” E a pessoa vai além não a partir da raiva, porém, a partir do entendimento. Assim, a primeira coisa: nenhum relacionamento é bem-sucedido, e é uma sorte que seja dessa maneira — do contrário, quando você se relacionaria com Deus? Por que você deveria pensar em Deus? O ser humano pensa em Deus porque o amor dá um vislumbre, uma esperança. E o ser humano precisa pensar em Deus, pois o amor dá frustração. Todas as esperanças se transformam em desesperança. Sem o amor não haveria a busca por Deus, pois as pessoas não teriam qualquer experiência da esperança, do sentido, do significado e da grandeza. O amor lhe dá um vislumbre do além... não se apegue a ele. Aproveite a sugestão dele e procure algo mais, continue a procurar. Use o amor como um degrau. Você pergunta: Por que o relacionamento entre o homem indiano e a mulher ocidental não é bem-sucedido? A primeira coisa: nenhum relacionamento é bem-sucedido, seja entre o homem indiano e a mulher ocidental, entre o homem ocidental e a mulher indiana ou entre o homem indiano e a mulher indiana. Ele não pode ser bem-sucedido; sua própria natureza proíbe isso. Parece que ele está sendo bem-sucedido, porém, ele nunca é bem-sucedido. Ele chega muitíssimo perto do sucesso, mas nunca exatamente no ponto. Ele o leva a grandes jornadas, contudo, nunca supre o objetivo. Ele mantém sua esperança acesa, porém apenas esperança. Entretanto, isso é ótimo, pelo menos ele o leva à soleira. Um passo precisa ser dado; metade da jornada está completa, mas metade ainda permanece.
  • 43. E a segunda coisa: é mais difícil entre um homem Indiano e uma mulher ocidental ou entre um homem ocidental e uma mulher indiana. O problema não está entre o homem e a mulher, mas entre o oriental e o ocidental. Homem e mulher são simplesmente homem e mulher; Oriente e Ocidente não fazem diferença. Todavia, as mentes estão presentes, e essas mentes criam o problema. O indiano tem um tipo de mente e o Ocidente evoluiu um tipo mental diferente. Portanto, quando um homem indiano está com uma mulher ocidental ou vice- versa, não há comunicação; eles não falam a mesma língua — inglês, alemão, francês ou italiano —; contudo, eles podem falar a mesma língua, e ainda assim eles não falam a mesma língua, pois têm diferentes tipos de mente. Suas expectativas e condicionamentos são diferentes. O homem indiano diz uma coisa e a mulher ocidental entende outra. A mulher diz algo e o homem indiano entende algo mais. A menos que ambos abandonem as mentes e se tornem homem e mulher puros, haverá grande dificuldade. E Vedant Bharti deve estar fazendo esta pergunta a partir de sua própria experiência. Numa noite, bisbilhotando sobre Vedant Bharti, ouvi este diálogo: Vedant Bharti: “Oh, minha estupenda e doce amada! Eu sou o primeiro homem que foi para a cama com você?” E a garota americana respondeu: “É claro que sim! Por que todos vocês, indianos, fazem sempre a mesma estúpida pergunta?” Mentes diferentes... A mente indiana é muito macho-chauvinista e a mulher ocidental agora é liberada; ela vive num tipo de ambiente totalmente diferente. Ela não é a mulher que vive por séculos na Índia. Agora não é possível possuir uma mulher ocidental, ela já não é uma propriedade — ela é tão livre quanto você. Na Índia, a mulher é tomada como propriedade, o homem pode possuí-la, e não apenas o homem comum — mesmo os grandes homens da Índia consideram a mulher uma posse. Você pode ter escutado a famosa história de Mahabharata. ludhishthira, um dos homens mais famosos da história indiana — e considerado muito religioso, conhecido como Dharmaraj, um rei religioso ou um rei da religião —, brincando e jogando, apostava a sua esposa. Ele a colocava em jogo, pois a considerava uma propriedade. Ele apostou seu reino, seu tesouro, tudo; então só sobrou a esposa, e ele também a apostou. E ainda assim, na Índia, ele é visto como um dos homens mais religiosos. Que tipo de homem religioso é este? Só de pensar em apostar uma pessoa viva, colocá-la em jogo... Mas na Índia a mulher é considerada propriedade; você é o proprietário, o único e total proprietário. Não existe mais esta escravidão no Ocidente; ela desapareceu, e isso é bom e precisa desaparecer também na Índia. Ninguém pode possuir ninguém, homem